AUTOGESTÃO CONTRA DEPRESSÃO ECONÔMICA

Por Abrahan Guillén,  de "Socialismo
Libertário", Ediciones Madre Tierra
Após as duas grandes guerras mundiais (1914-18 e 1939-45), a grande depressão de 1929-33 (que na realidade durou entre 1929-39) e as grandes revoluções (a Revolução Russa de 1917 e a Revolução Chinesa de 1949), o mundo contemporâneo se encontra em um período de transição, cujo motor mais revolucionário é o progresso tecnológico, sendo as idéias e as políticas seu necessário reflexo ideológico, para ocultar as contradições e alienações do capitalismo. Em razão desta dialética, Oriente e Ocidente, em plena sociedade de transição e em função das leis históricas e a lógica dos fatos, evolucionariam em direção a uma sociedade de autogestão, onde os homens e as nações superem as lutas de classes, as guerras, as crises econômicas, os conflitos de nossa sociedade antagônica.

No Oriente se fixou, ao longo de sete décadas de socialismo burocrático, o capitalismo de Estado, oposto ao advento da sociedade libertária conduzida pelos trabalhadores, em suas empresas, e por cidadãos livres, em seu autogoverno: sem burguesias nem burocracias. Nesta ordem de idéias, se diria que o que se pergunta democraticamente, tanto no Leste como no Oeste, é: quem nomeia os diretores do conselho de administração da empresa: o patronato, o Estado ou os trabalhadores?

Se no Ocidente, por exemplo, ocorrer que os trabalhadores elejam os diretores das empresas, é evidente que o socialismo estaria mais perto do Oeste que do Leste: onde o trabalhador não decide na escolha dos diretores soviéticos, nem na divisão do excedente econômico, nem nos investimentos, nem na gestão direta. No Ocidente, a burguesia perdeu a direção empresarial nos setores econômicos e estratégicos nacionalizados das economias nacionais, enquanto que a burocracia, no Oriente, controla o poder econômico e político, como seu interesse particular, embora se apresente como representante do interesse geral (socialismo?); contudo, na realidade, das corporações: forças armadas, diretores de empresa, dirigentes do Partido único e do Estado patrão; planificadores da Economia; tecnocracia altamente remunerada, etc. (a burocracia soviética) onipotente, com poder de veto sobre o parlamento e os sindicatos, não tem- como todas as burocracias- quaisquer idéias revolucionárias; pois a ambição em subir os degraus da hierarquia é comum a toda burocracia; todavia isso a conduzirá à sua ruína definitiva. Por isso a burocratização econômica e política da economia, no Leste, se opõe tanto quanto o grande capital, no Oeste, à autogestão das empresas por seus produtores diretos: os trabalhadores, que assim deixariam de ser assalariados pelo capital privado ou de Estado.

Vivemos em um período de crises de transição, tanto no Oriente como no Ocidente, determinado pelo processo econômico e tecnológico que vai superando velhas ideologias e pela "explosão demográfica" nos países afro-asiáticos e latino-americanos. O aumento desmedido da população nas zonas mais pobres do globo, necessariamente tem que superar o feudalismo residual, para que a agricultura cooperativa e autogestionária aporte os necessários alimentos para uma crescente população, que não pode ser alimentada com culturas próprias da Idade do Bronze. Por outro lado, o acelerado progresso tecnológico nos países industrializados não pode ser absorvido em uma sociedade com demanda interna limitada, nem tampouco no "Terceiro Mundo", endividado e sem capacidade de compra. O capitalismo dos "trustes", da mesma forma que o grande latifúndio, serão superados, histórica e economicamente, nas próximas décadas; pois a sociedade e a história não se detém diante daquilo que pode resolver, e o resolvem implacavelmente: ou por uma profunda reforma ou por uma violenta revolução.

Ao contrário das clássicas crises econômicas, essa crise de transição é administrada, caso contrário explodiria, mediante mecanismos monetários internacionais do lastro dólar (que não obriga o dólar a desvalorizar-se obrigatoriamente com relação ao ouro, a quase meio século, apesar desta moeda haver perdido mais de 90% de seu poder aquisitivo desde 1934; fato que permite ao imperialismo norte-americano transferir uma parte de suas crises aos países do "Terceiro Mundo", comprando barato e vendendo caro para eles. Se o dólar estivesse dentro do lastro ouro não poderia acumular enormes dívidas em sua balança de pagamentos externos: teria obrigatoriamente que desvalorizar-se para ganhar ouro baixando seus preços de exportação. O lastro ouro por conseguinte, exerce um imperialismo monetário internacional que estabelece uma colonização financeira nos países membros do Fundo Monetário Internacional, donde possui "quotas" e votos suficientes, para controlar este organismo supranacional.

Esta crise de transição não é como a crise de 1929-33 em que baixavam os preços, aumentava o desemprego, as Bolsas de Valores experimentavam perdas milionárias, os bancos quebravam e as mercadorias se acumulavam sem demanda imediata.

A atual economia de guerra para tempo de paz mitiga a crise de transição com os pedidos da defesa nacional à indústria pesada, setor crítico por excelência. Em nossa época de transição, a característica das crises econômicas não é a queda dos preços, mas sua alta constante, devido à estagflação (inflação + desemprego), às repetidas desvalorizações; pois a crise não se revela agora como baixa de preços, mas como queda do volume de vendas físicas. Tal caracterização da crise é a nota dominante de economias com crises endêmicas: Brasil, México, Argentina, Peru, Chile, Polônia, Hungria e Romênia. Para não citar outros países, onde a persistente inflação monetária determina a alta vertical dos preços e, como contraponto, a queda do volume das vendas físicas, as indústrias marcham depressivamente a pouco mais de 50% de sua capacidade real de produção. Assim o desemprego aumenta aceleradamente e, para conter a crise, desvalorizam a moeda para afrouxar a corda: se bem que já está muito tensa no México, Brasil, Argentina, Peru, Venezuela, Hungria, Polônia, Romênia e outros países suportando uma pesada dívida externa.

O Imperialismo econômico, subtilmente, endossa uma parte de sua crise econômica interna aos países neocoloniais, mediante uma relação de preços de intercâmbio favoráveis para as grandes potências industriais e financeiras e desfavoráveis aos países afro-asiáticos e latino americanos. Por exemplo, desde 1952 a 1962, o volume das exportações físicas dos países do "Terceiro Mundo" aumentou ao redor de 30% em tonelagem embarcada; todavia os valores em dólares destes produtos primários só se incrementou em apenas 15%, aproximadamente. Isso significa que, graças ao lastro dólar, os preços de exportação dos países emergentes ou subdesenvolvidos baixam em dólares e os preços de importação, dos países industrializados para o "Terceiro Mundo", sobem em dólares. Nesse sentido a crise econômica pode ser transferida desde os países industrializados aos países subdesenvolvidos, mediante a não desvalorização do dólar com relação ao ouro, que não tem necessidade de baixar seus preços de exportação, se bem que os USA tenham várias vezes mais dívida em divisas dólar com o exterior que várias vezes sua reserva áurea em Fort Knox. A verdade é que se os USA pagasse seu déficit da balança comercial exterior (acumulados em bancos centrais estrangeiros) e os depósitos e empréstimos estrangeiros exigíveis a curto prazo o Estado norte americano, não alcançaria nem um mínimo de sua reserva áurea de Fort Knox, para cumprir seus compromissos e obrigações com o exterior. Até quando irá durar essa situação de crise do dólar e de seus pagamentos externos diferidos? Se fossem cobrados em ouro os eurodólares, petrodólares, nipodólares e outras obrigações externas dos USA seu tesouro público quebraria, pois seria insolvente tanto como os países mais endividados da Ásia, África, e América Latina. Cairia assim os Estados Unidos em uma gigantesca crise financeira infinitamente maior que a suportada pela América Latina com sua pesada dívida pública externa.

Se o dólar se desvaloriza- ao baixar seus preços de exportação- é evidente que seu trigo, seus oleaginosos, seus produtos granjeiros, suas fibras de algodão declinariam no mercado mundial, endossando assim a crise no Canadá, Austrália e Argentina, exportadores destes produtos. E ao baixar os preços de exportação dos produtos manufaturados norte-americanos, a crise passaria da América do Norte para a Europa e Japão. Estamos, pois, em um período de crise de transição que só pode ser superado mediante a autogestão: pois a crise não é comercial e financeira, mas uma crise do sistema capitalista, tanto do capitalismo privado quanto do capitalismo de Estado.

Necessitamos, para sair da crise endêmica do capitalismo, administrar diretamente as empresas pelos trabalhadores, que devem aprovar democraticamente em suas assembléias o plano econômico das mesmas, seus estatutos internos, suas políticas comercial e financeira, a renovação científico tecnológica, nomear os conselhos autogestores e, para não criar menos forças produtivas que o capitalismo, haverão de comprometer-se a realizar a reprodução ampliada do capital social. Caso contrário, a autogestão diminuirá a taxa de acumulação de capital social e, cedo ou tarde, por incapacidade dos trabalhadores para gerir diretamente suas empresas, poderia voltar a regê-las  uma classe dirigente e inversora: a burguesia ou a burocracia.

Todavia, diferentemente do modo de produção capitalista e do modo de produção estadista, seja no Oeste ou no Leste, um socialismo autogestionário deve demonstrar sua eficácia, como regime socioeconômico, produzindo mais e melhor, sem desemprego de trabalhadores, empregando, utilmente a totalidade das forças produtivas e dos recursos humanos, socializando a produção, a troca, a distribuição e o consumo, a informação, a educação, o saber e o poder.

Acima das ideologias do capitalismo privado e do capitalismo de Estado, da democracia burguesa ou do socialismo burocrático, do patrão privado ou do Estado patrão, os trabalhadores devem tomar o poder econômico (economia autogestionária) e os cidadãos livres criar (o autogoverno, baseado em um socialismo federativo, desde o local ao universal), abolindo as classes dominantes e exploradoras do trabalho assalariado. Só assim será instaurada a sociedade libertária, federativa e igualitária.

O problema essencial, entre uma pseudodemocracia capitalista ocidental e uma ditadura burocrática (oriental), se resolve mediante a auto organização dos trabalhadores associados com seus meios de produção e o autogoverno dos cidadãos, fazendo que prevaleça a Sociedade e não o Estado, pois este implica, necessariamente, na existência de uma classe dominante e de uma grande desigualdade econômica e de condições educativas entre os homens. Isso permite que uns dominem outros, seja na forma de capitalismo convencional ou na forma de socialismo administrativo, que não é socialismo mas apenas e tão somente outra forma de capitalismo, capitalismo de Estado.

Ao homem assalariado, tanto no Oeste como no Leste, dado o enorme progresso econômico, cultural e tecnológico de nossa época, é chegado o momento de deixar de produzir para outro e não para si, associando-se, na empresa autogestionária, o trabalho, a técnica, a ciência e o capital, em uma sociedade auto organizada que suprima o Estado mediante uma auto administração das coisas mais do que dos homens.

A verdadeira revolução social não fez ainda, está por fazer-se e por chegar; será autêntica, emancipadora de todos os homens, quando o povo trabalhador será seu próprio protagonista e não os tecno-burocratas, os funcionários, os estatócratas, a "classe política", a "nomenklatura" monopolizadora do Estado absoluto colocado sobre a sociedade oprimida.

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