A EUROPA EM CRISE (Parte I)

Por Rui Cabaço

 

 

    “Paz nos nossos dias”, proclamava, em 30 de Setembro de 1938, Neville Chamberlain, primeiro-ministro Britânico, perante os Londrinos entusiasmados. Nesse mesmo dia, em Berlim, em Roma, em Londres, em Paris, multidões delirantes aclamavam os salvadores da paz, que, segundo se dizia, acabavam de assinar um acordo definitivo. Na realidade porém, a Europa vivia os seus últimos momentos de tranquilidade. Onze meses depois estalava a guerra.

 

    O acordo assinado em Munique entre Hitler, Mussolini, Chamberlain e Daladier (Primeiro-Ministro Francês) destroçava o mapa da Europa, tão pacientemente elaborado nos tratados de paz de 1919, ao entregar á Alemanha uma parte de um estado independente: a Checoslováquia.

 

    Hitler, à força de ameaças, obtinha das “democracias” francesa e inglesa – apesar dos tratados de aliança e assistência mútua que as ligavam à Checoslováquia – o fortalecimento do Reich alemão e o seu aumento com mais de três milhões de habitantes, á custa de um pais livre. Este deliberado acto de imperialismo foi acolhido pelo “povo”, tanto em Londres como em Paris, com um suspiro, não de terror, mas de alívio. Necessariamente, algo havia mudado nesta Europa de 1938 para que o desejo expansionista da Alemanha fosse considerado como uma garantia de estabilidade e paz.

 

    A explicação desta mudança de mentalidade deu-a, sem dúvida, Churchill aos colegas da Câmara dos Comuns, com o sentido de humor que nunca o abandonou, inclusive nas horas mais sombrias: “O ditador, ameaçando-nos com uma pistola, reclamou ao principio uma libra esterlina. Quando lha deram, exigiu outra, sempre sob a ameaça da pistola. Finalmente, aceitou contentar-se com uma libra, dezassete xelins e seis pence. E o resto em promessas mais para diante...”

 

    Para se  entender melhor o êxito desta política, de exigências e ameaças, empreendida por Hitler, ter-se-á de recuar no tempo, mais precisamente até 1933, ano em que Hitler chegou ao poder.

 

    A Republica da Checoslováquia foi criada, inteiramente, pelos tratados de paz do final da primeira grande guerra. Os seus fundadores fizeram dela, durante os anos que se seguiram á sua criação o estado mais democrático , mais aberto ao progresso e mais próspero de toda a Europa Central.

No entanto pelo próprio facto de ser composta por vários grupos étnicos -húngaros, rutenos e sudetas - a Checoslováquia encontrou-se, desde o inicio, com um problema de ordem interna: o das minorias.

Estas populações “lançavam” olhares nostálgicos às suas “pátrias-mãe”, a Hungria, a Rússia e a Alemanha, apesar de no caso dos Sudetas, estes nunca terem pertencido ao Reich alemão, mas somente á Áustria.

 

    Em 1933, quando Hitler se tornou chanceler o nacionalismo infiltrou-se nos alemães dos Sudetas. Viu-se então nascer o Partido Alemão dos Sudetas, obedecendo á instigação de um professor de ginástica, chamado Konrad Henlein, que recebia as directrizes políticas directamente de Berlim. Em dois anos, inscreveram-se no partido a maior parte dos sudetas, com excepção dos sociais-democratas e comunistas. Quando se deu o “Anschluss”, o partido estava preparado para agir. A ideia de Hitler, a qual transmitiu a Henlein, era a de os sudetas, fazerem constantemente pedidos tão exorbitantes que nunca pudessem ser cumpridos.

 

    Deste modo, a situação da minoria alemã seria apenas um pretexto para Hitler – tal como seria, um ano mais tarde a de Dantzig, em relação á Polónia – preparar um golpe, num país que cobiçava, e disfarçar os seus verdadeiros intentos. Apesar do que se passara na Áustria, os dirigentes franceses e ingleses não compreenderam a situação. Durante a Primavera e o Verão que se seguiram, em abono da verdade, quase até aos últimos dias, o primeiro-ministro inglês, Chamberlain e o presidente do Conselho francês , Daladier, acreditaram – como a maioria dos ocidentais – que Hitler apenas desejava justiça para os seus compatriotas.

 


A PRIMEIRA CRISE: MAIO DE 1938

 

    Durante o fim de semana que principiou na sexta-feira, 20 de Maio, desenvolveram-se acontecimentos muito graves; mais tarde deu-se a esta data o nome de “Crise de Maio”. Durante esse período os governos de Londres, Paris, Praga e Moscovo foram tomados de pânico, pensando que a Europa estava mais perto da guerra do que nunca antes estivera desde Julho de 1914.

 

    Talvez se tenham chegado a conhecer, os novos e secretíssimos  planos de ataque alemão contra a Checoslováquia. Em Praga e em Londres, pelo menos, acreditava-se nesse ataque.

    Por causa disso, os Checos começaram uma mobilização parcial imediata, ao contrário do que havia feito o governo Austríaco dois meses antes, o governo Checo não estava disposto a ceder sem luta. Por outro lado a França, Grã-Bretanha e Rússia, em presença duma eventual ameaça alemã, mostravam uma firmeza e uma união que já não voltariam a manifestar até ao dia em que uma nova guerra mundial esteve prestes a destruí-las.

 

    Na sexta-feira, 20 de Maio, o general Keitel, comandante supremo das Forças Armadas, enviou a Hitler uma nova versão do “Caso Verde”, nome de código do plano de ataque contra a Checoslováquia, em que tinha estado a trabalhar, com o seu Estado-Maior desde que o Fuhrer havia traçado as suas linhas gerais.

    Segundo as suas previsões, a operação em si mesma devia obter, em quatro dias, um êxito tal “que demonstraria aos Estados inimigos, no caso de estes se sentirem tentados a intervir, que a situação dos Checos era desesperada, ao mesmo tempo que incitaria os Estados que têm reivindicações territoriais na Checoslováquia a unirem-se a nós sem tardar”.

 

    Estes Estados eram a Hungria e a Polónia, e o plano contava com a sua intervenção. Parecia duvidoso que a França cumprisse as suas obrigações, em relação aos Checos, definidas, pelo Tratado de Assistência Mútua de 1925, mas era de esperar que a Rússia, tentaria prestar auxilio militar á Checoslováquia. Devia ser uma guerra total.

 

    Ao saber da mobilização Checa, Hitler ficou furioso e a sua cólera aumentou ainda mais quando teve conhecimento dos telegramas vindos do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Berlim. Faziam-lhe saber que os embaixadores britânico e francês, haviam ido várias vezes ao Ministério dar conta de que, caso a Alemanha interviesse contra a Checoslováquia originaria uma guerra europeia. Até então, nunca se tinha submetido os Alemães a uma pressão diplomática tão enérgica e tão insistente.

 

    No entanto, os alemães não podiam deixar de notar que a Grã-Bretanha se assegurava que a França iria em auxilio dos Checos, não afirmava, todavia, se faria o mesmo. Os Britânicos limitavam-se a prevenir a Alemanha de que, “na eventualidade de um conflito europeu, era impossível saber se a Grã-Bretanha se veria forçada a tomar parte nele”. De facto, o Ministério de Chamberlain não levou mais longe o compromisso até ao dia em que já era tarde demais para deter Hitler.

 

    Na segunda-feira, 23 de Maio, fazendo calar o seu orgulho, Hitler, ordenou a Ribbentrop que informasse o enviado checo de que a Alemanha não tinha qualquer intenção agressiva contra a Checoslováquia. Em Praga, em Londres, em Paris e em Moscovo , os chefes de governo deram um suspiro de alivio. A crise estava vencida. Dera-se assim uma lição a Hitler. Daí em diante ele saberia que não se aceitaria assim tão facilmente uma nova agressão como acontecera aquando da invasão da Áustria.

 

    Isto era desconhecer completamente Hitler.

 

    Hitler ficou ainda alguns dias a acalmar a sua ira, enquanto a Grã-Bretanha, no interesse da paz, aprovava a entrega dos Sudetas à Alemanha. Com tudo isto, Hitler devia estar contentíssimo. As noticias provenientes de Moscovo também não eram más.

 

    Nos finais de Junho, o embaixador alemão na Rússia, informava Berlim, de que a União Soviética “provavelmente não interviria na defesa de um pais burguês”, ou seja a Checoslováquia. No dia 3 de Agosto, Ribbentrop, informava as grandes missões diplomáticas alemãs no estrangeiro que não havia motivo para temer um intervenção da Grã-Bretanha, da França ou da Rússia a favor da Checoslováquia.

 

    No O.K.W. (Alto Comando das Forças Armadas Alemãs) reinava uma actividade incessante. Ultimavam-se, definitivamente, os planos que permitiriam ás forças armadas estar preparadas para entrar na Checoslováquia no 1º de Outubro.

    Os preparativos do ataque á Checoslováquia iam manifestamente no bom caminho. Mas, como se defenderia a Alemanha pelo oeste se os franceses cumprissem a sua palavra e atacassem? No dia 26 de Agosto, Hitler partiu para uma visita de inspecção ás fortificações do oeste, acompanhado pelo general Jodl, pelo Dr Todt, o engenheiro encarregue de construir a linha a ocidente, por Himmler e por várias outras importantes figuras do partido.

    A 27 de Agosto juntasse-lhes o general Wilhelm Adam comandante da região ocidental.

 

    A 5 de Setembro, o presidente da Checoslováquia, Eduardo Benes, compreendendo a necessidade de uma acção decisiva da sua parte para salvar a paz, convocou os chefes sudetas, Kundt e Sebekovsky, para o palácio de Hradschin, e pediu-lhes que expusessem por escrito, todas as suas reivindicações. Ele aceitá-las-ia, quaisquer que elas fossem: “Meu Deus!” – exclamou no dia seguinte o deputado sudeta Karl Herman Frank - , “Concederam-nos tudo!

 

    Devido a isso, a 7 de Setembro, Henlein, seguindo as instruções recebidas de Berlim, rompeu todas as negociações com o Governo Checo, sob o pretexto de supostas violências policias praticadas por checos em  Moravska-Ostrav.

    Deste modo, a Europa inteira esperava ansiosamente as palavras que Hitler iria pronunciar no dia 12 de Setembro em Nuremberga.

 

    Mas o discurso do Fuhrer, apesar de atacar fortemente o Estado Checo e especialmente o seu presidente, não foi, no entanto, uma declaração de guerra. Assim Hitler “escondia” a sua decisão, pelo menos publicamente, de lançar as sua tropas para além da fronteira checa, no 1º de Outubro. Limitou-se a exigir que o governo Checo fizesse justiça aos alemães dos sudetas. Caso contrário a Alemanha saberia o que fazer.

 

    As violências verbais de Hitler tiveram repercussões consideráveis. Na região dos Sudetas provocaram uma revolta que o governo Checo reprimiu, enviando urgentemente tropas para aquela zona e proclamando a lei marcial. Henlein, que regressara à Alemanha clandestinamente, proclamava que a única solução consistia na cedência da região dos Sudetas ao Reich.

Esta solução, contava cada vez mais com a opinião favorável por parte do governo Britânico, mas, antes de a aceitar havia que obter o “consentimento” da França.

 

    No dia seguinte ao discurso de Hitler, a 13 de Setembro, o gabinete francês esteve reunido todo o dia. Com efeito, conservou-se irremediavelmente dividido sobre a questão de saber se devia ou não honrar os seus compromissos em relação à Checoslováquia, no caso de ataque alemão, que se julgava iminente.

Por fim, Daladier conseguiu que se pedisse a Chamberlain, sem  demora, para tentar concluir um acordo com o Fuhrer alemão nas melhores condições possíveis.

Chamberlain, não precisou que lho pedissem duas vezes. Ás 23 horas desse mesmo dia, o primeiro ministro britânico enviava a Hitler uma mensagem urgente:

“Como a situação se torna cada vez mais crítica, proponho-me visitá-lo imediatamente a fim de tentar encontrar uma solução pacífica. Penso viajar de avião e estou pronto a partir já amanhã. Queira fixar-me um encontro e indicar-me o local escolhido, o mais breve possível. Ficarei muito grato se me responder sem perda de tempo.”

  

    Duas horas antes, o encarregado de negócios alemão em Londres, Theodor Kordt, tinha telegrafado para Berlim dizendo que o secretário de Chamberlain para a imprensa o informara de que o primeiro-ministro britânico “estava pronto a examinar as propostas alemãs de grande envergadura, incluindo um plebiscito, a participar na sua execução e a apoiá-las publicamente”

Começava assim, a série de renuncias que iria terminar com os acordos de Munique.

 


Chamberlain em Berchtesgaden: 15 de Setembro de 1938

 

    “Caio das nuvens”, exclamou Hitler, estupefacto mas satisfeito, quando leu a mensagem de Chamberlain. Alegrava-o a ideia de ver apresentar-se diante de si, como solicitador, o homem que presidia aos destinos do poderoso Império Britânico. Lisonjeado pelo facto de um “velho” de setenta e nove anos percorrer sete horas de avião para chegar a Berchtesgaden, mesmo no extremo da Alemanha, Hitler não propôs sequer um lugar de encontro nas margens do Reno, o que haveria encurtado o trajecto em metade.

 

    No princípio, deu-se uma escaramuça diplomática entre os dois homens, apesar de Hitler, segundo o seu costume, monopolizar quase continuamente a conversa. Com efeito, como fazia sempre nos seus discursos, Hitler lançou-se numa comprida dissertação, lembrando tudo o que realizara pelo povo alemão, pela paz e por uma aproximação anglo-alemã. Mas, acrescentou que existiria doravante um problema que estava decidido a solucionar, “de uma maneira ou de outra”: os três milhões de alemães residentes nos Sudetas tinham de “regressar” ao Reich.

 

    Chamberlain, estava armado de uma paciência a toda a prova. Neste momento, interrompeu Hitler para lhe fazer notar que, se já resolvera solucionar este assunto pela força sem esperar que os dois a discutissem em conjunto, então não fora razoável deixá-lo vir perder o seu tempo.....

    Hitler não estava habituado a que o interrompessem assim e a réplica de Chamberlain pareceu atingir o resultado desejado. O Fuhrer acalmou-se.

 

    “Agora talvez seja o momento oportuno para ver se ainda é possível um arranjo pacífico”. Lançando de seguida a sua proposta. “A Grã-Bretanha consentiria, ou não, na cedência da região dos Sudetas, baseada num direito á autodeterminação?”

 

    A proposta não escandalizou Chamberlain. Exprimiu até a sua satisfação por ver “que estavam agora a chegar ao fundo do problema”. No entanto, não se podia comprometer sem consultar previamente o seu Gabinete e o Governo Francês.

    Antes de se despedir, conseguiu “arrancar” a Hitler a promessa de não empreender qualquer acção militar sem que os dois voltassem a encontrar-se.

 

    O presidente Daladier e o seu ministro dos negócios estrangeiros, Georges Bonnet, chegaram a Londres a 18 de Setembro para conferenciarem com os seus colegas britânicos. Ninguém pensou em pedir aos Checos para tomarem parte nas conversações. Os Britânicos e os Franceses, desejosos de evitar a guerra por qualquer preço, em breve se puseram de acordo sobre as propostas conjuntas que os Checos haveriam de aceitar.

    Todos os territórios Sudetas, nos quais a população germânica fosse superior a 50%, deviam ser entregues á Alemanha para assegurar “a manutenção da paz e a segurança dos interesses vitais da Checoslováquia”.

 

    Em contrapartida a França e a Grã-Bretanha concordavam em participar numa garantia internacional de novas fronteiras contra a agressão não provocada. Esta garantia substituiria os tratados de assistência mútua que o estado Checo assinara com a França e a Rússia. Era uma porta de saída muitíssimo cómoda para os Franceses.

Assim, no dia 19, pelo meio-dia, os embaixadores francês e britânico acreditados em Praga, apresentaram conjuntamente as propostas anglo-francesas ao Governo Checo. No dia seguinte foram rejeitadas numa nota onde os Checos, depois de recordarem á França as sua obrigações, explicavam de maneira “profética” que o facto de as aceitar “equivalia a colocar, mais cedo ou mais tarde, a Checoslováquia sob o domínio completo da Alemanha”.

Em Londres e em Paris, a nota checa foi mal acolhida. Chamberlain convocou uma reunião no seu gabinete privado e mandou estabelecer uma ligação telefónica com Paris para discutir durante toda a noite o assunto com Daladier e Bonnet. Ficou assente que os dois governos fariam, novamente, pressão sobre Praga. Era preciso prevenir os Checos de que, se resistissem, não poderiam contar já com a ajuda da França nem da Grã-Bretanha. Isto fez-se da tal forma que o presidente checo, Benes, reuniu no seu gabinete os chefes dos partidos e os altos comandos do exército, para deliberar com eles. Todos estes homens tinham dado provas da sua coragem e determinação, perante as ameaças de Berlim, mas perante o abandono dos seus aliados começavam a ceder.

 

    Já pela tarde o Governo Checo “capitulou” e aceitou o plano anglo-francês. “Não temos escolha possível porque nos abandonaram”, explicava um comunicado do Governo. Em particular, Benes exprimia-se através de termos mais duros: “Fomos cobardemente traídos.”

 

    Nesse mesmo dia, por pressão de Berlim, o Governo Polaco exigiu dos Checos a realização de um plebiscito no distrito de Teschen, onde vivia uma grande maioria polaca, e enviou tropas para a fronteira dessa região. No dia seguinte, o Governo Húngaro, pelo seu lado fazia outro tanto, enquanto as milícias dos Sudetas, apoiadas por destacamentos de S.S. ocupavam as cidades fronteiriças checas de Asch e Eger, que formavam um enclave em território alemão.

    Aquele 22 de Setembro foi, além disso, um dia de extrema tensão em toda a Europa, porque nessa manhã, Chamberlain tornava a partir para a Alemanha, afim de conferenciar com Hitler.

 

(Continua)

 

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