"A homossexualidade deve ser um desafio e não
um tabu para a Ciência, dizia já em 1957 G.A. Silver(2)
e não obstante tal sugestão, injustificado
complô do silêncio continua a barrar da Academia os estudos sobre
"o amor que não ousa dizer o nome" (Oscar Wilde). Já
em 1927, B.Malinowski, um dos pais da Antropologia moderna, chamava a atenção
para a importância de estudar temas da sexualidade humana tirando "a
folha de parreira que cobre o sexo"(3)
. Não obstante, neste final do segundo milênio
de nossa civilização, o estudo do amor e erotismo entre pessoas
do mesmo gênero ou continua proibido, ou é considerado tema marginal
e de menor importância no meio univercitário. Se ponderarmos
que os gays(4)
e lésbicas representam por volta de 10% da população
dos países ocidentais(5)
, concluiremos que somente o preconceito e discriminação
poderiam explicar o desprezo pelo conhecimento de tão significativo
contigente demográfico. Em seu recente livro sobre as unões
entre homoxessuais na Europa pré-moderna, J.Boswell adverte-nos quão
ilógica e cruel tem sido a nossa cultura, notadamente após o
século XIV, ao eleger a homossexualidade como o maior e mais horroroso
de todos os tabus sexuais. O "pecado nefando", isto é, aquele
cujo nome não pode ser mencionado - e muito menos praticado! - foi
considerado pela moral judaico-cristã como mais grave do que os mais
hediondos crimes anti-sociais, como por exemplo, o matricídio, a violência
sexual contra crianças, o canibalismo, o genocídio e até
deicídio - todos pecados-crimes mencionáveis, enquanto só
o abominável pecado nefando de sodomia foi rotulado e tratado como
nefandum(6) .
É pois com o objetivo de quebrar o silêncio e tabu que ainda
cercam o amor entre pessoas do mesmo sexo em nosso continente, que faz-se
importante resgatar a história e antropologia da homossexualidade na
America Latina. Reunindo informações bibliográficas de
difícil acesso, geralmente inexistentes nos compêdios tradicionais,
minha intenção, além de esboçar um quadro geral
de homoerotimo em diferentes áreas culturais desta parte do orbe, é
estimular outros pesquisadores nativos a aprofundar as pista aqui apresentadas,
não apenas visando o deleite
intelectual, diletante ou fetichista, mas tendo em vista o reconhecimento
dos direitos de cidadania deste buliçoso segmento social cujos direitos
humanos são negados e vilipendiados na maior parte dos países
latino-americanos, inclusive dentro das próprias universidades. Para
facilitar esta análise, dividimos este trabalho em três partes,
a saber: a homossexualidade na América pré-Colombiana; a repressão
aos sodomitas na América Latina Colonial e a situação
dos gays e lésbicas latino-americanos hoje.
Portanto, antecipando algumas das conclusões desta pesquisa, valeria
destacar que o estudo da etno-história do homoerotismo na América
Latina reveste-se de particular interesse para diferentes ramos da Historiografia,
notadamente para os estudos das mentalidades, do quotidiano e da sexualidade.
Os dados aqui coligidos permitem avançar a discussão sobre a
própria teoria da Homossexalidade(7),
ratificando de um lado a universalidade temporal e especial das práticas
homófilas, desmisficando assim a acusação vulgar de que
teriam sido os europeus os introdutores do "vício filosófico"
(Voltaire) no Novo Mundo. Outra questão sugerida pelos dados aqui apresentados
remete-nos a um dos impasses teóricos mais candentes e ainda não
resolvidos pelos estudiosos deste tema: até que ponto o conceito de
homossexulidade pode ser usado com propriedade heurística para
descrever e interpretar as relaç·es unissexuais do mundo extra-europeu?
Deixarei ao leitor, no final deste trabalho, retirar suas próprias
conclusões quanto a esta polêmica que coloca de um lado os essencialistas
e do outro, os construtivistas sociais(8).
A homossexualidade na América pré- colombiana
"Ultra Oequinotialem no peccari." (Ditado Ibérico do Século
XV)
Para se estudar as práticas homossexuais no Novo Mundo quando da chegada
dos conquistadores europeus, dispomos basicamente de três fontes: Esculturas
e Cerâmicas representando cenas homoeróticas;mitos conservados
na memória oral dos nativos e registrados nos manuscritos tradicionais;
relatos dos primeiros cronistas que entraram em contacto com os amerídios
e finalmente, estátuas e gravuras alusivas ao homoerotismo(9).
Conforme relata Gonzalo Fernandez de Oviedo, em sua História General
y Natural de las Indias, (1535) o gosto pelo vício nefando se
espalhava não só por toda área circum-caribe, mas também
ao longo da Tierra Firme, atual costa da Venezuela e Colômbia, "onde
muitos índios e índias eram sodomitas." Observou escandalizado
que "em algumas partes destas Indias, traziam como jóia a um homem
por sobre o outro, naquele diabólico e nefando ato de Sodoma, feitos
de ouro. Eu vi uma destas jóias do diabo que pesava vinte pesos de
ouro, muito bem lavrado, que se tomou no Porto de Santa Marta na costa de
Tierra Firme,no ano de 1514... Assim, quem taos jóias valoriza e compõe
sua pessoa, certamente usará de tal maldade na terra onde trazem tais
erros, ou se deve teer por coisa usada, ordinária e comum"(10).
Também Francisco Lopez de Gomara (1552) refere-se à presença
de ídolos homossexuais entre os nativos mexicanos de Sant Anton: "Acharam
entre umas árvores um idolozinho de ouro e muitos de barro, dois homens
cavalgando um sobre o outro à moda de Sodoma"(11).
Por ocasião da descoberta da Península de Yucatan, encontraram
os espanhóis outra comprovação escultórica de
que os Maias prestavam culto ao amor unissexual: "Tenian muchos idolos
de barro, unos como con caras de demonios y otros como de mujeres y otros
de malas figuras, de manera que al parecer, estaban haciendo sodomias los
unos indios com los otros"(12).
Também na América do Sul, na região dos Andes, foram
encontradas provas arqueológicas confirmando a prática do homoerotismo
antes da chegada dos europeus. Há notícia de que os espanhóis
teriam igualmente encontrado e derretido no Peru estátuas em ouro representando
cópula anal entre dois homens(13).
Preservaram-se contudo até nossos dias diversas peças de cerâmica,
reservatórios de água ou moringas, onde exímios artistas
pré-incaicos esculpiram na argila, cenas explícitas de homoerotismo.
Na célebre coleção de cerâmica erótica Mochica
coletada pela Família Larco, com data anterior a 1.000 A.D., 3% das
peças retratam realisticamente cenas de penetração per
annum(14).
Além dos ídolos mexicanos e das cerâmicas peruanas, outra
importante fonte pré-colombiana para se conhecer a prática da
homossexualidade no Novo Mundo é a coleção dos célebres
Códices Maias - como El Chilan Balam, El Popol Buj (Livro del Consejo)
e as Profecias Maias - obras pictográfico-hieroglíficas que
tratam da história mitológica e costumes desta civilização.
Através destes manuscritos, notadamente do Códice Vaticano nº3738,
constata-se que no panteão asteca, ocupava lugar proeminente a deusa
Xochiquetzal, divindade hermafrodita, protetora do amor e da sexualidaade
não procriativa, a qual, quando representada como homem, tornava-se
o deus Xochipilli, padroeiro da sexualidade masculina, controlador das doenças
sexualmente transmissíveis(15).
Segundo estes Códices, os Maias dividiam a história mitológica
do mundo em diferentes períodos, sedo a Quarta Idade, a que precede
o período anterior à chegada dos Europeus, também chamada
de Idade Negra ou Idade das Flores, tinha como patrona Xochiquetzal, símbolo
do sexo e da sensualidade. "Esta es la edad em que los vícios,
la molicie, el abandono de las costumbres austeras se instalan entre los hombres.
Es la edad en que se olvidan las virtudes viriles de los guerreros y de los
magistrados, se ensalza la vida blanda, facil y pervertida. Es la sublimación
de la Danza de Las Flores, de las Grinaldas y del afeminamiento. Es el imperio
de los mostradores del dorso, segun el Codice Chilan Balam(16).
São contudo os relatos dos primeiros cronistas contemporâneos
às conquistas do Novo Mundo, a fonte principal comprobatória
da existência, grande extensão e variedade das práticas
homossexuais na América Latina.
Já Fernan Cortez, na sua primeira Carta de Relación, enviada
ao Imperador Carlos V em 1519, dizia: "Soubemos e fomos informados com
certeza que todos [os índios] de Vera Cruz sãon sodomitas e
usam daquele abominavel pecado(17),
acrescentando Lopez de Gomarra que os nativos do Rio Panuco e adjacências
eram " grandissimos putos "(18),
usando o mesmo termo corrente desde a Idade Média em toda Península
Ibérica, injustamente associando os homossexuais às prostitutas.
Tarefa extremamente difícil é avaliar o grau de objetividade
ou subjetividade destas informações, pois nalguns casos, parece
que os cronistas tendiam a exagerar os hábitos pecaminosos dos selvagens,
exatamente com o escopo de justificar a conquista, redução ou
genocídio dos mesmos. Gomarra e outros cronistas associam a sodomia
à impiedade:" como não conhecem o verdadeiro Deus e Senhor,
estão em grandíssimos pecados de idolatria, sacrifícios
de homens vivos, comida de carne humana, fala com o diabo , sodomias, etc(19).
Quanto aos astecas, nota-se clara contradição entre os primeiros
observadores. Diaz del Castillo aponta-os como grandes amantes do homoerotismo,
enquanto o franciscano Frei Bernardino de Sahagun exime-os desta abominação,
ambos concordando, no entretanto, quanto à afeminação
e travestismo como elementos estruturais da prática homossexual masculina:
"Eram todos los demás dellos sométicos, en especial los
que viviam en las costas y tierra caliente, en tanta manera que andaban vestidos
en hábito de mujeres, muchachos a ganar en el diabolico y abominable
vicio"(20).
O citado missionário franciscano assim descreve os costumes destes
nativo na sua História General de las cosas de Nueva España:
"O somético paciente é abominável, nefando e detestável
, digno de desprezo e do riso das gentes; o fedor e fealdade de seu pecado
nefando não se pode sofrer, pelo nojo que causa aos homens. Em tudo
se mostra mulheril e efeminado, no andar ou falar , e por tudo isso merece
ser queimado"(21).
Também Frei Barlomé da las Casas defende os nativos que missinou
de serem muito afeitos às nefandices, ressaltando os especialistas
nas civilizações maias e astecas a contradição
notada entre uma mitologia extremamente dionisíaca, valorativa
inclusive do hermaforditismo e da homossexualidade, ao lado de um prática
moral bastante repressiva, do tipo apolíneo, prevendo até
a pena de morte para certos casos de homossexualismo(22).
"Aceita ou rechaçada, honrada ou severamente castigada, segundo
a nação onde era praticada, a homossexualidade estava presente
do Estreito de Berhing ao de Magalhães", conclui com maestria
Antonio Raquena, o primeiro estudioso das "anormalidades sexuales de
los aborigenes americanos"(23).
Inúmeros são os relatos de cronistas, viajantes e missionários
descrevendo a presença de índios homossexuais e travestis entre
as tribos e nações da atual América do Norte, onde os
famosos berdaches chegaram a ser retratados em pitorescas gravuras do século
XVII(24).
Praticada pelos maias, astecas e caribes, a homosssexualiade também
teve muitos adeptos em diferentes civilizações dos antigos imperios
andinos da Colômbia ao Chile, incluindo os Chavin, Tiahuanaco, Nazca,
Chimu, notadamente os Incas e Chibchas. Em sua Crônica del Peru, Cieza
de Leon observou que "para os ter o demônio mais presos nas cadeias
de sua perdição, nos oráculos e adoratórios onde
se falava com o ídolo e dava as respostas, fazia entender que convinha
para seu serviço, que alguns moços desde pequeninos estivssem
nos templos para que a seu tempo, cuando fossem feitos os sacrifícios
e festas solenes, os senhores e outros principais, usassem com eles no maldito
pecado de sodomia. Segundo o Padre Domingo de Santo Tomás, geralmente
entre os serranos e Yungas, em cada templo ou adoratório principal,
têm um homem ou mais, segundo o ídolo, os quais andam vestidos
como mulheres e um suas maneiras e trages e tudo o máis, arremedam
a elas. Com estes, quase por via da santidade e da religião, têm
nas festas e dias principais seu ajuntamento carnal e torpe, especialmente
os principais senhores. Eles davam a entender que tal vício era uma
espécie de santidade e religião"(25)
A associação entre homosexualidade e xamanismo e outras manifestaões
religiosas é tema fartamente documentado em incontáveis culturas,
em todos continentes e ao longo de toda história humana. A própria
suposta condenção do Antigo Testamento ao homoerotismo masculino,
segundo os exegetas modernos, deve-se muito mais à execração
da prostituição viril praticada nos templos, do que à
condenção per se da unissexualidade(26).
Também entre os aborígenes do Brasil e das partes mais meridionais
da América do Sul abundam evidências de que os amores homosexuais
faziam parte das alternativas eróticas socialmente aceitáveis
antes da chegada dos conquistadores portugueses. Entre os Tupinambá,
que ocupavam a maior parte da costa brasileira, os índios gays eram
chamados de tibira, e as lésbicas de çacoaimbeguira.
Eis como são descritos no Tratado Descritivo do Brasil em 1587:
"Não contentes em andarem tão encarniçados na luxúria
naturalmente cometida, são muito afeiçoadas ao pecado nefando,
entre os quais se não tem por afronta. E o que se serve de macho se
tem por valente e contam esta bestalidade por proeza. E nas suas aldeias pelo
sertão há alguns que têm tenda pública a quantos
os querem como mulheres públicas"(27).
Eis como outro cronista, Gandavo, já em 1576 descrevia a conduta das
mulheres-machos: "Algumas índias há que não conhecem
homem algum de nenhuma qualidade, nem o consentirão ainda que por isso
as matem. Estas deixam todo o exercício de mulheres e imitam os homens
e seguem seus ofícios como se não fossem fêmeas. Trazem
os cabelos cortados da mesma maneira que os machos e vão à guerra
com seus arcos e flechas e à caça, perseverando sempre na companhia
dos homens. E cada uma tem mulher que a serve, com quem diz que é casada.
E assim se comunicam e conversam como marido e mulher"(28).
Provavelmente foram estas índias ultra masculinizadas, as çacoaimbeguira
que ao serem vistas lutando contra os espanhois no Rio Marañon, foram
confundidas com as legendárias Amazonas, mito que propagou-se por todo
o continente americano, muito embora carecendo de qualquer evidência
confiável quanto à sua veracidade(29).
Entre os nativos Guaicuru, pertencentes à grande nação
Guarani, residentes nas margens do Rio Paraguai, ainda nos finais do Século
XVIII, eram encontrados índios homosexuais que além de travestirem-se,
eram totalmente identificados com o estilo de vida do sexo oposto: "Entre
os Guaicurus e Xamicos, há alguns homens a que estimam e são
estimados, a que chamam cudinhos, os quais lhes servem como mulheres,
principalmente em suas longas digressões. Estes cudinhos ou
nefandos demônios, vestem-se e se enfeitam como mulheres, falam como
elas, fazem só os mesmos trabalhos que elas fazem, trazem jalatas,
urinam agaxados, têm marido que zelam muito e têm constantemente
nos braços, prezam muito que os homens os namorem e uma vez cada mês,
afetam o ridículo fingimento de se suporem menstruados, não
comendo como as mulheres naquela crise, nem peixe nem carne, mas sim de algum
fruto e palmito, indo todos os dias, como elas praticam, ao rio, com uma cuia
para se lavarem"(30)
À guisa de conclusão desta primeira parte, com base nos principais
estudos sobre homossexualidade na América Latina e Caribe, assim como
em monografias antropológicas e históricas consagradas à
diferentes culturas desta região, enumero a seguir a lista das etnias
indígenas, do passado e do presente, sobre as quais há evidência
arqueológica, histórica, etnográfica ou linguística,
comprobatória da prática do homossexualismo(31).
- México: Albardaos, Cipacingo, Itza, Jaguaces, Panuco, Sinaloa, Sonora,
Tabasco, Tahus, Tlasca, Yucatecas, Maias e Astecas.
- Panamá: Dairen, Panamá.
- Colombia: Bogotá, Cayos, Chinatos, Chitarero, Guaira, Gauticos, Laches,
Lile, Kagaba, Kogi, Mosca, Matilones, Urabaes, Zamba.
- Peru: Camana, Cañares, Carauli, Chibchas, Chinchas, Chincamas, Conchuco,
Guanuco, Huayllas, Manta, Peru, Picta, Quellaca, Tarama, Tumebamba e os nativos
de Puerto Viejo, Isla de Plata, Isla de Puna, Santa Helena, San Miguel, Serranos.
- Venezuela: Achaguas, Bobure, Capechos, Caribana, Caribes, Chiricoa, Ciparicote,
Coquibacoa, Salivas, Timotes, Warao, Ypuies, Itatos.
- Bolivia: Chiguano, Wachipaeri.
- Chili: Araucanos, Mapuche, Pataões.
- Brasil: Boróro, Tupinambá, Guatos, Panaré, Wai-Wai,
Xavante, Trumai, Tubira, Guaicuru, Xamico, Kainagaig, Nambiquara, Tenetehara,
Yanomani, Mehinaku, Camaurá, Cubeo, Guaiaquil.
Repressão aos sodomitas na América Latina colonial
"Raça sobre a qual pesa uma maldição e deve viver na mentira e no perjúrio, visto que sabe ser tido por punível e vergonhoso, por inconfessável, seu desejo, o que faz para toda criatura a maior doçura de viver."(M. Proust, 1921).
Apesar da sodomia ser considerada pela Cristandade como "o
mais torpe sujo e desonesto pecado", punida como crime hediondo equivalente
ao regicídio e à traição nacional, merecedores
os homossexuais da pena de morte na fogueira, não obstante tamanho
tabu e discriminação, à época das grandes descobertas,
floresceu na Península Iberica intrépida e heróica sub-cultura
gay(32)
nalgumas partes mais visível e ousada do que a existente em países
europeus fora da esfera inquisitorial(33).
Malgrado os anátemas dos missionários e primeiros cronistas
contra os índios praticantes do mau pecado, a despeito
da perseguição desencadeada pelos conquistadores e autoridades
contra tal crime - lembremo-nos do cruel genocídio praticado por Vasco
Balboa, em 1513, o qual, no istmo do Panamá, encontrando numeroso séquito
de nativos homossexuais, prendeu quarenta deles que foram devorados por cães
ferozes, conforme narra Pietro Martire e retrata dramatica gravura da época(34)
apesar da violenta perseguição homofóbica capitaneada
pela Inquisição, o certo é que desde os primórdios
da colonização, sodomitas europeus encontraram no Novo Mundo
espaço privilegiado para a prática do homoerotismo. A extensão
e isolamento dos novos territórios, a nudez e maior liberdade sexual
dos nativos e escravos, a frouxidão moral dos muitos desclassificados
sociais que vieram arriscar a sorte nas Américas, ou para cá
foram degredados, são fatores que facilitaram a propagação
da homossexualidade nas novas conquistas. Acrescente-se ainda outro elemento
facilitador da homossexualização notadamente da América
portuguesa: 18% dos sodomitas condenados ao degredo pelo Tribunal do Santo
Ofício de Lisboa foram enviados para o Brasil(35),
a maior parte deles reincidindo aqui no vício italiano.
Salvo erro, o primeiro sodomita público e notório a pisar nas
Américas de que temos notícia foi o jovem português Estêvão
Redondo, criado do Governador de Lisboa, D. Manoel Telles, que arribou em
Olinda, no nordeste brasileiro, em fevereiro de 1549, "degredado para
sempre"(36).
Em 1558 é a vez do cirurgião Felipe Correia, inveterado fanchono
com nítida tendência ao cross-gender(37)
ser degredado para o Brasil: "tinha fama de mulherigo por suas falas
e jeitos, bufarão e paciente"(38).
Estabelecida em 1536, a Inquisição Portuguesa nunca conseguiu
instalar um tribunal autônomo em terras brasílicas, diferentemente
do que ocorreu com o Santo Ofício Espanhol, que desde 1571 inaugurou
tribunais no México e Peru, e em 1610 em Cartagens de Índias,
no litoral colombiano. Infelizmente ainda não foi realizado um inventário
de todos os sodomitas latino-americanos presos e processados por estes tribunais
de Santa Inquisição. Temos notícias que já em
1548 foram registrados sete casos sodomia na Guatemala, entre estes, o diácomo
Juan Altamirano e seu cúmplice, frei José de Barrera, além
de um índio, Juan Martin, que ao ser encaminhado para a fogueira foi
salvo devido a um distúrbio provocado por quatro clérigos e
outos civis. Levantamentos parciais informam sobre a prisão de 19 sométigos
no México em 1658; nada consta nas principais obras sobre a atuação
inquisitorial no Peru e Chile no tocante ao abominável pecado de sodomia(39).
É para o Brasil que conseguimos localizar o maior número de
registros documentais permitindo reconstituir com abundância de detalhes,
as principais características da vivência homosexual dos colonos
a partir dos finais do século XVI.
No capítulo anterior vimos que entre 1591-1620, de um total de 283
culpas confessadas nas duas Visitacões que o Santo Ofício
Lisboeta fez a diferentes Capitanias do Nordeste brasileiro, há registro
de 44 casos de sodomia (15,5%), sendo, depois da blasfêmia, o desvio
mais frequentemente praticado pelos colonizadores. Dos denunciados, 61% eram
brancos, 24% mestiços de variegados fenótipos, 9% negros e 6%
índios, predominando as relações sodomíticas entre
parceiros de diferentes cores, os quais ocupavam toda gama de profissões:
de Governador Geral do Brasil, como Diogo Botelho, a sacerdotes, senhores
de engenho, funcionários públicos, militares, estudantes, feitores,
criados, escravos etc(40).
Tais relação entre homossexuais de cores-classes diferentes
e muitas vezes antagônicas, nem sempre refletem a mesma lógica
da dominação senhorial heterossexista, pois há vários
exemplos de índios e negros que desempenharam o papel ativo quer na
iniciativa da sedução, quer na própria relação
copulativa, conforme demonstrei em meu trabalho "O Sexo cativo":
Alternativas eróticas dos africanos e seus descendentes no Brasil Escravista"(41)
Após beneditinho levantamento nos mais de quatro mil denúncias
e 400 processos de sodomia arquivados na Torre do Tombo de Lisboa, localizamos
até o presente 283 denúncias de brasileiros ou portugueses,
residentes no Brasil, infamados de praticarem o pecado de Sodoma. Destes,
32 foram processados, sendo 11 condenados à remar nas galés
del Rei, alguns por cinco anos, outros para "galés perpétuas";
6 foram degredados para áreas remotas da Colônia ou para Africa.
Embora nenhum sodomita do Brasil tenha sido condenado à morte na fogueira,
há registro da execução de dois homossexuais no Brasil
colonial: em 1613, em São Luis do Maranhão, por ordem dos invasores
franceses, intigados pelos missionários capuchinhos, um índio
Tupinambá, publicamente infamado é reconhecido como tibira,
foi amarrado na boca de um canhão, sendo seu corpo estraçalhado
com o estourar do morteiro, " para purificar a terra de suas maldades"(42)
Em 1678, um segundo martir homossexual é executado na Capitania de
Sergipe del Rei: um jovem negro, escravo, "foi morto de açoites
por ter cometido o pecado de sodomia"(43).
Quanto às lésbicas, como em 1646 o Santo Ofício Português
deliberou excluir a sodomia foemiarum da lista dos crimes pertencentes
à sua jurisdição, foi sobretudo nos finais do século
XVI que as homossexuais femininas foram vítimas da sanha inquisitorial,
mesmo assim, menos reprimidas que os homoeróticos masculinos. Das 29
denúncias de lesbianismo registradas no Nordeste brasileiro, entre
1591-1593, 5 receberam penas pecuniárias e espirituais, 3 foram degredadas
e 2 condenadas a açoites públicos(44).
Conforme já referimos, "o amor que não ousava dizer o nome"
teve seus adeptos em todas as classes, raças e etnias do Brasil Colonial,
sendo praticado tanto nas mansões senhoriais, como nos casebres de
escravos e livres pobres; nas casernas, igrejas e mosteiros masculinos e femininos;
na zona rural e urbana, incluindo tanto interações esporádicas
e fortúitas, com diferentes parceiros, quanto relações
estáveis, algumas por décadas seguidas. Em meu estudo "Desventuras
de um sadomita português no Brasil Seicentista" reconstruo
a vivência homossexual de um violeiro-mercador de fumo, Luiz Delgado
e de seus numerosos amantes, primeiro em Évora, no Reino, depois degredado
para o Brasil, vivendo ora no Rio de Janeiro ora na Bahia, onde concluo que
malgrado a existência de legislação draconiana tanto civil
quanto canônica, contra o crime de sodomia, houve espaço na América
Colonial para o surgimento de uma incipiente sub-cultura gay, às
vezes tímida e clandestina, outras vezes, exibida e frenética(45),
comportando inclusive o exibicionismo desafiador de travestis. O primeiro
homossexual travesti que temos notícia no Brasil foi um negro natural
do Congo, Francisco Manicongo, escravo de um sapateiro, residente em Salvador,
denunciado na Visitação de 1591: "recusava-se trazer vestido
de homem que lhe dava seu senhor, [conservando] o costume dos negros gentios
de Angola e Congo, onde os negros somitigios que no pecado nefando servem
de mulheres pacientes, são chamados de quimbanda, os quais trazem um
pano cingido com as pontas por diante que lhes fica uma abertura diante..."(46)
Também em Cuba há informação de práticas
homófilas entre os escravos nos engenhos de cana de açúcar(47).
Da mesma forma, índios já batizados, vivendo nos arredores dos
primeiros núcleos coloniais do Brasil, são apontados como sodomitas,
assumindo alguns ofícios e posturas geralmente atribuídas ao
sexo frágil, outros acusados de "viverem como marido e mulher,
como se amancebados fossem"(48)
Tudo leva a crer que também nos demais países latino-americanos,
durante o período colonial, existiram não apenas cripto-sodomitas
amorfos e isolados, mas um contingente não desprezível de sométicos
que apesar de rotulados de maricas, eram suficientemente machos para
exteriorizar suas preferências invertidas através de gestos,
roupas e adereços próprios de uma sub-cultura sincrética
e sui-generis. É para o México, além do Brasil,
que dispomos de documentação comprovante de tal hipótese:
no ano de 1658 foram denunciados 123 sodomitas vivendo na cidade do México
e seus arredores, dos quais 19 foram presos e 14 queimados. Um destes escapou
da fogueira por ser menor de 15 anos, recebendo contudo como castigo, 200
açoites e 6 anos de trabalhos forçados. Segundo comentava o
Alcaide do Crime da Nova Espanha, D. Sotomayor, "o pecado nefando tem
mui contaminado estas províncias", diagnóstico correto,
pois dentre as mariquitas presas, constava alguns que por quarenta
anos seguidos praticavam somitigarias, "se regalaban unos a otros",
chegando a simular prenhez. Entre os denunciados predominavam os índios,
mestiços, espanhois, mulatos e até mouriscos e portugueses(50)
. Dentre estes destacavam-se os domésticos ou escravos, seguidos dos
estudantes e pequenos comerciantes.
Como ocorria na península Ibérica, também os sométicos
de Nova Espanha assumiam traços e características do sexo frágil,
trazendo vestidos de mulheres e tratando-se com nomes femininos: entre os
setenciados havia um mulato apelidado Cotita; os mestiços atendiam
por La Zangarriana, La Estampa, La Conchita; um alfaiate era La Luma, outro,
Las Rosas; o índio Martin tornou-se La Martina de los Cielos e um negro
atendia por La Morosa(51). Eis como
se comportava um destes sométicos mexicanos: "O dito Juan de la
Vega era um mulato afeminado. O chamavam de Cotita (que é o mesmo que
mariquita), e o dito multato requebrava a cintura e trazia atado na
frente um lenço chamado melindre que usam as mulheres e nas
aberturas da manga de seu gibão branco, trazia muitas cintas pendentes
e se sentava no chão ou no estrado como mulher e fazia tortilha, lavava
e cozinhava"(52)
Consta que após este violento progrom de 1658, novamente em
1673 mais sete mulatos, negros e mestiços de Mixcoac foram queimados,
aí também ficamos em dúvida, se processados com todas
as formalidades próprias do Santo Ofício, ou por iniciativa
das autoridades civis, considerando ser a sodomia crime de foro mixto(53).
Além destes homossexuais mexicanos executados na segunda metade do
século XVII, encontrei nos Arquivos portugueses referências a
mais quatro sodomitas vivendo na América Espanhola, até hoje
desconhecidos pela historiografia local. O primeiro episódio remete-nos
ao Vice-Reino do Peru em 1598: Frei João de Valencuela era natural
de Xerez (Sevilha), frade carmelitano, doutor em Teologia e missionário
do Peru, "mestre e grande pregador". Ao retornar dos Andes, em Badajos
(Estremadura), foi preso pelos Familiares do Santo Ofício Portugês,
acusado de dormir de portas trancadas com seu criado, o moço Joanillo,
13 anos. No desenrolar da investigação, foi acusado de "ser
tão puto quantos putos havia em Itália", terra que no imaginário
ibérico da época representava a própria reincarnação
do Sodoma e Gomorra. Denunciaram mais: que apó missionar no Peru e
na Nova Espanha, na caravela em que retornou à Europa, por pouco não
foi jogado no mar pelos marinheiros escandalizados, com medo de Deus Nosso
Senhor castigasse-os com desgraças e naufrágios, em castigo
pela devassidão do frade somítigo. Apesar de alegar inocência,
foi levado a tormento e condenado a quatro anos de reclusão no Mosteiro
dos Carmelitas de Castilla, obrigado ao jejum de pão e água
todas as quartas e sextas feiras(54).
Para o século XVII - que representa o período de maior homofobia
por parte da Inquisição - dispomos de mais dois processos. Bartolomeu
Martins Moura, 40 anos, ourives, parte de cristão-novo, preso em 1655,
foi julgado não só por professar secretamente a Lei de Moisés,
como por práticas sodomíticas. No Santo Ofício declarou
ter vivido dois anos na cidade do México e em Vera Cruz, sendo na ocasião
estudante - talvez, colega de alguns daqueles outro sete estudantes sentenciados
nesta mesma província em 1658(55).
Este último caso relativo a um sodomita hispano-americano preso pela
Inquisição de Lisboa é particularmente interessante,
por reunir algumas especificidades históricas. O réu é
natural do México: Pedro Medina, 30 anos, soldado. Ostentava imagem
masculina, diferentemente de muitos outros sométicos afeminados: "
tinha rosto trigueiro, cabelo preto com gadelhas sobre os ombros, barba preta,
estatura madiana. Vestia calções amarelos com riscas verdes,
gibão riscado de negro, tudo coisa da Índia"(56).
Seu pai era português, mudando para o México onde servia de escudeiro
a um fidalga. Em Nova Espanha Pedro Medina nasceu, foi crismado na Sé
do México, sendo oficiante D. Francisco Manso. Nada informam os documentos
sobre sua vida erótica na terra natal. Feito soldado na armada castelhana,
viajou por longínquos reinos do Oriente: Filipinas, Jacatará
na Índia, China, caindo cativo dos mouros. Sofrendo violentos espancamentos
de seu dono islamita, então na Pérsia, ocasião em que
arrenegou a fé em Jesus Cristo, vivendo na Lei de Maomé, até
que foi resgatado pelos calvinistas holandeses, permanecendo preso num navio,
na costa do Ceilão, por meses seguidos. Novamente livre, após
tantas peripécias, ao chegar em Lisboa, é denunciado ao Santo
Ofício por um jovem de 20 anos, Manoel Rois, igualmente ex-prisioneiro
dos batavos. Segundo este moço, nos 6 meses em que estiveram sob o
jugo dos calvinistas, mantiveram mais de 120 cópulas sodomíticas,
"metendo seu membro viril e derramando semente no vaso traseiro dele,
confessante, e com consentimento dele, cometeram mais 80 vezes o nefando pecado
de sodomia, sendo Pedro Medina o paciente. " O réu mexicano, por
sua vez, ao ser preso, acrescentou que quando na India, também cometera
o pecado de sodomia com um moço holandês, Cornélio, sendo
agente e paciente, "uma só vez", e com João Batista,
veneziano de 18 anos, prestaram culto à Vênus Prepóstera
mais três ocasões. Foi condenado à aviltante pena
dos açoites pelas ruas públicas de Lisboa e condenado a 5 anos
de galés - um local tentador para quem estava tão acostumado
a não resistir às pulsões homoeróticas embalado
pelas ondas do mar...
Gays e lésbicas latino-americanos hoje
Com o fim das Inquisições Portuguesas e Espanholas, também
na América Latina são extintos os Tribunais do Santo Ofício,
em 1820 no Peru e México, em 1821 em Cartagena e no Brasil(57).
Extingue-se o Monstrum Horribilem mas infelizmente, com mentalidades não
se mudam decreto, até hoje persiste na América Latina o espectro
inquisitorial não apenas na ideologia moralista e intolerante, como
na composição das elites locais, cujas cepas mais tradicionais,
em muitas áreas , descendem ainda hoje, diretamente, dos terríveis
Familiares e Comissários do Santo Ofício(58).
Diversos países latino-americanos, entre eles o Brasil, com a Independência,
por inspiração modernizante do Código Napoleônico,
discriminalizaram a sodomia, deixando de constar nos novos Códigos
Penais, muito embora persista entre nós, forte preconceito e discriminação
contra os praticantes desta variante amorosa. Sob alegação de
atentado ao pudor ou prática da prostituição, incontável
número de pederastas contiuam sendo chantageados, encarcerados
e torturados pelos agentes da nova ordem policial. Apesar de muitos médicos
e cientistas trabalharem por retirar os invertidos sexuais das delegacias
e prisões, para tentar sua cura em seus ambulatórios e clínicas,
na qualidade de cães de guarda da moral oficial, estes doutores, no
afã de regenerar tais desvios, adotaram às vezes modernas formas
de violência, torturando as indefesas mariquitas com terapias
doloridíssimas que chegaram a incluir choques elétricos, doses
cavalares de hormônios e perigosos produtos químicos e até
o transplante de testículos de macacos(59).
Suicídio, clandestinidade total, baixa estima, marginalidade, assassinatos,
passaram a ser o pão de cada dia de milhares de uranistas latino-americanos,
rechaçados dentro de suas próprias famílias, humilhados
nas ruas, barrados no acesso ao trabalho. Pesquisas levadas a cabo no Brasil,
país considerado um dos menos homofóbicos da América
Latina, revelam que dentre todas as minorias sociais, gays e lésbicas
são os mais odiados, ódio manifesto num continuum que
inclui o insulto verbal, o tratamento depreciativo nos meios de comunicação,
a violência física nas ruas, prisão arbitrária,
assassinatos(60). No México,
até hoje os gays são apelidados de cuarenta e uno em
alusão aos 41 maricones presos numa só noite no ano de
1901, os quais foram submetidos a humilhantes castigos, obrigados a varrer
as ruas da capital e lavar as latrinas públicas(61).
Também na Argentina, nos anos 30, as festas reunindo homossexuais "terminavam
muitas vezes com a chegada imprevista da polícia, sobretudo na época
em que era mais urgente a limpeza periódica dos vidros da chefatura,
tarefa para a qual os vigilantes elegiam sempre aos maricas, obrigados
então a entregar- se com trapos, sabão e água, ao feminino
porém nada agradável trabalho"(62)
Nos últimos anos, a imprensa vem noticiando repetidamente o homicídio
de centenas de gays, travestis e lésbicas no México, Colômbia,
Equador(63) e sobretudo no Brasil,
onde há documentação comprovando que nos últimos
15 anos, mais de 1200 homossexuais foram violentamente assassinados, vítimas
de crimes homofóbicos, perfazendo uma média de um assassinato
de homossexuais a cada cinco dias(64).
Para reagir contra este verdadeiro genocídio e contra as não
menos crueis discriminações de que são vítimas
mais de 10% dos latino-americanos homófilos(65)
, em sitonia com o reconhecimento internacional de que a homossexualidade
não e doença nem desvio, mas uma orientação
sexual tão legítima, normal e saudável quanto a heterossexualidade
ou a bissexualidade(66) , alguns
anos após a famosa rebelião gay ocorrida em Nova York em 1969,
considerada o marco inicial e símbolo do moderno movimento homossexual
internacional, também na América Latina gays e lésbicas
vêm se organizando para ter os mesmos direitos humanos dos demais cidadãos.
Foi na Argentina onde se organizou o primeiro grupo de defesa dos direitos
de gays e lésbicas: em 1971 é fundada a Frente de Liberación
Homosexual(67) que passou a editar
o primeiro boletim homossexual do Continente Sul, o Somos. Logo no
ano seguinte são fundados no México duas entidades congêneres:
Sex-Pol e Frente de Liberación Homosexual(68).
Em 1978 é a vez do Brasil entrar na luta pela cidadania dos homossexuais:
nosso primeiro grupo gay chamou-se Somos, fundado em São Paulo
e logo ramificado para outros estados da federação. Em 1979
uma facção deste grupo organiza o LF, Lésbico - Feminista,
que passou a editar o boletim Chanacomchana(69).
Quando da realização do I Encontro Brasileiro de Homossexuais,
em 1980, já existiam mais de vinte grupos gays e lésbicos de
norte a sul do país: hoje ultrapassam meia centena. Em l980 fundamos
o Grupo Gay da Bahia, que tornou-se a
mais combativa entidade do continente sul.
Peru também teve seu Movimento Homosexual de Lima (MHOL) fundado
ainda nos inícios dos anos 80, possuindo sede no centro da cidade onde
presta assistência psicológica e jurídica aos homossexuais.
Como os demais grupos aqui citados, com o surgimento da epidemia da Aids,
tais entidades passaram a dedicar-se também à prevenção
do HIV, contribuindo com os governos locais e com outras Organizações
não-Governamentais (ONGs/AIDS) na prevenção desta síndrome(70).
O estudo da etno-história da homossexualidade na América Latina
desde os tempos pré-colombianos até à atualidade revela-nos
de um lado o preconceito irracional e cruel contra gays, lésbicas e
travestis - cuja identidade existencial e expressão afetivo-sexual
foram secularmente considerados o mais grave pecado e o crime mais hediondo,
ambos merecedores da pena de morte(71).
Venezuela também teve sua organização homossexual, hoje
inativa: Grupo Entendido, o qual, em l983, denunciou junto à
Anistia Internacional uma série de maltratos praticados pelas forças
policiais contra os frequentadores dos espaços gays locais(72).
México, devido à vizinhança com os Estados Unidos, onde
o movimento homossexual é extremamente forte e organizado, e graças
ao contacto com os chicanos homófilos, é o país
hispano-americano onde os gays e lésbicase estão mais organizados:
já chegaram a realizar manifestações de rua com mais
de quatro mil maricones y tortilleras. Além de dezenas de grupos
homossexuais, destacando-se o Grupo Orgullo Homosexual de Liberación,
Y Que!, Colectivo Sol, com atuação na Capital e em Guadalajara
e Tijuana, dispõem os atuais veneradores da deusa Xochiquetzal de alguns
serviços de apoio, como o Centro Comunitário Gay, Grupo para
Alcoólatras e Neuróticos Homossexuais, além de um templo
filial da Igreja da Comunidade Metropolitana, a primeira igreja homossexual
do mundo(73).
Há países latino-americanos onde ainda persistem leis que penalizam
os homossexuais: Nicaragua, Cuba e Equador(74)
, inviabilizando o surgimento de movimento organizado em defesa de cidadania
dos gays e lésbicas. No Uruguai, Bolívia e Paraguai, e nos demais
países da América Central e Caribe, os homossexuais ainda não
se organizaram para defender seus direitos humanos. O Chile oferece motivo
para reflexão: logo após os anos lúgubres da ditadura
militar, surgiram alguns grupos bastante dinâmicos, como o Movimento
Homosexual y Lesbico de Chile, o Colectivo Lésbico Feminista.
Em 1992 realizou-se em Santiago o 1°Encontro Sul-Americano de Grupos Gays
e Lésbicos, com um detalhe auspicioso: este encontrou contou com o
apoio tático da Comunidade Quaker, um gesto histórico e pioneiro
de respeito e solidariedade humana partindo de uma entidade cristã
latino-americano(75).
O estudo da etno-história da homossexualidade na América Latina
desde os tempos pré-colombianos até à atualidade revela-nos
de um lado o preconceito irracional e cruel contra uma minoria social, os
gays, lésbicas e travestis, cuja identidade existencial e expressão
afetivo-sexual foram secularmente considerados os mais graves pecados e o
crime mais hediondo, ambos merecedores da pena de morte.
Ao resgatar esta micro-história tão marcada pela intolerância
e violência, três são nossos objetivos: primeiro, quebrar
o silêncio e desmistificar o tabu que ainda hoje persistem vis-a-vis
a homossexualidade, tornando-a tema sério merecedor de mais estudos
e pesquisas pelas diferentes áreas do conhecimento científico;
segundo, ao abordar a evolução da homossexualidade masculina
e feminina neste meio milênio de história latino-americana, tivemos
como escopo demonstrar a universalidade temporal e espacial desta manifestação
humana, avançando no conhecimento empírico de certas áreas
culturais até então pouco divulgadas nos meios acadêmicos;
terceiro, tivemos como preocupação demonstrar que a homofobia,
assim como o racismo e o machismo, são frutos podres de variegadas
matrizes culturais que se exarcebaram em nosso continente em grande parte
como resultado de nosso triste passado escravista, e como tal, emergem como
facetas de uma ideologia perversa e desumana, que só poderá
ser superada através das luzes da ciência e pelo bom senso dos
códigos internacionais de direitos humanos.
Apesar do quadro ainda sombrio e das freqüentes violações
dos direitos de cidadania dos homossexuais latino-americano, tudo nos leva
a crer que dias melhores começam a brilhar para tal minoria social:
até os inícios do século passado, quando da extinção
do Santo Ofício da Inquisição, a homossexualidade era
crime condenável à morte em todo Continente Latino-Americano.
Hoje, a América Latina caminha em sentido inverso: à imitação
do que ocorre a décadas nos mais civilizados países do primeiro
mundo, no Brasil, em 73 Municípios e em três Estados da Federação,
as Constituições locais proíbem expressamente qualquer
discriminação baseada na orientação sexual. Ontem,
era crime ser homossexual. Hoje o crime é discriminar o homossexual.
NOTAS
1. Esta comunicação foi apresentada no "Seminário-Taller
de História de la Mentalidades y Imaginarios", realizada na Pontificia
Universidad Javeriana, Departamento de Historia y Geografia, Bogotá,
Colombia, Agosto l994. Publicada em
2. Silver, G.A. "The Homosexual: Challenge to Science", The Nation,
1957, 84, p.451-454.
3. Malinowski, B. Sexo e Repressão na Sociedade Selvagem. Petrópolis,
Vozes Editora, 1973
4. O termo gay, provém do catalão-provençal gai, sendo
usado desde os séculos XIII-XIV como sinônimo de homossexual.
Cf. Boswell, J. Chrisstianity, Social Tolerance and Homossexual. Gay People
in Western Europe from the Beginnung of the Cristian Era to the XIVth Century,
Chicago, Chicago University Press, 1980, p.43
5. Kinsey, A. et allii. Sexual Behavior in the Human Male. Philadelphia, W.B.Saunders,
1948
6. Boswell, J. Same-Sex Unions in Premodern Europe. New York, Villard Books,
1994, p. xxxiii
7. Greenberg, David. The construction of Homosexualituy. Chicago, The University
Chicago Press, 1988
8. Boswell, J. "Revolutions Universals and Sexual Categories", in
Hidden from History: Reclaming the Gay and Lesbian Past, Duberman, M. et allii
(Eds.) New York, New American Library, 1990. Para efeito desta análise,
restringimos nossa amostra apenas aos territórios hoje conhecidos como
constitutivos da América Latina, tendo como limite setentorial o México,
incluindo todos os países de língua latina da América
Central, Caribe e América do Sul.
9. Este é o momento de prestar homenagem ao precursor dos estudos sobre
a história da homossexualidade entre os ameríndios, Antonio
Raquena, que já em 1945 lançava seu pioneiro e ainda insuperado
"Notícias y consideraciones sobre las anormalidades sexuales de
los aborigenes americanos: Sodomia", publicado na Acta Venezolana, Tomo
I, nº 1, jul. Set 1945, p.3-32 [traduzindo para o inglês, "Sodomy
among native american peoples", Gay Sunshine, 38/39, 1979, p. 37-39].
Apesar da postura abertamente homofóbica do autor - até certo
ponto compreensível na época, este trabalho é o vademecum
para o estudo deste tema, do qual lançamos mão muitas vezes
ao longo destas páginas.
10. Fernandez Oviedo, G. História General y Natural de las Indias L.V.
Cap. III, 1535, apud Cardim, Alberto, Guerreros, Chamanes y Travestis. Indícios
de homossexualidade entre los exóticos. Barcelona, Tusquets Editores,
1984, p.150. Depois de Raquena, A. Cardim representa a maior síntese
documental referente a esta temática.
11. Lopez de Gomara, F. Conquista de México. História General
de Indios (1551) Apud Raquena, op cit.. 1945, p. 4
12. Dias Del Castillo, B. História verdadera de la conquista de la
Nueva Expaña (1605), Tomo I Cap. II, p. 13, apud Raquena op. cit..
13. Guerra, F. The Pré-Columbian Mind. London, Seminar Press, 1971,
p.43-44
14. Raquena, op.cit. 1945, p.5
15. Bullough, V.L. Sexual Variance in Society and History. Chicago, The University
of Chicago Press, 1976, p.42; Thompson, J.E.Maya History and Religion. Norman,
University of Oklahoma Press, 1970
16. Raquena, op.cit.. 1945, p.5
17. Cortes, H. "Cartas de Relación de la Conquista de México",
Tomo I p.32 apud Raquena, op.cit. 1945, p. 8
18. Lopez de Gomara, op.cit. 1551, tomo I, Cap. XLVII, p. 136
19. Idem, ibidem, Raquena, op.cit. p.8
20. Diaz del Castillo, op.cit. 1605, Cap CCVIII, apud Cardin 1984, p.153
21. Sahagun, B. História general de las Nueva España. L.X.,
Cap. XI, apud Cardim, op.cit. 1984, p.153
22. A intolerância machista e a homofobia deste franciscano não
deixa de ser surpreendente, pois além da homossexualidade ser conhecida
durante toda a Idade Média como " vício dos clérigos",
dentre todas as Ordem Religiosas, a dos Franciscanos era exatamente a que
mais devotos tinha do "amor que não ousa dizer o nome". Boswel,
op.cit. 1980; Mott, Luiz. "Pagode Português: A Subcultura gay em
Portugal nos tempos da Inquisição".
23. Raquena, op.cit. 1945, p.3
24. Katz, J. Gay American History. New York, Avon Books, 1982. Cf. a reprodução
da gravura de Theodore de Bry (1591) onde se vê hemafroditas empregados
no transporte de pessoas (p.431)
25. Cieza de Leon, P. La Cronica del Peru. Madrid, Calpe, 1922, apud Raquena
op.cit. p.17-18
26. Conner, R.P. Blossom of Bone, reclaiming te connections between homoeroticism
and the Sacred. Harper San Francisco, 1993
27. Sousa, Gabriel Soares. Tratado Descritivo do Brasil em 1587. S. Paulo,
Companhia Editora Nacional, 1971, p. 308-334
28. Gandavo, Pero Magalhães. História da Província Santa
Cruz. Tratado da Terra do Brasil. (1576) S. Paulo, Editora Obelisco, 1964,
p. 56-91
29. Mott, Liiz. "As Amazonas: Um mito e algumas hipóteses"
in America em tempo de Conquista, Vainfas R. (Org), Rio de Janeiro, Jorge
Zahar Editor, 1992, p. 33-57
30. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro,
tomo 13, 1850, p. 3589; Tomo I 1839, p. 32-33
31. Esta relação de tribos indígenas sobre as quais há
evidências etnohistóricas sobre a prática do homoerotismo
baseia-se nas seguintes bibliografias: Foster, S. W. "A bibliography
on Homosexuality among Latin-American Indians", Cabirion Nº 12 Spring/Summer
1985, p. 17-19; Mott, Luiz. "Homosexuality in Brasil: Bibliography",
in Male Homosexuality in Central and South America op.cit. 1987, p. 41-54;
Raquena, A. op.cit. 1945, p. 24-27.
32. Trumbach, R. "Sodomite subcultures, Sodomitical roles and the Gender
Revolution of the XVIIth century: t he recent historiagraphy", Eighteehth-Century
life, nº9, 1985, p. 109-121
33. Gerard, K. et allii. The Porsuit of Sodomy. Male homosexuality in Renaissance
and Enligtenment Europe. New York, The Harwort Press, 1989; Carasco, R. Inquisicion
y represion sexual en Valencia. Barcelona, Laertes, 1985.
34. "Balboa Indos nefandum sodomiae scelus committentes canibus obijcit.
dilapiandos." Cf. gravura no texto.
35. Mott, Luiz. "Justitita et Misericordia: A Inquisição
Portuguesa e a a repressão ao nefando pecado de sadomia", in A.
Novinsky et allii (orgs) Inquisição: Ensaios sobre Mentalidade,
Heresias e Arte São Paulo, EDUSP/Expressão e Cultura, 1992,
p. 703-738
36. Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Inquisição de Lisboa,
Processo nº 352, 22-1-1547
37. Dynes, W. Homosexuality: A research guide. New York, Garland, 1987
38. Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Inquisição de Évora,
Processo n° 8874, l553
39. Medina, J. T. História del Tribunal del Santo Ofício de
la Inquisicion en Chile. Santiago, Imprenta Ercilla, 1980, 2 vol. Medina J.
T. História del Tribunal del Santo Ofício de la Inquisicion
en México. Santiago, Imprenta Elzeveriana, 1905. Chinchila Aguilar,
Ernesto. La Inquisicion en Guatamala. Guatemala, Edicion Ministerio de Educacion
Pública, 1953. Delgado, Paulino Castañeda y Hernandez Aparicio,
Pilar. La inquisicion de Lima (1570-1635), Madrid, Editorial Deimos, 1989
40. Mott, Luiz. "Escravidão e Homossexualidade", in R. Vainfas
(org), HIstória e Sexualidade no Brasil, S. Paulo, Editora Graal, 1986,
p. 19-40
41. Mott Luiz. O Sexo Proibido: Virgens, Gays e Escravos nas garras da Inquisição.
Campinas, Editora Papirus, 1989
42. Mott, Luiz. A Inquisição no Maranhão.São Luís,
Universidade Federal do Maranhão, l995.
43. Mott, Luiz. A Inquisição en Sergipe. Aracaju, Fundesc, 1989
44. Bellini, Ligia. A coisa Obscura: Mulher, Sodomia e Inquisição
no Brasil Colonial. S. Paulo, Editora Brasiliense, 1989. Mott Luiz. O Lesbianismo
no Brasil. Porto Alegre, Editora Mercado Aberto, 1988.
45. Mott Luiz. "Relações raciais entre homossexuais no
Brasil Colonial", Revista de Antropologia, USP, vol 35, 1992, p. 169-190
46. Mott, Luiz. "Escravidão e Homossexualidade", op.cit..
1986, p. 19-40
47. Fraginals, M. EL Ingenio. Habana, Ed. Nuestra Historia, 1978, p. 38
48. Mott Luiz. "Somitigos, Tibira e Quimbanda: A prática do homossexualismo
entre brancos, índios e negros na Bahia e Pernambuco nos séculos
XVI e XVII", Comunicação apresentada na 33ª Reunião
da SBPC, Salvador, 1981
49. Guijo, Gregorio . Diário, 1648-1664. México, Edición
Manuel Romero de Terreos, 1952, 2 volumes, apud S. Ortega (ed) , De la Santidad
a la Perversion, , "Las Cenizas del Deseo", de Serge Gruzinski,
México, Enlace, editorial Grialbo, 1985, p. 255-280
50. Gruzinski, S. op.cit. 1985, p. 266
51. Idem, ibidem, p. 272
52. Idem, ibidem, p. 274
53. Idem, ibdem, p. 278
54. Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Inquisição de Évora,
Processos nº 957 e nº 10618
55. Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Inquisição de Lisboa,
Processo nº 7829, 1655
56. Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Inquisição de Lisboa,
Processo nº 3710, 1657
57. Testas, G. & Testas J. A Inquisição. São Paulo,
Difusão Europeia do Livro, 1968, p. 100, " A Inquisição
na América Espanhola"
58. Bennassar, B. " Aux origines du caciquisme: Les familiers de l'Inquisition
en Andalousie au XVII éme siecle", Cahiers du Monde Hispanique
et Luso-Brésilien, nº 27, 1976, p. 64-71
59. Ribeiro, Leonídio. Homossexualismo e Endocrinologia. Rio de Janeiro,
Livraria Franncisco Alves, 1938
60. Mott, Luiz. Homofobia: Violação dos Direitos Humanos de
Gays, Lésbicas e Travestis no Brasil. S.Francisco, International Gay
and Lesbian Human Rights Foundation, (no prelo)
61. Dynes, W. Enciclopedia of Homosexuality. New York, Garland, 1990, p. 803
62. Bao, Daniel. "Invertidos sexuales, Tortilleras and Maricas Machos:
The Construction of Homosexuality in Buenos Aires, Argentina, 1900-1950"
in De Cecco & ELia (org.), If your seduce a straight person can you make
then gay? New York, The Hawort Press, 1993, p. 205
63. Bulletin of Internacional Gay and Lesbian Human Rights Comission, S. Francisco,
1993
64. Boletim do Grupo Gay da Bahia, nº 1-28, 1980-1994
65. É com base no citado "Relatório Kinsey" que costuma-se
calcular em 6% as pessoas exclusivamente homossexuais, 4% as predominantemente
homossexuais, que ocupam os números 5 e 6 da "Escala Kinsey".
66. Em 1985, o Conselho Federal de Medicina do Brasil excluiu a homossexualidade
da Classificação Internacional de Doenças, e em 1993,
a Organizaçào Mundial de Saúde ratificou esta decisão,
suprimindo no último CID o parágrafo 302. O que classificava
o homossexualismo como "desvio e transtorno sexual".
67. Stuckelman, Joey. Intercourse, Discourse and Identity:A study of the formation
of Homosexual identitities under authoritarianism in Argentina and Brazil.
Senior Thesis, Latin American Studies, Santa Cruz University, CA, 1992
68. Lumsdem, Ian. Homosexuality. Society and the State in Mexico. Toronto,
Canadian Gay Archives, 1991
69. MacRae, Edward. A construção da Igualdade. Identidade Sexual
e Politica no Brasil da Abertura. Campinas, Editora Unicamp, 1990; Trevisan,
J.S. Devassos no Paraíso. Rio de Janeiro, Max Limonade, 1986
70. Arboleda, Manuel. "Social and sexual variance in Lima", in S.
Murray, op.cit. 1987, p. 101-1117
71. Gmunder, B. & Stamford, J. Spartacus Gay Guide. Berlim, B.G.G. Verlag,
1990-1991, 19ª edição, p. 110
72. Idem, ibdem, p. 990-993
73. Idem, ibdem, p. 519 e ss
74. Idem, ibdem, p. 122, 142, 601.
75. Puentes de Respeto: Creación de Apoyo para la Juventud Lesbiana
y Homosexual. Un guia de Referencia del American Friends Committee y del Comité
de Sevicio Chileno Cuáquero. Santiago, 1992.