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Mural dos Laranjas

Bagaceira
Número 29 - 06/07/2000 Por Fozzie

 

O século XV foi marcado pelas grandes navegações. As conseqüências disso todos sabemos. No dia 22 de abril de 1500 (pelo menos segundo uma data oficial) a esquadra comandada pelo navegante português Pedro Álvares Cabral chegou à uma nova terra. Nesse novo lugar eles encontraram uma diversidade muito grande na fauna e na flora. Encontraram uma árvore com o caule muito macio e vermelho, tão vermelho que parecia até estar pegando fogo, era como uma madeira em brasa, por isso o nome de pau de brasa ou pau-brasil. Como vocês sabem, esse lugar em que os portugueses chegaram era a Terra Brasilis (devido à abundância da tal árvore) ou, colocando em termos atuais, o Brasil, nosso país.

Sim, até aí tudo bem. Isso todo mundo aprendeu na escola, não é novidade para ninguém. Mas, e antes disso o que aconteceu? O descobrimento da América1, como nós aprendemos na escola, por Cristóvão Colombo em 14922. Mas e antes ainda? Será que também havia desbravadores navegando pelos mares em busca de novas terras? A resposta é sim. E muito antes de Colombo, alguns vikings chegaram à América, por volta do ano 1000. Então imaginem só se a versão oficial da história adotada fosse outra e ouvíssemos a pergunta: "Quem descobriu a Vinlâdia?", (já que a América não teria esse nome, pois o nome foi atribuído em homenagem a Américo Vespúcio e Vinland era o nome atribuído ao nosso continente pelos vikings), sem pestanejar, responderíamos "Leiv Eirikson!". Pode parecer estranho agora, mas se tivéssemos aprendido assim, seria tão natural quanto a resposta "Cristóvão Colombo".

Os portugueses e os espanhóis conseguiram progressos consideráveis na navegação graças à alguns instrumentos de orientação inventados no próprio século XV, como o astrolábio, a balestilha, o quadrante etc e também pela utilização das caravelas. Mas como os vikings se orientavam para cruzar o atlântico se esses instrumentos ainda não tinha sido inventados?

Antes de falar dos vikings, vou falar um pouco de como era a orientação e a navegação dos portugueses. A vantagem da caravela sobre os outros tipos de embarcações existentes na época era o fato de as velas da caravela serem triangulares, o que possibilitava manobras mais rápidas no mar.

O astrolábio é uma circunferência graduada que serve para medir ângulos, mais ou menos como um transferidor. Mas na época, ele era utilizado para fazer um processo chamado de "pesagem do sol", não que eles realmente pesassem o sol, mas, com esse procedimento, eles conseguiam através da sombra do sol projetada no chão determinar a latitude em que se encontravam.

A balestilha era um instrumento utilizado para determinar a altura (angular) em que as estrelas se encontravam.

Com isso, os portugueses conseguia se orientar razoavelmente no mar e acabaram chegando aqui no nosso Brasil. Nos contatos que tiveram com os índios puderam ensinar e aprender muitas coisas. Aprenderam que os índios também olhavam para o céu e que tinham suas próprias lendas e mitos relacionados ao céu. Uma constelação era muito especial para os índios. Nela eles imaginavam a pata de uma grande ema. Mas os portugueses, influenciados pela sua religião cristã, viram na mesma região do céu a figura de uma perfeita cruz: o Cruzeiro do Sul.

Essa cruz só não era totalmente perfeita por causa de uma estrelinha pouco brilhante que atrapalhava a configuração da cruz. E por isso mesmo, essa estrela foi apelidada de "A Intrometida". Mas essa constelação toda especial tem uma curiosidade. O madeiro maior dessa cruz aponta para um ponto importante do céu, o pólo celeste sul, o ponto ao redor do qual todas as outras estrelas giram3. Se imaginarmos uma linha reta descendo desse ponto até o horizonte, encontraremos o ponto cardeal sul e por relação direta, os outros pontos cardeais. Mas como fazer para encontrar o pólo celeste sul? É simples. Apenas é necessário prolongar a distância angular do madeiro maior do cruzeiro em direção ao pé da cruz 4 vezes e meia. O ponto encontrado é o pólo celeste sul, que pode ser pensado como sendo o ponto de encontro do eixo de rotação da terra com o firmamento.

Era muito importante para os portugueses ou outros navegadores essa informação pois nas navegações era necessário se orientar, principalmente, pelas estrelas. No hemisfério norte da Terra, é possível ver um estrela muito brilhante no pólo celeste norte, a estrela Polar, a mais brilhante da constelação da Ursa Menor. Mas no hemisfério sul essa estrela não é visível e não há nenhuma estrela brilhante na região do céu onde está o pólo celeste sul, assim, aparece a importância de localizar o pólo celeste sul e, conseqüentemente, os pontos cardeais.

Bom, já está dito como os navegadores do século XV se orientavam no mar com o uso das estrelas no céu. Mas como cinco ou seis séculos antes, sem a invenção desses instrumentos, os vikings conseguiam cruzar os mares sem se perder?

Há indícios de que os índios que habitavam as Américas do Norte e Central registraram visitas de homens brancos e loiros com barbas e cabelos compridos vindos do mar. Como é difícil de se acreditar que tenham sido deuses ou extra-terrestres, é mais aceitável sugerir que essas visitas tenham sido de navegadores vikings que muito tempo antes de Colombo já cruzavam o Oceano Atlântico (colonizando inclusive a grande ilha da Groenlândia, no caminho entre a Europa e América do norte, pelo atlântico norte).

Contam as lendas que os vikings conseguiam se guiar no mar ao utilizarem uma pedrinhas mágicas. Mas o que poderiam ser essas pedrinhas mágicas? Hoje sabe-se que o que os vikings provavelmente utilizavam eram cristais de Carbonato de Cálcio (CaCO3), a calcita. Mas o que existe de mágico num cristal de calcita?

Esse cristal tem uma propriedade muito interessante que é conhecida como birrefringência. Refringência é um termo que vem da refração, que como vocês podem saber (ou não), é o desvio sofrido pela luz ao mudar de meio de propagação. É como a colher que vemos como se fosse descontínua num copo cheio d'água. Mas "bi" indica que há duas refrações. Veja na figura 4 a formação de duas imagens por um cristal de calcita e perceba o que é a birrefringência.

Bom, para tentar explicar porque ocorre essa dupla formação de imagens vai ser preciso falar um pouco da natureza da luz. A luz pode se comportar como partículas ou também como ondas (teorias de Newton e Maxwell, respctivamente, unificadas por Einstein posteriormente). É justamente essa natureza ondulatória que nos ajuda a entender o que ocorre com a calcita.

Podemos considerar que as ondas de luz que chegam aos nossos olhos estão oscilando em todas as direções. Estas ondas são chamadas de ondas não-polarizadas. Por outro lado, diz-se que uma onda está polarizada quando oscila num único plano de vibração, o plano de polarização da onda.

Polarizar a luz é possível utilizando-se de um polarizador, que é um dispositivo que só deixa passar as ondas de luz que tiverem a mesma orientação do seu eixo óptico. Um material polarizador é o polaróide, que é formado por moléculas de hidrocarbonetos de cadeia longa alinhadas no processo de fabricação, dessa forma, as ondas de luz que passam pelo polaróide são apenas aquelas que vibram com a mesma orientação do alinhamento dele.

Podemos pensar um pouco com isso. Se a luz que provém de alguma fonte já estiver polarizada e direcionarmos um polaróide para ela, perceberemos que ao rodarmos esse polaróide, a intensidade de luz que chega aos nossos olhos varia. Se direcionarmos o polaróide de forma que toda a luz polarizada passe por ele, significa que a orientação do polaróide é a mesma da propagação das ondas da luz polarizada. Mas ao girarmos esse polaróide em um ângulo de 90o, perceberemos que nenhuma luz passará e o que veremos será uma imagem negra nesse polaróide.

Sim, mas e a calcita? São quatro fenômenos que podem produzir luz polarizada a partir de luz não-polarizada: absorção, reflexão, espalhamento e birrefringência (ou dupla refração). Ahá, aí está a tal birrefringência de novo, aquela que ocorre num cristal de calcita. Aqui a ênfase será dada justamente a esse fenômeno, os outros três talvez possam ser explorados numa outra oportunidade.

A birrefringência é um fenômeno complicado e ocorre apenas em alguns materiais, dentre eles a calcita. Em um material desse tipo, devido a sua estrutura atômica, o feixe de luz que incide nele é separado em dois outros feixes: o ordinário e o extraordinário. E esses dois feixes estão polarizados, só que em direções perpendiculares (com ângulo de 90o entre si). E o que isso quer dizer? Simples, que se enxergarmos apenas uma imagem formada pelo cristal de calcita, significa que a luz proveniente seja lá de onde está polarizada4.

Bom, tudo isso serve para descrever como os vikings se orientavam em suas navegações. Os vikings habitavam regiões do norte do nosso planeta, regiões com altas latitudes (atualmente correspondem a Suécia, Noruega, Dinamarca, Groenlândia, entre outros). Nessas regiões, o sol passa parte do ano abaixo do horizonte. Sem saber onde está o Sol, fica complicado saber em que direção navegar. Mas com os cristais de calcita (as pedrinhas mágicas, lembra?) é possível achar a posição do Sol, mesmo sem vê-lo.

A luz do céu é polarizada (pelo fenômeno do espalhamento, o mesmo que causa a sua coloração azul) e a máxima polarização é obtida para quem fica de costas para o Sol e olha para frente. Quando se sabe onde está o sol é fácil achar essa posição, mas, por outro lado, quando se quer justamente achar o Sol, é preciso usar algum material polarizador e ir olhando para o céu até achar a posição em que há a maior polarização (por exemplo, aparecer apenas uma imagem no cristal de calcita), dessa forma, o Sol estará às costas do observador.

Os vikings não tinham todo esse conhecimento de física que há por trás dessa forma de se orientar numa navegação, mas certamente sabiam muito bem como proceder devido ao aprendizado na prática. É interessante pensar em como, mesmo com todas as limitações existentes na época, as barreiras eram vencidas e que, de alguma forma ou de outra, entendendo ou não o processo, dava-se um jeito de inventar ou descobrir alguma engenhoca que funcionasse para obter algum resultado necessário. E é mais interessante notar, que após entendido o processo, a física que está por trás, o progresso pode ser obtido de uma forma ordenada, possibilitando avanços em muitos outros campos e muito mais rapidamente. Hoje já vemos máquinas fotográficas do tipo polaróide ou mesmo óculos com lentes polaróide, apenas para citar dois exemplos.

Qualquer dúvida, sugestão, crítica etc. mande um e-mail para [email protected] ou ainda mensagem no ICQ, para aqueles que o têm.

1 descobrimento da América: é de conhecimento geral que quando os europeus chegaram à América, ela era habitada por índios, então, na verdade, foi um só descobrimento de uma nova terra para os europeus (fato que também foi questionado nessa coluna)

2 Para saber mais sobre o descobrimento da América e a vida de Cristóvão Colombo, uma boa pedida é o filme 1492 - Conquest of Paradise, contando com uma trilha sonora excepcional composta por Vangelis.

3 O movimento aparente das estrelas no céu ao girarem em torno de um ponto com o passar das horas é na verdade causado pela rotação da Terra. As estrelas, como qualquer outro astro, nascem no leste e se põem no oeste, isso devido ao movimento da Terra que é de oeste para leste.

4 A calcita é muito utilizada para observações astronômicas atualmente (na área de polarimetria astronômica). Com ela é possível tirar uma dupla imagem de uma estrela e ver em que direção predomina a polarização da luz que provém dela. A vantagem da utilização desse cristal sobre um polaróide, por exemplo, é que para ver em que direção predomina a polarização com o polaróide seria necessário tomar imagens em momentos diferente, girando-se o polaróide de uma para a outra. Isso cai num problema freqüente da astronomia, o céu de uma imagem pode estar diferente do da outra imagem (pode ter passado uma nuvem na frente do telescópio, por exemplo) e não seria possível distinguir se a diferença observada na polarização é devida à rotação do polaróide ou à mudança no céu. Com a calcita, mesmo que passe uma nuvem na frente do telescópio, as duas imagens obtidas ao mesmo tempo serão afetadas da mesma forma, o que permite conclusões a respeito da polarização da luz proveniente da estrela.


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