O que significa ser saudavelmente
paranóico?
Significa observar
detalhes nas relações entre as coisas que a maioria das pessoas não observa.
Segundo a dialética materialista, tudo se relaciona, então é só uma questão de
perceber a conexão. Exemplo: uma vez eu estava
pensando sobre códigos que usam a posição das letras no alfabeto. Eu observei
que, na palavra FIAT, se você pega a consoante que vem antes de F, a vogal que
vem antes de I, a vogal que vem antes de A (no caso, considere que o alfabeto
seja um ciclo), e a consoante que vem antes de T, você tem a palavra DEUS.
Fiat também significa fazer em latim, é a palavra que os medievais
identificavam como o Verbo, com a qual Deus fez todas as coisas. Isso tudo não
levou horas de raciocínio, eu pensei nisso enquanto o carro passava em frente
a assistência técnica.
Que tem de saudável nisso? Porque eu
deveria ser paranóico?
Nada. Se você precisa de um motivo você simplesmente não é paranóico
o bastante. Não há o que você possa fazer a respeito. Mas se você
está desconfiado que alguém possa ter um motivo para escolher ser assim,
talvez você seja um pouco paranóico afinal. Lembre-se: só porque você não é
paranóico não quer dizer que não haja uma conspiração.
Grande coisa. Eu não sou paranóico e
acho isso muito mais saudável.
Tudo bem, mas se
você continua lendo talvez esteja curioso para saber o que eu tenho a dizer.
Curiosidade é o primeiro passo. Um paranóico passa por muitos
estágios. No primeiro, ele simplesmente tem curiosidade por um fato estranho e
inexplicável, e resolve investigar. Por exemplo, por que aquela modelo da
propaganda do CVV (aquela que entrava no mar) morreu afogada no mar naquele acidente
de helicóptero sendo que o namorado dela era nadador profissional? As últimas
palavras dela foram, segundo o próprio namorado: "estou muito cansada", porque ela não conseguia
nadar mais. Agora, sabe
qual é a primeira frase daquela música do Portishead que passava na
propaganda? "I'm so tired", que
significa "estou tão cansada". Curioso? Curioso é o fato de que a perícia descartou a
hipótese de falha mecânica e a família Vogel até mesmo processou Diniz.
Onde você quer chegar?
Em nenhum lugar. Tome o fato de que na páscoa de 1994
morreu, aos quatro anos de idade, um garoto de classe baixa chamado Aleph (a
letra A em hebreu, e também o número um), que tinha nascido no dia 25 de
dezembro. Sua mãe se chamava Maria, seu pai se chamava José e ele morreu
afogado na pia batismal (onde fazem o batismo). Isto aconteceu em Goiânia e a
notícia saiu no jornal O Popular, caso você queira conferir.
E daí? É tudo coincidência. Você é
louco.
Talvez eu seja
louco, mas isso não quer dizer que seja mentira. Nem coincidência.
Coincidência seria se eu dissesse que você precisa ir ao banheiro agora e
acertasse. Isto é coincidência, porque uma hora ou outra tem que acontecer,
mas deixar uma mulher linda daquela pra trás? Só pode ser um conspiração macabra!
Agora, se você não avançar sua paranóia vai acabar como os caras que lêem
revistas de UFOs. O próximo estágio consiste em perceber que tudo poderia ser exatamente
como é, que talvez não haja conspiração alguma exceto aquela que tenta
convencer todo mundo que
tudo é uma
conspiração. Foi somente quando eu comecei a desconfiar da minha
própria paranóia que eu percebi como a paranóia pode ser útil.
Agora você já perdeu todo o sentido, eu
desisto...
Não, só estou
começando. Fazer perguntas é só o primeiro passo. Questionar as perguntas me
levou ao próximo, e quando eu atingi maior precisão sobre que perguntas fazer,
aprofundei ainda mais minha paranóia. Os comportamentos, quando examinados
atentamente, revelam particularidades que se repetem, se tornando quase
previsíveis.
Então me diz o que eu vou fazer agora.
Embora qualquer
resposta que eu der seja inútil, pois ao fazer essa pergunta as pessoas se
colocam numa posição neutra, eu poderia ter adivinhado que você perguntaria
isso, porque quase todo mundo pergunta. Então, de certa forma, eu adivinhei o
que você acabou de fazer. Viu só? Ser paranóico tem suas vantagens.
O
caso Sílvio Santos
Quem se lembra do seqüestro da filha
do Sílvio Santos? Como três criminosos comuns passaram pelo esquema de
segurança da família de um dos homens mais poderosos do Brasil? Porque a filha
não se perturbou? O que foi discutido quando Sílvio jogou cartas com o
governador de São Paulo? Como um homem ferido "invade" uma casa que mais
parece uma fortaleza simplesmente pulando um muro? Será que o Sílvio é mesmo
um homem tão calmo e controlado assim em todas as situações? Os seqüestradores
não tinham experiência nenhuma, mas foram absurdamente bem pagos. Estavam
sendo pagos há anos, como se estivessem sendo contratados para uma missão
suicida. Quem gastaria tanto tempo e dinheiro para seqüestrar a filha de
alguém praticamente intocável? Não pode ter sido pelo dinheiro, seria
impossível pegar o resgate. Não foi para afetar a reputação, que na verdade
subiu. Não causou consternação alguma também, a vítima foi extremamente bem
tratada. Ninguém se lembra que na mesma época a biografia "não autorizada" do
Sílvio Santos estava pronta para ser vendida? Graças ao seqüestro, que estava
na moda na época, ele estava sendo comentado 24 horas por dia em todos os
canais. Até que o 11 de setembro tirou toda a atenção do público. Minha
teoria? Foi armação. Do mesmo jeito que recentemente fizeram no programa Gugu,
só que muito pior. Não foi a primeira vez. Há uma equipe especializada em
forjar crimes escandalizantes. É por isso que a equipe de jornalismo chega lá
antes de todo mundo. Essa idéia nem é original, já foi usada antes. Qual a
importância dessa conspiração? Lembrar a você que o poder da tevê vai muito
além de alguns milhões de reais. Sílvio Santos quase foi transformado num
herói, não fossem os japoneses (sim, foram japoneses que jogaram os aviões nas
torres, mas isso é outra paranóia).
Hoaxes são apenas hoaxes?
O que
são hoaxes? Quem espalha essas coisas pela Internet, e porque? Será mesmo
um bando de desocupados que querem uma espécie de fama anônima? Ou será que há
outros objetivos secretos e misteriosos por trás deles? Aumentar o medo das
pessoas? Aumentar o consumo? Prejudicar certas corporações em nome de outras?
Simplesmente deixar as pessoas paranóicas? Ou será que estou paranóico com
isso? Ou talvez eles não queiram que você saiba que está ficando paranóico. Só
porque estou sendo paranóico não significa que não seja verdade. Algumas
verdades só são descobertas pelos paranóicos. E o fato de que as pessoas
evitam os paranóicos pode no fundo ser uma conspiração para evitar que as
pessoas saibam a verdade! Isto é tão paranóico que até eu me recuso a
acreditar, no entanto é impossível deixar de levar em consideração quando
pensamos direito. Somos obrigados a deixar esse assunto de lado apenas para
não ficarmos loucos. A verdade é assim mantida segura de nós num cofre de
insanidade, com as portas abertas. Você pode descobrir, mas ninguém vai
acreditar em você. Por outro lado nós que não somos loucos lemos um texto
desses e sabemos que é só uma piada, rimos e deixamos isso de lado. Mas ainda
é possível imaginar que mesmo sabendo que isso é mentira, no fundo sempre
permanece uma dúvida pequena, sobre porque tal texto seria escrito afinal. É
mesmo apenas uma piada ou o autor quer algo mais? Ou ainda ele mesmo não sabe
que está cooperando com um grande plano de deixar as pessoas sistematicamente
mais paranóicas para que elas eventualmente descubram ou se afastem ainda mais
da verdade. De qualquer forma, é a verdade que está em jogo, e mesmo uma piada
dessas não é nada inofensiva, ela faz parte do jogo. Ela pode estar deixando
você mais paranóico agora, ou o contrário. De qualquer forma você não sabe se
a verdade está mais pra lá ou mais pra cá, simplesmente porque está com
maioria ou não. Ou talvez sejam paranóicos... Pense no quanto é cômodo ver o
mundo cheio de pessoas fantasiando e só você sóbrio, amigo da verdade, vendo o
mundo como ele é. Você pode ser o enganado. Mas não é possível levar essa
consideração a sério e manter a sanidade ao mesmo tempo. É preciso acreditar
fielmente que algumas coisas são verdade e por coincidência são as que você
acredita. Então você monta boas explicações para isso ser verdade, usando a
lógica e a razão. Mas de qualquer forma é dogmático, porque perguntas devem
ser ignoradas como se não tivessem sentido, em algum momento as perguntas têm
que parar e temos que admitir sem questionamento e sem pensar duas vezes que
uma coisa é verdadeira e ponto final. Não podemos perguntar: E se tudo isso
fosse sem sentido e a verdade fosse outra e eu estivesse enganado em tudo que
mais acredito? Não, é melhor ficar são e viver em sociedade que procurar saber
até onde o que você chama de verdade é verdade ou não, o que no fundo seria
impossível. Que bom que chegamos a uma conclusão razoável e pudemos manter
nossa preciosa sanidade acima de tudo. Infelizmente ainda resta saber o que
separa exatamente um louco de um são, e até que ponto nós precisamos nos
comprometer com nossa sanidade. Como isso não é possível, voltamos ao mesmo
velho problema, aparentemente insolúvel, da verdade. Não é uma questão de
tentar e se aproximar da verdade. Na verdade, podemos estar nos afastando
continuamente. Podemos ter relativa certeza que não há como chegar a qualquer
grau de verdade confirmada. Porque não desistimos logo da verdade e tratamos
tudo com outro conceito, um conceito que ultrapasse a dicotomia verdade /
falsidade? É possível? Alguns homens tentaram isso, substituindo por
utilidade. Mas sempre foram perguntados: como eu sei que algo é
verdadeiramente útil, independentemente de sua verdade? Uma pergunta retórica.
Responderam que: não há como saber que algo é verdade, podemos saber é se algo
é útil enquanto verdade, num contexto. Ainda assim pode ser útil como mentira
em outro. E a única coisa que precisamos para isso é considerar se as coisas
que consideraríamos constantemente como verdade são mais úteis que as coisas
que tendemos a considerar como mentira. Se a mentira fosse mais útil que a
verdade, seria considerada verdade, porque elegemos a verdade como superior e
preferível à priori. A verdade não faz sentido, o uso que fazemos das coisas
que consideramos verdade ou mentira faz.
Isto é tão previsível