LÍNGUAS INDÍGENAS NO BRASIL: pesquisa e formação de pesquisadores
Profa.
Dra. Bruna Franchetto
Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro
CNPq
Solicitada a contribuir a uma discussão geral da situação dos
povos indígenas no Brasil, abordando o assunto específico
"Línguas" e no âmbito da temática abrangente do
Seminário "Ciência, Cientistas e a Tolerância",
apresento neste trabalho um quadro
informativo e de avaliação, em forma de relatório, do que é
no Brasil o campo da produção de conhecimentos sobre línguas
indígenas. Espero com isso preencher lacunas, apontar avanços e
impasses, fornecer uma visão global dessa área de pesquisa e
formação de recursos humanos fundamental não somente para o
desenvolvimento científico, mas sobretudo para a preservação
ou defesa das cerca de 170 línguas nativas ainda faladas no País,
línguas minoritárias em constante transformação e em perigo
de desaparecimento.
I. Breve histórico dos estudos sobre línguas indígenas
Se
ouvirmos a opinião dos linguistas brasileiros, a grande maioria
costuma
estabelecer um grande divisor de águas: o advento dos estudos
científicos da modernidade coincide com o advento do
estruturalismo na década de 60. Distinguem-se um passado e um
presente. Ao passado pertenceriam informações e dados lingüísticos
deixados por cronistas e viajantes, bem como o registro feito por
etnógrafos sobretudo os da escola alemã, da segunda metade do século
XIX até as primeiras décadas deste século. Ao passado
pertenceriam também as obras jesuíticas do final do século XVI.
É preciso ouvir com discernimento esse elogio à modernidade.
Com relação aos dados que recebemos dos etnógrafos alemães,
podemos afirmar que há trabalhos de extrema importância, às
vezes os únicos registros de línguas extintas, às vezes o
testemunho de uma fase da história de uma língua indígena. A
formação dos etnólogos alemães permitiu a eles transcrições
bastante fidedignas e ainda utilizáveis para análises atuais,
com uma riqueza e detalhamento de registro impressionantes.
Mencionamos aqui Theodor Koch-Grümberg, com sua coletânea de
textos Taurepáng, língua karib do norte amazônico (existe uma
edição espanhola de "De Roraima ao Orinoco" publicada
em Venezuela); Karl Von den Steinen e a gramática de outra língua
karib, o Bakairí; Kurt Nimuendajú e o seu mapa etnolingüístico
elaborado nos anos 40; Capistrano de Abreu e a gramática do
Kaxinawá, língua Pano.
Com relação às obras jesuíticas, Yonne Leite (1995) considera
que, embora
tratando-se de uma produção motivada e destinada para a
catequese cristã católica, os trabalhos comparativos
empreendidos hoje por especialistas de línguas tupi-guarani
mostram que os corpora das descrições jesuíticas ainda servem
como rica fonte de dados, permitindo reinterpretações e reanálises.
Leite atribui à idelogia que emana do estruturalismo, uma vez no
Brasil, uma avaliação equivocada da obra jesuítica,
considerada meramente subordinada à conversão e aprisionada
pelo modelo gramatical greco-latino. O estruturalismo se
instaurou nos anos sessenta e a figura central foi Joaquim
Mattoso Camara Jr. Foi ele que criou o Setor de Lingüística do
Departamento de Antropologia do Museu Nacional (Universidade
Federal do Rio de Janeiro) em 1961, centro pioneiro, do qual saiu
a primeira geração da chamada "lingüística indígena
brasileira". O programa teve entre seus protagonistas o
Summer Institute of Linguistics (SIL), instituição de dupla
identidade sendo ao mesmo tempo uma missão evangélica norte-americana
de linha fundamentalista e um centro de pesquisa lingüística. O
programa do Museu Nacional estabelecia as seguintes metas:
(1) produzir descrições completas das línguas nos níveis
fonológico, morfológico, sintático e semântico, além da
confecção de dicionários bilíngües;
(2) promover, baseado nessas descrições, a classificação genética
dessas línguas. Como diz Leite, nenhum desses objetivos se
cumpriu na extensão desejada ou, diria melhor, os resultados
alcançados ficaram muito aquém do esperado. De 1974 a 1988, o
Prof. Aryon Rodrigues, Doutor pela Universidade de Hamburgo e
egresso do Museu Nacional, consolidou na Universidade Estadual de
Campinas (UNICAMP) uma área de estudos das línguas indígenas.
Diz Leite (op. cit.:56):
"Avaliando
o que foi feito no período em que realmente vigorou, pode-se
dizer que o
estruturalismo nos legou os tres volumes do Handbook of Amazonian
Languages e
mais uma gramática do Hixkaryana de D. Derbyshire. Compulsando-se
coletâneas
feitas pelo SIL, dissertações de mestrado e trabalhos
arquivados inéditos verifica-se a predominância da fonologia, o
que era de se esperar, pois essa foi a pedra de toque
do estruturalismo. E mais, trata-se de uma produção voltada
para a confecção de
cartilhas".
No
fundo, muitos dos estudos feitos em fonologia não passaram de
uma redução
voltada para o estabelecimento de ortografias (redução da fala
à escrita) para a sucessiva confecção de cartilhas ou coletâneas
de textos da chamada "literatura indígena", outro tipo
de redução, infantilizadora, de narrativas orais inclusive do
acervo tradicional. Cito mais uma vez Yonne Leite (op. cit:56):
"...a
produção estruturalista se caracteriza por fórmulas, a língua
estando muito
pouco presente. Um exemplo extremo desse estado de coisas é a
Gramática
Guajajara de Bendor Samuel. Ao tentar fazer, juntamente com Márcia
Dámaso
Veira, uma análise tipológica das línguas Tupi-Guarani,
deparamo-nos com uma total
ausência de dados...sobre...fenômenos centrais nas línguas
Tupi. Salvam-se, em todo
o material, os 40 textos na língua Assurini, material inédito
arquivado no Setor de
Linguística (do Museu Nacional)."
Mas
não podemos negar que ao longo desse período se acumularam
conhecimentos,
um conhecimento factual, que formou a base dos estudos tipológicos
que começaram nos anos oitenta. Há, então um continuum entre o
estruturalismo norte-americano importado basicamente pelo SIL, e
a abordagem tipológica atual, quadro em que se produz boa parte
dos estudos mais recentes. Há também um continuum entre a lingüística
estruturalista norte-americana e o funcionalismo, modelo que guia
algumas das pesquisas atuais de maior fôlego (Franchetto, 1995).
No final da década de 80, as línguas indígenas entram na
Universidade de Brasília (UnB), graças a Aryon Rodrigues, na
Universidade Federal de Goiânia (UFGO) se inicia um programa com
Raquel Teixeira e Sílvia Braggio, na Universidade Federal de
Pernambuco (UFPE) com Adair Palácio, na Universidade Federal do
Pará (UFPA) com Leopoldina Araújo. Em seguida surge um
ambicioso programa de pesquisas na Universidade Federal de Santa
Catarina (UFSC). Nos anos 80 assistimos ao início de uma fase de
desenvolvimento evidente no âmbito das instituições acadêmicas
brasileiras. Continuam as descrições, os estudos tipológicos,
se insinua a teoria gerativa, sobretudo na UNICAMP. Os anos 80 são
marcados pela crise das ligações acadêmicas e oficiais do SIL
no Brasil. Em 1987 é lançado o Programa de Pesquisa Científica
sobre Línguas Indígenas Brasileiras (PPCLIB), formalizado no
interior do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq) no início de 1988, iniciativa responsável,
sem dúvida, por um novo impulso à investigação e à formação.
Nos anos 90 assistimos a um desenvolvimento gradual e progressivo
da área, não
apenas quantitativamente, como também qualitativamente e com uma
diversificação das linhas teóricas. Ressurge o Museu Paraense
Emílio Goeldi. Reformula-se o perfil do Setor de Lingüística
do Museu Nacional da UFRJ. Rui tragicamente o programa da UFSC,
que ressuscita na Fundação Universidade Federal de Rondônia (UNIR/Guajará-Mirim).
Forma- se uma área na Universidade de São Paulo (USP). Há um
novo impulso na Universidade Federal do Pará (UFPA).
Há um avanço dos estudos tipológicos que permitem identificar
os fenômenos
morfossintáticos que são retomados pelos trabalhos na linha
gerativista, em seus sucessivos modelos (Regência e Vinculação,
Teoria Paramétrica, Programa Minimalista), sobretudo na UNICAMP,
por pesquisadores do Museu Nacional e até, minoritariamente,
dentro do SIL.
Gerativa e funcionalismo (em suas distintas vertentes norte-americana
e francesa) se
encaram através de dissertações, teses, artigos, em encontros.
Firmam-se estudos em fonologia não-linear e métrica. Convivem (e
competem) diferentes paradigmas, num saudável pluralismo científico.
Amadurece a discussão entre pesquisa digamos básica, ou seja a
que resulta em uma descrição que se pretende neutra
teoricamente e fiel empiricamente, e pesquisa teórica, cujo
objetivo é a de inserir os dados de línguas indígenas nos
debates e embates da teoria lingüística atual (ainda existem os
que consideram as duas abordagens incompatíveis ou a segunda
como inútil devanéio...).
Retoma-se a investigação histórica e comparativa. O método
comparativo clássico
funcionou nos anos setenta com resultados como as propostas de
classificação das línguas Tupi Guarani e das do tronco Jê. Até
os anos 90, temos uma certa estagnação. Os anos 90 inauguram o
estudo comparativo e diacrônico de línguas karib, há novas
perspectivas para o Tronco Tupi e para a família Tupi-Guarani.
Vislumbra-se uma possibilidade de diálogo entre etnoarqueologia
e lingüiística.
Em suma, muito está sendo feito nas instituições nacionais não
missionárias, se
pensarmos na penúria de dez anos atrás. Muito mais precisa ser
feito. Os trabalhos
descritivos são ainda parciais, muito raramente se chega a
finalizar uma gramática que
compreenda fonologia, morfologia e sintaxe. Quase nada existe nos
domínios do discurso, da coleta de tradições orais, da elaboração
de dicionários. É muito recente o aparecimento de estudos sócio-lingüísticos,
importantes dadas as muitas e complexas situações de bilingüismo,
multilingüismo e de perda lingüística.
O saber e o fazer da chamada lingüística indígena no Brasil
implicam não apenas uma
formação específica, alcançada com muita dificuldade e que se
defronta com as peripécias da pesquisa em campo. Firmou-se uma
figura de identidade dupla, o lingüista-fazedor-de- escritas,
que se improvisa redator de material didático, legado do SIL e
resultado da solicitação dos índios, uma solicitação muitas
vezes mediada e sempre condicionada historicamente. Assim, já é
praxe, o linguista trabalha como assessor de projetos de educação
escolar, tarefa que acaba se acoplando à pesquisa e que exige
dedicação, novas aprendizagens, tempo. Queria acrescentar que
esse envolvimento não significa apenas um exercício de aplicação
de conhecimentos científicos, mas deve, hoje, se basear numa
capacidade de revisão crítica do modelo dominante da chamada
"educação bilíngüe", ainda, em muitos casos,
atrelado, apesar de suas diversas versões, a uma matriz missionária
ideologicamente civilizadora e integracionista.
II. Publicar: a necessidade da divulgação dos conhecimentos
científicos
Como diz Yonne Leite a respeito do quadro brasileiro (op. cit.:58):
"nosso
ponto fraco é a a falta de visibilidade. Publicamos pouco, os
resultados da
pesquisa estão encerrados nas teses, artigos em Atas de
Congressos, revistas de
Universidades de circulação restrita. Será preciso mais
agressividade e um programa
para desencapsular esses resultados de pesquisa. E a tarefa é
dupla. Somos poucos e
há muito o que fazer. Ainda há várias línguas pouco descritas
e algumas totalmente
desconhecidas. Urge que se formem mais pessoas e que, ao mesmo
tempo, ao lado
da produção para o mundo acadêmico, se produza também, em
linguagem
accessível, para os rpofesores, os médicos, os antropólogos,
para o leitor comum...O
conhecimento é a melhor e talvez a única formade se vencer o
preconceito. E ainda
há muitos preconceitos e equívocos com relação às línguas
indígenas".
Fora
as Atas de congressos, o maior número de publicações se deve a
editoras
universitárias brasileiras; as editoras não universitária não
estão interessadas no assunto.
Com exceção de "Línguas Brasileiras" de Aryon
Rodrigues (1986), que reúne informações gerais e se concentra
sobre a classificação genética, não existe nenhum livro
introdutório bom e atualizado. A Editora da UNICAMP é a que
mais dedicou espaço para as línguas indígenas em seus periódicos
(Cadernos de Estudos Linguísticos) e com a série Línguas Indígenas,
que conseguiu publicar algumas dissertações e teses, ou com
coletâneas (raríssimas) de artigos. A Editora da UFRJ entrou só
recentemente em cena publicando uma coletânea de artigos em
fonologia em torno de um eixo teórico (a fonologia auto-
segmental), algo inédito no Brasil. Pouco ou nada é publicado
em revistas de maior porte na área de linguística, como a D.E.L.T.A.
Nos últimos anos o trabalho de pesquisadores brasileiros está
conquistando visibilidade no exterior, participando de coletâneas
e como resultado de encontros científicos (destacando-se os
grupos do Museu Goeldi e o do Museu Nacional da UFRJ). É rara,
todavia, a repercussão deste trabalho em periódicos importantes,
nos Estados Unidos ou na Europa. Gramáticas completas têm sido
publicadas nos tres volumes do Handbook of Amazonian Languages (1986,
1990, 1991), editado nos Estados Unidos e com a participação
maciça de membros do SIL.
Há visibilidade mínima de pesquisas nas áreas clássicas como
fonologia, morfologia,
sintaxe, discurso, e muito pouco foi feito em termos de coletâneas
de textos ou vocabulários que atinjam uma qualidade científica
respeitável. Somente pesquisas conduzidas com base numa formação
antropológica (etnológica) conseguiram publicar textos,
narrativos ou não; aqui temos uma boa contribuição de antropólogos
estrangeiros. Os textos que encontramos em trabalhos etnológicos
aparecem, em geral, apenas traduzidos ou, quando em língua
nativa, muitas vezes sem os devidos cuidados da transcrição
linguística. Encontramos textos apenas com função de amostra
em apéndice a algumas gramáticas publicadas que seguem o modelo
Handbook of Amazonian Languages, iniciativa do SIL.
É do SIL, até o momento, a maior produção de vocabulários, a
maioria de qualidade
duvidosa. Entre as exceções, cito um trabalho que não é do
SIL, o Dicionário Wayãpi, de Françoise Grenand, lingüista
francesa, como exemplo de um empreendimento de fôlego e
cientificamente sério, onde consegue ser operacionalizado um
modelo da visão de mundo e da semântica nativas.
Fora do universo acadêmico, algum material lingüístico tem
sido publicado sob as
asas de projetos de educação, em forma de cartilhas, manuais,
gramáticas pedagógicas, pequenos vocabulários, livrinhos de
textos, onde uma parcela do acervo narrativo de um grupo indígena
aparece reduzida a estorinha infantis. O SIL está na vanguarda,
de qualquer maneira, até hoje, nesse tipo de produção.
Observamos, todavia, um incremento na publicação de material
didático nos últimos anos, com qualidade um pouco melhor. O
Ministério da Educação e ONGs estão apoiando cada vez mais
esse gênero de publicações.
É previsível, a partir desse quadro, a conclusão de que a
difusão dos conhecimentos
sobre línguas indígenas continua escasso e muito restrito.
Diria que a difusão em âmbito nacional não supera, ou é até
inferior, à difusão no exterior, dentro desses limites
apertados.
Apesar dessa radiografia negativa, parece-me que estamos num
momento crucial:
algo irá acontecer daqui para frente em termos de um aumento
quantitativo e qualitativo das publicações tanto no Brasil como
no exterior. Alguns centro de pesquisa estão programando linhas
de publicação (Goeldi, Setor de Linguística do MN/UFRJ) e uma
maior circulação internacional de pesquisadores e resultados de
pesquisa deverá encorajar novas publicações, conquistando
foruns afamados. Está oficialmente lançado o Journal of
Amazonian Languages, iniciativa sob as asas, mais uma vez, do SIL.
Quem sabe consigamos conquistar editoras com livros aprazíveis
para um público mais amplo. Precisamos continuar contando, de
qualquer maneira, com a ajuda de universidades e agências de
fomento e lembro que 'escrever um livro ou um artigo' é ainda
tarefa árdua no Brasil, onde o trabalhador intelectual não
encontra na maioria das vezes condições sequer físicas de
permanência num lugar minimamente adequado, equipamentos,
pessoal de apoio, tempo que não se esgote em intermináveis
tarefas burocráticas.
III. Um panorama da pesquisa
É
necessária uma premissa. Os dados aqui apresentados são
resultado de
levantamentos preliminares, a partir de fontes heterogêneas;
sendo assim, essas informações devem ser apreciadas
considerando sua relativa incompletude e suas lacunas. Uma tarefa
urgente é exatamente a obtenção de dados exaustivos e
controlados que permitam definir um quadro fidedigno atualizado.
Para este fim, se torna imprescindível a cooperação entre
pesquisadores e centros de pesquisa, que devem ser conectados
numa rede eficiente, algo ainda inexistente no Brasil. Todos os
quadros e dados apresentados nesta seção incluem as línguas
indígenas faladas no Brasil, a maioria das quais estão na região
amazônica. Esta última é definida utilizando o critério
geopolítico que delimita a chamada Amazônia Legal,
compreendendo nove Estados (Amazonas, Roraima, Acre, Rondônia,
Mato Grosso, Tocantins, Pará, Maranhão, Amapá). Todos os dados
se referem ao quadro da pesquisa até o final de 1995, sendo
necessária uma atualização para o quadro de final de 1997; em
linhas
gerais, porém, o panorama aqui apresentado é significativo e
ilustrativo.
III.1 Projetos e Pesquisadores
Incorporando os resultados do levantamento feito por Denny Moore
e Luciana
Storto relativo ao período 1984-1991 (Moore & Storto, 1991)
e acrescentando as
informações accessíveis até 1995, temos o seguinte quadro:
1991:
PPCLIB com 67 projetos, 59 línguas, 4 em linguística diacrónica
(projetos não ativos) SIL com projetos sobre 11 línguas no
PPCLIB; outras 23 línguas em estudo, num total de 34 línguas.
Mais 13 línguas estudadas por outras missões.
Total: 95 línguas.
1990:
71 pesquisas nacionais não missionárias (34% independentes,
senior, 25%
doutorandos, 34% mestrandos).
1995: cerca de 120 pesquisadores (80% ativos; uma dezena de pesquisadores missionários com vínculos acadêmicos; 10 % pesquisadores estrangeiros)
Observe-se
que aumentou consideravelmente a participação de graduandos e pós-
graduandos. Parece não ter aumentado o número de pesquisadores
missionários (não
consideramos os que trabalham diretamente ligados às missões
evangélicas, sem vínculos com instituições brasileiras como
universidades e CNPq). Considere-se, também, que há
pesquisadores senior ou professores que conduzem suas pesquisas
com equipes formadas por alunos de iniciação científica (graduação).
Não conseguimos obter dados sobre o número de projetos
existentes hoje no CNPq.
O número de pesquisadores estrangeiros representa cerca de 10%
desse total: são
norte-americanos (Universidades de Pittsburgh, Oregon, Rice,
California, MIT), franceses e holandeses, ainda sem contar os
ligados às missões evangélicas, onde os estrangeiros (USA) são
ainda a maioria.
Outro
quadro, apresentado abaixo, oferece um panorama das línguas em
estudo
(projetos em andamento ou recém concluídos) com sua distribuição
por tronco ou família (59 linguas no PPCLIB em 1991):
Tupi-Guarani
(1990) 13 (1995) 16
Tupi 7 11
Arawák 8 14 (inclui Arawá)
Pano 7 6
Jê/Karajá 6 13
Macro-Jê 6 4
Karib 3 10
Makú 1 4
Yanomami 4
Mura 1 2
Tukano 3
Txapakura 10
Katukina 1
Kadiwéu (Guaikurú) 1 1
Isoladas 7 9
III.2
Documentação das línguas.
O quadro que apresento é resultado de levantamento pessoal e
preliminar realizado
com base no fichamento do acervo do Setor de Lingüística do
Museu Nacional, dos
primeiros cadastramentos de pesquisadores (ANPOLL e UFGO), de
levantamento da
produção acadêmica (UFRJ, UNICAMP, UFSC). Utilizamos a lista
de etnias (e suas
línguas), num total de 206, elaborada recentemente pelo
Instituto Sócio-Ambiental
(ISA/PIB). O número total das etnias/línguas foi reduzido
considerando os povos que não mais falam suas línguas maternas,
como é o caso da maioria dos da região nordeste e os casos
conhecidos de não coincidência entre etnia e língua.
Acrescentamos somente uma etnia/língua, o Kwazá (Coaiá), língua
isolada de Rondônia, cuja documentação está em andamento.
Chegamos a um total de 177. Observo que entende-se aqui por
documentação a existência de algum tipo de material linguístico;
a maior parte desse material é inédito e fruto da atuação do
SIL. Nesse sentido a classificação tripartida em línguas sem
nenhuma documentação, com pouca (ou alguma documentação), bem
documentadas resulta num quadro obviamente simplificador. Assim,
línguas com pouca (ou alguma documentação) incluem aquelas com
algum tipo de dados registrados ou até analisados fonológicos
ou morfossintáticos, ou das quais temos textos parcialmente ou não
analisados. Na categoria línguas com boa documentação
incluimos aquelas para as quais temos uma descrição gramatical
completa com textos (a quantidade varia muito) e, às vezes,
dicionários. Algumas dessas descrições estão em andamento em
fase conclusiva. Não está aqui em jogo a qualidade das análises
e estes dados precisam ainda de uma revisão, o que significa que
o quadro é provisório.
Total
de línguas: 177 (160 na Amazônia)
Línguas com boa documentação: 34 (28 na Amazônia)
Línguas com alguma documentação: 114
Línguas sem documentação: 23
III.3 Contatos internacionais
Os intercâmbios internacionais têm desenvolvimento recente.
Podemos dizer que até
alguns anos atrás, o SIL mediava a grande maioria dos contatos
para fora do País. Tais intercâmbios devem aumentar no futuro
próximo, mas este incremento depende bastante da visibilidade
internacional da produção nacional, o que significa que se
consolidarão somente a partir de um incremento da qualidade, não
apenas da quantidade, dos conhecimentos produzidos. Além disso,
a presença crescente (sobretudo via MPEG/Linguística) de pós-
graduandos em universidades no exterior e a presença de
pesquisadores visitantes estrangeiros (ainda esporádica) no
Brasil contribuem para o estabelecimento de novos intercâmbios.
É também incipiente a participação de pesquisadores
brasileiros nas redes eletrônicas (Internet). Pesquisadores e
universidades norte-americanas representam o contato mais antigo
e mais intenso, ainda pela herança SIL; hoje temos intercâmbio
com as universidade de Eugene (Oregon), Rice (Texas), alunos em
universidades da California, em Chicago, no MIT. Com o MIT
tivemos um intercâmbio inicial que pode se intensificar, na
medida em que se desenvolvem estudos dentro da teoria gerativa (UNICAMP,
UFRJ, UFSC, UnB). Vários brasileiros são membros, por exemplo,
da Society for the Study of Indian Languages of America (SSILA).
Em segundo lugar vem a França (há uma tradição
franco-brasileira), em terceiro a Holanda. Os intercâmbios com a
França também devem se intensificar a médio prazo (veja o caso
da rede franco-brasileira que se iniciou em 1997, com Museu
Nacional/UFRJ, UFPA, USP, CNRS). Como se vê, o 'norte' domina,
enquanto raros são os contatos com outros Países latino-americanos,
sendo a Argentina o país que mais se abre a redes internacionais,
com a organização na Universidade de Buenos Aires de um
encontro anual (Jornadas de Linguistica Aborigen). Colômbia e
Venezuela têm tradições de pesquisa e intercâmbios com França
(Colômbia) e Estados Unidos (Venezuela). Ecuador, Perú e Bolívia
têm potencialidades embora ainda em relativo isolamento.
III.4 A presença das línguas indígenas em eventos científicos
A presença das línguas indígenas em encontros científicos (congressos,
reuniões de
associações científicas, simpósios, etc.) tem aumentado muito
nos últimos dez anos. Temos um lugar cativo na Sociedade
Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e na Associação
Brasileira de Linguística (ABRALIN), através da realização de
cursos, mesas- redondas, comunicações; na Associação Nacional
de Pesquisa e Pós-Graduação em Letras e Linguística (ANPOLL)
funciona há quase dez anos um Grupo de Trabalho que reune
periodicamente pesquisadores da área com a apresentação e
discussão de trabalhos e resultados de pesquisas e com a discussão
da política de pesquisa a nível nacional.
Permanece, contudo, uma tendência à separação, ousaria dizer
uma guetização, das línguas indígenas com relação às
disciplinas consagradas da linguística (assim, por exemplo, na
ANPOLL existe um GT específico separado dos Gts de Teoria da
Gramática, Fonologia, etc.); temos concentrado esforços para
superar essas fronteiras a fim de integrar os estudos sobre línguas
indígenas nos campos teóricos da linguística.
As línguas indígenas estão hoje presentes em eventos
internacionais e, neste caso,
também, a tendência é um incremento dessa presença. Novamente
Estados Unidos estão em primeiro plano (encontros da Linguistic
Society of America, da SSILA, da AAA, simpósios). Segue a França,
a distância. Houve participações em encontros na Alemanha,
Chekoslováquia. Participamos com uma certa regularidade do
Congresso Internacional dos Americanistas. Mais recentemente,
estivemos nas Jornadas de Linguistica Aborigen que acontecem na
Argentina.
III.5 Bases de dados.
Fora os bancos de dados particulares, dos quais não temos
informações, e o relativo
ao material publicado, inédito e sonoro arquivado no Museu
Nacional da UFRJ, não temos ainda nenhum banco de dados que
centralize as informações sobre projetos, pesquisadores,
publicações, etc. Era um dos objetivos que o PPCLIB não
conseguiu realizar. Somente agora há a possibilidade, graças a
um primeiro auxílio da CAPES, de criar um banco de teses que será
sediado no Setor de Lingüística do Museu Nacional. Uma
iniciativa interessante, mas que representa apenas uma circulação
ainda restrita de algumas informações, é o Boletim LINDA (Línguas
Indígenas da Amazônia), organizado por Francisco Queixalós,
pesquisador frances hoje na Guiana Francesa mas ainda ligado ao
Museu Goeldi e à Universidade Federal do Pará.
III.7 Instituições não-oficiais e a pesquisa
O papel das Organizações Não-Governamentais (ONG) enquanto
responsáveis de
algum incentivo à pesquisa está se tornando importante. Trata-se
principalmente do apoio financeiro e/ou logístico para que se
desenvolvam pesquisas concomitantemente à assessoria educacional.
É o caso da Fundação Magüta (Tikuna), do Instituto Sócio-Ambiental,
com trabalho no Parque Indígena do Xingu (Mato Grosso) e suas 15
línguas, da Comissão para a Criação do Parque Yanomami (CCPY),
da Comissão Pró-Índio do Acre.
IV. Formação de recursos humanos
IV.1
Nível da formação
Em termos dos pesquisadores brasileiros, temos que distinguir os
níveis de
graduação e pós-graduação (mestrado e doutorado). Sem falar
do silêncio ou das
informações estereotipadas repassadas aos alunos de cursos primários
e secundários, algo que só muito recentemente está sendo
objeto de críticas e de algumas (ainda poucas) iniciativas,
constatamos a quase ausência de cursos introdutórios na graduação,
cursos que ofereçam um panorama geral das línguas, seus
falantes, das pesquisas; tais cursos servem não apenas para
preencher uma lacuna profunda na cultura geral dos estudantes
universitários, mas também funcionariam para motivar futuros
pesquisadores. A exceção está na UNICAMP. Em muitas
Universidades Federais, mesmo existindo uma disciplina eletiva do
tipo "Introdução às línguas indígenas brasileiras",
ministrada esporadicamente e de modo amadorístico, não se
firmou nenhuma tradição de pesquisa. Passa-se, assim, a impressão
de que a lingüística é uma ciência apenas para as línguas
ditas "de civilização", as que possuem literaturas;
nisso, as línguas indígenas são, quando tanto, um objeto de
curiosidade, uma espécie de não-línguas. É um exemplo do
atraso e do preconceito que domina na universidade, sobretudo pública.
Outro quadro pode ser delineado para a pós-graduação, onde as
línguas indígenas
têm conseguido nos últimos anos um lugar ao sol. Aqui,
constatamos que algo aconteceu, que houve avanços e que há
possibilidades de um desenvolvimento promissor. Trata-se de uma
mudança recente e incipiente, ainda, se confrontada com as
necessidades e os objetivos a serem atingidos.
Aconteceram cursos intensivos de curta duração para formação
em técnicas e
métodos iniciais: UnB/Brasília (1987), MPEG/UFPA/Belém (1988,
1995), UFGO/Goiânia
(1990), UFSC/Florianópolis (1991). Tais cursos não tiveram
continuidade e foi mais um
objetivo do PPCLIB do CNPq não alcançado. A única iniciativa
de formação existente hoje são os cursos de Especialização
do Setor de Lingüística do Depto de Antropologia do Museu
Nacional, este ano de 1997 em sua terceira edição, onde se
enfatiza a formação teórica e, a partir do segundo curso, a
execução de projetos de pesquisa de campo. Os cursos de
especialização têm se mostrado vitais para preencher o hiato
entre graduação e pós-graduação.
Em 1996 foi anunciada a criação de uma Pós-Graduação em Lingüística
Indígena no
campus de Guajará-Mirim da Universidade de Rondônia (UNIR).
Quanto a mestres e doutores formados até 1995, temos o seguinte
quadro (os dados relativos ao período 1991-1995 se referem
somente às defesas realizadas na UFRJ, na UNICAMP e na UFSC;
faltam informações das outras universidades):
1985:
1 PhD, (SIL), 8 MA (3 SIL)
1991: 4 PhD, 27 MA (1 SIL)
1995: 11 PhD , 42 MA (UFRJ, UNICAMP, UFSC)
No
período 1995-97 continuou a produção de teses e dissertações,
embora não
tenhamos ainda um levantamento definitivo. Não temos ainda um cálculo
preciso de quantos desses mestres e doutores continuam
pesquisadores ativos.
IV.2 Hoje: onde se formam pesquisadores e onde se faz pesquisa
Segue uma lista das instituições oficias, universidades públicas,
e informações sobre
instituições não-oficiais.
-
Museu Paraense Emílio Goeldi, (MPEG, Departamento de Ciências
Humanas, área de
Linguística, Belém (Pará)). É um instituto de pesquisa do
Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). É o único da
região amazônica.
Definem-se tres linhas de pesquisa (documentação e análise,
linguística diacrônica, relações linguagem/sociedades/cultura),
e o Projeto Línguas Amazônicas. As pesquisas em andamento
vertem sobre línguas Tupi, Karib, Arawák, Pano, isoladas.
Caracteriza-se pelo fato de ser o centro que mais investiu na
formação no exterior de seu quadro e alunos. Assessora projetos
de educação.
- Universidade Federal do Pará (UFPA, Deparrtamento de Línguas e
Literaturas Vernáculas (Laboratório de Linguagem). Há
pesquisas sobre línguas Jê e Tupi.. Promove mensalmente o Seminário
Permanente sobre Línguas da Amazônia e inicia envolvimento em
projetos educacionais no Pará.
-
Universidade de Brasília (UnB, Departamento de Lingüística, Línguas
Clássicas e
Vernáculas). Não temos informações precisas. Há vários
projetos vinculados à UnB num leque bastante amplo de línguas (isoladas,
Tupi, Jê. Karib).
-
Universidade Federal de Goiás (UFGO, Museu Antropológico, Seção
de Etnolinguística).
As pesquisas são em sua maioria voltadas para línguas da região
do Brasil Central (Jê e
Macro Jê), sendo alguns ligados ao trabalho de assessoria
educacional.
- Universidade Federal de Pernambuco e Universidade Federal de Alagoas (UFPE e UFAL). Há projetos sobre o Yatê (Macro Jê) e sobre línguas pano, como parte integrante da assessoria aos projetos educacionais da Comissão Pró Índio do Acre, além de pesquisas de cunho sóciolingüístico. Nas duas Universidades funcionam Núcleos de Estudos Indígenas (NEI).
-
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O Setor de Lingüística
do Departamento de Antropologia do Museu Nacional é o centro de
pesquisa mais antigo, criado em 1961. É um centro de produção
de conhecimentos, teoricamente orientados, bem como de formação,
através de Cursos de Especialização (pós-graduação lato
sensu). Colabora com duas Pós- Graduações (antropologia e lingüística).
Possui um acervo considerável de documentação lingüística (publicações,
inéditos, gravações), majoritariamente composto pela produção
do SIL e que deverá ser alimentado doravante pelo material
coletado pelos seus pesquisadores e alunos, bem como pela
incorporação de doações. Estão operando convênios para
intercâmbio de pesquisadores com universidades e centros no
exterior (França, Argentina).
Pesquisa-se sobre línguas Karib, Jê, Tikuna, Pano, Tupi-Guaraní.
Assessora projetos
educacionais.
-
Universidade Estadual de Campinas/Instituto de Estudos da
Linguagem
(UNICAMP/IEL). O estudo das línguas indígenas começou em 1977.
Segundo
levantamento realizado pelo Prof. Angel Corbera Mori, no período
entre 1977 e 1995 foram defendidas 27 dissertações (5 do SIL)
de Mestrado e 10 teses de Doutorado (1 do SIL), abrangendo 31 línguas.
Atualmente abriga um projeto de documentação de línguas do
Parque Indígena do Xingu (Tupi, Karib, Aruák, Jê) com
assessoria à formação de professores indígenas.
-Universidade
de São Paulo (USP). Após um longo período de hegemonia dos
estudos de cunho filológico de tupinologia clássica, a USP está
consolidando um espaço para a
pesquisa, a formação e a assessoria a projetos educacionais. São
contempladas línguas Tupi-Guaraní e Jê.
- Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC, Departamento de Lingüística). O Núcleo de Pesquisa sobre Línguas Arawák (NUPELA) e o Projeto "Informática aplicada às Línguas Indígenas: Classificação e Reconstrução da Família Arawák funcionaram de 1991 a 1993, chegando a congregar cerca de 20 alunos, com ênfase na fonética experimental, fonologia e estudos genéticos. O Projeto se ampliou com sub-projeto sobre a família Makú. Em 1993 foi apresentada nova versão como Projeto integrado e incorporando a descrição e comparação das famílias Arawák, Txapakúra e Makú, criando uma ponte com a UNIR/Rondônia (Guajará-Mirim) e incluindo membros do SIL. Uma série crise, em parte institucional, desagregou o grupo e aniquilou o Projeto que foi transferido para Rondônia, onde surgiu o NUPELI (Núcleo de Pesquisa sobre Línguas Indígenas), com presença significativa do SIL. Na UFSC se realizam pesquisas sobre Xokleng e Kaingang, línguas jê do sul.
- Fundação Universidade Federal de Rondônia (UNIR, Campus de Guajará-Mirim). Depois da crise que resultou no aniquilamento do programa de pesquisa da UFSC, o Prof. Jean- Pierre Angenot relança na UNIR-Guajará-Mirim ambiciosos projetos desde iniciado na UFSC. Os sub-projetos Arawá e Txapakúra constam conta com a colaboração do SIL (sede de Porto Velho). O ano de 1996 vê o início do Núcleo de Estudos das Línguas Amazônicas (NELA) e da Pós-Graduação em Linguística Indígena.
Observamos
que, paradoxalmente mas significativamente, as línguas indígenas
parecem estar ausentes nas Universidades geograficamente mais próximas
da região
amazônica: Amazônas, Acre, Mato Grosso. Se algo se faz na
Universidade Federal do
Amazonas (UFAM), não é divulgado. Na Universidade Federal de
Mato Grosso (UFMT)
algo se move: circularam versões de um programa de formação e
pesquisa, que, somente agora, parece se concretizar pelo menos
através da realização de cursos intensivos introdutórios. Por
enquanto, a visibilidade maior é da produção da UFRJ, da
UNICAMP e do MPEG.
V. O apoio às instituições de formação e pesquisa.
O
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)
continua sendo o principal órgão de apoio à pesquisa. O
Programa de Pesquisa Científica das Línguas Indígenas
Brasileiras (PPCLIB) proporcionou um notável incremento de
projetos: 34 línguas em 1989, 59 línguas em 1991. O Programa
incentivou a pesquisa através do acesso direto às instâncias
avaliadoras e decisórias, imprimindo agilidade com menor
burocracia, um privilégio quando nós nos compararmos com outras
áreas, conquistado por um momento de mobilização e organização
dos pesquisadores. Na reunião da ANPOLL de 1995, o campo de línguas
indígenas foi visto como um modelo para as relações entre áreas
de pesquisa e órgãos de fomento. Contudo, o PPCLIB, enquanto
tal, parece ter definhado e desaparecido discretamente, deixando
uma herança positiva e objetivos não atingidos, como a realização
de um centro de informação e documentação, formação de um
acervo básico de materiais publicados e inéditos, a mediação
para que se abrissem áreas de concentração na pós-graduação
ou cursos na graduação nas universidades públicas, o apoio e
incentivo a publicações.
A Coordenação de Aperfeiçoamento de Nível Superior (CAPES)
tem apoiado os
cursos de pós-graduação tanto stricto sensu como lato sensu.
A Financiadora de Estudos e Pesquisas (FINEP) tem assumido um
papel cada vez
mais importante no apoio dado a projetos de pesquisa vinculados a
Cursos de Pós-
Graduação.
Fundamental tem sido o apoio do Programa do CNPq, da FINEP e da
CAPES para
a realização de eventos científicos no País, particularmente
daqueles organizados pelas associações científicas (ABRALIN,
ANPOLL, SBPC, ABA).
É preciso dar os devidos créditos a algumas poucas Fundações
de Amparo à
Pesquisa estaduais, destacando a FAPESP (São Paulo).
A política de captação de recursos da Area de Lingüística do
Museu Paraense Emílio
Goeldi mostra que é viável obter apoio de agências
estrangeiras e internacionais (Wenner-Green, ORSTOM, Holanda,
USAID, ONGs, G7, entre outras). Falta apenas iniciativa, competência
e trabalho.
Até 1996 podíamos falar num balanço positivo, mesmo nos
limites das possibilidades
e das crônicas dificuldades que sempre dimensionam os recursos
governamentais. Neste momento, final de 1997, os violentos cortes
dos recursos governamentais destinados à área científica e
tecnológica, que redundou na reformulação da sistemática de
concessão de bolsas e auxílios por parte do CNPq e numa redução
drástica do apoio da CAPES, sobretudo asfixiando os cursos de
especialização, podem determinar um retrocesso da pesquisa, no
mínimo uma estagnação fatal num momento de início de
crescimento qauntitativo e qualitativo. Além disso, os problemas
da formação, suas causas e suas soluções, devem ser
procurados nas próprias Universidades públicas e dependem
basicamente da história pregressa (com seus pré-conceitos e
ideologias), da concepção do que é formação para a pesquisa
à luz da lingüística atual, da vontade política em seus
cursos de graduação e pós-graduação.
VI. Acesso dos índios à formação e à pesquisa
É
nulo, de fato. No Brasil, há ainda um abismo entre a situação
de sobrevivência das
populações indígenas e o universo acadêmico. Alguns tímidos
indícios de que algo pode
acontecer são detectáveis na conceituação dos programas de
cursos de formação para professores indígenas que contêm módulos
de introdução à lingüística e a metodologias de pesquisa,
iniciativas em incremento, e na participação de informantes indígenas
no desenvolvimento de pesquisas sobre suas línguas. Não
considero aqui o envolvimento e a formação de índios na
qualidade de tradutores, intérpretes, leitores e divulgadores de
textos evangélicos como parte das atividades missionárias do
SIL e suas congêneres.
VII. O papel das missões religiosas
É
inegável a presença determinante no Brasil do Summer Institute
of Linguistics
(SIL), hoje re-batizado de Sociedade Internacional de Lingüística.
Convidado por Darcy Ribeiro em 1956, o SIL se instalou no País,
contando com o respaldo acadêmico, através de sucessivos convênios
com instituições oficias brasileiras, acadêmicas e não.
Estabeleceu-se em suas sedes ricas e eficientes (Brasília, Porto
Velho, Belém, Cuiabá) e monopolizou durante décadas a pesquisa,
a formação e a assistência educacional a grupos indígenas.
Produziu e acumulou conhecimentos científicos sobre as línguas,
sem dúvida, ao mesmo tempo tentou evangelizar e interferiu
desastrosamente nas culturas nativas. Esse gênero de missões se
caracteriza por um curioso binômio: preservar a diversidade
linguística, através da redução à escrita e da alfabetização,
e aniquilar a diversidade cultural. Os últimos anos da década
de setenta viram a explosão de sucessivas crises no
relacionamento do SIL com as instituições oficiais e o
rompimento com as Universidades e a FUNAI. Hoje continua no País,
ativo mas silencioso, tentando uma nova investida através do
mundo acadêmico, como é o caso da colaboração, não explícita
mas intensa, com o Projeto Línguas Amazônicas sediado na UNIR,
Campus de Guajará-Mirim (Rondônia). Uma boa documentação e análise
da atuação do SIL pode ser encontrada nos trabalhos de Maria
Candida Drumond Mendes Barros do MPEG.
Segundo cálculos de Moore e Storto, em 1967 existiam 300 membros
do SIL
trabalhando sobre 40 línguas; o número de línguas diminuiu
para 39 em 1984 e para 34 em 1991. Hoje são 37 (Apalaí, Apinayé,
Apurinã, Arara do Pará, Bakairí, Bororo, Deni,
Jarawara, Kaapor, Kaiwá, Kadiweu, Karajá, Karitiana, Kayabi,
Kayapó, Maku Nadeb,
Mawé Sateré, Maxakali, Nambikwara, Banawá, Pareci, Paumarí,
Pirahã, Rikbaktsa, Suruí de Rodônia, Suruí do Pará,
Tenetehara, Tenharim, Terena, Wayãpi, Waurá, Xavante, Xokleng,
Yanomami, Yamamadi, Zuruahá, Wari'). 33 dessas línguas são
faladas na Amazônia.
Destaca-se o projeto comparativo que abrange as línguas Arawá,
em andamento em
Rondônia.
O SIL lidera em número de publicações, sobretudo de decrições
gramaticais
exaustivas, como as que compõem os tres volumes do Handbook of
Amazonian Languages e a recentíssima gramática Wari' (Txapakúra).
No início dos anos oitenta o SIL deu à luz a um filho
brasileiro, a Associação
Lingüística Missionária (ALEM) que tem aumentado
paulatinamente suas atividades e sua inserção no campo de
pesquisa. A ALEM lançou recentemente uma investida nas regiões
do noroeste amazônico e do médio rio Xingu. Ora passando-se por
cientistas, através do encaminhamento de projetos ao CNPq, ora
ligando-se às Secretarias Municipais de Educação ou à própria
FUNAI, os missionários da ALEM revelam planos para o futuro, o
que compensaria o relativo declínio das atividades do SIL.
Membros da constelação evangélica junto com o SIL, a
Unevangelized Field Mission, que mantém a Missão Evangélica da
Amazônia (MEVA), e a Missão Novas Tribos
atuam principalmente em áreas de fronteira. Não ouve-se falar
atualmente da Missão Central do Brasil (MICEB).
O SIL não é mais hoje o locus privilegiado para a formação de
pesquisadores. Houve
mudanças na inserção do SIL no Brasil, crises sucessivas e uma
espécie de recuo para certos bastidores e para posições
localizadas. Ao mesmo tempo, e significativamente, houve um inegável
avanço das pesquisas brasileiras e sobretudo não-missionárias.
O SIL continua a prestar serviços para a formação dos membros
missionários (em cursos internos, não mais abertos) e na
assessoria às suas pesquisas. O SIL não promove mais Cursos em
Metodologia Linguística, mas sim , explicitamente, Cursos de
Linguística e Missiologia.
As missões evangélicas (SIL, NT, MEVA, ALEM, JOCUM) se servem
de cursos oferecidos pelo SIL desde, pelo menos, 20 anos. Tais
cursos, pioneiros e modelares no
gênero, foram frequentados em suas primeiras edições também
por pesquisadores brasileiros não-missionários. Lembro que a
formação via SIL foi uma constante até uns dez anos atrás, já
que até então se manteve sua hegemonia sobre a formação,
pesquisa e assessoria, com respaldo oficial de universidades e
governo (FUNAI).
Entre
as instituições não governamentais ou não-oficiais que tratam
da questão
indígena, as missões católicas (Conselho Indigenista Missionário/CIMI,
Operação
Anchieta/OPAN) oferecem algum tipo de formação muito introdutória,
instrumental, em
cursos intensivos de curta duração, contando com docentes
provenientes de universidades.
Não há nenhuma produção relevante ou definível como científica.
À guisa de conclusão
Tratando-se
de Relatório, sumário e datado, cabe, aqui, tão somente uma
conclusão
que aponte os principais pontos críticos que deveriam ser
enfrentados para que se possam delinear projeções de
desenvolvimento:
1.
manter, reforçar e ampliar o apoio dos órgãos de fomento à
pesquisa e à formação;
2. investir na implementação de cursos ou outras iniciativas,
avaliados pelas suas reais
possibilidades de formação a partir de critérios de qualidade
e de seriedade acadêmica,
objetivando a formação de pesquisadores, utilizando professores
visitantes lá onde não existem recursos locais qualificados;
pode e deve ser explorada a oferta de especialistas brasileiros
dos centros e universidades mais qualificados;
3. manter algum tipo de vigilância para que a pesquisa não
acoberte atividades de catequese religiosa, inerente à investigação
lingüística de certas missões evangélicas;
4. garantir condições para a realização de pesquisas de campo,
bem como para a elaboração dos resultados da pesquisa, visando
a finalização de gramáticas de referência, além (ou aquém)
das contribuições teóricas;
5. alcançar visibilidade, ou seja garantir a publicação e
circulação de gramáticas, resultados de pesquisa, coletâneas,
etc, em suma dos produtos do trabalho lingüístico, uma vez
avaliada sua qualidade científica;
6. criar bancos de dados que reunam informações sistematizadas
sobre instituições,
programas de formação, projetos de investigação,
pesquisadores, publicações, etc.
7. criar redes que liguem instituições e pesquisadores de modo
a permitir uma troca
constante, discussões, atualizações, planejamento de investigações
e de eventos científicos, a abertura ao universo internacional;
8. último ponto, mas não menos importante, começar a investir
na formação de índios
pesquisadores e autores.
Bibliografia citada:
Derbyshire,
D.C. & G. Pullum Handbook of Amazonian Languages. New York;
Mouton
de Gruyter. (Vol. 1, 1986; Vol.2, 1990; Vol. 3, 1991).
Leite, Y. 1995 "A pesquisa com línguas indígenas
brasileiras: um debate". Revista do
Instituto de Língua Portuguesa, n. 10, 2 sem. de 1995, Rio de
Janeiro (53-59).
Rodrigues, A. D. 1986 Línguas Brasileiras. São Paulo: Loyola.
Grenand, F. 1989 Dictionnaire Wayãpi-Français. Paris: SELAF.
Moore, D. & L. Storto "Linguística Indígena no Brasil"
(1991, ms.)