Emídio Navarro



Texto de Manuel de Almeida

Emídio Navarro, umas das figuras marcantes da centúria de oitocentos, em prol da indústria e do comércio em Portugal, foi a personalidade escolhida em 1959 para honrar a Escola Industrial e Comercial de Almada, como patrono, com a designação oficial de Escola Industrial e Comercial de Emídio Navarro.
                  É deste Homem, que foi advogado, deputado, conselheiro de Estado, ministro, jornalista e escritor, que nos propomos traçar um breve quadro da sua vida, dos ambientes sociopolíticos e culturais que o rodearam e fizeram emergir do povo anónimo.
                  Assim,
                  Há mais de um século antes do seu Nome chegar a terras almadenses, a rainha D.Maria II (1) detém a coroa volvidos dez anos, de jure et facto em 1844. E é neste ano, em Viseu, a 19 de Abril, que a vimaranense Carlota Joaquina do Carmo Machado dá à luz o varão Emygdio Julio Navarro, filho de André Navarro, natural de Alicante, Espanha.
                  Os pais e filho, com nove meses, deslocam-se para Lamego e depois Bragança, onde fixaram residência, em resultado do destacamento de André Navarro para exercer o lugar de chefe da banda regimental de Caçadores nº. 3. Devido à origem humilde dos progenitores e à carência de meios o nosso biografado acabou por entrar no Seminário local.
                  Por aí se manteve com obediência religiosa até à frequência do segundo ano do curso de Teologia. Porém, não se vislumbrava ao jovem Emídio Navarro o chamamento divino para uma vida eclesiástica, certamente demasiado redutora do seu espírito em embrião, de lutador de causas e empreendedor de obras e acções, que se viria a revelar neste beirão. Navarro acabou por desistir de tal formação.
                  Já adolescente, viajou para Coimbra, matriculando-se nas Faculdades de Matemática e Filosofia, também com o de se formar em Medicina.
                  Entre 1860 e 1865, jovens de vinte e cinco a trinta anos, que vieram a ser famosos nas letras do país, como Antero de Quental, Ramalho Ortigão, Guerra Junqueiro, Eça de Queiroz, Teófilo de Braga promovem uma vida universitária coimbrã com lutas intelectuais de afrontamento à situação, latejando uma clara posição de esquerda revolucionária contra as ideologias dos conservadores e os poderes clericais.
                  Com o pretexto da comemoração pelo nascimento do príncipe D. Carlos, herdeiro real, a 28 de Setembro de 1863, os estudantes pedem a dispensa nas provas finais. Perante a recusa da benesse por portaria de 25 de Abril de 1864 (2), os estudantes insurgem-se, dando lugar à «revolução», que ficou conhecida por Rolinada, a partir do momento em que queimaram junto à Porta Férrea um mono de palha alusivo ao Duque de Loulé, Nuno Rolin de Moura Barreto, então chefe do Governo. Tendo o Governador Civil de Coimbra requisitado uma força de infantaria do Porto, os estudantes ofendem-se com a situação e, reunidos em assembleia, acatam a sugestão de Antero de Quental, então finalista, para que seguissem de combóio para a cidade do Porto. Aí, talvez rondando a meia centena, reunidos no teatro Baquet e tendo como único apoio local os colegas da Academia Politécnica, decidem regressar a Coimbra.
                  Tais acontecimentos, motivam a que muitos estudantes, entre os quais Emídio Navarro, não lograssem passar de ano, o que fez alterar os seus intentos na carreira académica.
                  Voltou-se então para uma nova meta: Direito.
                  Nas poucas horas livres que o estudo permitiam, E. Navarro dedica-se a escrever sebentas que depois vendia aos condiscípulos. Talvez daí a sua pena o fizesse voar nas letras de imprensa, desejosas de darem forma aos seus pensamentos fermentados pelo meio estudantil. E foi um ápice a que nesse período passado em Coimbra, Navarro viesse a distinguir-se, com notável capacidade de crítico e polemista, nas páginas do Conimbricense. Neste jornal, ficou célebre a crítica que derramou sobre D. Frei Caetano Brandão, drama de Silva Gaio.
                  Funda o jornal A Academia (1866-1867), em parceria com Simões Dias, Lopes Graça e outros, publicação que atingiu grande notoriedade no meio universitário da cidade. De tal forma que será convidado para colaborador e depois para redactor principal no Jornal de Coimbra (periódico criado para servir de órgão político depois da fusão do partido histórico e progressista), sendo não raras vezes os seus textos doutrinários cobiçados e reproduzidos nos jornais da capital.
                  Na Faculdade de Direito concluiu a formatura em 1869, (3) com vinte e cinco anos, e regressa ao lar de Bragança, onde almejava o lugar de ‘recebedor’ o que não consegue por influências nefastas na comunidade local. Então, abre uma para exercer durante algum tempo a advocacia.
                  Emídio Navarro, veio depois para Lisboa, onde alcançará grande notoriedade na advocacia, alternada pelos percalços da vida que o norteou, mas quase sempre inquebrantável em contestação aos pretensos preclaros do seu tempo.
                  Filia-se no Partido Progressista Histórico (4) e, no órgão O País, retoma as lides de jornalista, tomando assento no respectivo corpo redactorial.
                  Ainda, e sempre na trilha da escrita, fundou o Progresso (1877-1886), com António Enes, e mais tarde o Correio da Noite (1886- ), no qual os seus dons de jornalista atingem plena expressão.
                  Neste órgão destacam-se as zurzidelas desassombradas contra o Rei, os ministros, como Fontes Pereira de Melo, e outras figuras gradas do regime, pelos seus actos moral e politicamente reprováveis, que constituem objecto de leitura e conversa entusiasmada dos intelectuais e até mesmo da populaça mais instruída. Os escritos de Navarro lidos e relidos sofregamente, como também espelhavam o quanto eles calavam...
                  Com ele alinhavam com regozijo nessa campanha, Saraiva de Carvalho e Mariano de Carvalho, este último no Diário Popular.
                  A sua pena enchia ainda colunas do Primeiro de Janeiro, do Porto, onde exerceu o lugar de director político, rodeando-se de uma plêiade de distintos colaboradores, como Barbosa Colem, Melo Barreto, Espirito Santo Lima, Xavier Machado, Armando da Silva, Manuel Gayo, Eugénio de Castro, Alberto Braga, João Saraiva e outros.
                  Emídio Navarro, então com quarenta e um anos, abandona o Correio da Noite, em 1885, sempre com a mesma alma de beirão lutador, implacável para quem entendia o menos justo, esgrimindo sem piedade mas com elegância o aparo com cuja tinta iria fundar o seu As Novidades. Este jornal foi marco indelével na imprensa da época.
                  A par desta intensa actividade jornalística, nunca abandonou a política, defendendo o seu Partido Progressista com grande empenho.
                  Dos seus muitos escritos, distinguem-se os artigos sobre o testamento de D. Fernando, a questão das Trinas e sobre o “Ultimatum” em 1890. Outros textos, como Quatro Dias Na Serra da Estrela, escrito em folhetim, sobre as suas impressões da Serra no Correio da Noite, foi depois publicado em livro que se esgotou em pouco tempo, com prefácio do seu amigo Dr. Sousa Martins, que o acompanhara na digressão, com Carlos Tavares.
                  Começa assim o prefácio: “Acha então que o seu primoroso livro venha a ser prefaciado por um bisonho recruta da milícia das letras? Pois vae arrepender-se, meu amigo. Vae reconhecer a minha absoluta incapacidade para a cultura da especie anteloquio. E não é, modestia áparte, porque eu me sinta de todo peci em orthographia ou de todo inapresentavel pelo lado da syntaxe barata.[…]”(5).
                  Manteve polémicas pessoais com ilustres figuras da época, como Eduardo Burnay (“O Milionário”), Baltasar Radich, Pinheiro Chagas, Oliveira Martins, António Enes e outros, algumas das quais travadas em duelo, até que a honra se desse por satisfeita.
                  Aquando da morte de Braamcamp (6) em 1885, apoiou a eleição do conselheiro Luciano de Castro (7), para encabeçar o Partido Progressista. No entanto Emídio Navarro já havia sido deputado por Aviz, em Janeiro de 1879 e de 1880, depois por Arouca em Janeiro de 1882 e em Dezembro de 1884. Posteriormente, por Coimbra em Abril de 1887, e em Janeiro e Abril de 1890.
                  Ficaram célebres as suas intervenções na Câmara dos Deputados na “questão dos tabacos” onde mais uma vez realçou os seus dotes de natural polemista. Questão em que de resto se havia envolvido quando esteve em Paris, como nosso ministro, junto do Ministério dos Negócios Estrangeiros de M.Ribot (8).
                  Luciano de Castro nomeou-o ministro de estado das obras públicas, comercio e indústria, cargo que desempenhou de 20 de Fevereiro de 1886 a 23 do mesmo mês de 1889 (9).
                  Enquanto se vivia uma época de plena corrida industrial na Europa, E. Navarro iniciou um dos mais arrojados e vastos planos de fomento no País. Desenvolve a viação, abrindo grande parte das estradas e troços de caminhos-de-ferro de Portugal; alarga os serviços florestais; cria, protege, edifica e consolida tudo quanto podia contribuir para o desenvolvimento do património nacional.
                  E. Navarro amplia e moderniza o ensino comercial e industrial, mandando vir do estrangeiro técnicos e professores para o aconselharem; subscreve várias reformas importantes para o ensino técnico e regulamenta as escolas industriais e de desenho industrial; organiza a Escola Profissional de Belém; funda, entre outras, as escolas industriais de Coimbra, Covilhã, Porto, Braga, Alcantara e remodela a de Guimarães. Funda também as escolas elementares de desenho industrial de Bragança, Faro, Figueira da Foz, Leiria, Setúbal, Viana do Castelo, Vila Real, Matosinhos e Funchal.
                  Na área da agricultura, e também aqui preocupado com a especialização do ensino, de acordo com as potencialidades de cada região do país, cria ou dá impulso a diversos organismos correlacionados. Por exemplo, a fundação das escolas agrícolas de Faro, Coimbra, Portalegre, Santarém e Viseu. São do seu tempo de governante o Museu Agrícola e Florestal de Lisboa, a Estação ampelofiloxérica de Torres Vedras, as estações químico-agrícolas e o Hospital Veterinário de Lisboa. Da mesma época ocorre a regulamentação dos Sindicatos Vinícolas.
                  No seu breve mandato, face à obra deixada, realce merece a reorganização dos serviços do seu ministério e de cada um dos respectivos serviços dependentes, como os de Pecuária, Veterinária, Coudélicos e ainda os do Conselho Superior do Comércio e Indústria, dos Serviços Zootécnicos e Hidráulicos.
                  Fez publicar o decreto no qual se projectavam as obras a fazer no Porto de Lisboa, então caído no esquecimento, no qual teve os alicerces para se tornar num dos mais importantes da Europa. Impulsionou de igual forma os portos da Horta e de Ponta Delgada.
                  Desta resenha incompleta da acção deste estadista, apreende-se quão intensa e exaustivamente viveu Navarro os problemas do reino.
                  Não será de estranhar, pois, que o nome Emídio Navarro seja perpetuado na toponímia urbana de muitas cidades e localidades do país.
                  Os escritos e a sua aguerrida acção governativa não podiam deixar de criar e provocar grandes inimizades e daí um sem número de inimigos. Chegou mesmo a intentar alguns duelos, entre os quais um com Manuel Vaz Preto (Par do Reino), no qual ficou ferido.
                  Foi assim, no auge da queda em desgraça do governo progressista, que se iniciaram críticas contundentes não só a Mariano de Carvalho de quem se dizia ser antes conhecido pelas visitas a casas de penhores, e que entretanto ficara rico, como também a Emídio Navarro que havia construído um palácio no Buçaco...
                  Deixando a pasta de ministro, Navarro foi nomeado secretário do Tribunal de Contas, lugar de que se haveria de exonerar em 1891, devido à sua nomeação para ministro plenipotenciário de Portugal em Paris, para onde partiu em 1892, regressando três anos volvidos.
                  Nestas funções, que desde 1888 haviam sido exercidas pelo notável escritor José Maria Eça de Queiroz que viria a falecer em Paris a 16 de Agosto de 1890, com cinquenta e quatro anos, prestou Navarro relevantes serviços ao país, salientados pelo Presidente do Conselho de Ministros, José Dias Ferreira.
                  Reassumiu então lugar no Tribunal de Contas e foi administrador da C.P..
                  Em Março de 1890, o Partido Progressista atinge um estádio terminal com as suas divisões internas, colocando-se fora da respeitabilidade governamental. Por causa desta situação e a pretexto de desavenças com José Luciano que cobria o derrapar republicano dos progressistas na capital, Emídio Navarro afastou-se do partido, deixando a política activa, dedicando-se com redobrada paixão ao que mais amava: o jornalismo.
                  O fervilhar da vida política, social e económica do país nos últimos decénios do século XIX, dava pano para mangas, a qualquer um arrojado e destemido como Navarro, para bramir qual espadista excitado, as incisoras polémicas no seio de tantos desmandados e aproveitadores da coisa pública.
                  A pena impiedosa de Emídio Navarro renascia, remoçada de antigos tempos. Como já referimos, no Novidades, publicou autênticas peças demolidoras. Neste seu jornal, começou a usar o célebre estadulho com que fustigou impiedosamente os políticos, a política, os ministros e todos quantos julgava implicados em abusos e má administração pública.
                  Eça de Queiroz viria a referir-se aos jornais de Navarro, em carta de Bristol aos 28 de Agosto de 1887, dirigida a Mariano Pina, nos seguintes termos: ”Um jornal de Lisboa, hoje, é uma folha particular volante, onde um político defende os seus interesses e injuria os indivíduos que têm interesses diferentes: e como é necessário encher o resto da folha, arranja nas Secretarias ou na Baixa um manganão que lhe transcreve o resumo do Diário do Governo, as chegadas e partidas, a parte da polícia e a lista da lotaria. Um papel destes tem tão pouco que fazer com a literatura como o cartaz dos toiros: e só realmente se parece com um jornal pelo feitio e sistema de venda. Ora ninguém deve pedir cerejas a um castanheiro – nem crítica ou interesse pela arte ao Correio da Noite ou às Novidades”(10).
                  Das polémicas mais célebres que sustentou, refere Adriano do Nascimento: “a que teve com Baltazar Radich, redactor do Jornal do Comércio e terminou numa cena de pugilato; as que sustentou com Pinheiro Chagas, Oliveira Martins e António Enes, a propósito de um casamento simulado; e com Eduardo Burnay.”(11). Este último, médico, professor e jornalista que foi director daquele jornal, e autor da obra Introdução ao Estudo da Química.
                  Em 1892, no mês de Fevereiro, publica sensacionais reportagens sobre os subterrâneos do anarquismo lisboeta. E para brilhante resultado, bastava que os seus repórteres sentassem nas mesas das esplanadas de Lisboa e ouvissem conversas e relatos infindáveis dos operários sobre a justiça social. Já em 17 de Fevereiro daquele ano tinham brigado com os encarregados das obras do Arsenal a propósito de aumentos salariais.
                  Os operários eram colocados no palco das desgraças e incapacidades do governo de João Franco, como principais autores e interpretes, afinal quando todas as organizações comerciais, industriais e agrícolas, bem como os literatos e mestres de profissões liberais, sabiam bem que o mal do país não viria de baixo, desses anarquistas, mas bem de cima, ou seja de quem estava à frente do governo do Estado e classes privilegiadas que dele se sustentavam.
                  E não seria a propagada Lei de 16 de Fevereiro de 1896, saída do punho de João Franco, justificada com o anarquismo, que alteraria o pensar daqueles.
                  Mas a doença minava Emídio Navarro. Retira-se com a sua família para as terras do Luso. Esta biografia de Emídio Navarro, não ficaria correcta sem umas notas sobre esta localidade a que tanto se dedicou. Pela sua intervenção, Luso passou de simples aldeia que era, a uma terra com a estância termal de primeira ordem no país. A construção do primeiro balneário das Termas do Luso, criada em 1852, por iniciativa de António da Costa Simões, Assis Leão e Francisco António Diniz os quais tiveram todo o apoio de Emídio Navarro.
                  Foi oferta de Navarro a imagem de Nª Srª da Natividade, padroeira local, que passou a enriquecer a Igreja Paroquial, cujo melhoramento impulsionou a comunidade lusense.
                  De igual modo a ele se deve a construção dos edifícios dos correios e das primeiras escolas primárias, numa das quais funciona actualmente a Junta de Freguesia do Luso. Também a Emídio Navarro é atribuída a imponente construção do belo Palácio do Buçaco, em estilo manuelino, que foi hospedaria e residência real, hoje sede de um magnífico hotel.
                  Não sabemos, se a esta data, os grupos escultórios que mandou executar ao seu amigo e consagrado mestre, Rafael Bordalo Pinheiro, e se encontravam no Museu do mesmo nas Caldas da Rainha, já terão sido colocados no local a si destinados na encomenda: as Capelas da Mata do Buçaco.
                  De um texto, subscrito por um Beirão, datado de 1888, 28 de Junho, respigamos o seguinte:
                  “Muito perto da formosa matta do Bussaco existe a povoação de Luso, onde o snr. Conselheiro Emygdio Navarro, actual ministro das obras públicas, mandou construir um chalet, como poderia mandal-o construir em Cintra, e na decantada aldeia de Paio Pires.
                  Como a opposição já estava farta de o invectivar, por ter s. Exc.ª nascido d’um pai humilde, mas honrado, por ter nascido em Vizeu, n’essa terra onde se tratam bem todos os que procedem bem, entendeu que o melhor era falar do chalet, e como o digno ministro, com o seu genio d’aguia e vontade de ferro, impulsionou e inaugurou as obras do porto de Lisboa, um dos melhoramentos mais reclamados por todo o corpo commercial de Lisboa, e cuja obra era, para o ministro que a levasse a effeito, uma das maiores glorias, essa opposição que via n’esse acontecimento a apotheose de grande intelligencia e vontade de ferro do illustre ministro, tratou de calumnial-o, e apresentou-se de arreganho de collareja e rompantes de fadista da Mouraria a insultar o ministro, levantando as maiores calumnias de que até se envergonha a propria imprensa de reproduzi-las [...]”(12).
                  Respondia-se de maneira, ao que se dizia:
                  “É accusado o illustre ministro das obras publicas, o snr. Conselheiro Emygdio Julio Navarro, jornalista, funccionario publico, escriptor, deputado da nação e ministro e secretario d’estado, de ter mandado construir um chalet onde lhe deu na vontade; de ter dado impulso e inaugurado as obras do porto de Lisboa, e de ter escripto no jornal as Novidades artigos que feriram como golpes de punhal.
                  Bem. São estes os pontos d’accusação do famoso libello, que vamos contestar e destruir com a maior facilidade, e fazemol-o com a consciencia de cumprirmos um dever de lealdade politica e jornalistica.
                  O chalet de Luso é o ponto principal em que se batem todas as accusações.
                  A modesta habitação do nobre ministro tem custado rios de lagrimas e de invejas aos que nunca souberam o que póde o genio, a intelligencia e o talento d’um pulso de ferro como a do illustre conselheiro.
                  Aquelle chalet não é construido – dizem os praguentos – com o producto d’um trabalho insano, mas sim com o producto das veniagas das obras do porto de Lisboa. É feito com os titulos do emprestimo Hersent. Esta accusação foi formulada pela imprensa da opposição, mas até hoje ainda não provou essa accusação.
                  Não. Até hoje não appareceu uma unica prova de que o illustre ministro se locupletára com os dinheiros da nação; nem ainda appareceu um unico documento que podesse servir de base a tão infame como calumniosa accusação.
                  O chalet do Luso é o cavallo de batalha da opposição. Tem custado milhões! Nem a Alhambra lhe leva a palma. Nem o Escurial, nem o Pantheon custaram tanto dinheiro! Nem o ouro das minas de Potesi póde chegar para tão sumptuosa vivenda. Até para alli têm ido as melhores alfaias dos conventos!
                  Tudo !
                  Ora isto é simplesmente caricato e tolo !…”(13).
                  Em 1944, por ocasião do centenário do nascimento deste Homem, Júlio Dantas publicou um artigo em que aprecia as qualidades do grande jornalista, os seus méritos científicos e literários, dizendo que ele foi um jornalista de raça: “autoridade moral, vasta cultura, domínio dos problemas, dom de comunicabilidade, poder de convicção, equilíbrio, moderação, bom senso, expressão verbal clara forte sugestiva e rectilínea”. Junto de Navarro, afirma ainda Júlio Dantas: “respirava-se força: força física, porque era um atleta; força política, porque foi um dos mais sólidos pilares do constitucionalismo outorgado; força intelectual, porque a sua palavra poderosa se animou sempre, não só da chama que ilumina, não só da razão que convence, mas de energia que subjuga”(14).
                  Raul Brandão no primeiro volume das Memórias, escreve: “Navarro, porém, acabou no mesmo abatimento. Temiam-no – mas só temiam. Arredaram-no. No fim da vida ficava horas e horas absorto ou ia para o fundo de um camarote do Ginásio ouvir música. Apegara-se – mau sintoma – aos netos. Desconfio que o célebre estadulho não passava de um espantalho, e que era grande a sua sensibilidade: - Sinto-me ferido em pleno coração. – Do coração morreu sem nunca o deixarem realizar as suas ambições”(15).
                  Agraciado com as grã-cruz da Legião de Honra, da Estrela Polar (Suécia), Carlos III (Espanha) e de Leopoldo (Bélgica), falecia subitamente Emydgio Júlio Navarro, com sessenta e um anos, ao fim da tarde do dia 16 de Agosto de 1905, na sua Quinta do Viso.
                  Na cerimónia da inauguração do monumento em sua honra, na Avenida com o seu Nome, é distinguida a memória do interventor de tão larga e meritória obra. O Prof. Dr. Fernando Emídio da Silva, como principal orador do evento, proferiu as seguintes palavras:
                  “Ninguém cultivou com mais esmero as flores do seu jardim; Ninguém serviu com lealdade maior o seu amigo; Ninguém socorreu com mais nobreza os seus contentores na adversidade; Ninguém patrocionou com mais carinho os que se lhe acolhiam à sua defesa; Ninguém amou os seus com mais apaixonado afecto a mais paternal solicitude; Ninguém serviu com mais acrisolado zelo a sua pequena pátria adoptiva de Luso”(16).

                 ; Nota final:
                  Esta tentativa biográfica surgiu da necessidade de divulgar no Concelho, através da revista Anais de Almada, o nome do Homem, que, como patrono, veio designar oficialmente a minha Escola(17), em 4 de Julho de 1959, criada num tempo de ostracismo aos vermelhos da outra banda, assim catalogado pelo regime do “Estado Novo” de Salazar. Esta Escola teve a sorte de vir a ter como estruturador e primeiro director, o Dr. Orlando Alves Pinto Baptista, jovem licenciado então com vinte e seis anos. A dedicação deste director ao empreendimento escolar e aos seus alunos, merecerá, com justiça, em tempo oportuno, a divulgação nos Anais de Almada.
                 À ilustre Família descendente de Navarro, a qual tive o privilégio de contactar, o perdão por este modesto contributo, deste antigo aluno da Escola Industrial e Comercial de Emídio Navarro, em Almada.

Notas:
                 (1) - D. Maria II, (nascida no Rio de Janeiro, a 4/4/1819; e falecida em. Lisboa, a 15/11/1853), Maria da Glória Joana Carlota Leopoldina da Cruz Francisca Xavier de Paula Isidora Micaela Rafaela Gonzaga, foi princesa do Grão Pará, filha dos imperadores D. Pedro I do Brasil, (D. Pedro IV de Portugal) e D. Maria Leopoldina, arquiduquesa da Áustria. Em 1826 o pai doa a Carta Constitucional a Portugal e em razão da sua posição de imperador do Brasil, abdica do trono português, herdado de seu pai D. João VI, a favor da Infanta Real, quando esta contava apenas nove anos de idade. Depois de uma infância que todos os historiadores relatam como acidentada, por morte do pai, com 15 anos, foi rainha (1834-1853) entre dificuldades materiais e lutas de notáveis civis e militares, cartistas e setembristas, que suportou. Mãe exemplar, começou a educação de D. Pedro V e D. Luís, genuínos reis liberais. Viria a morrer com 34 anos no Palácio das Necessidades.
                  (2) - Portaria de 25 de Abril de 1864 Ministério dos Negócios do reino, Direcção-Geral de Instrução Pública, in Diário de Lisboa, nº 96 (30 Abr.), Lisboa 1864, p. [1335]
                  “Tendo sido presente a Sua Magestade El-Rei a representação de alguns estudantes da universidade de Coimbra, pedindo isenção de fazer os actos no actual anno lectivo, graça que os mesmos alumnos solicitam em commemoração do nascimento de Sua Alteza o Principe Real o Senhor D.Carlos; e
                  Considerando que os mais gratos testemunhos de respeito que a mocidade esperançosa da universidade póde dar pelo feliz natalício do Principe Real são os exemplos de aproveitamento nos seus estudos e todas as demais provas de que serão dignos um dia, ao entrarem na vida publica, de merecer a confiança do Rei e da nação;
                  Considerando que da isenção dos exames nunca resultam para os estudantes verdadeiras vantagens, senão graves inconvenientes; porque os bons folgam sempre de dar provas publicas da sua aptidão para justificarem o direito que possam ter às condecorações academicas, e os incapazes de dar essas provas, tendo de transitar para os annos ulteriores dos seus cursos, ver-se-hão depois nos actos d’esses annos na impossibilidade de dar conta de si, em consequência da ligação das materias dos cursos, sendo dos mais graves resaltados uma reprovação n’essas circumstancias, porque quasi se impossibita de se rehabilitarem por causa do grande numero de disciplinas que são obrigados a estudar;
                  Considerando que a concessão da dispensa dos exames dos alumnos da universidade seria uma excepção, que os collocaria n’uma situação menos airosa ao lado dos alumnos dos outros estabelecimentos litterarios e scientificos, que não pediram tal dispensa;
                  Considerando que, sendo o requerimento assignado apenas por cinco estudantes sem a declaração de representarem a academis, nem de serem delegados d’ella, se mostra que o pedido, a que se refere o mesmo requerimento, deixa de exprimir o voto não só da maioria dos estudantes da universidade, mas nem sequer de uma parte importante d’elles, podendo deduzir-se d’este facto que a academia em geral reconhece o anachronismo de uma medida contraria aos verdadeiros principios da instrucção;
                  Considerando finalmente que a isenção dos actos é uma dispensa de lei, que não cabe nas attribuições do poder executivo:
                  Ha por bem o mesmo augusto senhor mandar declarar, que não póde ser concedida a dispensa dos actos requerida pelos supplicantes.
                  O que assim se participa ao reitor da universidade de Coimbra para os effeitos devidos.
                  Paço da Ajuda, em 25 de abril de 1864. = Duque de Loulé ».
                 (3) - Numa época de notável progresso nacional, em matéria da política ultramarina, em plena segunda fase do constitucionalismo monárquico, é no ano de 1869 que se regista, pelo impulso do ministro progressista Sá da Bandeira, a histórica abolição da escravatura.
                 (4) – O Partido Progressista Histórico é formado em 1876, no reinado de D. Luis I, por duas correntes políticas, pós-Fontes Pereira de Melo (1871-1877), a dos históricos e a dos reformistas. Nasce do chamado Pacto da Granja, adoptando uma política descentralizada e liberal. Em 1 de Junho de 1879, o rei chama o Partido Progressista ao Governo, sob a presidência de Anselmo Braamcamp, com José Luciano no Ministério do Reino. Nas eleições de Outubro, os progressistas conseguem 75% dos deputados. (O eleitorado representava contudo cerca de 19% da população – só a masculina adulta votava - e a participação eleitoral atingiu entre 1868 e 1890 uma média de 48,1% em Lisboa e de 61,8% no Porto, números em tudo idênticos ao que se verificava em outras nações europeias).
                 (5) – Emygdio Navarro, Quatro Dias na Serra da Estrela,Livraria Civilização, 1884.
                 (6) - Anselmo Braamcamp nasceu em Lisboa em 1817, e morreu em 1885. Formado em Direito, em Coimbra, foi Governador Civil do Distrito, Deputado por Lisboa, Ministro do Reino em 1862, ficando famosa a sua lei sobre os Morgados. Foi Ministro da Marinha e mais tarde da Fazenda. Quando se organizou o Partido Progressista foi ele o escolhido para seu chefe, indo ao poder nessa qualidade em 1879, sobraçando a pasta dos Estrangeiros e exercendo a presidência do Gabinete.
                 (7) – José Luciano de Castro nasceu em Aveiro em 1834, e morreu em 1914 na sua casa de Anadia. Jurisconsulto, foi várias vezes presidente do Conselho e ministro de diversas pastas. Retirou-se da política aquando da proclamação da República, regressando à sua casa de Anadia, onde lhe erigiram um monumento em sua memória.
                 (8) - Raul Esteves dos Santos, OS TABACOS Sua Influência na Vida da Nação vol. II, Lisboa, Seara Nova.
                 (9) – Governo progressista, (1886-1890) Nestes anos o Parlamento assistiu a grandes tumultos no seu seio. Deputados da maioria governamental progressista esmurravam-se e insultavam-se uns aos outros em plena sessão. Todos os dias um progressista anunciava que nada tinha a ver com aquele governo, sujeito ao escárnio geral. A imprensa enchia-se de histórias comprometedoras sobre as negociatas com dinheiros do Estado. Fora de S.Bento, o país decorria em comícios e protestos. Todos individual ou colectivamente se habituaram à ideia de que bastava vir para a rua gritar, que o Governo de tão desautorizado que estava, não tinha outra saída, senão ceder.
                 (10) – Adriano de Nascimento, Homens Ilustres: Emídio Navarro – Cartas Inéditas, Coimbra, 1960.
                 (11) – Idem.
                 (12) – Luso no Tempo e na história (1937-1987), Luso, Junta de Freguesia de Luso e Junta de Turismo de Luso-Buçaco, 1987.
                 (13) – Idem.
                 (14) – Idem.
                 (15) – Raúl Brandão, Memórias, vol. I.
                 (16) – Emídio Navarro: o transformador de Luso, por um Lusense (anónimo), Agosto de 1985.
                 (17) – Diário do Governo, Lisboa, n.º 151, I série, 4 de Julho de 1959, pp. 757-760.

Referências bibliográficas:
Emídio Navarro: O Transformador de Luso, Um Lusense (anónimo), Agosto de 1985. Lello Universal, Lello & Irmão, 1976
Luso no tempo e na História (1937-1987), Luso, Junta de Freguesia de Luso e Junta de Turismo de Luso-Buçaco, 1987.
MATTOSO, José (dir.), História de Portugal, vol. VI, Círculo de Leitores, 1994.
NASCIMENTO, Adriano de, Homens Ilustres: Emídio Navarro – Cartas Inéditas, Coimbra, 1960.
NAVARRO, Emygdio, Quatro Dias na Serra da Estrela, Livraria Civilização, 1884.
NORONHA, Eduardo de, Vinte e cinco annos nos bastidores da Política – Emygdio Navarro e as “novidades”..., 1913.
SERRÃO, Joel (dir.), Dicionário de História de Portugal, Livraria Figueirinhas, 1989.
SOUSA, Manuel de, Reis e Rainhas de Portugal, SporPress, 2001. Verbo Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, 1972.
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