Reflexos da Globalização

ANA CAROLINA S. S. FREITAS
CYNTHIA GUIMARÃES TOSTES MALTA
LUCIANE DE OLIVEIRA VIEIRA
 

Introdução

            Enquanto a Revolução Industrial trouxe-nos uma notável modificação nas regras do trabalho subordinado, podendo ser considerada a mola mestra para a criação do Direito do Trabalho, é inquestionável que estamos vivendo uma nova Revolução Industrial, com o aparecimento de formas de produção e trabalho antes inimagináveis, a exemplo do teletrabalho e de tecnologias como a robótica.  O avanço dos meios de comunicação possibilita que os ativos financeiros circulem agilmente, levando os grandes capitais para mercados que os façam render mais, num piscar de olhos.  As grandes empresas mudam de país ou continente, criando ou exterminando empregos, de acordo com o preço da mão-de-obra e as facilidades oferecidas pelos Estados.

            Nessa atual conjuntura, é normal que se questione até onde as antigas normas de proteção ao trabalhador ainda são válidas ou devem ser modificadas, se é o momento de se criarem novas leis, ou de atualizar as antigas, ou, ainda, se o empresariado deve continuar engessado seguindo as normas rígidas, criadas em uma época de fartura e emprego em abundância.  O que, no presente momento, é melhor para proteger os interesses e direitos do trabalhador?

            Capitalismo, globalização e relações de trabalho são assuntos intimamente ligados.  A busca desenfreada pelo lucro choca-se diretamente com os interesses dos trabalhadores.  De outro lado, vemos que os direitos conquistados pelos trabalhadores tornam-se quase irremediavelmente incompatíveis com o mundo globalizado, obrigando o governo a criar novas regras para o direito do trabalho.

            Mas, afinal, o que tem a ver uma coisa com a outra, ou melhor, umas com as outras?  De que forma os interesses capitalistas são contrários aos operários e o que a globalização interfere nas relações de trabalho?  Por que o direito do trabalho tem que se modificar em decorrência da globalização?

            O presente trabalho se propõe a analisar as inter-relações entre esses fatores, enfocando, principalmente, os reflexos da globalização nas relações de trabalho.

 

1.   Histórico

1.1.         Generalidades

            O comércio internacional e sua regulamentação não são coisas recentes, muito pelo contrário.  Historicamente, data da Idade Antiga.  A Grécia comerciava com os egípcios, com os fenícios, com as tribos africanas do noroeste e com os povos da Itália, dando lugar a uma série de normas disciplinadoras.

            Na Europa, encontramos os primeiros sinais do capitalismo no período conhecido como Baixa Idade Média – séculos XI ao XV – com o início da decadência do feudalismo e a transferência do centro da vida econômica, social e política para as cidades.  Começam a aparecer os primeiros estabelecimentos bancários, com suas letras de câmbio, nas regiões mais desenvolvidas, como Itália e Flandres.  A atividade comercial é intensa e ocorre a divisão do trabalho, com cada trabalhador passando a executar apenas uma parte da produção.

            A partir do século XV até o XVIII, já na Idade Moderna, a economia é controlada pelo Estado, nos regimes absolutistas.  Os reis expandem o comércio por meio do mercantilismo e buscam colônias com o intuito de enriquecer as metrópoles, dando início ao processo de globalização.  A burguesia, favorecida, entra em conflito com o poder absoluto dos reis, o que leva à crise dos regimes absolutistas.

            A Revolução Industrial é um marco decisivo para o capitalismo.  A burguesia, que inicialmente desenvolvia atividade apenas comercial, a partir da segunda metade do século XVIII, na Europa Ocidental, com a industrialização, assume o controle econômico e político.  Os tradicionais privilégios da aristocracia hereditária são rejeitados.  Os donos do capital passam a ser os donos do poder.  Os bens de consumo são fabricados em grandes quantidades.

            As teorias econômicas da época defendem a idéia de que o Estado não deve se meter nas relações entre empregadores e empregados – fisiocracia, liberalismo – pois acreditam que o mercado se auto-regulará com o tempo.  Marx acredita que o capitalismo não sobreviverá a longo prazo, devendo chegar a um ponto em que o lucro cairá a tal ponto que inviabilizará o sistema.

            A livre concorrência entre as empresas caracteriza esse período.  O mercado se amplia, atingindo todas as partes do mundo.  Ocorre um grande desenvolvimento das forças produtivas.

            Sem leis trabalhistas, a jornada de trabalho se estendia por 16, 18 horas.  Crianças de 3 anos de idade podiam ser encontradas nas linhas de produção.  Velhos, doentes e acidentados eram simplesmente colocados na rua sem qualquer assistência.  O índice de acidentes de trabalho era alarmante e inaceitável,  os salários, irrisórios.

            A idéia inicial que a industrialização traria benefícios para todos – ricos e pobres – e que melhoraria as condições de vida da população, com a auto-regulação do mercado, mostrou-se inconsistente. 

            Associações de grandes empresas, que dividem o mercado entre si, levam ao aparecimento de monopólios e cartéis, a partir do final do século XIX.  As pequenas empresas tendem a desaparecer e surgem as Sociedades Anônimas, substituindo o capital individual pelo grupal.

            O século XX veio mostrar que era preciso haver alguma interferência do Estado em certos setores da economia.  Na virada do século encontramos as primeiras leis de proteção ao trabalhador na Inglaterra, que pouco a pouco foram se estendendo a outros países.

            A crise de 1929 fez com que inúmeros países tomassem medidas no sentido de controlar a economia.  Na década de 60 começou a prevalecer a idéia da mínima atuação do Estado no campo social, ou seja, provendo saúde, educação e previdência social e não  interferindo nos processos econômicos, conforme preconizava o neoliberalismo. 

            O fim da Guerra Fria, nos anos 80, traz as nações comunistas para a economia de mercado, marcando uma nova fase da globalização.  A expansão do comércio supera o aumento da produção mundial.

            Nas décadas 80 e 90 os Estados abrem mão do controle dos meios de produção, privatizando grandes empresas estatais, como vem acontecendo no Brasil, inclusive.  Formam-se blocos econômicos, numa forte tendência à globalização da economia.  Os países se abrem a investimentos estrangeiros, levando à expansão dos fluxos de capital.

 

1.2.         O Aparecimento do Direito do Trabalho

            Os fatores determinantes do surgimento do Direito do Trabalho têm raízes de natureza econômica, política e jurídica.

            Historicamente, o fenômeno remonta à Revolução Industrial, conseqüência do advento da máquina a vapor.  O desenvolvimento tecnológico, ainda que rudimentar, originou um verdadeiro êxodo no campo, com pessoas, sem qualquer preparo, dirigindo-se às cidades em busca de trabalho.  Essa concentração nas cidades, aliada ao excesso de mão-de-obra não qualificada, propiciou o aviltamento das condições do trabalhador, à mercê de empregadores também despreparados.

            As concepções liberais da autonomia da vontade, hipocritamente projetadas nas relações de trabalho, traduziam-se na liberdade do economicamente mais forte de explorar o mais fraco, sem que o poder estatal interferisse nas relações, em nome do liberalismo.  Não havia leis de proteção ao trabalho e assistia-se ao deprimente espetáculo da opressão do proletariado, faminto, andrajoso, sujeito à condições subumanas de trabalho, com salário de fome, jornada ilimitada e mutilando-se em máquinas rudimentares.  Dessas condições não escapavam sequer as mulheres e as crianças, pois não havia idade mínima para o ingresso no mercado de trabalho.

            Tal situação despertou as primeiras reações em pessoas mais progressistas e humanistas, intelectuais, filósofos, técnicos, que se rebelaram contra a política do não-intervencionismo estatal, dando início ao neo-liberalismo.  Começou também um tímido despertar de uma consciência de classe.

            Pode-se dividir a evolução do Direito do Trabalho em quatro períodos:

            1o Período: fins do século XVII/1848.  Nesse período despontaram, na Inglaterra, França, Itália e Alemanha algumas raras atividades regulamentares do Estado, tais como a proibição do trabalho noturno de crianças e por mais de 12 horas, bem como o descanso semanal.

            2o Período: 1848/1890.  Em 1848, sob a inspiração de Marx e Engels, foi lançado o Manifesto Comunista, incitando a classe operária a se unir contra a opressão do capital.  Alastrou-se pela Europa uma febre revolucionária.

            Por outro lado, na Alemanha, Bismark promoveu, em 1869, uma regulamentação do trabalho.  No entanto, para conter o avanço socialista que tomava corpo, conseguiu, em 1878, fechar as associações de trabalhadores.  Para amortecer a insatisfação gerada e a reação operária, criou as primeiras leis infortunísticas.

            Na França, nesse período, houve um retrocesso nas conquistas sociais, que somente vieram a ressurgir em 1884, com a consagração da liberdade de associação e a redução da jornada de trabalho.

            3o Período: 1890/1919.  Posteriormente ao Manifesto Comunista foi a vez da Igreja, com o Papa Leão XIII, levantar a voz contra a calamidade da questão social, lançando a Encíclica Rerum Novarum (1891), de relevante valor histórico.

            Também nesse período aconteceu a Conferência de Berlim e a instituição de uma Justiça Especial para julgamento das questões trabalhistas, além do surgimento de tratados internacionais e a lei de acidentes de trabalho.

            4o Período: 1919/...  Com o fim da Primeira Grande Guerra e o conseqüente Tratado de Versalhes, foram instituídos princípios relativos à regulamentação do trabalho, recomendados aos países que o firmaram.  Assim iniciou-se a intervenção Estatal, propriamente dita, em favor do trabalhador.

            Ao dissolver-se a Liga das Nações, sobreviveu-lhe a Organização Internacional do Trabalho – OIT – então uma de suas agências de mais relevância social e política.  Através das Conferências Internacionais do Trabalho são elaboradas "Convenções” e “Recomendações”, sujeitas à ratificação ou homologação pelos Estados convenentes.

            Após a Segunda Grande Guerra, tivemos a Declaração Universal dos Direitos do Homem, que consagrou as maiores conquistas até então obtidas no campo do Direito do Trabalho.

            O ordenamento jurídico, com a finalidade precípua de manter a paz social, equilibrando a desigualdade econômica através de normas protetoras que disciplinam a atividade laborativa, foi, como se viu, fruto de muita luta e de um longo e penoso esforço da classe operária, em que pese a relevante participação de alguns intelectuais em suas épocas.

            Embora tenha havido alguns impulsos de movimentos operários, o surgimento do Direito do Trabalho no Brasil deveu-se, fundamentalmente, à iniciativa do Estado, antecipando-se ao acirramento das lutas de classe.  Leis esparsas, desde a abolição da escravatura, pontificaram no âmbito trabalhista, como reflexo das transformações que ocorriam na Europa.  Influíram também, nas legislações trabalhistas, o compromisso assumido pelo Brasil ao ingressar na OIT, assim como, internamente, a política de Getúlio Vargas.  As primeiras leis trabalhistas no Brasil foram inspiradas no Código Italiano, de tendências fascistas.

            As Constituições anteriores à era Getúlio Vargas traziam pouquíssimos artigos referentes aos direitos do trabalhador. O Direito do Trabalho fazia parte do Direito Civil.  O Código Civil, aprovado em 1916, apenas dedicava 22 artigos às questões trabalhistas, com a denominação imprópria de “locação de serviços”.

            Em 7 de setembro de 1926 foi reformada a Constituição e incluído o no 28 do art. 34, na competência privativa do Congresso Nacional, a de “legislar sobre o trabalho”.

            Em 1930, com a criação do Ministério do Trabalho, foram instituídos organismos especiais para apreciar as questões de trabalho, tendo surgido, então, as Juntas de Conciliação e Julgamento para dirimir conflitos individuais e as Comissões Mistas de Conciliação, para dirimir conflitos coletivos.  As decisões desses organismos (de natureza parajudicial) podiam ser revistas pelo Ministério do Trabalho, a quem cabia a última palavra.

            Em 1934 tivemos a 1a Constituição que contemplou, em seu bojo, as relações de trabalho, prevendo a instituição da Justiça do Trabalho, efetivamente implantada em 1939, que, embora não integrando o Poder Judiciário, era autônoma em relação ao Poder Executivo e à Justiça Comum. 

            Essa mesma Constituição assegurava autonomia sindical, dava a todos o direito de prover à própria subsistência e à de sua família mediante trabalho honesto; determinava que a lei promovesse o amparo à produção e estabelecesse as condições do trabalho tendo em vista a proteção social do trabalhador e os interesses econômicos do País; estatuía a proibição de diferença de salário para o mesmo trabalho por motivo de idade, sexo, nacionalidade ou estado civil; determinava a fixação de salário mínimo; proibia o trabalho dos menores de quatorze anos, o trabalho noturno dos menores de 16 e nas indústrias insalubres às mulheres e menores de 18 anos; assegurava a indenização ao trabalhador injustamente dispensado, a assistência médica e sanitária ao trabalhador e à gestante, também para esta, o descanso antes e depois do parto sem prejuízo do salário.  Fixava o dever da União em amparar o trabalhador inválido ou envelhecido, dando ela uma contribuição para as instituições de previdência social, igual àquela a que são obrigados empregadores e empregados.

            A Carta revolucionária de 1937 fixou como norma que “o trabalho é dever social” e que “o trabalho intelectual, técnico e manual têm direito à proteção e solicitude especiais do Estado”.  Nela se continham os preceitos básicos sobre o repouso semanal, a indenização por cessação das relações de trabalho sem que o empregado a ela tenha dado causa, as férias remuneradas, o salário mínimo, o trabalho máximo de 8 horas, a proteção à mulher e ao menor, o seguro social, a assistência médica e higiênica etc., proibindo, entretanto, o direito de greve.

            Em 1943, a legislação versando sobre Direito do Trabalho, existente à época, foi revisada, recopilada e atualizada, surgindo a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, que vigora até hoje, conquanto tenha, ao longo dos anos, sofrido várias modificações, acompanhando a dinâmica do Direito e das relações sociais.

            A Constituição de 1946 inseriu, definitivamente, a Justiça do Trabalho no Poder Judiciário e instituiu a magistratura do trabalho, desaparecendo, com isso, os últimos resquícios da sua origem administrativa.

            A Constituição de 1967 com sua Emenda Constitucional de 1969, estabeleceu a “valorização do trabalho como condição da dignidade humana”, a “proibição de diferença de salários e de critério de admissões por motivos de sexo, cor e estado civil”, proibiu a greve nos serviços públicos e nas atividades essenciais, fixou a idade mínima de 12 anos para o trabalho, com proibição para o trabalho noturno, sem mais a faculdade de exceção prevista em leis ordinárias ou admitidas pelo juiz competente, como era na Constituição anterior, garantiu à gestante o direito de descanso antes e depois do parto, sem prejuízo do emprego e do salário, derrogou o princípio da estabilidade, que só admitia a quebra da relação estável nos casos de falta grave ou de imperiosa incompatibilidade entre o trabalhador e o empregador, reconhecida pela justiça trabalhista (“estabilidade, com indenização ao trabalhador despedido, ou fundo de garantia equivalente”), incluiu o direito ao seguro-desemprego, o qual só foi criado em 86, definiu a aposentadoria da mulher aos 30 anos de trabalho, com salário integral etc.  Cabe registrar que duas disposições feriam princípios internacionalmente consagrados: a que reduz o limite de idade do trabalho para doze anos e a que proíbe a greve nos serviços públicos e nas atividades consideradas essenciais pela lei. 

            Em 1988 foi promulgada a Constituição Federal vigente, na qual alguns direitos trabalhistas passaram a ser considerados como direitos fundamentais.       

 

2.   Influência do Direito Internacional na Legislação Trabalhista

2.1.            Declaração Universal dos Direitos do Homem

      Em 1948 foi aprovada, em resolução da III Sessão Ordinária da Assembléia Geral das Nações Unidas, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, a qual traz numerosos artigos que prescrevem claramente a proteção ao trabalhador, como por exemplo:

            “Artigo IV - Ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas.”

            “Artigo XXIII -

1.      Todo homem tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego.

2.      Todo homem, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho.

3.      Todo homem que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana, e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social.

4.      Todo homem tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar para proteção de seus interesses.

            Artigo XXIV - Todo homem tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação razoável das horas de trabalho e a férias remuneradas periódicas.”

 

2.2.            Constituição da República Federativa do Brasil

            A Constituição da República Federativa do Brasil, nossa Lei Maior, promulgada em 1988, influenciada pelas tendência internacionais, garante, ao trabalhador, a proteção do empregado contra despedida arbitrária, ou sem justa causa “nos termos da Lei Complementar” que prevê indenização compensatória; manda criar o seguro-desemprego, que, aliás, já existia; mantém o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço; salário-mínimo com muito mais amplitude do que o anteriormente em vigor; 13o salário; “duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho” (Antes dessa Constituição de 1988, era de 48 horas.  Recentemente, na França, foi reduzida para 35 horas.); remuneração da hora extra superior, no mínimo, em 50% à da normal; férias remuneradas, com acréscimo de um terço do salário normal; licença à gestante, “sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de 120 dias” (anteriormente era de 90 dias); “piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho”; “irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo”; “remuneração do trabalho noturno superior à do diurno”; “participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração, e, excepcionalmente, participação na gestão da empresa, conforme definido em lei”; “salário-família pago em razão do dependente do trabalhador de baixa renda nos termos da lei”; “jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva”; “repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos”; licença-paternidade; “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”; “adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei” (as atividades penosas até hoje não estão regulamentadas); aposentadoria; “assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até seis anos de idade em creches e pré-escolas”; “reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho”; “ação, quanto a créditos resultantes das relações de trabalho”, sendo que o prazo prescricional para trabalhadores urbanos aumentou de dois para cinco anos (“cinco anos para o trabalhador urbano, até o limite de dois anos após a extinção do contrato”); “proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos”; “igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso”; assegura vários direitos trabalhistas às empregadas domésticas; dispõe sobre o sindicalismo, sobre o direito de greve; disciplina a representação dos empregados nas empresas que tenham mais de 200 trabalhadores;  além de várias outras disposições.

 

2.3.            Mão-de-Obra na Globalização

 

            Na economia global, a mão-de-obra é comprada pelo capital em vários mercados de trabalho nacionais distintos e separados, isto é, uma parte dos custos do trabalho ligada a transporte, armazenagem, comércio atacadista e varejista é contratada no mercado de trabalho de “alto salário” dos países ricos.  

            Enquanto as empresas do Terceiro Mundo operam em condições que se aproximam da “competição perfeita”, os compradores de seus produtos são sociedades mercantis e empresas multinacionais.

            Tendo em vista que as  fábricas do Terceiro Mundo operam em uma economia global, a transferência da produção material para locais de mão-de-obra barata abrange todas as áreas de produção material que são internacionalmente móveis (setores de atividade que podem ser transferidos de um local geográfico para outro, quer por meio de investimentos no exterior, em um país com mão-de-obra barata, quer subcontratando a produção com um produtor independente do Terceiro Mundo.

            Os setores imóveis dos países desenvolvidos são os que por sua própria natureza, não podem ser transferidos internacionalmente: construção, serviços públicos, agricultura .

 

2.4.            O impacto da revolução científica

 

            Os centros de tomada de decisão das corporações estão em contato permanente e instantâneo com os locais de fabricação. A empresa global minimiza os custos do trabalho por sua capacidade de conectar-se eletronicamente com os locais de produção de mão-de-obra barata e novas linhas de montagem robotizadas são implementadas.

 

2.5.            A transferência da economia de serviços

 

            Nas telecomunicações globais e na informática, certos serviços estão sendo transferidos para locais de mão-de-obra barata, no Terceiro Mundo e no Leste Europeu,  considerando que o setor de serviços abrange mais de 70% da força de trabalho dos países ricos. Ex: Processamento de dados feito nas Filipinas via e-mail;  contabilidade de grandes empresas feita por contados especializados em outros países.

 

 

3.   A Organização Internacional do Trabalho

            A Organização Internacional do Trabalho é um organismo especializado das Nações Unidas que procura fomentar a justiça social e os direitos humanos e trabalhistas internacionalmente reconhecidos.  Foi criada em 1919, e é o único resultado importante que ainda perdura do Tratado de Versalhes, o qual deu origem à Sociedade das Nações; em 1946 se converteu no primeiro organismo especializado das Nações Unidas.

            A OIT formula normas internacionais de trabalho, que tomam a forma de convênios e de recomendações, estabelecendo condições mínimas em matéria de direitos trabalhistas fundamentais: liberdade sindical, direito de sindicalização, direito de negociação coletiva, abolição do trabalho forçado, igualdade de oportunidades e de tratamento, assim como outras normas que regulam condições que englobam todas as questões relacionadas com o trabalho.  Presta assistência técnica, principalmente nos seguintes campos: formação e reabilitação profissionais; política de emprego; administração de trabalho; legislação de trabalho e relações trabalhistas; condições de trabalho; desenvolvimento gerencial; cooperativas; seguridade social; estatísticas trabalhistas, e seguridade e saúde no trabalho.  Fomenta o desenvolvimento de organizações independentes de empregadores e de trabalhadores, e lhes facilita formação e assessoramento técnico.  Dentro do sistema das Nações Unidas, a OIT é a única organização que conta com uma estrutura tripartite, na qual os trabalhadores e os empregadores participam em pé de igualdade com os governos e nos trabalhos de seus órgãos de administração.

            O Brasil é signatário de numerosas Convenções Internacionais da OIT – Organização Internacional do Trabalho, como, por exemplo, a Convenção no 148 sobre a proteção dos trabalhadores contra os riscos profissionais devidos à contaminação do Ar, ao Ruído, às Vibrações no Local de Trabalho, promulgada pelo Decreto no 93.413, de 15-10-1986, a Convenção no 152, relativa à Segurança e Higiene nos Trabalhos Portuários, promulgada pelo Decreto no 99.534, de 19-9-1990, a Convenção no 161, da Organização Internacional do Trabalho, relativa aos Serviços de Saúde do Trabalho, promulgada pelo Decreto no 127, de 22-5-1991, a Convenção no 139 da OIT, sobre a Prevenção e o Controle de Riscos Profissionais causados pelas Substâncias ou Agentes Cancerígenos, promulgada pelo Decreto no 157, de 2-7-1991 e outras.

 

 

4.   As Multinacionais

            As corporações transnacionais exercem papel decisivo na economia mundial.  Das 100 maiores riquezas do mundo, metade pertence a Estados e metade a megaempresas.  Somente as ações da Microsoft atingem em julho de 1999 valor de mercado equivalente a mais de 500 bilhões de dólares. Além de crescer em faturamento, as corporações tornam-se gigantescas também pelo processo de fusões, acelerado a partir de 1998.

            O recente grande desenvolvimento da tecnologia, principalmente na área de telecomunicações, internacionalizou acentuadamente o mercado financeiro, fazendo com que o empresário possa escolher onde é mais vantajoso instalar seu estabelecimento.  Para se manter no mercado, a empresa procura otimizar o binômio custo/benefício.  Ora, se em determinado país, o custo da produção é mais alto porque a mão-de-obra é mais cara, por que não transferir a fábrica para algum país do terceiro mundo onde os empregados trabalham mais horas com menor remuneração?

            As transnacionais implementam mudanças significativas no processo de produção. Auxiliadas pelas facilidades na comunicação e nos transportes, instalam suas fábricas em qualquer lugar do mundo onde existam melhores vantagens fiscais, mão-de-obra e matéria-prima baratas, menores encargos sociais e poucos direitos trabalhistas. Os produtos não têm mais nacionalidade definida. Um carro de uma marca dos EUA pode conter peças fabricadas no Japão, ter sido projetado na França, montado no Brasil e ser vendido no mundo todo. Da mesma forma, o seu tênis Reebok, comprado em Miami, é “made in Taiwan”.

            Com assombrosa velocidade, essas empresas mudam de país, em busca de melhores condições para seus investimentos, colocam e retiram grandes somas de capital, podendo, por vezes, desestabilizar a economia de países em desenvolvimento.  O capital pulverizado em milhares de ações não pertence mais às pessoas, que, mesmo acionistas de grandes empresas, praticamente não vêem a cor do lucro.  O retorno do capital fica nas empresas, sendo usado para reinvestimentos que vão gerar novos investimentos.  É o capital gerando mais capital. 

            Essas megaempresas mudam de dono da noite para o dia, em um simples pregão da bolsa de valores de Tóquio, São Paulo ou Nova Iorque.  São empresas donas de empresas, mudando de mãos mais depressa do que conseguimos acompanhar, muitas vezes correndo o risco de formar um oligopólio ou mesmo um monopólio em determinado setor da economia.

            Para concorrer no mercado de trabalho internacional, os governos têm procurado novas fórmulas que, de um lado, garantam as necessidades básicas e a dignidade do trabalhador, enquanto, de outro, permitam que esses mesmos trabalhadores permaneçam empregados no mercado globalizado.  No Brasil, vemos, atualmente, a flexibilização das normas trabalhistas e uma tendência à desregulamentação, passando aos sindicatos, por meio de acordos e convenções coletivos, a missão de garantir os direitos de seus associados.

            As Convenções Coletivas de Trabalho, realizadas entre os sindicatos patronais e de empregados, têm sido usadas, cada vez mais para normatizar as relações de trabalho.  As convenções são convênios celebrados entre sindicatos para regerem os contratos de trabalho celebrados entre seus associados.  Os acordos são convênios celebrados entre um sindicato de empregados, e uma ou mais empresas (não toda a categoria).  Alguns exemplos de tais convenções são: a “Convenção Coletiva para Melhoria das Condições e Meio Ambiente de Trabalho das Indústrias de Proteção, Tratamento e Transformação de Superfícies do Estado de São Paulo”, a “Convenção Coletiva de Trabalho para Melhoria das Condições de Trabalho em Prensas Mecânicas e Hidráulicas, nas Indústrias de Forjaria, de Componentes para Veículos Automotores, de Parafusos, Porcas, Rebites e Similares, de Máquinas, de Artefatos de Metais não Ferrosos, de Estamparia de Metais e dos Fabricantes de Veículos Automotores” e a “Convenção Coletiva sobre Prevenção de Acidentes em Máquinas Injetoras de Plástico - Estado de São Paulo - Renovado em 26/09/1999 para 1999 à 2001”.

 

 

5.   Conseqüências da Globalização no Mercado de Trabalho

            Na área de navegação comercial, por exemplo, é conhecido o sistema de registrar os navios na Libéria e outros países que têm legislação trabalhista bastante suave para o armador, de modo que a tripulação filipina, panamenha, malásia, liberiana ou grega possa ser facilmente substituída, sem maiores transtornos para o empregador, assim como ser mal alojada, mal alimentada, mal remunerada, além de submetida a jornadas de trabalho exaustivas.  Essa prática pode gerar conseqüências funestas, como por exemplo, a falência do Loyd Brasileiro que, por ser uma empresa brasileira, um país que tem uma legislação trabalhista exigente (!), não pôde concorrer com os baixos custos da mão-de-obra dos navios que usam as “bandeiras de conveniência”.

            Um dos mais perniciosos efeitos da globalização é o desemprego.  Ameaçado de perder o emprego, o operário não reclama seus direitos e aceita trabalhar sob as piores condições.

            O desemprego também faz com que os empregados abandonem seus sindicatos.  Com o movimento sindical enfraquecido, não há quem lute para assegurar os direitos dos trabalhadores, muitos deles regulados por acordos e convenções coletivos de trabalho.

            No Brasil, onde férias, 13o salário, repouso semanal remunerado etc. são garantidos pela Constituição, esses direitos têm sido encarados, injustamente, como odiosos encargos trabalhistas que precisam ser extintos porque impedem a contratação de mais empregados e, portanto, agravam o problema do desemprego e comprometem a competitividade das empresas nacionais.

            O enfraquecimento dos sindicatos faz com que estes não tenham um bom poder de barganha a fim de garantir os direitos dos trabalhadores por meio das convenções coletivas, instituto endeusado pelos neoliberais.  Caso venha a ser abolido o direito assegurado em lei, sonho de alguns radicais, corre-se o risco de que os trabalhadores não consigam assegurar, nem mesmo, um mínimo de proteção.

            Antes do processo de globalização acelerada dos últimos anos, havia certo equilíbrio na tutela, ou seja, ao protecionismo social, oferecido aos trabalhadores, correspondia o protecionismo econômico.  O Estado assegurava reserva de mercado para empresas nacionais, criando barreiras à entrada de bens e serviços estrangeiros.

            A globalização rompe com as barreiras de protecionismo econômico, afetando as empresas e exigindo menor grau de protecionismo social e mais intensa flexibilização dos sistemas de proteção ao trabalho.  Os governos, hoje, preocupam-se em reduzir o custo do trabalho para gerar empregos e também propiciar às empresas melhores condições de participação no grande mercado mundial e aumentar as exportações.

 

5.1.         O Fantasma do Desemprego

            A tecnologia tem trazido, por um lado, ganhos significativos de produtividade e qualidade e, por outro, tem deixado um rastro de desemprego e desilusão, pois a automação industrial e rural implica na eliminação de inúmeros postos de trabalho.  Se o trabalhador não pode ser readaptado para o desempenho de nova função, seu destino será o desemprego.

            O fantasma do desemprego persegue, sobretudo, aqueles que não possuem um bom nível de educação formal, estando despreparados para lidar com novos recursos tecnológicos.  A participação das mulheres, que aceitam mais facilmente contratos precários ou atípicos, aprofunda a segmentação do mercado de trabalho.  Os crescentes índices de desemprego estimulam toda sorte de atividades informais.

            Em 1997, segundo a OIT, aproximadamente 1/3 da força de trabalho mundial estava desempregada, somando cerca de 1 bilhão de desempregados e sub-empregados, dos quais 35 milhões nos países industrializados.  No mesmo ano, o IBGE divulgou que havia mais de meio milhão de crianças, com idades entre 5 e 9 anos, trabalhando praticamente de graça, sendo que 92,2% não recebem qualquer remuneração pelo seu trabalho, cumprindo jornadas semanais de até 39 h, ou seja, impossibilitadas de estudar.

            A crise resultante da globalização da economia, sob a égide das leis de mercado, já acarretou 150 milhões de desempregados e 850 milhões de subempregados, isto é, 1/3 da população mundial economicamente ativa, segundo a “Prensa OIT” de 21/06/2000, Genebra, p. 1 e 2, in SUSSEKIND, Arnaldo. O Futuro do Direito do Trabalho no Brasil. Revista LTr. São Paulo: Vol. 64, no 10, outubro de 2000, p. 1231-1235.

            Esse desemprego vem reduzindo sensivelmente o índice de sindicalização, gerando evidente desequilíbrio entre os atores da negociação coletiva de trabalho, com predominância dos representantes patronais.  Em conseqüência, pioraram as condições de trabalho, inclusive no que tange a salários.  Os trabalhadores dos países em vias de desenvolvimento são os mais prejudicados, porque, para concorrerem no mercado mundial, as empresas têm reduzido, continuamente, os salários dos que nelas trabalham.

            Essa massa crescente de mão-de-obra desqualificada e desempregada ruma para a marginalização.

 

5.2.         Formas de baixar o custo da mão-de-obra.

5.2.1.      Flexibilização

            A discussão acerca da flexibilização das relações de trabalho surge como conseqüência das transformações mundiais, determinadas pelo processo de globalização e implementadas pelo perene conflito entre o capital e o trabalho.

            A flexibilização é uma exceção ao princípio da intangibilidade das normas imperativas do direito do trabalho, permitindo que, dentro dos limites do sistema jurídico, as fontes autônoma e heterônoma se conciliem, visando à saúde da empresa e à manutenção do emprego.  Deve ser exercida por intermédio dos sindicatos e jamais imposta unilateralmente pelo empregador.

            A Constituição Federal de 1988 prevê três hipóteses de flexibilização, no artigo 7o:

q       Inciso VI: dispõe sobre o princípio da irredutibilidade dos salários, salvo acordo ou convenção coletiva;

q       Inciso XIII: prevê a possibilidade de compensação da jornada de trabalho;

q       Inciso XIV: estabelece a jornada de trabalho de 6 horas para os turnos de revezamento, salvo acordo ou convenção coletiva.

            Fora os artigos citados, as demais normas trabalhistas são imperativas, não sendo passíveis de flexibilização, segundo a doutrina dominante.

 

5.2.2.      Desregulamentação

            O sistema de fontes normativas está sendo revisto, com maior prevalência da negociação coletiva.  Desde que presentes certos pressupostos, reconhece-se à negociação coletiva a aptidão de modificar as condições contratuais, inclusive reduzindo determinados direitos, mediante negociação coletiva.

            Há uma forte pressão internacional para “flexibilizar” todas as normas trabalhistas, o que seria, na verdade, uma verdadeira desregulamentação do direito do trabalho.  A defesa dos direitos do trabalhador ficariam única e exclusivamente a cargo dos sindicatos, que os negociariam com os sindicatos patronais, ou diretamente com os empregadores e os estipulariam em acordos ou convenções coletivos.

            A intocabilidade do direito adquirido tem se tornado incompatível com o dinamismo do mercado de trabalho.  Não se trata, todavia, de desregulamentação, mas sim de uma nova regulamentação.

            A desregulamentação não se confunde com a flexibilização das normas de proteção aos trabalhador, porque defende a inexistência da maioria dessas normas.

            É fácil perceber que os sindicatos mais fracos não teriam poder de negociação, deixando seus operários desassistidos, à mercê dos desmandos das grandes empresas.  Certamente, em momentos de grande desemprego, como o que estamos atravessando, os sindicatos patronais ditariam as regras.  Seria um verdadeiro retrocesso em termos de conquistas sociais, retirando do Estado a obrigação de proteger o trabalhador.

            É certo que em outros países não há tantas normas trabalhistas como no Brasil.  Mas não nos servem de exemplo, pois sua realidade difere radicalmente da nossa, como os EUA, que têm uma tradição de direito não escrito e sindicatos fortes, ou os Tigres Asiáticos (China, Taiwan, Tailândia, Indonésia, Malásia etc.), onde os trabalhadores são explorados impiedosamente, com jornadas de mais de 12 h, salários aviltantes e ainda existe todo tipo de trabalho infantil.

            Então, talvez, seja até defensável o retorno à escravidão!?

           

5.2.3.      Terceirização

            As cooperativas de trabalho são intermediárias de mão-de-obra, recrutando e colocando, à disposição das empresas tomadoras, trabalhadores de profissões diversas, conforme vão sendo requisitados.  Ora, isso é fraude, pois os trabalhadores prestam seus serviços no estabelecimento da tomadora, lado a lado com os empregados desta, recebendo as mesmas ordens, sujeitos aos controle de ponto e recebendo salário, entretanto sem direito a férias, FGTS, auxílio-doença, salário-maternidade, seguro de acidentes do trabalho etc.  Essa mão-de-obra é, obviamente, muito mais barata e atraente para as tomadoras, razão pela qual há uma tendência nas empresas de dispensar empregados para substituí-los por trabalhadores “cooperados”.  Felizmente, tanto o Ministério do Trabalho quanto o Judiciário Trabalhista têm reconhecido o vínculo empregatício em vez de tolerar a fraude, caracterizada pela “aparência de legalidade” que há na contratação dos “cooperados”.

            A CLT, em seu artigo 9o, prevê a fraude nas relações de trabalho:

            Art. 9o  Serão nulos, de pleno direito, os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.

            É visível uma espécie de implosão da empresa tradicional, com a revolução dos serviços, que expande as atividades terceirizadas.  As grandes corporações vêem-se rodeadas de micro ou pequenas empresas.

            O teletrabalho, com a dispersão dos trabalhadores em inúmeros locais, inclusive suas próprias casas, a desindustrialização, a terceirização, a nova tecnologia e outros fatores, desconcentram o processo produtivo, precarizam as condições de trabalho, geram desemprego e enfraquecem os sindicatos. 

 

5.2.4.      Soluções

            Enquanto a Revolução Industrial ocorrida no século XVIII foi a mola-mestra para o surgimento do direito do trabalho, essa nova revolução industrial, caracterizada por um inédito salto tecnológico dos meios de produção e de comunicação, tem causado, de forma inversa à anterior, uma tendência para desregulamentar as relações trabalhistas, correndo-se o risco de recriar a livre negociação trabalhista.

            Os defensores do Estado liberal, isto é, os neoliberais, pregam a omissão do Estado, desregulamentando o direito do trabalho, a fim de que as relações de emprego sejam ditadas pelas leis do mercado.          Partidários da reforma das relações de trabalho, eles advogam que o direito do trabalho é rico em normas jurídicas protetoras do trabalho e do trabalhador e que se faz necessária a adoção de procedimentos flexibilizadores, tais como cooperativas de trabalho, terceirização e redução da jornada.

            Já os defensores do Estado Social, esteados na doutrina social da Igreja ou na filosofia trabalhista, pregam a intervenção estatal nas relações de trabalho, na medida necessária à efetivação dos princípios formadores da justiça social e à preservação da dignidade humana.  Um grupo, formado basicamente por juristas, preconiza a manutenção das regras existentes e alerta que os fundamentos dos direitos trabalhistas, como férias, descanso semanal remunerado etc. visam à preservação da dignidade do trabalhador e da sua integridade física e mental.  Numa sociedade em que a politização e o nível cultural são tão reduzidos, a ausência de leis para definir os parâmetros das relações empregatícias causaria uma tragédia social.  Além disso, é questionável se a redução dos encargos sociais, reivindicada por empresários, propiciaria a elevação dos salários.

            É possível que a maior liberdade na contratação possa facilitar a preservação e a criação de empregos, entretanto é necessário questionar se tal situação se perpetuaria e se a eliminação gradual e progressiva de garantias e custos trabalhistas implicaria, efetivamente, em diminuição do desemprego estrutural e maiores salários ou se esse procedimento atenderia apenas aos interesses da classe empresarial.

            Sobre a questão da flexibilização, é fundamental não confundir o direito como idéia de justiça, que varia de uma pessoa para outra, de uma época para outra e que não é imposta pelo Estado, com o direito positivo, que é o complexo de regras de conduta cujo cumprimento o Estado precisa impor.  O direito como idéia de justiça é flexível e mutável, podendo, portanto, ser modificado sem maiores dificuldades.  A flexibilização do direito nada tem a ver com o direito como idéia pessoal de justiça.  O direito positivo deve ser observado rigorosamente, embora sofra permanentemente a influência da idéia de justiça, a qual é a essência das fontes formais do próprio direito positivo.

            Após o Código de Napoleão, prevaleceu a idéia de que o direito positivo nem mesmo podia ser interpretado.  Logo se entendeu que o direito positivo não podia afastar a eqüidade, até mesmo porque contém lacunas ou não se adapta perfeitamente a todos os casos.  Progressivamente surgiram teorias, cada vez, comportando mais o entendimento de que a idéia de justiça autoriza uma interpretação flexível do rigor do texto jurídico.  Esse movimento culminou com a escola do direito livre que considerava ser o direito positivo apenas uma recomendação que o juiz não está obrigado a obedecer.

            A flexibilização não é novidade.  Ampara-se, por exemplo, na crença de que, entre as interpretações possíveis, o juiz pode acatar a mais condizente com sua idéia particular de justiça e com o interesse coletivo.

            Hoje, como se fosse melhor para os empregados, procuram-se interpretações que, sob pretexto de que não forçam a letra da lei e favorecem o empregado, permitem o afastamento do direito positivo.  Na verdade, toda a inobservância do direito positivo retira proteção ao trabalhador e serve ao neo-liberalismo, o qual é adversário do amparo aos menos favorecidos.

            A flexibilização não tem sido objeto de manifestações democráticas e é arbitrária, até hoje, nada tendo construído em prol da humanidade.  A extinção do sindicato único e dos dissídios coletivos prejudicará os trabalhadores.  O banco de dados e os contratos por prazo (curto) determinado não revelaram bons resultados.

É inútil tentar adaptar a flexibilidade norte-americana ou a rigidez européia às relações trabalhistas do Brasil, porque vivemos outra realidade.  É bom lembrar que se tem constatado que o relaxamento das normas, em alguns países, não tem resultado em redução do desemprego, mas em maior rotatividade da mão-de-obra, causando desagregação da sociedade, contribuindo para o seu empobrecimento e impondo um empecilho ao desenvolvimento econômico da nação.

O direito do trabalho deve ser dinâmico e pautado em regras suscetíveis de alterações e adaptações em busca do equilíbrio das forças do capital e do trabalho, modernizando-se progressivamente, a fim de acompanhar as necessidades conjunturais de cada época.  As normas devem ser elaboradas considerando-se as especificidades das atividades operárias e as diferentes realidades culturais, econômicas e sociais – que variam de uma para outra região – a fim de que tais medidas sejam eficazes e contribuam para que sejam realmente satisfeitas as necessidades básicas dos trabalhadores.  Qualquer alteração que se faça nas normas vigentes deve ser voltada para atender ao bem-comum e não para a satisfação dos interesses de certas minorias em prejuízo da maioria.  É preciso evitar que o direito do trabalho venha a se transformar, pela via da flexibilização, em um instrumento de proteção do capital em detrimento da proteção do trabalhador.  Lembrando que esse ramo do direito envolve relações desiguais, a desestatização das normas trabalhistas poderia dar liberdade aos fortes para dispor dos mais fracos.

É preciso cuidado para não passar do paternalismo demagógico ao perigoso terreno da desregulamentação do trabalho, mas sim procurar criar um novo e justo regime de equilíbrio e de recíprocas responsabilidades sociais entre quem investe seu capital para obter lucro e, por isso, oferece empregos e quem precisa trabalhar para sobreviver.

A OIT tem demonstrado sua preocupação no sentido de que os Estados devem assegurar, através de regulamentação, ao menos, um mínimo de respeito aos direitos humanos fundamentais dos trabalhadores, instando os Estados-membros a ratificarem as convenções 87 (Liberdade sindical e proteção aos direitos sindicais), 98 (Direito de sindicalização e de negociação coletiva), 29 e 105 (Abolição do trabalho forçado), 100 (Salário igual para trabalho igual entre o homem e a mulher), 111 (Não discriminação no emprego ou ocupação) e 138 (Idade mínima para o trabalho).

Algumas leis já vêm, de longa data, permitindo a flexibilização das normas trabalhistas:

a)             Redução geral e transitória dos salários, até 25%, por acordo sindical, quando a empresa for afetada substancialmente em situações excepcionais da conjuntura econômica (Lei no 4.923/65);

b)             Ampla liberdade patronal para despedir os empregados, hoje obrigatoriamente sujeitos ao regime do FGTS (Lei no 5.107, de 1966, agora substituída pela Lei no 8.036, de 1990);

c)             Quebra do princípio da irredutibilidade salarial por acordo ou convenção coletiva (art. 7o, VI, da Constituição);

d)             Flexibilização das jornadas de trabalho mediante compensação de horários estipulada em acordo ou convenção coletiva (art. 7o da CRFB), objeto do art. 6o da Lei no 9.601, de 1988, que deu nova redação ao art. 59 da CLT, que instituiu a bolsa de horas;

e)             Ampliação da jornada de seis horas nos turnos ininterruptos de revezamento por meio da negociação coletiva (art. 7o , XIV, da CRFB).

            Nos dois aspectos fundamentais da relação de emprego – salário e duração do trabalho – a Constituição de 1988 possibilitou ampla flexibilização pelos instrumentos da negociação coletiva.

 

Conclusão

            As organizações internacionais têm se mostrado um meio eficaz de lutar contra as desigualdades sociais no mundo inteiro.  Os acordos e convenções internacionais acabam por pressionar os diversos Estados a aceitar regras mais justas para a sociedade, pois, embora a maioria das normas de direito internacional não tenha um caráter imperativo e seja desprovida de sanção, a comunidade internacional tem formas outras de pressionar o cumprimento dos tratados.

            A OIT, ao longo de seus mais de 75 anos de existência, tem trazido alento aos trabalhadores do mundo inteiro.  Atualmente, com a globalização e o advento das empresas multinacionais, que administram um capital “apátrida”, é completamente imprescindível haver organismos internacionais que zelem pela padronização e garantia dos direitos dos trabalhadores, cada vez mais, sem fronteiras.

            Se, de um lado, os governos sofrem pressão das multinacionais para desregulamentar os direitos dos trabalhadores, de outro, o direito internacional os obriga a manterem um mínimo de normas que garantam a sobrevivência do ser humano com  dignidade.  A questão trabalhista é intimamente ligada aos direitos humanos, pois, mais do que uma necessidade, o trabalho tem sido encarado como um direito da pessoa humana, merecendo todo o respeito e atenção da sociedade internacional.

 

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