A Pedra de Scone - a verdadeira fábula

(Texto de Fábio M. Barreto, originalmente publicado no fanzine "O Quickening")

Sabe-se que desde períodos imemoriais as pedras exerciam grande poder sobre as religiões antigas e eram muito mais que matéria-prima para construção de templos. Ainda hoje, podemos contemplar a resistência de Stonehenge na Inglaterra, as faces de pedra da Ilha de Páscoa, as pirâmides dos índios da América Central, assim como as egípcias, e uma série de outras construções antigas na Europa, como o círculo de Avebury, a colina de Newgrange, e vários outros. Uma pedra única e bem famosa é a Lia Fail, também conhecida como Pedra de Scone ou Pedra do Destino. Este bloco de calcário, que pesa mais de 150 kg, é o assunto central do hilariante episódio "A Pedra de Scone: Uma Fábula", da quinta temporada de "Highlander: A Série".

Para entendermos o que é e para que serve o pedregulho - como todo o respeito, é claro - precisamos de um pouco de história. Os livros mitológicos e outros relatos escritos dos primórdios da história da Irlanda dão conta de que uma poderosa e mística raça - os Tuatha de Dannan - chegaram à ilha da Irlanda (Erin, no original) e com eles levaram uma grande pedra mágica. Toda vez que um rei fosse coroado, ele deveria colocar seu pé sobre a pedra, que, por sua vez, iria lhe dizer os nomes de toda a sua linhagem. A pedra era mantida na Colina de Tara, um lugar mágico e de grande poder, tido, inclusive, como uma espécie de capital da ainda tribal nação irlandesa. A Lia Fail cumpriu sua função por séculos - não há dados exatos sobre esse período - no solo sagrado da "Ilha Esmeralda".

Por razões também pouco conhecidas, por volta do século 400 d.C. a pedra foi parar na cidade de Scone, próxima a Perth, e lá passou a sacramentar e legitimar o poder dos reis escoceses, para quem ela se tornou sagrada e sinônimo de independência e poder. Boa parte da linhagem conhecida de regentes da Escócia - o último teria sido Robert de Bruce, da época de William Wallace - foi sagrada sobre a rocha, que, nesse ponto, não gritava mais nome algum.

Em 1296, o rei inglês Edward I dominou a Escócia e levou a então Pedra de Scone para a abadia de Westminster, em Londres. A pedra foi cuidadosamente colocada sob o trono do rei, como um símbolo constante de legitimidade da coroa inglesa sobre as ilhas da Grã-Bretanha. Com isso, a pedra ganhou um novo significado político: quem a possuísse seria o legítimo regente das ilhas. Não é necessário dizer que isso só aumentou ainda mais a oposição tanto de escoceses como de irlandeses ao governo da Inglaterra.

Tudo mudou, porém, no ano de 1950, quando três jovens Nacionalistas Escoceses invadiram a abadia de Westminster, na véspera do Natal, e roubaram a Pedra de Scone. E quem é escocês na série Highlander? Só poderia ter sido Duncan MacLeod que, com seus amigos Imortais Fitzcairn e Amanda, realizou o roubo. O resultado é um dos episódios mais engraçados da série. Uma das grandes idéias foi construir um roteiro baseado totalmente nas suposições da polícia sobre como os arrombadores entraram e levaram a pedra. Por exemplo, a cena em que o trono é destruído, enquanto Amanda procurava pelo "tesouro", retrata uma foto de época do estado em que a cadeira foi encontrada.

Na vida real, porém, não havia nenhum Imortal envolvido. Os extremistas eram estudantes, dois rapazes (um cursava Direito em Glasgow) e uma garota, que queriam livrar seu país da coroa britânica. A despeito de intensa caçada policial, a pedra chegou à Escócia, e foi deixada na Abadia de Scone em fevereiro de 1952, sendo recolocada em seu "lugar de direito" (pelo menos para os ingleses). Os três jovens foram presos mas acabaram liberados sem cumprir pena, e seu gesto foi classificado apenas como um "trote estudantil".

Em 1996, a Pedra de Scone foi enfim devolvida à Escócia e chegou a Edinburgo num Land Rover conversível em 30 de novembro, dia de St. Andrews, com grandes pompas. Acredita-se, porém, que a pedra não seja a original, já que rumores apontam para a destruição da mesma pelos radicais - a pedra devolvida em 1952 estava em dois pedaços, pois teria partido-se durante o roubo. A série insinua isso quando Duncan fabrica uma réplica e derruba-a sem querer.

Na verdade, hoje historiadores desconfiam que a Pedra de Scone não seja sequer a mística Lia Fail, pois a rocha original das lendas era escura (talvez de granito negro) e coberta com inscrições, mas a que se conhece atualmente é de calcário amarelo, rocha típica da Escócia. E, na época em que a pedra surgiu na Escócia - exatamente quando o Cristianismo tentava impor-se sobre o paganismo local - dizia-se que o patriarca bíblico Jacó havia adormecido sobre a famosa pedra, e que Deus lhe enviara importantes sonhos sobre o futuro, daí a origem do nome "Pedra do Destino". Como tal bloco teria viajado da Palestina até a Irlanda ou a Escócia, entretanto, é outro mistério.

Ligação com o passado remoto e fonte de inspiração para mitos irlandeses, símbolo de independência na Escócia e "tesouro da coroa real" na Inglaterra. Muitas são as funções de Lia Fail, da Pedra de Scone, da Pedra do Destino, enfim, de um objeto que esteve presente às maiores decisões e apontamento de líderes de três países por incontáveis anos e ainda hoje tem sua história recente envolta em brumas de magia e luta, além de muita risada e trapalhadas graças a Duncan MacLeod e seus amigos.
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