Editor: Wolfram da Cunha Ramos 
ESTADO DA PARAÍBA
Tribunal de Justiça
Comarca de Rio Tinto
 
 
Processo n.º 058970001044
Autora : Justiça Pública
Réu : João Bento de Azevedo, de alcunha “João Nanico”
 
 
SENTENÇA
      A Insigne Representante do Ministério Público, em exercício, há época, nesta Comarca de Rio Tinto, com bastante tirocínio ofertou DENÚNCIA fulcrada no resultado investigatório da fase inquisitorial, inaugurando, assim, a presente AÇÃO PENAL PÚBLICA INCONDICIONADA contra o JOÃO BENTO DE AZEVEDO,  portador da alcunha “João Nanico” e qualificado às fls. 02, imputando-o a prática do Crime de Estupro onde fez vítima a criança L.M.S. de 10 (dez) anos de idade, argüindo, em síntese, os termos seguintes:

“(...) Noticia a peça inquisitorial que no dia 09 de novembro de 1996, pela madrugada, na localidade Sítio Silva, neste Município, o acusado, constrangeu a menor, Lenilda Maria da Silva com apenas 10 anos de idade, à conjunção carnal (...)” [ fls. 02]
    Por representação da autoridade policial, e anuência do Ministério Público, fora decretada a custódia, extrema, porém necessária do réu. (fls. 18/22)
    Legalmente citado o Denunciado fora Qualificado e Interrogado em Juízo, onde confessou a prática do ato delitivo e demonstrou arrependimento ( fls. 29/31 ).
    A Defesa patrocinada pelo Ilustre Defensor Público - Dr. Manoel Paulino Filho, no tríduo legal, veio dizer que “ (...) discorda da DENÚNCIA, como foi gravada, pois irá provar no desenrolar do procedimento processualístico, que não traduz o que ocorreu, a bem da VERDADE.(...)  “ [fls. 33].
    Designada a Audiência para outiva das Testemunhas e Declarantes arroladas na exordial, a mesma fora realizada, em 14/05/97, entretanto o seu termo, em virtude de uma barafunda tecnológica findou por ser juntado a outro processo posto ter permanecido na reutilização de formulários do editor de texto a numeração deste. Mas tal, insignificante irregularidade fora suprida após sua constatação ( fls.61/61v/62-64).
    Após ouvida as testemunhas elencadas na defesa preliminar, as partes requereram diligências: O Ministério Público a juntada da Certidão de Nascimento da vítima, e sendo como é indígena, apenas possui a firmada junto a FUNAI ( fls. 49v e 50 );
    A Defesa pediu a certidão dos antecedentes criminais juntada às fls.  53.
    No placitu das derradeiras alegações, o Eminente Promotor de Justiça, atualmente em exercício, discorreu elegante-cientificamente a tese do in dubio pro reo , posto entender ser a norma da presunção de violência ( art. 224, CP) inconstitucional, e haver incoerência nos depoimentos da vítima quando na fase policial com a da instrução do feito em tela. A
defesa, por seu turno, acostou-se in totum  aos brilhantes, influentes, e quase convincentes arrazoados Ministeriais.

    BREVE RELATO. DECIDO.

    Finda  análise na seara do conjunto probatório e da aplicação do fato a norma, restou indicado a subsunção da peça vestibular por ser incoercível a aplicação da presunção da violência ( art.224, “a”, do CP) nas circunstâncias do crime, e principalmente, da perfeita adequação das características pessoais da vítima a previsão legal, tipificadora do
crime de estupro.

    DA MATERIALIDADE

    O laudo pericial de exame de defloramento de fls. 15, somado ao teor do interrogatório do Acusado ( fls. 30), asseveram extreme de dúvida a concretização do desvirginamento da vítima.

    DA AUTORIA

    A prova testemunhal( fls. 46/48 - 62/64), o depoimento da vítima, e o Interrogatório do Imputado( fls. 30), levam à autoria do fato típico descrito na Denúncia.

    “In Jure Confessi Pro Judicatis Habentur” ( Os que confessam em juízo se têm por julgados )

    DA FUNDAMENTAÇÃO

    A testemunha MARIA JOSÉ DA SILVA TEXEIRA(fls. 47), arrolada pela defesa afirmou em seu depoimento “(...) Que sabe informar que a vítima ainda não era formada;(...)”[grifei]
    No mesmo sentido trouxe tal informação a testemunha Rejane Pereira do Nascimento ( fls. 46).
    É marcante nos depoimentos a ausência de informações quanto a má conduta social e/ou experiência sexual anterior da vítima, isto testemunha em seu favor, posto, infelizmente, com mais freqüência se sobressaem aos olhos da comunidade os membros de comportamento inadequado aos princípios gerais. Ademais, a vítima quando ouvida na instrução do
presente, em juízo, afirmou “(...) Que nunca tinha feito isto com ninguém, nem mesmo o acusado tinha tentado outras vezes.(...)”[fls. 63].

    Límpida conclusão pode-se extrair do feito quanto a absoluta imaturidade, inexperiência, sexual da vítima, a qual jamais poderia ser considerada uma adolescente prematura, posto nem sequer biologicamente estava pronta para ser mulher, apenas com a “(...) chegada da menstruação anuncia que aquela jovem já tem os órgãos reprodutores amadurecidos ... Menstruar e poder engravidar faz parte de se tornar mulher ... isto ocorre entre 9 e 16 anos. A média, no Brasil, é de 13 anos e 6 meses.(...)” [SUPLICY, Marta - SEXO PARA ADOLESCENTE, Ed. FTD, p.64]
    A vítima contava há época do fato com apenas 10 anos de idade...

    O Ministro Marco Aurélio Melo, do Supremo Tribunal Federal, ao inovar a interpretação da presunção de violência no crime de estupro, foi excessivamente explícito ao justificar da “aquiescência da mulher” e das provas indicativas do seu amadurecimento “físico e mental, de tratar-se de pessoa com idade superior aos 14 anos”, ora em não se amoldando a
tais peculiaridades o caso concreto em evidência, persiste em vigor o art. 224, a, do CP, mesmo porque, os tribunais federais continuam a decidir por sua incidência, e não fora declarado, sequer, difusamente, até o presente, inconstitucional.     O Ministério Público da Paraíba, novamente se destaca nesta Comarca pelo brilhantismo, capacidade e conhecimento jurídica de elevada monta de seus Representantes, vem in casu o MP in fine pugnar pela absolvição do réu, argüindo a inconstitucionalidade do art. 224,a, do CP, apontando, ainda, dúvidas e contradições nos depoimentos da vítima, bem como
insinuando o seu consentimento para o ato.  As viçosas Alegações Finais do Parquet influenciam ao convencimento de suas razões, entretanto, o fato da imaturidade sexual, da virgindade, e da incompleta formação biológica e física da vítima, convoca o melhor sentido para expurgar as idéias, data máxima vênia, buscar nas melhores águas da literatura jurídica, a razão.

    “IN DIS QUAE CONTRA RATIONEM JURIS CONSTITUTA SUNT, NON POSSUMUS REGULAM
JURI SEQUI” ( Não podemos seguir as regras de direito naquelas coisas que são contrárias à razão do direito)

    “O primeiro caso de violência presumida ( indutiva ou ficta) é de ser a vítima menor de catorze anos. Embora  seja certo que alguns menores, com essa idade, já têm maturidade sexual, na verdade não ocorre o mesmo com
o desenvolvimento psicológico. Assim, o fundamento do dispositivo é a circunstância de que o menor de cartoze anos não pode validamente consentir pelo desconhecimento dos atos sexuais e de suas conseqüências (innocentia consilii). O consentimento em casos que tais é absolutamente nulo ( RT 494/386).”[ MIRABETE, Julio Fabrini - Manual de
Direito Penal, V.2, Ed. Atlas, 8ª Ed., 1994, p.459]{Grifei}

    “A fixação de determinado limite para a presunção de violência não tem sido aceita unanimemente pelos juristas. Argumenta-se que, fixando-se idade certa para presunção, nem sempre esse limite estará de acordo com o desenvolvimento do indivíduo, que varia de pessoa para pessoa, consoante os fatores étnicos, mesológicos etc.

    O Código Penal soviético esposou o critério da maturidade sexual, punindo as relações carnais com a vítima que ainda a  não atingiu.

    Outros, entretanto, têm impugnado tal sistema, considerando ser perigoso deixar à apreciação do juiz caso por caso a capacidade da ofendida, alegando ainda que a madurez fisiológica, por si, não é índice de consentimento capaz e válido da vítima.

    Nossa lei, como se vê, seguiu a grande maioria das legislações, marcando um limite abaixo do qual não aceita a adesão ou consentimento do menor, tendo-o como violento pelo sujeito ativo do crime.

    O fundamento da presunção, como se lê na Exposição de Motivos, é innocentia consilii do ofendido.

    Tomou o legislador como base completa insciência dos fatos sexuais e a impossibilidade de consideração quanto aos efeitos por eles produzidos.”(NORONHA, E, Magalhães, Direito Penal V. 3, Ed. Saraiva, 19ª Ed., 1988 - p. 215 ) [ grifei]
 

    Destarte, tenho por reconhecer a adequação do fato vestibularmente narrado e ensejador do instrumento em tela como verdadeiro e típico, sendo o seu autor  o Denunciado JOÃO BENTO DE AZEVEDO, e não havendo, como não qualquer caracterização ou incidência de excludente de criminalidade e/ou punibilidade, deve o mesmo ser condenado.

    EX POSITIS,
                                 considerando o que dos autos consta e em direito aplicável a espécie, bem como tudo quanto em linhas supra fora fundamentado, JULGO PROCEDENTE A DENÚNCIA, em desarmonia com as Alegações Finais das Partes, para condenar como condenado tenho o Réu JOSÉ BENTO DE AZEVEDO, conhecido por “João Nanico” qualificado ab initio:

    DA APLICAÇÃO DA PENA

   Passo a analisar o fato narrado na denúncia e as circunstância do crime nos termos do art. 59 do C. Penal :

   CULPABILIDADE :  a réu agiu com dolo; ANTECEDENTES : primário ; CONDUTA SOCIAL : regular ;  PERSONALIDADE :  pervertida  ; MOTIVOS DO CRIME : sexual; animado por efeito de ingestão de bebida Alcóolica ;
CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME :  impróprias; CONSEQÜÊNCIA DO CRIME : desvirginamento, lesão corporal, e dano psicológico; COMPORTAMENTO DA VÍTIMA  : insignificante.

   Considerando as circunstâncias supra, aplico a pena inerente ao Crime de Estupro (CP,  art. 213, c/c art.224, a )  a pena base de 07( sete) anos  de reclusão;  Tendo o Acusado  confessado o Crime em Juízo, atenuo a mesma em 01(um) ano de reclusão ( CP, art. 65, III,  d ). E como não há, mais,  circunstâncias   atenuante ou agravante, ou mesmo, causa especial de diminuição ou aumento da pena, torno-a  definitiva e concreta  na   em 06 ( seis  ) anos de reclusão, inicialmente em regime
fechado. A ser cumprida na Cadeia Pública de Rio Tinto. Tudo na conformidade do art. 381 e 383 do CPP.

   Deixo de condenar o sentenciado nas custas processuais, nos termos do art. 804,  do C.P.P., por ser pobre na forma da lei, tanto sua defesa fora  patrocinada pela Defensoria Pública.

   Preencha-se o boletim individual e remeta-se à Secretaria de Segurança Pública.

Recomende-se o Sentenciado na Cadeia onde se encontra preso, remetendo o correspondente dossiê.

   DECRETO A SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS DO SENTENCIADO, nos termos
do art. 15, inciso III da Constituição Federal. Informe-se ao T.R.E.-PB.

   Lance-se o nome do sentenciado no LIVRO ROL DOS CULPADOS.

    PÚBLIQUE-SE
    INTIMEM-SE
    REGISTRE-SE
 

    Rio Tinto-PB, 06 de janeiro de 1998
 

    Eduardo José de Carvalho Soares
                   Juiz de Direito


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