1. O tipo cogitado - na modalidade de "publicar cena de sexo explicito ou pornográfico envolvendo criança ou adolescente" - ao contrário do que sucede por exemplo aos da Lei de Imprensa, no tocante ao processo da publicação incriminada é uma norma aberta: basta-lhe à realização do núcleo da ação punível a idoneidade técnica do veículo indeterminado de pessoas, que parece indiscutível na inserção de fotos obscenas em rede BBS/Internet de computador.
2. Não se trata no caso, pois, de aolmatar lacuna da lei incriminadora por analogia; uma vez que se compreenda na decisão típica da conduta criminada, o meio técnico empregado para realizá-la pode até ser de invenção posterior à edição da lei penal: a invenção da pólvora não reclamou redefinição do homicídio para tornar explícito que nela se compreendia a morte dada a outrem mediante arma de fogo.
3. Se a solução da controvérsia de fato sobre a autoria da inserção incriminada pende de informações técnicas de telemática que ainda pairam acima do conhecimento do homem comum, impõe-se a realização de prova pericial.
Voto
A afirmação da criminalidade do fato não pressupõe colmatação por analogia de omissão da lei penal incriminadora, na qual o dogma da tipicidade não admite lacunas.
Não se trata, com efeito, de aplicar determinada norma a hipótese de fato nela não prevista, dada a similitude da "ratio legis".
É que o tipo cogitado - na modalidade de "publicar cena de sexo explícito ou pornográfico envolvendo criança ou adolescente" - ao contrário do que cucede por exemplo aos da Lei de Imprensa, no tocante ao processso da publicação incriminada é uma norma aberta: basta-lhe à realização do núcleo da ação punível a idoneidade técnica do veículo utilizado à difusão da imagem para o núcleo indeterminado de pessoas.
Essa idoneidade parece indiscutível na inserção das fotos de sexo infantil ou juvenil em rede BBS/Internet de computador: irrelevante a circunstância de nela se integrem, assim como oseria que a divulgação se fizesse por TV a cabo ou por veículo impresso endereçado apenas a assinantes.
Nem importa saber se, ao tempo do Estatuto da Criança e do Adolescente, já existia ou era do conhecimento do legislador a transmissão telemática de imagens. Uma vez que se compreenda na descrição típica da conduta incriminada, o meio técnico empregado para realizá-la pode ser posterior à edição da lei penal: a invençaõ da pólvora não reclamou que nela se compreendia a morte a outrem mediante arma de fogo.
Correto, porém, é o parecer da Procuradoria-Geral em reclmar prova técnica que i=sirva de alicerce à afirmação da autoria.
À conclusão positiva da sentença e do acórdão - que, afora a hipótese de ciência própria dos seus ilustres prolatores, só tem nos autos as informações do usuário da rede, que delatou os menores, de sua vez, alegadamente obtidas de um terceiro (apenso, f. 65 e 76) - opõe-se a peremptória negativa dos pacientes, para quem a todo e qualquer usuário da rede seria dado, sem identificar-se, inserir as fotos questionadas e torná-las acessíveis aos demais.
É a questãi que aos iniciados pode parecer primária, mas que hoje ainda paira além dos conhecimentos od homem comum, mesmo do que começa a aventurar-se nos mistérios da telemática: prudente, assim, o alvitre do Ministério Público Federal, que acolho.
De tudo, defiro em parte o "habeas corpus", para que, anuladas as decisões, se proceda à perícia possível e a colheita das informações técnicas adequadas à verificação da autoria ou da participação dos apcientes no fato: é o meu voto.
Decisão: A Turma deferiu, em parte,
o pedido de "habeas corpus", nos termos do voto do Relator. Unânime.
1ª Turma, 22-09-98, DJU de 06-11-98.
Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE - Relator
Obs. Aos pacientes foi imposta medida sócio-educativa de prestação de servições à comunidade, pelo parzo de três meses, por terem veiculado, através de uma rede BBB/Internet, imagens de crianças e adolescentes, completamente nus, em práticas sexuais diversas (art. 112. inc. III, c/c o art. 241, ambos da Lei nº 8.069/90)
EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE
DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
HABEAS CORPUS COM PEDIDO DE LIMINAR
a teor do art. 5º, LXVIII, e 105, I, "c",
da Constituição Federal, e dos arts. 647 e 648, I e VI do
Códex Processo Penal, em favor dos menores W. F. R. e L. A. L. F.,
brasileiros, solteiros, residentes e domiciliados na cidade de Campina
Grande/PB, devidamente representados pelos seus genitores, tendo como autoridade
coatora o Excelentíssimo Senhor Presidente do Tribunal de Justiça
do Estado da Paraíba, presentemente sofrendo constrangimento ilegal
nos autos do Processo nº 276/96, em tramitação na Vara
da Infância e da Juventude da Comarca de Campina Grande/PB, instaurado
SEM JUSTA CAUSA e, data maxima venia, eivado de nulidades absolutas
que, associadas à causa primeira, justificam o presente "writ",
conforme adiante restará sobeja e cristalinamente demonstrado. (doc.
01)
01. O S F A T O S
Enfoque-se, em resumo, que o representante do parquet estadual, representou contra os pacientes, acusando-os de terem feito "inclusão de imagens de crianças e adolescentes na rede BBS, completamente nus, com práticas sexuais diversas, verdadeira exploração de menor em ambos os sexos..."
Tais imagens, segundo o custos legis, teriam sido publicadas pelos suplicantes, através da BBS e captadas por um denunciante, que a representação sequer se dignou a identificá-lo.
Como prova material, fez anexar à exordial, um disquete contendo as pseudas imagens e algumas fotos caricaturadas para, em seguida, ajustar a conduta dos adolescentes no tipo previsto no artigo 241 do Estatuto da Criança e do Adolescente. (Doc. 02 - xerox da representação)
Ao término da instrução, o douto e honrado Magistrado, acatando a tese do ilustre promotor e desprezando as provas produzidas pela defesa, quer seja testemunhal e de direito, julgou procedente aquela representação, impondo aos pacientes "medida sócio-educativa, enquadrando-os no Art. 112, III da Lei 8.069/90, culminando na prestação de serviços à comunidade pelo prazo de três meses, durante oito horas semanais em dia e ser escolhido de comum acordo pelos adolescentes e pela Curadoria da Infância e da Juventude etc" ,embora tenha reconhecido naquele decisum que:
Mantida a decisão do Juízo a quo, baixaram-se os autos à Vara da Infância e da Juventude da Comarca de Campina Grande/PB, para o cumprimento da medida sócio-educativa imposta no decisum suso questionado, cuja audiência para o início dessa determinação judicial, encontra-se marcada para às 16:00 horas do dia 19 de fevereiro de 1998, conforme faz prova o Mandado de Intimação, incluso. ( doc. 07)
02. O DIREITO E SEUS FUNDAMENTOS
2.1. DA FALTA DE JUSTA CAUSA
Diz a doutrina, e dela não se afasta os nosso areópagos, que a ação humana, para ser criminosa, há de corresponder objetivamente à conduta descrita na lei, contrariando a ordem jurídica e incorrendo seu autor no juízo de censura ou reprovação social. Considera-se, então, o delito como a ação típica, antijuridica e culpável. Ele não existe sem uma ação (compreendendo também a omissão), a qual se deve ajustar à figura descrita na lei, opor-se ao direito e ser atribuível ao indivíduo a título de culpa lato sensu (dolo ou culpa). Lição que se extrai do renomado jurista Magalhães Noronha, em seu compêndio intitulado Direito Penal, volume l, Ed. Saraiva.)
In casu, a conduta que se atribui aos pacientes, ínsita na decisão de meritum, que ora se rebate e que o Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba acatou in totum, ao denegar o recurso de apelação criminal número 97.001558-0 é, estreme de dúvidas, atípica na sua essência jurídico-penal. (docs. 04 e 05)
O artigo 241, do Estatuto da Criança e do Adolescentes, dispositivo que teria sido violado pelos pacientes, acha-se embutido no Capítulo I, que trata DOS CRIMES, e que assim verbera:
Esse fato, à luz artigo 225, do Estatuto em foco, reveste-se de absoluta atipicidade, senão vejamos, in verbis:
Da norma em testilha, pode-se
então concluir, que o sujeito ativo dos crimes ali previstos, só
pode ser atribuído ao maior de dezoito anos de idade, sendo inaplicável
às crianças e aos adolescentes, de vez que a lei substantiva
penal inadmite sanções arrimadas em presunções
ou em fatos analógicos, como soía acontecer.
2.2. DA ANTERIORIDADE DA LEI
Ademais, aos fatos trazidos à colação, há que se ater ao dispositivo desenhado no artigo 226, do Estatuto da Criança e do Adolescente, in verbis:
Não constituindo o fato crime,
tampouco pode-se falar em ato infracional, como se pretende emprestar ao
caso sub judice, impingindo a dois menores de 15 nos de idade, uma
sanção alternativa sem o devido respaldo legal. Situação
fática ilegal, quiçá hilariante.
2.3. DA NULIDADE ABSOLUTA
Vê-se a olho desarmado, quando da representação da lavra do insigne representante do parquet, (doc.02), que ali foram acostados um disquete e algumas fotos caricaturadas, que teriam sido divulgadas via BBS/Internet, pelos pacientes, segundo o ilustrado custos legis, cuja documentação constituiriam a prova material do delito.
Ocorre, todavia, que aludidas peças constantes dos autos, e que serviram de supedâneo à aplicação da pena sócio-educativa, sequer foram periciadas, conforme entendimento doutrinário e jurisprudencial, dominante sobre o assunto em pauta.
Assim, prevendo o art. 226 do Estatuto menoril, que ao processo especial, aplicam-se as regras da Lei adjetiva penal, aquela exordial teria que ser julgada improcedente, justamente pela ausência da prova material, ou seja, por inexistir o competente exame de corpo de delito.
Outrossim, tratando-se de infrações que deixam vestígios e estando estes encartados nos autos e que serviram de mola propulsora para a representação, o exame de corpo de delito não poderia ser prescindido, conforme se embute no art. 158 do CPP, verbis:
Na hipótese do alusivo
processo, tal não aconteceu. Falha técnica que enseja nulidade
prevista no art. 564, III, "b", do instituto processual penal, que assim
verbera:
Ad argumentandum, o pseudo crime vislumbrado pelo parquet e por razões ilógicas, confirmado pelo douto Magistrado em sua sentença de mérito, devidamente confirmada pelo Juízo ad quem, simplesmente não existe, quer seja pelos motivos retro-enfocados, assim como por inexistir em nosso ordenamento jurídico, qualquer previsão legal desse jaez, que coíba a inclusão de cenas pornográficas na rede BBS/Internet.
Tanto é verdade, que a Constituição brasileira, e a Lei substantiva penal, consagram o princípio da reserva legal, consubstanciado na parêmia latina: nullum crimem,, nulla poena sine preavia lege.
Culmine-se por afirmar, que:
Esse foi o mesmo entendimento do Procurador de Justiça, quando da apreciação e julgamento do recurso da apelação pelo Tribunal de Justiça da Paraíba, que assim se expressou, em seu arrazoado, in verbis:
Finalmente, há que se trazer à colação, segundo entendimento de inúmeros estudiosos da matéria, assim da jurisprudência dominante, que o único recurso cabível à hipótese em testilha é, estreme de dúvidas, o remédio heróico que ora se impetra - Habeas Corpus, justamente para desconsiderar o decisum acima reportado, confirmado em segunda instância, vez que o Recurso Especial, igualmente questionado, não possui efeito suspensivo.
A propósito, assevera o mestre Magalhães Noronha, em seu livro intitulado Curso de Direito Processual Penal, Ed. Saraiva, pág. 338, in verbis:
Ante o retro-sumulado, requerem os impetrantes
em prol do pacientes:
a) que seja concedida a medida liminar, determinando o sobrestamento do cumprimento da medida sócio-educativa, imposta aos pacientes, pelo Juízo da Infância e da Juventude da Comarca de Campina Grande/PB, acatada pelo Tribunal de Justiça da Paraíba, cuja audiência para o início da reprimenda, encontra-se agendada para às 16:00 horas do dia 19.02.98, conforme faz prova a intimação em anexo. (doc.07), fazendo-se cessar o constrangimento ilegal impingido aos suplicante e, logicamente, preservando-se a eficácia da decisão final do Writ, pois presentes embutem-se os pressupostos do pedido, quais sejam: fumus boni juris e periculum in mora.
b) que sejam notificados o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba, na pessoa do seu Presidente, assim como o Excelentíssimo Doutor Juiz de Direito da Vara da Infância e da Juventude da Comarca de Campina Grande/PB, para prestar as informações que se fizerem necessárias.
c) que seja, finalmente, concedido o habeas corpus em favor dos menores L. A. L. F. E W. F. R., para, rejeitar a representação, trancar o processo, determinando o seu arquivamento, face a inexistência de qualquer delito a punir, por faltar a JUSTA CAUSA e pela flagrante nulidade do feito, como soía acontecer, ex abudantia esclarecido.
Termos em que,
P. Deferimento,
Brasília, 12 Fevereiro 1998
Antonio Carlos Monteiro - Advogado
Francisco Martins de Oliveira - Advogado