Marguerite Donnadieu,
também conhecida como Marguerite Duras (4 de abril de 1914, Indochina
Francesa (hoje Vietnã) - 3 de março de 1996), foi uma escritora e diretora
de filmes.
Ela nasceu em Gia Dinh,
antiga Indochina Francesa e atual Vietnã, e foi para a França, terra de seus
pais, estudar Direito. Lá, tornou-se escritora. Decidiu mudar o
apelido/sobrenome Donnadieu por Duras, nome de uma vila do departamento
francês de Lot-et-Garonne onde se situava a casa de seu pai.
É autora de diversas
peças de teatro, novelas, filmes e narrativas curtas. Seu trabalho foi
associado com o movimento chamado nouveau roman (novo romance) e com o
existencialismo. Entre algumas de suas obras estão O Amante, A Dor, O Amante
da China do Norte e O Deslumbramento.
Algumas de suas obras
foram adaptadas para o cinema como O Amante.
Morreu os 81 anos de
idade de câncer e foi sepultada no cemitério de Montparnasse.
O Amante
Prémio Gouncourt 1984
O Amante é o relato exacerbado de uma paixão
na adolescência inquieta da escritora. Alia a descoberta do corpo aos
martírios da renúncia num cenário soberbo, exótico, perverso como o Oriente.
Ela tinha quinze anos e meio e era pobre. Ele tinha vinte e sete e era rico.
Ela ignorava as travessias do império dos sentidos.
Ele era um mestre do
amor sapiente. Ele possuía no rosto o mistério imperturbado de todos os
orientes e no corpo o calor de todas as borrascas interiores. Ela possuía um
rosto liso, quase inocente. Um rosto à espera de coisas novas do amor físico
fundo, mortal.
Do encontro destes
dois seres excepcionais num lugar excepcional nasceu uma paixão. Banal. O que
não é banal é o modo como, tanto tempo volvido sobre essa experiência,
Marguerite Duras a retira dos cantos esconsos da memória e a oferece assim,
com o despudor e o narcisismo que se calcula aos olhos de um público ansioso
de emoções alheias.
O Amante é uma sala de espelhos de um palácio
íntimo, riquíssimo, onde os raros penetram. Nela habita uma rainha de um reino
muito pouco pacífico, cheio de barragens. Literatura é o nome do reino.
Excerto do
Livro "
O Amante” de Marguerite Duras
“…O homem
elegante saiu da limusina, fuma um cigarro inglês. Olha a rapariga com o
chapéu de homem e sapatos de ouro. Vem lentamente na sua direcção. É
visível que está intimidado. Não sorri
logo.
Primeiro oferece-lhe um cigarro. A mão treme-lhe. Há esta diferença de
raças, ele não é branco, tem de a superar, é por isso que treme. Ela
diz-lhe que não fuma, não obrigada. Ela não diz mais nada, não diz
deixe-me em paz. Então ele sente menos medo. Então ele diz que lhe
parece estar a sonhar. Ela não responde. Não vale a pena responder, que
lhe havia de responder? Ela espera. Então ele pergunta-lhe: de onde é
que vem? Ela diz que é filha da professora da escola feminina de Sadec.
Ele pensa e depois diz-lhe que ouviu falar dessa senhora, sua mãe, da
sua pouca sorte com essa concessão que teria comprado no Camboja, é
isso, não é verdade? Sim, é isso.Ele repete que é extraordinário
encontrá-la naquela barcaça.
De manhã tão
cedo, uma jovem bonita como ela é, não imagina, é completamente
inesperado, uma rapariga branca num carro indígena. Diz-lhe que o chapéu
lhe fica bem, muito bem mesmo, que é... original... um chapéu de homem,
porque não? Ela é tão bonita que se pode permitir tudo.Ela olha-o.
Pergunta-lhe quem ele é. Ele diz-lhe que regressa de Paris onde fez os
seus estudos, que vive também em Sadec, justamente junto ao rio, a
grande casa com grandes terraços de balaustradas de cerâmica azul. Ela
pergunta-lhe o que é que ele é. Ele diz-lhe que é chinês, que a sua
família é originária da China do Norte, de Fu-Chuen. Permite-me que a
leve a sua casa, em Saigão? Ela concorda. Ele diz ao motorista que tire
as bagagens da rapariga do carro e as ponha no automóvel preto. Chinês.
Pertence a essa minoria financeira de origem chinesa que detém todo o
imobiliário popular da colónia. Ele é aquele que passava no Mékong nesse
dia em direcção a Saigão. Ela entra no automóvel preto. A porta
fecha-se. Um sentimento de opressão vagamente pressentido invade-a de
repente, uma fadiga, a luz sobre o rio que se embacia, mas só
ligeiramente. Uma surdez muito ligeira também, um nevoeiro, por todo o
lado. Não voltarei a fazer a viagem no carro dos indígenas.
Doravante,
terei uma limusina para ir ao liceu e voltar ao pensionato. Jantarei nos
sítios mais elegantes da cidade. E estarei sempre a lamentar tudo o que
faço, tudo o que deixo, tudo o que agarro, o bom e o mau, o carro, o
motorista do carro com quem ria, as velhas que mascavam tabaco nos
lugares de trás, as crianças no porta-bagagens, a família de Sadec, o
horror da família de Sadec, o seu silêncio genial. Ele falava. Dizia que
tinha saudades de Paris, das adoráveis parisienses, das estúrdias, das
farras, isso é que era vida, da Coupole, da Rotonde, eu da Rotonde
prefiro as boites, dessa vida "espantosa" que levara durante dois anos.
Ela ouvia, atenta às referências da conversa que podiam informá-la
quanto à sua riqueza, que teriam podido dar-lhe uma indicação sobre o
montante dos milhões. Ele continuava a contar. A mãe morrera, era filho
único. Só lhe restava o pai detentor do dinheiro.
Mas sabe
como é, vive agarrado ao cachimbo de ópio frente ao rio há dez anos,
gere a sua fortuna da cama. Ela diz que está a ver. Ele recusará o
casamento do filho com a pequena prostituta branca do posto de Sadec.A
imagem começa muito antes de ele ter abordado a menina branca junto da
amurada, no momento em que saiu da limusina preta, quando começou a
aproximar-se dela, e que ela, ela sabia, sabia que ele tinha medo. Desde
o primeiro instante ela sabe qualquer coisa deste género, ou seja, que
ele está à sua mercê. Logo, que outros além dele poderiam ficar também à
sua mercê, se a oportunidade surgisse. Sabe também outra coisa, que
doravante chegou sem dúvida o tempo em que não pode escapar a certas
obrigações que tem para consigo própria. E que a mãe não deve saber nada
disso, nem os irmãos, sabe-o também nesse dia. Desde que entrou no
automóvel preto, soube-o, está à margem daquela família pela primeira
vez e para sempre. A partir daqui não
devem mais saber o que vier a ser dela. Que lha tirem, que lha levem,
que lha magoem, que lha estraguem, já não devem sabê-lo. Nem a mãe nem
os irmãos. A partir daqui cada um seguirá o seu destino. É já caso para
choros na limusina preta.
A criança
agora tem de se haver com este homem, o primeiro, o que surgiu na
barcaça. …”