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DOUTRINA CATÓLICA

D. Eugênio de Araújo Sales 17/11/2000

Pio IX

Parece serenada, pelo menos aparentemente, a onda de ataques à Igreja pela elevação à honra dos altares, em 3 de setembro, do Papa Pio IX. Pareceu-me oportuno fazer alguns comentários aos questionamentos à beatificação desse Santo Padre no mesmo dia que era elevado à mesma honra um dos principais propugnadores dessa causa, o Romano Pontífice João XXIII.

Observo que este último, muito elogiado na oportunidade, inclui-se entre os maiores defensores do reconhecimento das virtudes heróicas de Pio IX. João Paulo II, na ocasião, advertira que o reconhecimento da santidade de vida não se estende ao apoio de eventuais atitudes históricas erradas no campo da administração temporal dos Estados Pontifícios.

Acresce a imensa dificuldade em julgar alguém no passado à luz da realidade presente. O grande estadista elemento inconteste, Churchill, chave da vitória da Segunda Guerra Mundial pelos aliados, na década de 30, considerava Hitler um dos grandes homens da Alemanha. Dramáticas as observações que faz em sua obra “A Segunda Guerra Mundial”. Deixa-nos estarrecidos a “incapacidade” dos Grandes daquela época de perceber a impossibilidade de manter a Alemanha reduzida a um povo celerado. Sobre a maioria humilhada pesava o crime da guerra anterior.

No entanto, parte ponderável da população não se sentia responsável pelo que tinha sido cometido por uma outra geração. Em 1936, quando Hitler começou a afrontar os convênios de Versailles, ratificados em Locarno, habilmente sua propaganda tranqüilizou os governantes da França e Inglaterra. Churchill escreverá mais tarde: “A historiografia futura denominará demência toda aquela nossa maneira de agir”. Simplórios, os ingleses foram orientados por sua imprensa, não menos simplória, para se consolarem “com a política de avestruz”. Na mesma linha aparece a figura de Chamberlain com seu habitual guarda-chuva no braço, descendo do avião em Londres, julgando ter contornado a ira do tirano com a entrega da Tcheco-Eslováquia.

A situação em que vivia Pio IX não era menos complexa e os homens de boa vontade se encontravam igualmente perplexos. A Revolução Francesa tinha deixado uma Europa particularmente desarticulada, em muitos casos artificialmente reorganizada. E, no campo espiritual, o descalabro era maior. Em nome da “Liberdade, Fraternidade, Igualdade”, milhares de sacerdotes foram massacrados. No entanto, hoje paira um grande silêncio. Mas trombeteiam freqüentemente sobre a Inquisição tratando em pé de igualdade a movida pela política dos Estados, que é profundamente diversa da eclesiástica. Ninguém faz referência aos protestos dos Papas e nem explica a presença espúria de religiosos envolvidos com os governos civis. A religião era proscrita em muitos países.

Hoje há quem pergunte por que o Papa não se desfez, em tempo, dos Estados Pontifícios. Entregar a quem, aos inimigos da Fé? Esse drama ele, expressamente angustiado, expunha. A Itália de hoje não existia e os promotores da unidade eram de uma indescritível violência e hostilidade contra a Igreja Católica. Os chamados reinos católicos, na Europa, eram inspirados por uma filosofia anti-cristã. Pensemos em Pombal, recordemos a destruição da Ordem dos Jesuítas, com exceção da Rússia ortodoxa, com Catarina II. Na Áustria até o contato epistolar dos Bispos com o Papa dependia do “placet” do Estado. O Papa, quando começava a reformar a administração civil dos Estados Pontifícios, em 15 de novembro de 1848, na abertura da Câmara dos Deputados, teve seu Primeiro Ministro, Conde Peregrino Rossi, assassinado. Pio IX vivia em uma solidão esmagadora diante da perplexidade dos governantes ou da cumplicidade dos mesmos.

Mesmo não tendo sido feliz no governo político dos Estados Pontifícios, vivendo uma época de inversão de valores e de grande desorientação, com sabedoria governou a Igreja de Cristo e, por isso, foi declarado Bem-aventurado.

Apoiou, vencendo hostilidades, a reorganização dos leigos católicos, deu grande impulso às missões em todos os Continentes, promoveu intenso trabalho vocacional, sacerdotal e religioso. É leviano acusá-lo de centralismo romano, pois, diante da opressão sistemática contra Bispos em diversos países, uma autoridade central da Igreja, forte, era urgente. Pio IX restaurou a Hierarquia Católica na Inglaterra (1850) e na Holanda (1853). Criou em todo o mundo 206 dioceses e prelaturas. De uma profunda piedade, teve grande influência no despertar da devoção popular, fortaleceu os princípios de uma renovação da sociedade contra o relativismo liberal, tendências de um naturalismo na teologia e se mostrou grande defensor da Fé Católica. O Concílio Vaticano I é um reflexo dessa atitude extraordinária do Pontífice.

Pela Constituição “De Fide Catholica” fundamentou o pensamento católico na base da Revelação Divina. Trouxe ao mundo inteiro um reflorescimento da santidade sacerdotal. Diz o historiador Conzemius: “Sem essa disciplina e unificação da Igreja por Pio IX, seria impensável a abertura universal pregada por João XXIII”.

Essas considerações nos confirmam ser difícil avaliar uma pessoa que viveu no passado, segundo uma mentalidade moderna. Sejamos mais justos, não julgando severamente atos como menos acertados quando afastados de seu contexto histórico. E, em conseqüência, a Igreja não seria injustamente acusada pela Beatificação de Pio IX. Uma coisa é absolutamente certa: os detratores, todos, passarão mas permanecerá viva e atuante a obra de Cristo, a Igreja do Senhor Jesus.

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