Doutrina Católica
Doutrina Católica

Fonte: Revista "Pergunte e Responderemos" nº 459

Vós dizeis que a Igreja Católica apostatou, que o paganismo, como um tufão incontrolável, lhe penetrou todos os recantos, e, qual um carrasco impiedoso, não poupou nenhum dos seus membros. A acusação é grave, e exige provas indiscutíveis. E que provas, senhores, me podereis apresentar? Eu vos direi: alegareis o culto da Virgem Maria, o purgatório, a veneração das imagens e outras tantas doutrinas e práticas que o protestantismo, no seu ódio incontido à Igreja Romana, repudiou. Ora, desde quando o repúdio do protestantismo serve como prova de alguma coisa? Direis que a Bíblia se opõe a essas doutrinas e práticas. Mas quem o disse? O protestantismo? Então voltamos para o mesmo lugar, visto que não me serve o repúdio do vosso protestantismo, assim como não vos servem as afirmações do meu Catolicismo. É tudo uma questão de interpretação. Se disserdes, portanto, que tais coisas são contrárias às Escrituras, eu vos responderei que não são, e, se apontardes textos que, na vossa opinião, favorecem o que sustentais, vos direi que o vosso próprio entendimento vos traiu, e indicarei mil outras passagens a contrastar com o que pensais ser a verdade. Por vossa vez, certamente me acusareis de torcer miseravelmente a Palavra de Deus. O que restará, pois? Nada além de afirmações contra afirmações e interpretações contra interpretações. Tudo findará numa contenda inútil, dessas que embrutecem o espírito e ensoberbecem a inteligência, já tão inclinada à vaidade. Não, senhores! Devemos partir de um ponto que nos seja pacífico, de uma premissa que todos admitamos. Somente assim saberemos com quem está a verdade e onde reside o erro. Afirmais a paganização da Igreja, e eu não me incomodo em concedê-lo por um momento. A Igreja Católica apostatou? Seja. Ora, se veio a apostatar, é porque, de fato, não era ainda apóstata. Quem diz apostasia diz a passagem de uma realidade para outra diametralmente oposta. O ato de apostatar exige uma condição prévia inteiramente incompatível com a apostasia. Assim como uma barra de ferro só se poderá esquentar se estiver fria, e um pedaço de madeira só se poderá partir se estiver inteiro, e um homem só poderá morrer se estiver vivo, também a Igreja Católica só poderia apostatar se estivesse em algum momento livre de apostasia; só poderia paganizar-se se não estivesse paganizada ainda. Negareis o óbvio? Não o creio. Muito bem. Mas se um dia a Igreja não foi apóstata, se não era paganizada em algum momento da história, segue-se que foi um dia legítima, autêntica, verdadeira. Se era verdadeira, era, por conseguinte, a Igreja de Jesus Cristo, pois não havia outra. Temos, então, que essa Igreja que chamais apóstata, foi em alguma época a verdadeira Igreja, pura nas suas doutrinas e práticas. Negareis o óbvio? Não o creio. Mas afirmais que ela apostatou. Como? A verdadeira Igreja poderia alguma vez apostatar? É aqui, senhores, que a vossa afirmação desmorona, como um imenso castelo de areia firmado na flacidez do chão molhado da praia. Desde quando a Igreja poderia apostatar? Nunca! Jesus Cristo teria sido um mentiroso, um impostor, e mui justa seria a sentença condenatória exarada por Pôncio Pilatos e a acusação vinda da parte do Sinédrio. Mas isso ninguém jamais cogitou. Justo foi Pilatos? Justo o Sinédrio? Impossível! As promessas neotestamentárias da assistência divina à Igreja, por outro lado, são muitas e claras. Ao dizer a Pedro do estabelecimento da Igreja, o Salvador garantiu que as portas do Inferno não prevaleceriam contra ela (cf. Mt. 16,18). Ora, se a Igreja depois disto apostatou, deixando de ser a verdadeira Igreja, segue-se que as portas do Inferno prevaleceram e Jesus foi um falso profeta. Em outra ocasião, pouco antes de ascender, o Senhor disse aos apóstolos que ficariam com eles "até a consumação dos séculos" (Mt. 28,20). Mas o que seria desta presença sempre continuada, se o paganismo depois invadisse a Igreja e a corrompesse até os seus fundamentos? Sabendo da proximidade da sua ida para junto do Pai, Jesus falou do Espírito Santo: "Eu rogarei ao Pai, e Ele vos dará outro Paráclito, para que fique eternamente convosco" (Jo. 14,16; ainda 14,26; 15,26). Mas onde, senhores, [estaria] a eficácia da atuação deste Paráclito se apostatasse a Igreja? Ah, Galileu! Se a Igreja apostatou, não passaste de um traidor miserável, que nos ludibriou a todos! Prometeste que as portas do Inferno jamais prevaleceriam, mas a Igreja apostatou. Prometeste a tua assistência até o final dos séculos, mas a Igreja apostatou. Prometeste o Espírito da verdade para que ficasse eternamente, mas a Igreja apostatou. Ah! Serei ateu! Passarei para a irreligião! O Jesus em que acreditei mentiu para mim! Oh, judeus! Acolhei-me em vosso meio, abraçai-me em vossas sinagogas! O Messias não chegou! Jesus mentiu! Bendito sejas, Caifás, por teres denunciado um falso Cristo! Barrabás, bendita a tua libertação. Judas! Judas! Por que tiraste a própria vida? Morreste por um farsante! Nero! Nero! A humanidade te será eternamente grata por teres usado da tua força para exterminar os seguidores de um embusteiro que se dizia Redentor.

Não soubesse eu, senhores, que a assistência divina é infalível e que tem, pelos séculos, preservado a Igreja de todas as heresias, e estes brados de revolta soariam os mais justos e louváveis. Mas sei que a Igreja, um dia edificada sobre a Rocha, jamais renegou os ensinamentos que recebeu, porque nela atua Aquele que é a própria Verdade, mesmo que assim não queiram as vossas incontáveis denominações, que, não tendo Deus Cristo por fundador, jazem impotentes ante um turbilhão de contradições doutrinárias.

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Eucaristia: a Hóstia consagrada é ou apenas representa Jesus ?

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Dom Estêvão Bettencourt

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I - Introdução A Eucaristia é "Fonte de toda a vida cristã". A palavra Eucaristia vem do grego Eucharistein que quer dizer "Dar Graças a Deus", c.f. Lc 22,19: "E tomou um pão, deu graças, partiu e distribuiu-o a eles, dizendo: ‘Isto é o meu corpo...". Este texto lembra as bênçãos judaicas que proclamam, sobretudo durante a refeição, as obras de Deus: a Criação, a Redenção e a Santificação. É o sacrifício e Sacramento da nova lei, instituído por Nosso Senhor Jesus Cristo, no qual sob as espécies de "pão e vinho", está presente e vivo, e o fruto é recebido. Enquanto Sacrifício a Eucaristia é chamada "Missa", enquanto Sacramento é chamada "Sagrada Comunhão" ou "Santíssimo Sacramento". A Eucaristia, quer como Sacrifício quer como Sacramento, é o centro de toda a vida e de todo o culto cristão, porque leva o homem a Deus e traz Deus ao homem.

II – Anúncios da Páscoa A Ceia Pascal no Antigo Testamento No Antigo Testamento, a Ceia Pascal era um memorial que pelos gestos e alimentos (Cordeiro Pascal, Pão sem fermento ou pães ázimos e Ervas amargas) lembrava a libertação milagrosa do povo de Israel da escravidão do Egito e sua partida para a Terra Prometida. Em Ex 12,5-6 lê-se: "O cordeiro será macho, sem defeito e de um ano. Vós o escolhereis entre os cordeiros ou entre os cabritos, e o guardareis até o décimo quarto dia desse mês; e toda a assembléia da comunidade de Israel o imolará ao crepúsculo". (c.f. Lv 23, 4-14; Nm 28, 16-25). Comentário : "A Páscoa Judaica preparava assim a Páscoa Cristã: Cristo, Cordeiro de Deus, é imolado (cruz) e comido (ceia) no quadro da Páscoa Judaica (Semana Santa). Ele traz a salvação ao mundo, e a renovação mística deste ato de redenção torna-se o centro da Liturgia Cristã que se organiza tendo por centro a Missa, Sacrifício e Redenção" (c.f. nota ‘q’ - bíblia de Jerusalém, pág. 121).

III - A Eucaristia na Igreja hoje (enquanto Sacrifício) O Sacrifício foi instituído por Cristo para que, segundo suas palavras, fosse perpetuado pelos séculos, até a sua volta (c.f. I Cor 11, 23-26). "Os sacerdotes reapresentam e aplicam no sacrifício da Missa, o Sacrifício de Cristo, que como hóstia imaculada se ofereceu ao Pai." (c.f. Lumen Gentium). É necessário portanto que estejamos puros de alma para que, como visto acima, sirvamos ao Deus Vivo e festejemos a festa da vida eterna. Para finalizar este tópico, atentemos a Eucaristia como celebração. É impressionante que todas as orações se dirijam não a Cristo mas, através dele, ao Pai. Se tivermos que destacar um ponto culminante na Celebração enquanto tal, sem dúvida esse ponto seria na Doxologia: "Por cristo, Com Cristo e em Cristo". E a história humana poderá encerrar-se quando o cristo da páscoa houver reunido em si todos os homens. "Deus será tudo em todos".(c.f. I Cor 15, 28). IV - A Eucaristia na Igreja hoje (enquanto Sacramento) O que a Igreja vive ao nível da sua compreensão do mistério, ela o atualiza em sua vida litúrgica e sacramental, particularmente na Celebração da Eucaristia. Esta celebração está no centro da vida da Igreja, e não é um momento isolado de sua existência, mas é tudo na vida da Igreja e da qual procede toda a força do anúncio evangélico. Vejamos em Jo 3, 16: "Pois deus amou tanto o mundo , que entregou o seu Filho único, para que todo aquele que nele crê não pereça mas tenha a vida eterna". Comentário : a Igreja em nome de toda a humanidade, rende graças ao Pai, por seu incrível amor. Deus respondeu ao egoísmo dos homens com a caridade do dom de seu Filho, e enviou-lhe cheio dos dons do espírito. A Igreja sabe disso e dá graças. Graças ao Concílio Vaticano II. nós nos demos conta, com vigor renovado, desta verdade: assim como a igreja "faz a Eucaristia, a Eucaristia constrói a Igreja". A Igreja foi fundada como comunidade nova do povo de Deus, na comunidade apostólica daqueles doze que durante a "Última Ceia", se tornaram participantes do Corpo e do Sangue do Senhor "sob as espécies do pão e do vinho". Vejamos em 1 Cor 11, 23-26: "Com efeito, eu mesmo recebi do Senhor o que vos transmiti: na noite em que foi entregue, o Senhor Jesus tomou o pão e, depois de dar graças, partiu-o e disse: ‘Isto é o meu Corpo que é para vós; fazei isto em memória de mim’. Do mesmo modo, após a Ceia, também tomou o cálice, dizendo: ‘Este cálice é a Nova Aliança em meu Sangue; todas as vezes que dele beberdes, fazei-o em memória de mim’. Todas as vezes, pois, que comeis deste pão e bebeis desse cálice, anunciais a morte do Senhor até que ele venha." Comentário : Os Doze, cumprindo sua ordem, entram pela primeira vez em comunhão Sacramental com o filho de Deus, que é penhor de vida eterna. E a partir daquele momento, até o fim dos séculos, a Igreja se constrói, mediante a mesma comunhão com o "Filho de Deus " que é penhor da Páscoa Eterna. (c.f. Mt 26, 26-29; Mc 14, 22-24; Lc 22, 19-20). Para finalizar esta quinta parte do nosso estudo, vejamos a principal mensagem que a Igreja passa para os seus fiéis em relação à seriedade deste Sacramento: "Eis porque todo aquele que comer do pão e beber do cálice do Senhor indignamente será réu do corpo e do sangue do Senhor. Por conseguinte, que cada um examine a si mesmo antes de comer desse pão e beber deste cálice, pois aquele que come e bebe sem discernir o corpo, come e bebe a própria condenação". (1 Cor 11, 29). Vejamos também em Jo 6, 53-56: "Então Jesus lhes respondeu: ‘Em verdade, em verdade, vos digo: se não comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem vida eterna. e Eu o ressuscitarei no último dia. Pois a minha carne é verdadeiramente uma comida e o meu sangue é verdadeiramente uma bebida. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em Mim, e Eu nele." Comentário : a intenção da Igreja não é fazer com que os cristãos tenham receio de comungar, mas que cada um compreenda melhor que a comunhão obriga a imitar aquele que morreu perdoando, e a interiorizar plenamente uma conversão Pascal e Batismal. Aquele que recebe o pão aceita tornar-se ele mesmo pão, entendendo assim que deve doar-se aos irmãos como Cristo se doou para nós.

V - Presença real de Jesus na Eucaristia Vimos anteriormente, o quanto Cristo é claro no que se refere a importância de seu corpo e sangue. Para crermos na presença real de Jesus na Eucaristia, vejamos algumas questões importantes: 1 - Os Evangelhos foram escritos na língua Grega, de alta cultura, na qual existem muitas expressões para os verbos simbolizar, significar (=em grego "Semanei"), representar, lembrar, etc. no entanto, os três evangelistas (Mt 26, 26-28; Mc 14, 22-24; Lc 22, 19-20) e São Paulo (1 Cor 11,23-26) no descreverem a última Ceia de Jesus, usam exclusivamente a forma grega "Esti", que somente significa "É ". Desta maneira transmitiram-nos, unanimemente a interpretação autêntica das palavras de Jesus: " Isto é o meu corpo...; este é o cálice do meu sangue...". 2 - Na língua de Jesus, o aramaico, também escreveu-se, isto é o meu corpo e não, isto representa (simboliza, relembra) o meu corpo. 3 - Se não houvesse a presença real de Jesus na Eucaristia, São Paulo não escreveria em 1 Cor 11, 27-29: "Eis porque todo aquele que comer do pão ou beber do cálice do Senhor indignamente será réu do corpo e sangue do Senhor. Por conseguinte, que cada um examine a si mesmo antes de comer desse pão e beber desse cálice, pois aquele que come e bebe sem discernir o corpo, come e bebe a própria condenação". 4 - O evangelista São João em seu evangelho no capítulo 6, versículo 22 ao 71, nos fala do discurso de Jesus aos judeus e aos seus discípulos ( que eram centenas deles) na Sinagoga de Cafarnaum. Nesta Sinagoga Jesus diz com palavras claras e compreensíveis a todos: "Eu sou o Pão da vida", "Eu desci do céu", "Quem comer deste pão viverá eternamente", "O Pão que eu darei é a minha carne para a vida do mundo; se não comerdes a carne do filho do homem e não beberdes o seu sangue , não tereis a vida em vós . Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna ". Os judeus e os seus discípulos entenderam, perfeitamente , que Jesus dissera comer a sua carne e beber o seu sangue, como diz o versículo 52: "os Judeus discutiam entre si dizendo: ’Como esse homem pode dar -nos a sua carne a comer ? ‘. Ora se Jesus tivesse falado algo que tivesse sido interpretado erroneamente, ele esclareceria o verdadeiro sentido das suas palavras, pois ele é o caminho , a verdade e a vida . Mas não esclareceu. Diz o versículo 60: "Muitos de seus discípulos, ouvindo-o disseram: ‘Essa palavra é dura ! quem pode escutá -la ? ‘ ; e Jesus fala no versículo 61: "... Isto vos escandaliza ?". Porém como nos narra no versículo 66: "A partir daí , muitos dos seus discípulos voltaram atrás e não andavam mais com ele ". Parece até que os versículos 64 e 65 foram escritos para aqueles que negam a presença real de Jesus na Eucaristia, quando Jesus disse: "Alguns de vós , porém não crêem " . Jesus sabia , com efeito , desde o princípio , quais os que não criam e dizia : "Por isso vos afirmei que ninguém pode vir a Mim , se isso não lhe for concedido pelo Pai ". Importante : A clareza e a insistência destas palavras, exigem que sejam entendidas em seu pleno realismo. No versículo 52 é usado o verbo grego "Phagein" (comer), já no versículo 54 ["Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia"], o verbo usado é "Trogo" (dilacerar, mastigar). Assim compreendemos que Jesus não desfaz nenhum mal entendido, porque simplesmente não há mal entendido! A respeito desta questão, o humorista , crítico irônico, Erasmo de Rotterdam, que escrevia sobre as reformas Eucarísticas de Lutero e Zwínglio (fundadores do Protestantismo) disse em torno de 1529 o seguinte texto: "Jamais me pude persuadir de que Jesus, a verdade e a bondade mesmas, tenha permitido que por tantos séculos a sua Esposa, a Igreja, tenha prestado adoração a um pedaço de pão em lugar de adorar a Jesus mesmo.". Há alguns casos de milagres Eucarísticos que parecem ter por finalidade pôr em evidência o realismo e a eficácia da presença de Cristo sob os sinais do pão e do vinho, é o que chamamos de milagre da Transubstanciação – muda-se a matéria sem mudar os acidentes. Podemos citar 130 milagres, dentre os quais os dois mais famosos são os de Lanciano e Turim. VI – Os Milagres Eucarísticos Uma antiga tradição, que vai desde a origem do Cristianismo até os nossos dias, atesta a existência de milagres Eucarísticos. De modo geral, revelam a presença de Cristo no Sacramento e manifestam a natureza e os efeitos da mesma. Há tempos, foi traçado um "Mapa Eucarístico", que registra o local e a data de mais de 130 milagres, metade dos quais ocorridos na Itália. Escolhemos dentre estes dois milagres verificados entre 700 e 1700. Selecionamo-los dentre os mais bem documentados e os mais eloqüentes, visto que não há para todos, como se compreende, um abono de provas históricas e científicas igualmente rigoroso e persuasivo.

I– em Turim - em 1453, houve a queda do Império Romano do Oriente. Renato (Duque de Anjou e de Lorena – Itália) foi vencido em batalha muito sangrenta após a qual os Piemonteses saquearam todas as residências da cidade; ao chegarem a Igreja, forçaram o Tabernáculo. Tiraram o ostensório de prata, no qual se guardava o corpo de cristo ocultando-no dentro de uma carruagem juntamente com os outros objetos roubados, e dirigiram-se para Turim. Crônicas antigas relatam que, na altura da Igreja de São Silvestre, o cavalo parou bruscamente a carruagem – o que ocasionou a queda, por terra, do ostensório – dizem que então o ostensório se levantou nos ares "com grande esplendor e com raios que pareciam os do sol". Os espectadores chamaram o Bispo da cidade, Ludovico Romagnano, que foi prontamente ao local do prodígio. Quando chegou, "O ostensório caiu por terra, ficando o corpo de Cristo nos ares a emitir raios refulgentes". O Bispo, diante dos fatos, pediu que lhe levassem um cálice. Dentro do cálice, desceu a hóstia, que foi levada para a catedral com grande solenidade. Era o dia 9 de junho de 1453. Existem testemunhos contemporâneos do acontecimento (Atti Capitolari de 1454 a 1456). No século seguinte, a Câmara Municipal mandou construir uma Capela ou Oratório sobre o lugar do milagre.

O oratório foi destruído para ceder à construção da Igreja de "Corpus Domini" (1609), que até hoje atesta o prodígio. II – Em Lanciano – Estamos em data não claramente definida do séc. VIII. Um monge da ordem de São Basílio estava celebrando na Igreja dos santos Degonciano e Domiciano. Terminada a Consagração, que ele realizara provavelmente em estado de dúvidas interiores, senão de incredulidade, a hóstia transformou-se em carne e o vinho em sangue depositado dentro do cálice. Ao ver isto, o monge, perturbado e atônito, procurou ocultar o fato; mas depois, reagindo à emoção, manifestou-o aos fiéis, que, feitos testemunhas do milagre, espalharam a notícia pela cidade. – O exame das relíquias, segundo critérios rigorosamente científicos, ocorrido pela última vez em 1970 , levou aos seguintes resultados muito significativos: A) A hóstia, que a tradição diz ter-se transformado em carne, é realmente constituída por fibras musculares estriadas, pertencentes ao miocárdio. Acrescente-se que a massa sutil de carne humana que foi retirada dos bordos, deixando amplo vazio no centro é totalmente homogênea. Com outras palavras: não apresenta lesões , como os apresentaria se se tratasse de um pedaço de carne cortada com uma lâmina. B) Quanto ao sangue, trata-se de genuíno sangue humano. Mais: o grupo sangüíneo ‘A’ que pertencem os vestígios de sangue, o sangue contido na carne e o sangue do cálice revelam tratar-se sempre do mesmo sangue grupo ‘AB’ (sangue comum aos Judeus). Este é também o grupo que o professor Pierluigi Baima Bollone, da universidade de Turim, identificou na Sagrada Mortalha (Santo Sudário). C) Apesar da sua antigüidade, a carne e o sangue se apresentam com uma estrutura de base intacta e sem sinais de alterações substanciais; este fenômeno se dá sem que tenham sido utilizadas substâncias ou outros fatores aptos a conservar a matéria humana, mas, ao contrário, apesar da ação dos mais variados agentes físicos, atmosféricos, ambientais e biológicos. A linguagem das relíquias de Lanciano é clara e fascinante: verdadeira carne e verdadeiro sangue humano, na sua inalterada composição que desafia os tempos; trata-se mesmo da carne do coração, daquele coração do qual, conforme a fé, jorrou o sangue que dá a vida.

VII – Conclusão A Eucaristia é a maneira que Jesus escolheu para permanecer conosco e nos alimentar de sua própria vida. Deus quer que todos os homens tenham alimento para o sustento do corpo e busquem a Eucaristia para alimento espiritual. Alimento este para reforçar a vida daquele que participa deste banquete, a fim de poder realizar em nós, aqui na terra, as boas obras e um testemunho vivo da presença de nosso Senhor Jesus Cristo na Santa Eucaristia.

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BATISMO DE CRIANÇAS

Autor: d. Estevão Bettencourt

Fonte: Livro "Católicos Perguntam"

Muitos desejariam adiar o Batismo para a idade madura dos candidatos, pois dos que são batizados na infância, muitos não assumem as obrigações decorrentes do sacramento. Em 1980, então, a Igreja publicou uma Instrução sobre o Batismo das Crianças. Vejamos seu conteúdo. A Bíblia não se refere explicitamente ao Batismo de crianças, mas narra que vários personagens se fizeram batizar "com toda sua casa". A expressão "casa" designava o pai de família com todos os seus, inclusive as crianças. No século II, aparecem os primeiros testemunhos diretos do Batismo de crianças, nenhum deles o apresenta como inovação. Santo Ireneu de Lião (+ 202) considera óbvia, entre os batizados, a presença de "crianças e pequeninos" ao lado dos jovens e adultos (Contra as Heresias II-24,4). São Cipriano de Cartago (+ 258) dispôs que se podiam batizar as crianças "já a partir do segundo ou terceiro dia após o nascimento" (Epístola 64). Esta prática foi reafirmada nos concílios de Cartago (418) e de Trento (1547). O Catecismo da Igreja, parágrafo 1250, afirma que "a gratuidade pura da graça da salvação é particularmente manifesta no Batismo das crianças." A razão teológica da prática do Batismo de crianças é a seguinte: o sacramento não é mera matrícula nurna associação, mas é um renascer, um receber a vida nova dos filhos de Deus, que tem pleno sentido mesmo que a criança ignore o que lhe acontece; esse renascer para a vida eterna é que dá pleno sentido ao primeiro nascimento (a partir dos pais), pois torna a criança herdeira do Sumo Bem. O fato de que as crianças ainda não podem professar a fé pessoalmente não é obstáculo, pois a Igreja batiza os pequeninos na fé da própria Igreja, isto é, professando a fé em nome dos pequeninos. Esta doutrina se acha expressa no Ritual do Batismo, quando o celebrante pede aos pais e padrinhos que professem "a fé da Igreja, na qual as crianças são batizadas". A Igreja só não batiza as crianças, quando os pais não o querem ou quando não há garantia alguma de que o batizado será educado na fé católica. Mesmo quando os pais não vivem como bons católìcos, a Igreja julga que a criança tem o direito de ser batizada, desde que os próprios pais ou padrinhos ou a comunidade paroquial lhe ministrem a instrução religiosa. Assim, os pais católicos que não vivem o matrimônio sacramental tem o dever de mandar batizar os filhos e providenciar a sua educação religiosa. É comum levantar-se a seguinte questão: o Batismo das crianças constitui um atentado à liberdade das mesmas; impõe-lhes obrigações religiosas que talvez não queiram aceitar em idade juvenil. Respondemos: No plano natural, os pais fazem, em lugar de seus filhos, opções ìndispensáveis ao futuro destes: o regime de alimentação, a higiene, a educação, a escola... Os pais que se omitissem a tal propósito sob o pretexto de salvaguardar a liberdade da criança, prejudicariam seriamente a prole. Ora, a regeneração batismal vem a ser o bem por excelência que os pais católicos devem proporcionar aos filhos. Mesmo que a criança, chegando a adolescência, rejeite os deveres do Batismo, o mal é então menor do que a omissão do sacramento. Com efeito, o fato de alguém rejeitar a boa educação que recebeu, é dano menos grave do que a omissão de educação por parte dos pais. Além do mais, os gérmens da fé depositados na alma da criança poderão um dia reviver. Caso não seja possível batizar, a Igreja confia a criança falecida ao amor de Deus, que é Pai e fonte de misericórdia. A doutrina do limbo não constitui artigo de fé, de modo que se pode crer que Deus tem recursos invisíveis para salvar todas as crianças, mesmo as que morrem sem Batismo. Isto, porém, não exime os pais do grave dever de levar, quanto antes, os seus filhos à pia batismal, pois, se os sacramentos não obrigam a Deus, obrigam a nós, criaturas. Em síntese: A Igreja sempre foi contrária ao aborto, ou seja, ao morticínio de uma criança contida no seio materno. Já no século I se encontra um testemunho deste repúdio na Didaqué. Os Concílios regionais, desde o de Elvira (início do século IV), foram impondo penas severas aos réus de aborto. O Direito Canônico hoje vigente, fazendo eco às diretrizes do passado, prevê a excomunhão latae sententiae para quem provoque o aborto (seguindo-se o efeito). Todavia até época recente os cientistas hesitaram sobre o momento em que tem início a vida humana: seria imediatamente após a concepção ou após a fecundação do óvulo? Ou haveria, conforme pensava Aristóteles, um intervalo (de 40 ou 80 dias) entre a concepção e a animação do feto? A hesitação da ciência, bem compreensível, dada a falta de meios de pesquisa, fez que vários teólogos católicos julgassem com menos severidade a eliminação do feto antes do 40.º dia (no caso dos indivíduos masculinos) ou antes do 80.º dia (no caso dos indivíduos femininos). Note-se bem: sempre foi condenada a ocisão de uma criança; a hesitação versava apenas sobre a questão de saber se já existe verdadeiro ser humano desde o momento da concepção.

Nos recentes debates públicos sobre o aborto tem sido considerada a posição da Igreja em termos que deixam interrogações na mente da sociedade brasileira. Entre outras coisas, diz-se que a Igreja não tem autoridade para impugnar o aborto, pois que ela o permitiu desde o século IV até o século XIX. A afirmação é realmente surpreendente e exige esclarecimentos e retificações. Encararemos, a seguir, o assunto, tratando primeiramente dos pronunciamentos oficiais da Igreja sobre o aborto através dos séculos; após o quê voltar-nos-emos para a questão do início da vida humana, que deixou dúvidas em escritores de todos os séculos até época recente. 1. Os Pronunciamentos da Igreja Desde o século I manifesta-se na Igreja a consciência de que o aborto é pecaminoso. Assim, por exemplo, reza a Didaqué , o primeiro Catecismo cristão, datado de 90-100: "Não matarás, não cometerás adultério... Não matarás criança por aborto nem criança já nascida" (2,2). "O caminho da morte é... dos assassinos de crianças" (5,2). Na segunda metade do século III; o autor da Epístola a Diogneto observava: "Os cristãos casam-se como todos os homens; como todos, procriam, mas não rejeitam os filhos" (V,6). O autor da Epístola atribuída a S. Barnabé no século II e depois Tertuliano († 220 aproximadamente), S. Gregório de Nissa († após 394), São Basílio Magno († 379) fizeram eco aos escritores precedentes. A legislação da Igreja oficializou esse modo de pensar, estipulando sanções para o crime do aborto. Assim o Concílio de Ancira (hoje Ancara) na Ásia Menor em 314, cânon 20, menciona uma norma que os conciliares diziam ser antiga e segundo a qual as mulheres culpadas de aborto ficam excluídas das assembléias da Igreja até a morte; o Concílio atenuou o rigor dessa penalidade, reduzindo-a para dez anos: "As mulheres que fornicam e depois matam os seus filhos ou que procedem de tal modo que eliminem o fruto de seu útero, segundo uma lei antiga são afastadas da Igreja até o fim da sua vida. Todavia num trato mais humano determinamos que lhes sejam impostos dez anos de penitência segundo as etapas habituais" (Hardouin, Acta Conciliorum; Paris 1715, t. I, col. 279)1 Outros Concílios repetiram a condenação do aborto: o de Elvira (Espanha) em 313 aproximadamente, cânon 63; o de Lerida, em 524, cânon 2; o de Trullos ou Constantinopla, em 629, cânon 91; o de Worms em 869 cânon 35...

Em 29/10/1588, o Papa Sixto V publicou a Bula Effraenatam: referindo-se aos Concílios antigos, especialmente aos de Lerida e Constantinopla, condenou peremptoriamente qualquer tipo de aborto e impôs severas penas a quem o cometesse, penas que só poderiam ser absolvidas pela Santa Sé. Além disto, a Bula não distingue entre feto não animado e feto animado por alma intelectiva, distinção esta de que falaremos às p. 454-456 deste artigo e que na época parecia muito importante. Tal Bula era rigorosa demais para poder ser observada, principalmente pelo fato de reservar à Santa Sé a absolvição das penas infligidas aos réus de aborto. Por isto foi substituída poucos anos depois pela Bula Sedes Apostolica de Gregório XIV, datada de 31/05/1591; este documento distingue entre feto animado e feto não animado por alma humana: o aborto de feto animado ou verdadeiramente humano seria punido com a excomunhão para os culpados, mas sem reserva da absolvição à Santa Sé; quanto ao aborto de feto não animado ou não humano, ficaria a questão como estava antes da Bula de Sixto V (seria passivo de sanção menos severa do que o aborto de feto animado). Como se vê, a questão da animação mediata ou imediata era ardente na época. Diante das posições extremadas que alguns autores professavam, o Papa Inocêncio XI condenou em 02/03/1679, como escandalosas e na prática perniciosas, as seguintes sentenças: "34. É lícito efetuar o aborto antes da animação para impedir que uma jovem grávida seja morta ou desonrada. 35. Parece provável que todo feto carece de alma racional enquanto está no seio materno; só é dotado de tal alma quando é dado à luz. Em conseqüência, deve-se dizer que nenhum aborto implica homicídio" (Denzinger-Schönmetzer, Enquirídio de Símbolos e Definições n. 2134s.). Como se vê, o Papa não quis abonar a tese do aborto sob pretexto de que não afeta um ser humano propriamente dito. Embora não se soubesse com certeza no século XVII quando começa a vida humana, Inocêncio XI não se prevaleceu desta incerteza para legitimar a eliminação do feto contido no seio materno. No século XIX o Papa Pio IX renovou a condenação do aborto, sem distinguir animação mediata ou imediata: "Declaramos estar sujeitos a excomunhão latae sententiae (anexa diretamente ao crime) reservada aos Bispos ou Ordinários, os que praticam aborto com a eliminação do concepto" (Bula Apostolicae Sedis de 12/10/1869). Esta sentença categórica persistiu na Igreja até o Código de Direito Canônico atual, que prevê a excomunhão para o delito: "Cânon 1398. Quem provoca o aborto, seguindo-se o efeito, incorre em excomunhão latae sententiae". Vê-se, pois, que a Igreja desde os seus primórdios se manifestou contrária ao morticínio de uma criança contida no seio materno. Existia, porém, para os teólogos a grave questão de saber quando começa a vida humana; a falta de conhecimentos genéticos adequados levava alguns a crer que, em determinadas circunstâncias, não havia verdadeira vida humana no seio materno. É o que passamos a examinar mais detidamente. 2. Animação mediata ou imediata? Os seres vivos são compostos de um corpo organizado e um princípio vital (chamado anima, em latim). Animação, portanto, é o ato de se unirem o princípio vital (anima) e o corpo organizado. No homem, animação ocorre quando a alma (anima) é criada por Deus e infundida nos elementos materiais orgânicos, aptos a exercerem as funções da vida humana (que é vegetativa, sensitiva e intelectiva). Pergunta-se, pois, quando se dá a animação: logo por ocasião da fecundação do óvulo pelo espermatozóide? Tem-se então a animação imediata... Ou a certo intervalo após a fecundação? Tem-se assim a animação mediata. Vejamos como os pensadores responderam à questão. Na antigüidade pré-cristã somente o filósofo grego Aristóteles († 322 a.C.) tratou do assunto. O seu raciocínio não é claro, mas parece defender a animação mediata: o embrião humano teria primeiramente um princípio vital meramente vegetativo; depois seria animado por um princípio vital vegetativo e sensitivo, e só posteriormente por um princípio (anima) vegetativo, sensitivo e intelectivo ou por uma alma humana propriamente dita. Passemos agora aos pensadores cristãos, distinguindo gregos e latinos.

2.1. Os escritores gregos

A maioria destes era partidária da animação imediata. Foi principalmente S. Gregório de Nissa († após 394) quem marcou a tradição grega. Rejeitava a teoria da preexistência seja da alma, seja do corpo, e afirmava a origem simultânea de um e de outro elemento; desde o primeiro instante da existência do embrião, a alma encontra-se nele com todas as suas potencialidades, que se vão manifestando à medida que o corpo se desenvolve. São Basílio Magno († 379), irmão de S. Gregório de Nissa, adotou o pensamento deste. Por isto considerava assassinos os que provocam o aborto de um feto. São Máximo Confessor († 662) abraçou a mesma tese, fundamentando-se do seguinte modo: se o corpo existe antes de ter uma alma, é um corpo morto, pois todo vivente possui uma alma. Se preexiste à alma racional, tendo uma alma meramente vegetativa ou sensitiva, segue-se que o ser humano gera uma planta ou um animal irracional — o que é impossível, pois toda planta provém de outra planta e todo animal irracional nasce de outro animal irracional, e não do homem. Entre os defensores da animação mediata, está Teodoreto de Ciro († 466 aproximadamente). Apela para o livro do Gênesis, onde lhe parece que Moisés propõe a formação do corpo humano primeiramente e só depois a infusão da alma humana (cf. Gn 2,7 ). É certo, porém, que entre os gregos prevaleceu a tese da animação imediata. 2.2 Os escritores latinos Entre estes destaca-se Tertuliano († 220 aproximadamente). Era favorável à animação imediata, argumentando, porém, a partir de um princípio que lhe valeu a réplica dos pósteros. Com efeito; Tertuliano defendia a animação imediata, julgando que as almas dos genitores desprendiam de si uma semente (tradux) da qual se originaria a alma da prole; por conseguinte, juntamente com os óvulos e os espermatozóides, os genitores transmitiram sementes de alma humana. Esta doutrina, chamada traducianismo, não preservava devidamente a espiritualidade da alma, mas reduzia a psyché humana à materialidade. Por isto os escritores latinos, desejosos de ressaltar a espiritualidade da alma, puseram-se a combater o traducianismo e, com este, a doutrina da animação imediata. Afirmavam: a concepção é obra dos genitores, mas a animação é obra direta de Deus, que cria e infunde a alma humana. Para bem distinguir uma da outra, distanciaram-nas também cronologicamente: a animação se daria tempos após a concepção da criança. O autor do livro "De spiritu et anima", falsamente atribuído a S. Agostinho († 430), afirmava que o corpo vive a vida vegetativa e cresce no seio materno antes de receber a alma intelectiva ou humana. Outro autor anônimo, que foi confundido com S. Agostinho, comparava a formação de cada ser humano à formação de Adão: Deus só daria a alma intelectiva ao corpo humano depois que este estivesse formado, como aconteceu no caso de Adão (Quaestiones ex Vetere Testamento c. XXIII). Cassiodoro († 580) raciocinava do mesmo modo e acrescentava o testemunho dos médicos que estabeleciam a animação do corpo humano no quadragésimo dias após a concepção (De anima c. VIII). Cassiodoro, porém, observava que, em assuntos tão obscuros, seria melhor confessar a própria ignorância do que falar com temeridade arriscada. Na Alta Idade Média a sentença da animação mediata foi reforçada pela difusão das obras de Aristóteles a partir do século XIII. S. Tomás de Aquino († 1274) a adotou com outros pensadores da época, estipulando a infusão da alma humana ou racional no 40.º dia para os indivíduos masculinos e no 80.º dia para os indivíduos femininos. Houve também aqueles que, seguindo uma insinuação do médico grego Hipócrates, estabeleciam o 30.º dia para o sexo masculino e o 40.º para o sexo feminino. A partir do século XIII, algumas vozes, principalmente dentre os médicos, começaram a se fazer ouvir contra a hipótese dos pensadores medievais, de modo que aos poucos foi predominando a sentença da animação imediata. A Genética contemporânea, com seus apurados estudos, só contribui para confirmar definitivamente esta noção científica. Ver o testemunho do Dr. Jérôme Lejeune em PR 305/1987, p.457-461. Os defensores da animação mediata apelaram para três textos bíblicos, cujo alcance nos compete agora considerar.

3. Três textos bíblicos Vêm ao caso Êx 21,22s. ; Lv 12,2-5 e Jó 10,9-12 . 3.1 O texto de Êx 21,22s. Segundo a tradução grega dos LXX, este texto supõe que um homem imprudente dê um golpe numa mulher grávida e provoque o aborto. Se a mulher morre ou se o fruto de seu ventre estava formado, a punição para o delinqüente será a morte ("morte por morte"). Se porém, a mulher não morre e seu fruto não estava formado, o réu pagará apenas uma multa. Este texto parece supor que existe feto formado, plenamente humano, e feto não formado, não plenamente humano. S. Agostinho e outros autores latinos (que usavam a Bíblia traduzida do grego para o latim) e gregos se apoiaram em tais versículos bíblicos para propugnar a animação mediata; cf. S. Agostinho, In Heptateuchum, II c. LXXX. Em resposta, deve-se observar que a tradução grega citada não corresponde ao texto original hebraico, nem às versões latina (da Vulgata), samaritana, síria, árabe. Eis o mais verossímil teor do texto segundo o original hebraico: "Se homens brigarem e ferirem mulher grávida, e forem causa de aborto sem maior dano, o culpado será obrigado a indenizar o que lhe exigir o marido da mulher, e pagará o que os árbitros determinarem. Mas, se houver dano grave, então dará vida por vida". Esta lei quer dizer o seguinte: se o delinqüente provocar expulsão do feto, mas sem morte nem da mãe nem da criança, a punição será uma multa. Se, porém, houver morte ou da mãe ou da criança, o réu será condenado à morte. Como se vê, não há aí distinção entre feto formado e feto não formado. O próprio texto dos LXX, ao falar de "feto formado" e "feto não formado", não tem necessariamente em vista os períodos de pré-animação e de animação; pode apenas referir-se à fase em que o embrião ainda é quase indiferenciado e àquela em que já pode ser identificado como ser humano. Como quer que seja, só pode ser utilizado, no caso, o texto hebraico como instrumento de argumentação, e não o texto grego. 3.2. Os dizeres de Lv 12,2-5 A Lei de Moisés prescreve quarenta dias de purificação às mulheres que tenham dado à luz um menino, e oitenta dias no caso de terem gerado uma menina. — Ora esta lei nada tem que ver com períodos de formação do feto no seio materno; mas foi por numerosos autores antigos considerada como símbolo de fases de animação. Esta consideração, porém, nada prova, pois um símbolo não é demonstração nem prova. 3.3. As palavras de Jó 10,9-12 Eis os dizeres de Jó: "Lembra-te de que me fizeste de barro, e agora me farás voltar ao pó? Não me derramaste como leite e me coalhaste como queijo? De pele e carne me revestiste, de ossos e de nervos me teceste. Deste a vida e o amor, a tua solicitude me guardou". Neste texto o autor sagrado menciona primeiramente a formação do corpo (pele, carne, ossos, nervos) e, depois, a entrega da vida como dom da misericórdia divina. Por conseguinte, a alma humana teria origem posterior ao corpo. Esta conclusão parece corroborada pelo paralelismo que o texto tece entre a formação do corpo de Jó e a do corpo de Adão, ambas partindo do barro, que só depois de plasmado recebeu a alma humana. Em resposta, notamos que o autor sagrado quer apenas referir a ordem que vai do menos importante (corpo) ao mais importante (princípio vital); não há aí sucessão cronológica de fases de formação do ser humano. De resto, sabemos que o autor sagrado não tencionava oferecer uma descrição científica dos fenômenos que ocorrem na origem de uma criatura, de modo que é despropositado querer deduzir de tais dizeres uma sentença de Genética ou de Embriologia. Adão e Jacó são comparados entre si não sob o aspecto geneticista ou biológico, mas, sim, na medida em que ambos são objeto da Providência Divina. 4. Conclusão Como se deduz das declarações dos Concílios e dos Papas atrás citados, a Igreja sempre foi contrária à ocisão de uma criança no seio materno. Acontece, porém, que não sabendo quando o feto se torna criança (ser humano) propriamente dita, os doutores antigos distinguiam a eliminação do feto antes do 40.º ou 80.º dia e o aborto propriamente dito. Não chegaram a legitimar ou aprovar aquela, mas julgaram que não podia ser considerada com tanto rigor como o aborto propriamente dito; veja-se a intervenção de Gregório XIV em 1591. Na verdade, a extração de um elemento não humano não pode ser tida como aborto. Os antigos estavam, pois, condicionados pelo seu insuficiente conhecimento de Genética, mas por certo não toleravam o morticínio de uma criança, por mais incômoda que parecesse aos pais. Hoje em dia tal condicionamento desapareceu, de modo que se pode com mais nitidez e firmeza repudiar o aborto desde a concepção no seio materno, qualquer que seja a fase de evolução do feto.

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A propósito ver: BEUGNET, A., Avortement, em Dictionnaire de Théologie Catholique II/2, cols. 2644-2652. CHOLLET, A., Animation, em Dictionnaire de Théologie Catholique I/2, cols. 1306-1320. CONFERÊNCIAS EPISCOPAIS, A Igreja e o Aborto. Ed. Paulinas, 1972. HÄRING, B., Ética Médica. Roma 1973. __________, Medicina e Manipulação. Ed. Paulinas 1977. VARGA, ANDREW, Problemas de Bioética. Unisinos, São Leopoldo 1982. VIDAL, MARCIANO, Ética de Atitudes, vol. 2º, Ed. Santuário, Aparecida 1979.

1. "De mulieribus quae fornicantur et partus suos necant, vel quae agunt secum ut utero conceptos excutiant, antiqua quidem definitio usque ad exitum vitae eas ab Ecclesia removet. Humanius autem nunc definimus ut eis decem annorum tempus secundum praefixos gradus paenitentiae largiamur." Revista "Pergunte e Responderemos", nº. 429. "Quem são todas as mulheres, servos, senhores, príncipes, reis, monarcas da Terra comparados com a Virgem Maria que, nascida de descendência real (descendente do rei Davi) é, além disso, Mãe de Deus, a mulher mais sublime da Terra? Ela é, na cristandade inteira, o mais nobre tesouro depois de Cristo, a quem nunca poderemos exaltar bastante (nunca poderemos exaltar o suficiente), a mais nobre imperatriz e rainha, exaltada e bendita acima de toda a nobreza, com sabedoria e santidade." (Martinho Lutero, "Comentário do Magnificat", cf. escritora evangélica M. Basilea Schlink, revista "Jesus vive e é o Senhor").

"Por justiça teria sido necessário encomendar-lhe [para Maria] um carro de ouro e conduzi-la com quatro mil cavalos, tocando a trombeta diante da carruagem, anunciando: 'Aqui viaja a mulher bendita entre todas as mulheres, a soberana de todo o gênero humano'. Mas tudo isso foi silenciado; a pobre jovenzinha segue a pé, por um caminho tão longo e, apesar disso, é de fato a Mãe de Deus. Por isso não nos deveríamos admirar, se todos os montes tivessem pulado e dançado de alegria." (idem, cf. escritora evangélica M. Basilea Schlink, revista "Pergunte e Responderemos" nº. 429). "Ser Mãe de Deus é uma prerrogativa tão alta, coisa tão imensa, que supera todo e qualquer intelecto. Daí lhe advém toda a honra e a alegria e isso faz com que ela seja uma única pessoa em todo o mundo, superior a quantas existiam e que não tem igual na excelência de ter com o Pai Celeste um filhinho comum. Nestas palavras, portanto, está contida toda a honra de Maria. Ninguém poderia pregar em seu louvor coisas mais magníficas, mesmo que possuísse tantas línguas quantas são na terra as flores e folhas nos campos, nos céus as estrelas e no mar os grãos de areia." (idem, cf. escritora evangélica M. Basilea Schlink, revista "Jesus vive e é o Senhor") "Peçamos a Deus que nos faça compreender bem as palavras do Magnificat... Oxalá Cristo nos conceda esta graça por intercessão de sua Santa Mãe! Amém. (Martinho Lutero, "Comentário do Magnificat"). "O Filho de Deus fez-se homem, de modo a ser concebido do Espírito Santo sem o auxílio de varão e a nascer de Maria pura, santa e sempre virgem. (Martinho Lutero, "Artigos da Doutrina Cristã") "Maria é digna de suprema honra na maior medida." ("Apologia da Confissão de Fé de Augsburg", art. IX). "Um só Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, nascido da Virgem Maria." (idem)

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"Não podemos reconhecer as bênçãos que nos trouxe Jesus, sem reconhecer ao mesmo tempo quão imensamente Deus honrou e enriqueceu Maria, ao escolhê-la para Mãe de Deus." (João Calvino, Comm. Sur l’Harm. Evang.,20) "Firmemente creio, segundo as palavras do Evangelho, que Maria, como virgem pura, nos gerou o Filho de Deus e que, tanto no parto quanto após o parto, permaneceu virgem pura e íntegra." (Zwinglio, em "Corpus Reformatorum") "Creio que [Jesus] foi feito homem, unindo a natureza humana à divina em uma só pessoa; sendo concebido pela obra singular do Espírito Santo, nascido da abençoada Virgem Maria que, tanto antes como depois de dá-lo à luz, continuou virgem pura e imaculada." (John Wesley, fundadador da Igreja Metodista, em carta dirigida a um católico em 18.07.1749) "Ao ler estas palavras de Martinho Lutero [em "Comentário do Magnificat"], que até o fim de sua vida honrava a mãe de Jesus, que santificava as festas de Maria e diariamente cantava o Magnificat, se percebe quão longe nós geralmente nos distanciamos da correta atitude para com ela, como Martinho Lutero nos ensina, baseando-se na Sagrada Escritura. Quão profundamente todos nós, evangélicos, deixamo-nos envolver por uma mentalidade racionalista, apesar de que em nossos escritos confessionais se lêem sentenças como esta: 'Maria é digna de ser honrada e exaltada no mais alto grau'. O racionalismo ignorou por completo o mistério da santidade. O que é santo, é bem diferente do resto; diante do que é santo, só nos podemos quedar em admiração, adorar e prostrar-nos no pó. O que é santo, não é possível compreendê-lo. Diante da exortação, de Martinho Lutero, de que Maria nunca pode ser suficientemente honrada na cristandade, como a mulher suprema, como a jóia mais preciosa depois de Cristo, e sou obrigada a me confessar adepta daqueles que durante muitos anos de sua vida não seguiram esta admoestação de exaltá-la e assim também não cumpriram a exortação da Sagrada Escritura segundo a qual as gerações considerariam Maria bem-aventurada (Lucas 1,48). Eu não entrei na fila destas gerações. É verdade que também li na Sagrada Escritura como Isabel, mulher agraciada por Deus, falando pelo Espírito Santo e denominando Maria 'a mãe do meu Senhor', lhe prestou a maior homenagem, ao lhe dizer como prima mais idosa: 'Donde me vem a honra de tu entrares em minha casa?!' Eu, de fato, poderia ter aprendido o procedimento correto com Isabel. Mas eu não prestei homenagem a Maria com pensamento algum, com nenhum sentimento do coração, com palavra alguma, nem com algum canto. E muito menos eu a louvava sem fim, deixando de seguir a orientação de Lutero, quando escreve que jamais chegaríamos a exaltá-la o suficiente. Minha intenção, ao escrever este opúsculo sobre o caminho de Maria, segundo o que diz dela a Sagrada Escritura, foi conscientemente reparar esta omissão pela qual me tornei culpada para com o testemunho da Palavra de Deus. Nas últimas décadas o Senhor me concedeu a graça de aprender a amar e honrar cada vez mais a Maria, a mãe de Jesus. E isto, à medida que, pela Sagrada Escritura, me ia aprofundando no conhecimento de sua vida e dos seus cainhos. Minha sincera intenção, ao escrever este livro, é fazer o que posso para ajudar, a fim de que entre nós, os evangélicos, a mãe de nosso Senhor seja novamente amada e honrada, como lhe compete, segundo as palavras da Sagrada Escritura e conforme nos recomendou Martinho Lutero, nosso reformador. Com gratidão gostaria de confessar aqui quanto o testemunho de sua obediência, de sua entrega total de disponibilidade para andar todos os seus penosos caminhos, me foram uma bênção. Pois ela viveu e andou o caminho da humilhação, numa atitude que - no dizer de Lutero, quando escreve a introdução ao Magnificat - nos pode servir de exemplo: 'A delicada mãe de Cristo sabe ensinar melhor do que ninguém - pelo exemplo de sua prática - como devemos conhecer, louvar e amar a Deus...' Quanto amor nós, os evangélicos, dedicamos aos apóstolos Paulo e Pedro! Muitas vezes até encontramo-nos num relacionamento individual e espiritual com eles. Nós os honramos e lhe agradecemos por terem andado este caminho de discípulos de Cristo. Agradecemos ao apóstolo Paulo, porque sabemos que, sem ele, a mensagem de Jesus não teria chegado até nós, os gentios. Exaltamos, cheios de gratidão, os mártires de nossa Igreja, cujo sangue foi semente da qual a Igreja tira vida. E nos esquecemos muitas vezes de agradecer a Maria, a mãe de nosso Senhor. Não está ela inserida na 'nuvem de testemunhas' que nos circundam (cf. Hebreus 12,1) e cujo testemunho nos deve fortalecer para a luta que temos a sustentar? Se honramos apóstolos e arcanjos e deles esperamos que sejam nossos guias no caminho, usando seus nomes para denominar comunidades e igrejas nossas, então, como é que poderíamos excluir Maria, que está ligada a Jesus como a primeira e mais íntima e que andou com Ele o caminho da cruz? A nossa Igreja Evangélica deixou de lhe prestar honra e louvor, receando com isto reduzir a honra devida a Jesus. Mas o que acontece é o seguinte: toda honra autêntica dirigida aos discípulos de Jesus e também à Sua mãe aumenta a honra do Senhor. Pois foi Ele, só Ele, que os elegeu, os cobriu com Sua graça e fez deles Seu vaso de eleição. Por sua fé, seu amor e sua dedicação para com Deus, é Deus colocado no centro das atenções e é glorificado. É intenção nossa - como Irmandade de Maria - contribuir, em obediência à Sagrada Escritura, para que nosso Senhor Jesus não seja entristecido por um comportamento nosso destituído de reverência para com Sua mãe ou até de desprezo. Pois ela é Sua mãe que O deu à luz e O criou e educou e a cujo respeito falou o Espírito Santo, por intermédio de Isabel: 'Bem-aventurada a que creu!' Jesus espera de nós que a honremos e amemos. É isto que nos é proposto pela Palavra de Deus e é, portanto, Sua vontade. E somente os que guardam Sua palavra, são os que amam a Jesus de verdade (João 14,23)." (M. Basilea Schlink, escritora evangélica que escreveu, em 1960, o livro "Maria - o Caminho da Mãe do Senhor" e fundadora da Irmandade Evangélica de Maria, em Darmstadt, Alemanha; fonte "Em Lourdes, em Fátima e em outros santuários marianos, a crítica imparcial se encontra diante de fatos sobrenaturais, que tem relação direta com a Virgem Maria, seja mediante as aparições, seja por causa das graças milagrosas solicitadas pela sua intercessão. Estes fatos são tais que desafiam toda a explicação natural. Sabemos ou deveríamos saber que as curas de Lourdes e Fátima são examinadas.

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Testemunhos de Conversão

BILL BALES

O seguinte testemunho foi publicado na edição especial da revista norte-americana "Sursum Corda!" de 1996 e traduzido e publicado em português pela revista "Pergunte e Responderemos" nº 419 de Abr./97.

Bill Bales cresceu em ambiente presbiteriano progressista em Bethesda, Md. "Eu tinha uma espécie de fé adormecida em Cristo", lembra ele. "Eu não tinha vida de oração regular nem praticava o estudo da Bíblia. Essas coisas eram, para mim, secundárias". Bales matriculou-se num curso preparatório para a Faculdade de Medicina numa Universidade americana; jogava futebol. Contraiu uma lesão pulmonar, que o obrigou a penosa cirurgia. "Comecei a contemplar coisas tais como a morte. Passei a conviver com cristãos que tinham uma fé robusta. Comecei a rezar: 'Se Deus existe, que Ele se revele!'. Se existisse realmente, eu ficaria feliz por crer nele. Comecei a ler a Bíblia, e algumas páginas da mesma tomaram sentido para mim". Passou a frequentar uma igreja presbiteriana mais tradicional, e ficou impressionado pela conduta de muitos de seus membros. "Cristo era uma realidade. Você podia ter um relacionamento com Ele. Não era um feixe de palavras vazias". Bales deixou de lado seus planos de estudar Medicina. Pôs-se a trabalhar por dois anos numa Pastoral de Juventude de uma igreja presbiteriana; depois fez-se pastor numa igreja não denominacional (não convencional) protestante. "Mas eu tinha que entrar num Seminário, caso eu quisesse continuar o meu ministério pastoral. Eu desejava mais aprendizagem - e também algum tempo para pensar a respeito de certas idéias e possíveis soluções. Havia tantas indagações que me surgiam na mente!". Bales entrou para o Gordon Conwell Theological Seminary, instituição séria interdenominacional em South Hamilton, Mass. Essa época foi, para ele, maravilhosa. "Reverenciavam a Escritura. Alguns dos professores que eu frequentava, interpretavam o Antigo Testamento de maneira semelhante à dos Padres da Igreja e bem melhor do que muita gente no evangelismo. Não estudávamos a fundo os Padres. Tratava-se mais de uma escola de treinamento para pastores do que de uma escola de graduação".

Terminados os estudos em 1985, Bales aceitou o encargo de pastor associado na igreja presbiteriana de Gainesville, na Virgínia. A princípio ele esteve ali muito feliz. "Mas na primavera de 1988, algumas das questões que eu nunca considerara realmente ou que abordara superficialmente, começaram a emergir. A mais crucial era a da definição do cânon das Escrituras. Quem tinha a autoridade necessária para definir o conteúdo do catálogo sagrado? É esta uma questão fundamental. Senti-me mais e mais estranho à resposta calvinista, que eu sempre professara; as outras sentenças proferidas no mundo protestante, fora do Calvinismo, pareciam-me muito lacunosas. Eu não estava a ponto de ser atraído pelo Catolicismo, embora eu acreditasse que devia haver uma resposta para as perguntas que eu levantava. Desde que Scoth Hahn, meu amigo dos tempos do Seminário, se convertera ao Catolicismo, estava a conversão no meu subconsciente. Na sequência dos tempos, eu sentia que devia ser plenamente honesto, reconhecendo a fragilidade da minha posição relativa ao cânon. Uma saída, não satisfatória, porém, seria passar-me para uma modalidade de protestantismo mais liberal. Se Deus não instituiu uma autoridade sobre a terra capaz de decidir a respeito de certos problemas, então parecia-me que tudo ia pelos ares. Eu não conseguia contornar essa questão". Mas, se o Catolicismo era uma possibilidade, Bales tinha uma série de leituras a fazer, uma série de respostas a confrontar. Ele encontrou o "Development of Christian Doctrine" (=O Desenvolvimento da Doutrina Cristã), de Newman, o "The Spirit of Catholicism" (=O Espírito do Catolicismo), de Karl Adam, e algumas obras de Louis Bouyer especialmente interessantes. "Mais e mais me convenci, através do estudo da história, de que a doutrina católica já era professada na antiguidade, talvez em termos menos desenvolvidos, mas já presentes aos antigos. Convenci-me também, mediante as Escrituras, de que, na maioria dos casos em que havia uma definição (como a do Primado de Pedro) ou ainda nos casos controvertidos, a Igreja Católica tinha a melhor argumentação; isto não quer dizer que eu havia de decidir minha filiação à Igreja por efeito de alguma passagem bíblica. Eu via também que, de modo muito lógico e compreensível, a Igreja Católica tinha crescido, favorecida pela ação de Deus. Parecia-me mais razoável pensar assim". No fim de 1989, Bales se sentia pouco à vontade no exercício do seu ministério e da sua pregação. Renunciou a eles no começo de 1990.

"Eu tentava conceber uma imagem pouco atraente do presbiterianismo. Os presbiterianos tinham sofrido outras defecções: as de Scott Hahm e a de Gerry Matatics, por exemplo. Havia um punhado de crentes que não queriam deixar-me partir". Bales julgava que podia ter evitado uma excomunhão formal se se transferisse primeiramente para uma Igreja episcopal. Mas ele estava sinceramente certo de que a Igreja Católica era o seu destino, e ele não o queria negar de público. Em consequência, o processo de excomunhão contra ele foi iniciado. "Encontrei-me três ou quatro vezes com pequenas comissões. Da primeira vez tentaram-me compreender e colheram informações para instituir o processo jurídico. Não houve jamais alguma mesquinhez. A terça parte do presbitério votou pela não-excomunhão; não houve unânimidade". Quais são as consequências da excomunhão no presbiterianismo? "Existe a concepção generalizada - declara Bales - de que o excomungado tem que se arrepender, pois está imerso em determinado tipo de pecado. O modo de tratar o excomungado varia de paróquia para paróquia. A minha paróquia era de linha muito dura. Essa dureza intimidava. Abandonar a paróquia era molesto. Eu o via como se fosse morrer para toda aquela gente. A voz dos amigos era suave. Mas a chefia não estava em absoluto interessada em que algum membro da congregação continuasse a ser meu amigo... A comunidade era muito fechada. Ali havia muitas amizades profundas, um monte de gente boa". Bill Bales foi recebido na Igreja Católica na festa dos Santos Anjos da Guarda (2/10) de 1990.

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