Vladimir Safatle Correio Braziliense
Brasília, domingo, 16 de setembro de 2001 � Página Inicial

Bem-vindos a um novo tempo

Atentados nos Estados Unidos selam o fim da Política

Vladimir Safatle
Especial para o Correio

WTC

�Tudo parecia um filme�. Esta foi certamente a frase mais utilizada na cobertura dos atentados nos EUA. E esta deveria ser a maior raz�o para termos medo daqui em diante. Longe de ser uma analogia inofensiva, a frase � o reconhecimento mais claro de que enfim chegamos na era do fim da Pol�tica. Um desastre certamente muito pior do que a destrui��o do World Trade Center.

Verdade seja dita: a ter�a-feira negra mostrou como a a��o pol�tica mais adequada para a nossa �poca � o terrorismo. Ele � o que resta quando reduzimos a dimens�o do conflito social � l�gica do espet�culo. Ele � a pol�tica reduzida ao formato de tela plana. A opini�o p�blica norte-americana nunca tinha se dado conta da gravidade da situa��o no Oriente M�dio at� o momento no qual as imagens espetaculares da cat�strofe come�aram a chegar �s suas casas. Neste sentido, o ataque teve efici�ncia absoluta. A pergunta que fica no ar �: se a opini�o p�blica norte-americana n�o tinha consci�ncia do problema geopol�tico mais grave da atualidade, ent�o em que mundo ela estava? Certamente, em um mundo s� sens�vel ao imp�rio das imagens.

Mas agora n�o h� espa�o para an�lises, h� espa�o apenas para a como��o e para a perplexidade diante do �mal radical�. Depois dos atentados, nenhum l�der mundial levantou a voz para lembrar o �bvio: a pol�tica internacional no Oriente M�dio � um fracasso e precisa ser repensada. N�o, para eles, antes de qualquer discuss�o pol�tica � necess�rio responder � altura e de prefer�ncia com ataques transmitidos ao vivo pela CNN. Afinal de contas, o seriado n�o acabou. Este foi s� o primeiro cap�tulo. Como nos lembra Bush Jr.: �esta � a luta entre o Bem e o Mal e, no fim, o Bem vai vencer�. Com uma finesse anal�tica deste n�vel, o mundo ocidental est� perdido. Ela s� mostra como conflitos sociais tendem a ser esvaziados atrav�s de um discurso digno dos piores filmes de Chuck Norris. At� porque, retornando a Bush Jr.: �Os EUA foram alvo de ataques porque n�s somos a mais resplandecente chama da liberdade e das oportunidades no mundo�. Melhor nem comentar.

Vale a pena lembrar que atentados como o visto nesta semana j� faziam parte do roteiro. Desde h� muito vemos um esfor�o absurdo em despolitizar o conflito no Oriente M�dio a fim de transform�-lo em uma luta religiosa que tem suas ra�zes na pedrada que David acertou na cabe�a de Golias. Um conflito eminentemente pol�tico e historicamente determinado, resultante de um processo desastroso de descoloniza��o que transformou o povo palestino em uma massa de refugiados, virou a luta da Civiliza��o contra a barb�rie fundamentalista. Durante d�cadas os EUA e a Europa fingiram ignorar a Lei internacional, promulgada pela ONU. Lei capaz de resolver politicamente o problema da constitui��o de um Estado palestino e dar assim o m�nimo de estabilidade � regi�o.

O que vimos neste tempo todo foram diplomatas com l�grimas de crocodilo dizendo serem impotentes para vencer a incompreens�o entre povos v�timas do fanatismo religioso. Ao despolitizar o conflito a este ponto, o ocidente abriu as portas para que loucos terroristas do porte de Osama bin Laden ganhassem legitimidade diante dos olhos de parcelas dos povos �rabes. Ao esvaziar o campo da Pol�tica, o ocidente alimentou o campo do Terror. Pois o Terror � a �nica linguagem que a l�gica do espet�culo conhece ou, ao menos, � a �nica que d� �ndices estratosf�ricos de audi�ncia. O problema � que qualquer terrorista amador sabe disto.

Para piorar um pouco a situa��o, quem deve dar a pr�xima jogada � Bush Jr.: um presidente que, em oito meses de governo, demonstrou sua total inabilidade para atuar na pol�tica internacional. Um filho da era do fim da Pol�tica. Algu�m que s� consegue pensar por imagens, a ponto de transformar a campanha presidencial norte-americana em um concurso de simpatia. Agora � esperar o pior. Isto sem esquecer que a regra n�mero um da l�gica do espet�culo �: nunca h� limites para o pior.

Vladimir Safatle é mestre em filosofia pela Universidade de São Paulo
e professor-visitante no Colégio Internacional de Filosofia, em Paris.
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