Vladimir Safatle Correio Braziliense
Brasília, domingo, 6 de maio de 2001 � Página Inicial

Arte como Mercadoria

Exposição no Centro Cultural Georges Pompidou celebra a pop art,
movimento que procurou romper limites entre as culturas de elite e popular

Vladimir Safatle
Especial para o Correio

pop art

Os primeiros anos do século 21 serão pop? A resposta ainda terá de esperar algum tempo para ser enunciada sem erros, mas uma coisa é certa: ao menos o mês de abril francês foi decididamente pop. Isto, não só porque a maioria das revistas de moda e de comportamento proclamaram o retorno de toda aquela indumentária característica da época Barbarela. O que contou mesmo foi a inauguração, no Centro Cultural Georges Pompidou, da exposição temática Os Anos Pop, que prossegue até 18 de junho. Afinal, não é todo dia que é possível se deparar com as 500 obras mais representativas desta corrente e que vão das artes plásticas à arquitetura, ao design e ao cinema. Nada ficou de fora: máquinas de escrever portáteis, histórias em quadrinhos da Valentina, maquetes de arquitetura, shows do Velvet Underground, trabalhos de Rauschenberg, Lichtenstein, Warhol, Arman e companhia. A lista é grande e não visa cobrir apenas um momento da história da arte contemporânea. Por trás da profusão de objetos dos mais variados registros, o que realmente se procura é a reconstrução do espírito de um tempo que marcou decisivamente o que entendemos atualmente por 'arte' e 'estilo'.

RETORNO AO REAL DA MERCADORIA
Diz a lenda que tudo começou na Inglaterra. Foi de lá que veio o termo pop art, cunhado pelo crítico Lawrence Alloway para definir trabalhos de gente como Richard Hamilton, Eduardo Paolozzi e outros ligados ao Independent Group. Eles haviam sido os primeiros a perceber que, depois do advento da sociedade midiática e da ascensão da classe média ao consumo, não dava mais para pensar a arte como antes. Daí a idéia de criar uma arte que desconhecia limites entre alta cultura e cultura popular (devidamente filtrada pela mídia, é claro).

Mas, como não poderia deixar de ser, foi nos Estados Unidos que o programa pop encontrou seu terreno mais fértil. No início, o pop norte-americano apareceu como recusa à abstração que havia invadido a arte moderna por meio das pinceladas gestuais de gente como Jackson Pollock e De Koonings. "Retornar ao figurativo e aos objetos 'reais'." Esse era o lema dos pop.

Aqui, não deixa ser interessante perguntar o que a pop arte entendia exatamente por 'retorno ao mundo real'. O que pode ser real em uma sociedade do espetáculo, colonizada pela comunicação de massa e marcada pela dominância da lógica da mercadoria? Como era de se esperar, real e incontornável só mesmo a fascinação pelas fantasias e pelo imaginário do cinema, da publicidade e dos supermercados.

O raciocínio pop era simples. Se o jogo já estava feito e se a mercadoria funcionava como medida geral de valor para todas as manifestações da cultura e da vida social, restava à arte se assumir como mercadoria. Como dizia Warhol: "Quero ser uma máquina." Quer dizer, quero ser um operário que faz um trabalho tão alienado quanto o trabalho de uma máquina. Um operário que produz mercadorias. Não era à toa que seu ateliê se chamava Factory (tal como o ateliê de Claes Oldenburg, que se chamava Store). Não deixa de ser engraçado que, pela primeira vez no século 20, a arte de vanguarda conseguia enfim realizar o programa modernista de se transformar em arte para as massas, capaz de estetizar o cotidiano e reconciliar-se com o presente. O problema é que o preço a pagar ainda está sendo calculado hoje. O balanço final só será fechado quando descobrirmos quanto vale essa tendência atual em transformar a arte contemporânea em assunto mais propício à moda, à publicidade e a instituições bancárias à procura de uma melhor imagem de marca. Ou seja, quanto vale esta tendência da arte em não oferecer mais nenhuma resistência e estranhamento à cultura de massa e seus patrocinadores; mesmo que ainda tenhamos de definir novas estratégias para aquilo que pode ser entendido por 'resistência'.

PARA ALÉM DO FASCÍNIO
Por coincidência, um dos momentos mais interessantes da exposição acontece quando se chega à sala destinada ao tema 'arte e política'. Não porque o resultado seja bom, mas porque o impasse é totalmente evidente. Ao contrário das velhas vanguardas modernistas, a pop arte nunca precisou se colocar como utopia ou promessa de reconciliação futura, já que ela era a afirmação do presente, com todas as ambigüidades que uma afirmação desta natureza pode ter.

Dizendo de forma clara: durante todo o século 20, o artista estava fora do centro do poder. A partir da pop arte, ele pulou para dentro do círculo. Seu papel social é hoje bem interessante: fornecedor de glamour fresco e novo em folha para os novos acionistas das bolsas de valores.

O fato é que grande parte da força e da fraqueza da arte atual veio do programa da pop arte. A força de não ter medo de encarar de frente o universo da comunicação de massa e de repeti-lo até cansar. A fraqueza de não dar mais um passo e procurar modalidades possíveis de travessia dos fantasmas ou, ao menos, de exposição do estranhamento entre o sujeito e o mundo fantasmático. Eis por que talvez o ponto mais interessante da pop arte não seja exatamente suas respostas, mas suas questões.

Neste sentido, é interessante sempre levar em conta a versão francesa da pop arte: os 'novos realistas' que, como não poderia deixar de ser, ganharam enorme sala na exposição. A peculiaridade do grupo que se constituiu em torno do crítico Pierre Restany estava em expor não apenas a fascinação pelo universo industrial do consumo, mas o trauma revelado pelo consumo. Peças como os objetos sem identidade embalados em plástico fosco, de Christo, os automóveis reduzidos a monte de metal distorcido, de César, e as acumulações de cafeteiras, bonecas quebradas e outras obsolescências, de Arman, demonstram o que resta depois que o consumo e o desejo passam pelos objetos. Resta essa presença bruta e traumática das coisas. Coisas reduzidas a ruínas.

Hegel costumava começar suas lições sobre a filosofia da história a partir de meditação sobre as ruínas. Pois elas indicavam esta inquietude absoluta de um espírito que só pode se manifestar destruindo. Um espírito que se confunde com o movimento incessante da história e do tempo. E talvez seja lá, em meio às ruínas da sociedade de consumo, que vamos encontrar o que restou da nossa história.

Mas a coisa não foi de todo mal. Graças ao sucesso da pop arte, podemos comprar cadeiras Phantom por precinho camarada.

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