Vladimir Safatle
Especial para o Correio
Os primeiros anos do século 21 serão pop? A resposta ainda terá de esperar algum tempo para ser enunciada sem erros, mas uma coisa é certa: ao menos o mês de abril francês foi decididamente pop. Isto, não só porque a maioria das revistas de moda e de comportamento proclamaram o retorno de toda aquela indumentária característica da época Barbarela. O que contou mesmo foi a inauguração, no Centro Cultural Georges Pompidou, da exposição temática Os Anos Pop, que prossegue até 18 de junho. Afinal, não é todo dia que é possível se deparar com as 500 obras mais representativas desta corrente e que vão das artes plásticas à arquitetura, ao design e ao cinema. Nada ficou de fora: máquinas de escrever portáteis, histórias em quadrinhos da Valentina, maquetes de arquitetura, shows do Velvet Underground, trabalhos de Rauschenberg, Lichtenstein, Warhol, Arman e companhia. A lista é grande e não visa cobrir apenas um momento da história da arte contemporânea. Por trás da profusão de objetos dos mais variados registros, o que realmente se procura é a reconstrução do espírito de um tempo que marcou decisivamente o que entendemos atualmente por 'arte' e 'estilo'.
RETORNO AO REAL DA MERCADORIA Mas, como não poderia deixar de ser, foi nos Estados Unidos que o programa pop encontrou seu terreno mais fértil. No início, o pop norte-americano apareceu como recusa à abstração que havia invadido a arte moderna por meio das pinceladas gestuais de gente como Jackson Pollock e De Koonings. "Retornar ao figurativo e aos objetos 'reais'." Esse era o lema dos pop. Aqui, não deixa ser interessante perguntar o que a pop arte entendia exatamente por 'retorno ao mundo real'. O que pode ser real em uma sociedade do espetáculo, colonizada pela comunicação de massa e marcada pela dominância da lógica da mercadoria? Como era de se esperar, real e incontornável só mesmo a fascinação pelas fantasias e pelo imaginário do cinema, da publicidade e dos supermercados. O raciocínio pop era simples. Se o jogo já estava feito e se a mercadoria funcionava como medida geral de valor para todas as manifestações da cultura e da vida social, restava à arte se assumir como mercadoria. Como dizia Warhol: "Quero ser uma máquina." Quer dizer, quero ser um operário que faz um trabalho tão alienado quanto o trabalho de uma máquina. Um operário que produz mercadorias. Não era à toa que seu ateliê se chamava Factory (tal como o ateliê de Claes Oldenburg, que se chamava Store). Não deixa de ser engraçado que, pela primeira vez no século 20, a arte de vanguarda conseguia enfim realizar o programa modernista de se transformar em arte para as massas, capaz de estetizar o cotidiano e reconciliar-se com o presente. O problema é que o preço a pagar ainda está sendo calculado hoje. O balanço final só será fechado quando descobrirmos quanto vale essa tendência atual em transformar a arte contemporânea em assunto mais propício à moda, à publicidade e a instituições bancárias à procura de uma melhor imagem de marca. Ou seja, quanto vale esta tendência da arte em não oferecer mais nenhuma resistência e estranhamento à cultura de massa e seus patrocinadores; mesmo que ainda tenhamos de definir novas estratégias para aquilo que pode ser entendido por 'resistência'.
PARA ALÉM DO FASCÍNIO Dizendo de forma clara: durante todo o século 20, o artista estava fora do centro do poder. A partir da pop arte, ele pulou para dentro do círculo. Seu papel social é hoje bem interessante: fornecedor de glamour fresco e novo em folha para os novos acionistas das bolsas de valores. O fato é que grande parte da força e da fraqueza da arte atual veio do programa da pop arte. A força de não ter medo de encarar de frente o universo da comunicação de massa e de repeti-lo até cansar. A fraqueza de não dar mais um passo e procurar modalidades possíveis de travessia dos fantasmas ou, ao menos, de exposição do estranhamento entre o sujeito e o mundo fantasmático. Eis por que talvez o ponto mais interessante da pop arte não seja exatamente suas respostas, mas suas questões. Neste sentido, é interessante sempre levar em conta a versão francesa da pop arte: os 'novos realistas' que, como não poderia deixar de ser, ganharam enorme sala na exposição. A peculiaridade do grupo que se constituiu em torno do crítico Pierre Restany estava em expor não apenas a fascinação pelo universo industrial do consumo, mas o trauma revelado pelo consumo. Peças como os objetos sem identidade embalados em plástico fosco, de Christo, os automóveis reduzidos a monte de metal distorcido, de César, e as acumulações de cafeteiras, bonecas quebradas e outras obsolescências, de Arman, demonstram o que resta depois que o consumo e o desejo passam pelos objetos. Resta essa presença bruta e traumática das coisas. Coisas reduzidas a ruínas. Hegel costumava começar suas lições sobre a filosofia da história a partir de meditação sobre as ruínas. Pois elas indicavam esta inquietude absoluta de um espírito que só pode se manifestar destruindo. Um espírito que se confunde com o movimento incessante da história e do tempo. E talvez seja lá, em meio às ruínas da sociedade de consumo, que vamos encontrar o que restou da nossa história. Mas a coisa não foi de todo mal. Graças ao sucesso da pop arte, podemos comprar cadeiras Phantom por precinho camarada. |