Vladimir Safatle Valor Econômico
São Paulo, quarta-feira, 8 de novembro de 2000 � Página Inicial

Uma escritora contra a especulação

Livro de Viviane Forrester questiona desemprego e pensamento ultraliberal.

Por Vladimir Safatle, para o Valor.

Viviane Forrester

Viviane Forrester parece ter trocado definitivamente os salões de literatura pelos boletins econômicos e estatísticas. Crítica literária do "Le Monde" e escritora de romances e biografias de sucesso, esta senhora de 73 anos e voz frágil surgiu nas passarelas intelectuais da França após o sucesso de "O Horror Econômico". Traduzido em 24 línguas e vencedor do Prêmio Médicis de ensaios (foi lançado no Brasil pela Unesp), o livro combinava dados econômicos e uma escrita sulfúrica a fim de denunciar os horrores que acompanhariam o fim do emprego e a hegemonia do liberalismo econômico. Graças a ele, as palavras da filha de um banqueiro parisiense partidário do marechal Pétain foram brandidas em manifestações contra o desemprego, nas batalhas anti OMC e encontraram eco em boa parte do pensamento da esquerda mundial. Quatro anos mais tarde, Viviane Forrester volta ao assunto com "Uma Estranha Ditadura" (sai em 2001, também pela Unesp). O tom indignado continua dando o ritmo: "Não sou uma idealista nem acredito em utopias", justifica-se, "Mas até o fim, aconteça o que acontecer, haverá alguma coisa a fazer, alguma coisa a dizer, alguma coisa a pensar". Nesta entrevista, faz sua análise da atualidade "antes que a barbárie se instale".

Valor: Antes de "O Horror Econômico" você era premiada por romances e biografias (sobre Van Gogh e Virginia Woolf). Por que decidiu dedicar-se à economia?

Viviane Forrester: Para mim, não existem limites entre as diferentes regiões do pensamento. Há vinte anos eu escrevi um livro sobre questões políticas e econômicas intitulado "A Violência Calma", que não teve muita repercussão. Como escritora, eu nunca quis escrever romances de tese. Quando se escreve, o romance é mestre, ele decide para onde ir. Talvez por isto acabei desenvolvendo uma outra vertente, mais ensaística.

Valor: Como você explica o sucesso de "O Horror Econômico"?

Viviane: De todos os meus livros, este era o que eu acreditava que venderia menos. Mas após o lançamento as pessoas diziam: "Você escreveu aquilo que eu já pensava mas não tinha me dado conta". Quer dizer, cada um acreditava estar sozinho a pensar essas questões. Mas o sucesso mostrou que eu não estava delirando.

Valor: Qual a posição dos economistas frente a um best-seller econômico escrito por um não-economista?

Viviane: Alguns ficaram incomodados porque um livro como o meu não segue os cânones do pensamento e da metodologia acadêmica vigente nas ciências econômicas. Mas o que eu queria era identificar as falsas questões que mascaram os verdadeiros problemas e que servem ao pensamento do sistema ultraliberal, até porque elas só podem ser resolvidas no quadro do sistema atual. Eu tento sair deste quadro.

Valor: Parece que um dos eixos dos seus dois últimos livros é a denúncia de que o crescimento econômico não é necessariamente acompanhado de geração de empregos.

Viviane: É verdade, mas gostaria de dizer qual é, na minha opinião, o eixo principal. O que descobri escrevendo "Uma Estranha Ditadura" é que não é verdade que estamos em um momento onde o fator econômico está destruindo a política. Ao contrário, uma certa ideologia política, o ultraliberalismo, está destruindo a economia real. Este é um dos exemplos das inversões típicas de propaganda. Outro exemplo é a relação crescimento/empregos. Todos dizem: " Prioridade ao emprego". Mas, se você prestar atenção, quando uma grande empresa anuncia uma onda de demissões e reestruturações, suas ações sobem. Há, aí, um paradoxo. As empresas acreditam que a melhor maneira de crescer é diminuindo os custos do trabalho. Compreendo que as empresas não sobrevivem com discursos humanitários, mas não há como negar que existe aí algo de falso.

Valor: É inegável que, com a tecnologia, as empresas não necessitam mais do mesmo número de funcionários. As relaç ões entre custo e produtividade mudaram. O que, então, uma empresa poderia fazer?

Viviane: Em um sistema onde o econômico é confundido com o "business", onde a eonomia de mercado é suplantada por uma economia financeira que, por sua vez, se transforma em economia especulativa, creio que as empresas não podem fazer nada a não ser demitir. O desenvolvimento poderia ser excelente mas, ao contrário, tem nos colocado problemas graves devido à maneira como é administrado. �Realista� é pensar primeiro no equilíbrio econômico da sociedade civil, antes de pensar na especulação, a não ser que resolvamos matar as populaç ões excedentes; e perceber como é ridículo, em plena globalização, metade da população mundial ganhar menos de US$ 1/dia.

Valor: Parte dos economistas não admite o diagnóstico da dissolução da economia real em prol de uma economia meramente especulativa.

Viviane: Vou dar um exemplo do que penso. Veja os fundos de pensões, algo que representa a luta da especulação contra o equilíbrio econômico das populações. Todos conhecem a fragilidade da bolha financeira. Hoje, pede-se às pessoas que arrisquem suas economias em uma economia de cassino o que não é grave para o sr. Soros, mas um aposentado corre o risco de não ter nada no fim da vida. Se essa é a racionalidade econômica, então é mais interessante pegar o dinheiro e apostar em corridas de cavalo. E ainda: os fundos são acionários de importância, que exigem das empresas rendimentos de 12 a 15%. Algo irrealista, a não ser que essas empresas façam economias drásticas. Chega-se em uma situação grotesca onde pede-se às pessoas que se transformem em patrocinadores de seu próprio desemprego.

Valor: Seus críticos utilizam os EUA (país que cresce vertiginosamente com baixa taxa de desemprego) como contra-exemplo à noção de que o crescimento econômico não gera empregos.

Viviane: Acho que este é um exemplo falso. Se lermos o relatório do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) veremos que os EUA é o país desenvolvido onde existe mais pobreza, com um índice de 19,1%, seguido da Grã-Bretanha, com 13,5%. No meu ponto de vista, isto acontece porque os EUA trocam o desemprego pela pobreza. Na Europa continental, o sistema de seguro social e proteção do trabalho impede as pessoas de caírem na miséria absoluta, o que não ocorre nos EUA. Para escapar da miséria, os norte-americanos aceitam trabalhos mal remunerados e temporários. Um exemplo é o "workfare", algo totalmente contra a Declaração dos Direitos do Homem. Depois de dois anos de desemprego, você é obrigado a aceitar qualquer trabalho proposto pelo Estado sem levar em conta salário, localização e condições de trabalho.

Valor: Como você vê a política francesa de combate ao desemprego, como as 35 horas e os empregos-jovens (incentivos dados pelo Estado para empresas que contratam jovens no seu primeiro emprego)?

Viviane: As ações são compensatórias e não tocam nas verdadeiras questões. A implementação das 35 horas foi trocada pelo congelamento de salários; os empregos-jovens, por sua vez, se transformaram em uma maneira de conseguir mão-de-obra barata ou introduzir os jovens no mercado através de bicos.

Valor: Você utiliza a palavra �resistência� a respeito da chamada política ultraliberal. Mas, resistir para ir aonde?

Viviane: Sim, é verdade. As pessoas sempre querem soluções imediatas e garantias, mas a história das grandes mudanças é feita sem garantias. Ninguém espera a certeza de ter uma nova casa para sair de um lugar que está pegando fogo. O importante é perceber a existência de sinais que mostram a viabilidade da resistência. O fato dos meus livros terem sido traduzidos em 24 línguas talvez possa servir como um exemplo. As batalhas de Seattle são outro. Sempre falam que devemos nos adaptar. Digo que não há razão para se adaptar ao insuportável. Falam do desemprego como se fosse algo natural e inevitável. Na verdade, se você escutar boa parte dos discursos sobre a situação mundial tem-se a impressão de que estamos saindo de uma catástrofe mundial, de que estamos em uma situação trágica à qual devemos nos adaptar. Mas onde está a catástrofe? Por que na França, que é a quarta economia do mundo, é natural que existam 2 milhões de desempregados e 1,3 de trabalhadores pobres? A estas questões a política ultraliberal não tem resposta.

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