Gostava mais quando conseguia imaginar grandeza nos outros, mesmo que nem sempre houvesse.


Tudo o que era mau atraía-me: gostava de beber, era preguiçoso, não defendia nenhum deus, nenhuma, opinião política, nenhuma ideia, nenhum ideal. Eu estava instalado no vazio, na inexistência, e aceitava isso. Tudo isso fazia de mim uma pessoa desinteressante. Mas eu não queria ser interessante, era muito difícil.


Quando já se está quase sem alma e se tem consciência disso, é porque ainda existe.


(As pessoas). Quanto menos as vejo, mais eu gosto delas.


Dou duas voltas no quarteirão, encontro 200 pessoas e não vejo nenhuma criatura humana. Olho na vitrine das lojas e não há nada que me interesse. No entanto, tudo tem preço. Uma guitarra, ora, porra, pra que me serve uma coisa dessas? Só se for pra tacar fogo. Toca-discos, tevê, rádio. Tralha inútil. Bugiganga imprestável. Um troço pra embrutecer o cérebro. Como soco com luva vermelha de 200 gramas. Popt. Te derruba no chão.


O que é terrível não é a morte, mas as vidas que as pessoas levam ou não levam até a sua morte."


Para todos, era uma questão de esperar, e nada mais. Esperar, esperar: pelo hospital, pelo médico, pelo encanador, pelo hospício, pela cadeia, até pela morte do papa. O sinal vermelho logo fica verde. Os cidadãos do mundo comiam sua comida e assistiam suas tevês e se preocupavam com seus empregos, ou com a falta de, enquanto esperavam.


Não suportava ajuntamentos perto de mim, e, acima de tudo, não tolerava entrar em fila comprida para esperar seja lá o que fosse. E é nisto que toda a sociedade está se transformando: em longas filas à espera de alguma coisa. Tentei me matar com gás e não consegui. Mas tinha outro problema. Levantar da cama. Sempre tive ódio disso. Vivia afirmando: “as duas maiores invenções da humanidade foram a cama e a bomba atômica". Não saindo da primeira, a gente se salva, e, soltando a segunda, se acaba com tudo. Acharam que estava louco. Brincadeira de criança, é só disso que essa gente entende: brincadeira de criança – passam da placenta pro túmulo sem nem se abalar com esse horror que é a vida.


O amor é uma espécie de preconceito. A gente ama o que precisa, ama o que faz sentir bem, ama o que é conveniente. Como pode dizer que ama uma pessoa quando há dez mil outras no mundo que você amaria mais se conhecesse? Mas a gente nunca conhece.


Existem respostas fundamentais e questões delicadas. Nós ainda estamos brincando com as segundas porque não somos suficientemente homens nem suficientemente francos pra dizer o que precisamos.


A resposta completamente horrível é que ninguém sabia fazer nada: os poetas, escrever poemas, os mecânicos, consertar carros, os dentistas, arrancar dentes, os barbeiros, cortar cabelo, os cirurgiões se estrepavam todos com o bisturi, as lavanderias deixavam as camisas e os lençois em farrapos e perdiam as meias da gente; o pão e os feijões tinham pedrinhas no meio que quebravam os dentes; jogadores de futebol eram uns poltrões, os funcionários da telefônica estupravam criancinhas; e os prefeitos, governadores, generais, presidentes, tinham tanto juízo quanto as lesmas colhidas por teias de aranha. E por aí vai. Pode dar o que quiser pra raça humana que ela acaba esgravatando, arranhando, vomitando e mijando em cima.


Não é o LSD que provoca o bode, foi a tua mãe, o teu presidente, a vizinha do lado, o sorveteiro de mãos sujas, um curso de álgebra e espanhol simultâneos, o fedor de uma latrina em 1926, um sujeito narigudo quando te disseram que todo narigudo é horrendo; foi o purgante, a brigada Abraham Lincoln, os bolinhos açucarados, Mutt & Jeff, a cara de Franklin Delano Roosevelt, os drops de limão, trabalhar numa fábrica dez anos e ser despedido por um atraso de cinco minutos, a megera que te ensinou História da América no 6º ano, o teu cachorro atropelado sem que ninguém depois te explicasse a coisa direito, uma lista de 30 páginas de extensão e três quilômetros de altura.


Há bastante deslealdade, ódio, violência, absurdo no ser humano comum para suprir qualquer exército em qualquer dia. E o melhor no assassinato são aqueles que pregam contra ele. E o melhor no ódio são aqueles que pregam amor, e o melhor na guerra, são aqueles que pregam a paz. Aqueles que pregam Deus precisam de Deus, aqueles que pregam paz não têm paz, aqueles que pregam amor não têm amor. Cuidado com os pregadores, cuidado com os sabedores. Cuidado com aqueles que estão sempre lendo livros. Cuidado com aqueles que detestam pobreza ou que são orgulhosos dela. Cuidado com aqueles que elogiam fácil, porque eles precisam de elogios de volta. Cuidado com aqueles que censuram fácil, eles têm medo daquilo que não conhecem. Cuidado com aqueles que procuram constantes multidões, eles não são nada sozinhos. Cuidado com o homem comum, com a mulher comum, cuidado com o amor deles. O amor deles é comum, procura o comum, mas há genialidade em seu ódio, há bastante genialidade em seu ódio para matar você, para matar qualquer um. Sem esperar solidão, sem entender solidão eles tentarão destruir qualquer coisa que seja diferente deles mesmos.


..sabia que tinha alguma coisa fora do lugar em mim. Eu era uma soma de todos os erros: bebia, era preguiçoso, não tinha um deus, idéias, ideais, nem me preocupava com política. Eu estava ancorado no nada, uma espécie de não-ser. E aceitava isso


Me alegrava não estar apaixonado e não estar de bem com o mundo. Gostava de me sentir estranho a tudo. As pessoas apaixonadas, em geral, se tornam impacientes, perigosas. Perdem o senso de perspectiva. Perdem o senso de humor. Ficam nervosas, tornam-se chatas, psicóticas. Podem virar assassinas.


Esse é o problema com a bebida, pensava, enquanto enchia o copo. Se acontece uma coisa boa, você bebe pra comemorar; se não acontece nada, você bebe pra que aconteça alguma coisa.


Quando bebemos, o mundo continua a existir lá fora, mas não está nos agarrando pelo pescoço


Aquele único drinque deixou Cecília zonza e tagarela, e ela nos explicou que os animais têm alma também. Ninguém contestou suas opiniões. A gente sabia que era possível. O que a gente não tinha certeza é se nós tínhamos uma.


Eu conhecia uma porção de mulheres. Pra que sempre mais mulheres? O que eu estava tentando fazer? Era excitante um caso novo, mas também dava um trabalhão. O primeiro beijo e a primeira trepada tinham uma certa dramaticidade. As pessoas são interessantes no início. Aos poucos, porém, todos os defeitos e loucuradas botam as manguinhas de fora, é inevitável. Começo a significar cada vez menos pras pessoas, e elas pra mim


Contudo, todos nós precisamos de fuga. As horas são longas e têm de ser preenchidas de algum modo até nossa morte. E simplesmente não há muita glória e sensação para ajudar. Tudo logo se torna chato e mortal. Acordamos pela manhã, jogamos o pé para fora da cama, colocamo-los no chão e pensamos 'ah, merda, e agora?'"


...entrei no elevador e subi para ir olhar no berçário. Devia haver uma centena de recém-nascidos ali, atrás daquele vidro, chorando. Sem parar. Esse negócio de nascer. E de morrer. Cada um na sua hora. A gente chega sozinho e vai-se embora do mesmo jeito. E a maioria passa a vida sem ninguém, assustada e sem entender nada. Uma tristeza indizível tomou conta de mim. Vendo todas aquelas vidas que teriam que morrer. Que primeiro se transformariam em ódio, em crime, em nada. Nada na vida e nada na morte.


    Cuidado com as armadilhas, xará, é o que   não falta por aí, dizem até que Deus não   escapou quando Ele andou perambulando,   certa vez, pela Terra. Claro que hoje a gente   não tem mais tanta certeza de que era   mesmo Deus, mas seja lá quem fosse, sabia   de alguns macetes bem razoáveis, só que   pelo jeito falava demais, defeito que qualquer   um pode ter, até eu.