VOZES NO DESERTO
A psicologia dos tempos modernos, no
planeta terrestre,
apresenta as questões mais interessantes à observação
das inteligências atiladas e estudiosas dos problemas
sérios da vida.
Todos os sociólogos falam da necessidade de providências
que amparem os homens, à beira dos abismos escuros do
morticínio e da destruição.
Ante o domínio das crises de toda natureza, foi na
Europa que começaram os clamores e as exortações. Todos
os analistas dos problemas sociais falaram em morte da
Civilização, em necessidades imperiosas dos povos, em
doutrinas novas de revigoramento das
coletividades, dentro do propósito de solucionar
as suas questões econômicas. No exame de quase todos
os problemas desse jaez solicitou-se a colaboração
da Sociedade de Genebra, com objetivo da cooperação
necessária de todos os países. Surgiram, então, regimes
de experiência, em que, na atualidade, assistimos às
atividades dos manipuladores das massas. E nesses mesmos
clamores transportam-se à Ásia. Enquanto a China
preferia descansar no seio das suas tradições, o Japão
estabelecia um pacto de cooperação com o Ocidente,
organizava tratados e entendimentos, criando,
apressadamente, a sua hegemonia pelas armas, com a
doutrina da unidade asiática.
Todas as nações organizadas da Europa e do Oriente se
queixam da superlotação e da necessidade de colônias. Os
clamores então se transportam igualmente para a América
que, se já sofria os funestos efeitos da inquietude do
mundo, sentia-se na obrigação de salvaguardar os seus
imensos patrimônios territoriais e as suas não menores
possibilidades econômicas, contra possíveis avanços do
imperialismo político e da pilhagem das grandes
potências. As místicas nacionalistas são então
exaltadas. Alguns artistas do pensamento se vendem à
exibição e à falsa glória do Estado e, como D’Annunzio,
abençoam os ventres maternos que tiveram a ventura de
gerar um soldado para os massacres da pátria e exaltam o
adolescente que encontrou numa ponta de baioneta o seu
primeiro e último amor.
A verdade, porém, é que os esforços de todos os
estudiosos do assunto não têm passado de um jogo
deslumbrante de palavras.
Há muitos anos se fala que o mundo necessita de paz.
Entretanto, talvez que a corrida armamentista de agora
exceda a de 1914. Todos os países organizam as suas
armadas, as suas frotas aéreas e os seus exércitos
mecanizados, com todos os requisitos estratégicos, isto
é, integrados no conhecimento de toda a tecnologia
moderna e com a guerra química, na qualidade de
complemento indispensável das atividades bélicas de cada
nação.
Há muitos anos se fala da necessidade de um entendimento
econômico entre todos os países. Cada vez mais, porém,
complica-se a questão com as doutrinas do isolamento,
com as barreiras alfandegárias, oriundas do nacionalismo
de incompreensão, com a ausência formal de qualquer
colaboração e com princípios absurdos que vão
paralisando de braços para o trabalho construtor,
gerando a miséria, a desarmonia e a morte.
A cultura moderna sai a campo para pregar as
necessidades dos tempos. Escritores, artistas, homens do
pensamento, reformistas, falam exaltadamente da
regeneração esperada; condenam a sociedade, de cujos
erros participam todos os dias, fazem a exposição das
angústias da época, relacionam as suas necessidades,
mas, se as criaturas bem-intencionadas lhes perguntam
sobre a maneira mais fácil de socorrer o homem aflito
dos tempos atuais, essas vozes se calam ou se tornam
incompreensíveis, no domínio das sugestões duvidosas e
das hipóteses inverossímeis.
É que o espírito humano está esgotado com todos os
recursos das reformas exteriores.
Para que a fórmula da felicidade não seja uma banalidade
vulgar, é preciso que a criatura terrestre ouça aquela
voz – “aprendei de mim que sou manso e humilde de
coração”.
Os reformadores e os políticos falarão inutilmente da
transformação necessária, porque todas as modificações
para o bem têm de começar no íntimo de cada um. E por
essa razão que todos os apelos morrem, na atualidade, na
boca dos seus expositores, como as vozes clamantes no
deserto; ninguém os entende, porque quase todos se
esqueceram da transformação de si mesmos, e é ainda por
isso que, no frontispício social dos tempos modernos, no
planeta terrestre, pesam os mais sombrios e sinistros
vaticínios.