Chico Xavier
Contempla-se, porém, até hoje, a sombra dos princípios
como noite insondável sobre abismos.
Os desencarnados de minha esfera não se acham indenes,
por enquanto, do socorro das hipóteses. A única certeza
obtida é a da imortalidade da vida e como não é possível
observar a essência da sabedoria, sem iniciativas
individuais e sem ardorosos trabalhos, discutimos e
estudamos as nobres questões que, na Terra, preocupavam
o nosso pensamento.
Um desses problemas que mais assombram pela sua singular
transcendência, é o das origens. Se na Terra o progresso
humano se verifica, através de dois caminhos, o da
Ciência e o da Revelação espiritual, ainda não
encontramos, em identidade de circunstâncias, em nossa
evolução relativa, nenhuma estrada estritamente
científica para determinar o Alfa do Universo, senão a
das hipóteses plausíveis. Contudo, saturada da mais
profunda compreensão moral, copiosa é a nossa fonte de
revelações, a qual constitui para nós um elemento
granítico, servindo de base à sabedoria de amanhã.
Se bem haja no próprio círculo dos estudiosos dos
espaços o grupo dos opositores das grandes ideias sobre
o evolucionismo do princípio espiritual através das
espécies, sou dos que o estudam, atenta e
carinhosamente. Eminentes naturalistas do mundo, como
Charles Darwin, vislumbram grandiosas verdades, levando
a efeito preciosos estudos, os quais, aliás, se
prejudicaram pelo excessivo apego à ciência terrena, que
se modifica e se transforma, com os próprios homens; e,
dentro das minhas experiências, posso afirmar, sem
laivos de dogmatismo, que oriundos na flora microbiana,
em séculos remotíssimos, não poderemos precisar onde se
encontra o cume das espécies ou da escala dos seres, no
pentagrama universal.
E, como o objetivo desta palestra é o estudo dos
animais, nossos irmãos inferiores, sinto-me à vontade
para declarar que todos nós já nos debatemos no seu
acanhado círculo evolutivo. São eles os nossos parentes
próximos, apesar da teimosia de quantos persistem em o
não reconhecer.
Considera-se, às vezes, como afronta ao gênero humano a
aceitação dessas verdades. E pergunta-se como poderíamos
admitir um princípio espiritual nas arremetidas furiosas
das feras indomesticadas, ou como poderíamos crer na
existência de um rio de luz divina na serpente venenosa
ou na astúcia traiçoeira dos carnívoros. Semelhantes
inquirições, contudo, são filhas de entendimento pouco
atilado. Atualmente, precisamos modificar todos os
nossos conceitos acerca de Deus, porquanto nos falece
autoridade para defini-lo ou individualizá-lo.
Deus existe. Eis a nossa luminosa afirmação, sem poder,
todavia, classificá-lo, em sua essência. Os que nos
interpelam por essa forma, olvidam as histórias de
calúnias, de homicídios, no seio das perversidades
humanas. Para que o homem se conservasse nessa posição
especial de perfectibilidade única, deveria apresentar
todos os característicos de uma entidade irrepreensível,
dentro do orbe onde foi chamado a viver. Tal não se
verifica e, diariamente, comentais os dramas dolorosos
da Humanidade, os assassínios, os infanticídios
nefandos, efetuados em circunstâncias nas quais, muitas
vezes, as faculdades imperfeitas dos irracionais agiriam
com maior benignidade e clemência, dando testemunho de
melhor conhecimento das leis de amor que regem o
mecanismo do mundo.
Os animais têm a sua linguagem, os seus afetos, a sua
inteligência rudimentar, com atributos inumeráveis. São
eles os irmãos mais próximos do homem, merecendo, por
isso, a sua proteção e amparo.
Seria difícil ao médico legista determinar, nas manchas
de sangue, qual o que pertence ao homem ou ao animal,
tal a identidade dos elementos que o compõem. A
organização óssea de ambos é quase a mesma, variando
apenas na sua conformação e observando-se diminuta
diferença nas vértebras.
O homem está para o animal, simplesmente como um
superior hierárquico. Nos irracionais desenvolvem-se
igualmente as faculdades intelectuais. O sentimento de
curiosidade é, na maioria deles, altamente avançado e
muitas espécies nos demonstram as suas elevadas
qualidades, exemplificando o amor conjugal, o sentimento
da paternidade, o amparo ao próximo, as faculdades de
imitação, o gosto da beleza. Para verificar a existência
desses fenômenos, basta que se possua um sentimento
acurado de observação e de análise. Inúmeros espíritos
trouxeram à luz o fruto de suas pacientes indagações,
que são para vós elementos de inegável valor. Entre
muitos, citaremos Darwin, Gratiolet e vários outros
estudiosos dedicados a esses notáveis problemas.
Os mais ferozes animais têm para com a prole ilimitada
ternura. Aves existem que se deixam matar, quando não se
lhes permite a defesa das suas famílias. Os cães, os
cavalos, os macacos, os elefantes deixam entrever
apreciáveis qualidades de inteligência.
É conhecido o caso dos cavalos de um regimento que
mastigavam o feno para um de seus companheiros,
inutilizado e enfermo. Conta-se que uma fêmea de
cinocéfalo, muito conhecida pela sua mansidão, gostava
de recolher os macaquinhos, os gatos e os cães, dos
quais cuidava com desvelado carinho; certo dia, um gato
revoltou-se contra a sua benfeitora, arranhando-lhe o
rosto, e a mãe adotiva, revelando a mais refletida
inteligência, examinou-lhe as patas, cortando-lhe as
unhas pontiagudas com os dentes.
Constitui um fato observável a sensibilidade dos cães e
dos cavalos ao elogio e às reprimendas.
Longe iríamos com as citações. O que podemos assegurar é
que, sobre os mundos, laboratórios da vida no Universo,
todas as forças naturais contribuem para o nascimento do
ser.
De milênios remotos viemos todos nós em pesados
avatares.
Da noite dos grandes princípios, ainda insondável para
nós, emergimos para o concerto da vida. A origem
constitui, para o nosso relativo entendimento, um
profundo mistério, cuja solução ainda não nos foi
possível atingir, mas sabemos que todos os seres
inferiores e superiores participam do patrimônio da luz
universal.
Em que esfera nós estivemos um dia, esperando o
desabrochamento de nossa racionalidade?
Vós desconheceis ainda os processos, os modismos dessas
transições, etapas percorridas pelas espécies, evoluindo
sempre, buscando a perfeição suprema e absoluta, mas
sabeis que um laço de amor nos reúne a todos, diante da
Entidade Suprema do Universo.
É certo que o Espírito jamais retrograda, constituindo
uma infantilidade as teorias da metempsicose dos
egípcios, na antiguidade. Mas, se é impossível o
regresso da alma humana ao circulo da irracionalidade,
recebei como obrigação sagrada o dever de amparar os
animais na escala progressiva de suas posições variadas
no planeta.
Estendei até eles a vossa concepção de solidariedade e o
vosso coração compreenderá, mais profundamente, os
grandes segredos da evolução, entendendo os maravilhosos
e doces mistérios da vida.