Chico Xavier
Fundada em tempos remotíssimos, por agrupamentos de
homens que experimentavam a necessidade de recíproca
defesa e proteção mútua, edificou-se Roma, sobre as
lendas de Rômulo, do rapto das sabinas e outras.
Habitada por indivíduos acostumados à rudeza, tornou-se
populosa com os reforços de habitantes que
constantemente lhe vinham dos núcleos circunvizinhos,
vindo a ser, em breve, a cidade que se transformaria na
célebre república, depois império, e que tão fortemente
predominava sobre os destinos humanos.
Como, porém, não é objeto da nossa palestra o estudo da
História Universal, sintetizemos, para alcançar o nosso
desiderato.
Edificante é a investigação, o estudo acerca do
Cristianismo nos primeiros tempos de sua história;
edificante lembrarmos as apagadas figuras de pescadores
humildes, grosseiros e quase analfabetos, a enfrentarem
o extraordinário e secular edifício erguido pelos
triunfos romanos, objetivando a sua reforma integral.
Afrontando a morte em todos os caminhos, reconheceram,
em breve, que inúmeros Espíritos oprimidos os aguardavam
e com eles se transformavam em anunciadores da causa do
Divino Mestre. A história da Igreja cristã, nos
primitivos séculos, está cheia de heroísmos
santificantes e de redentoras abnegações. Nas dez
principais perseguições aos cristãos, de Nero a
Diocleciano, vemos, pelo testemunho da História, gestos
de beleza moral, dignos de monumentos imperecíveis. Foi
assim que, contando com a animadversão das autoridades
da filosofia em voga na época, os seguidores de Cristo
sentiram forte amparo na voz esclarecida de Tertuliano,
Clemente de Alexandria, Orígenes e outras sumidades do
tempo.
Nos primitivos movimentos de propaganda da nova fé, não
possuíam nenhuma supremacia, os bispos romanos, entre os
seus companheiros de episcopado e a Igreja era pura e
simples, como nos tempos que se seguiram ao regresso do
seu divino fundador às regiões da Luz. As primeiras
reformas surgiram no quarto século da vossa era, quando
Basílio de Cesareia e Gregório Nazianzeno instituíram o
culto aos santos.
Os bispos romanos sempre desejaram exercer
injustificável primazia entre os seus coirmãos; todavia,
semelhantes pretensões foram sempre profligadas,
destacando-se entre os vultos que as combateram a
venerável figura de Agostinho, que se tornara adepto
fervoroso do Crucificado à força de ouvir as prédicas de
Ambrósia, bispo de Milão, a cujos pés se prosternou
Teodósio, o Grande, penitenciando-se das crueldades
perpetradas ao reprimir a revolta dos tessalonicenses.
Desde o primeiro concílio ecumênico de Niceia, convocado
para condenação do cisma de Ário, continuaram as
reuniões desses parlamentos eclesiásticos, onde eram
debatidos todos os problemas que interessavam ao
movimento cristão. Datam dessas famosas reuniões as
inovações desfiguradoras da beleza simples do Evangelho;
ainda aí, contudo, nesses primeiros séculos que
sucederam à implantação da doutrina de Jesus, destinada
a exercer tão acentuada influência na legislação de
todos os povos, não se conhecia, em absoluto, a
hegemonia da Igreja de Roma entre as outras congêneres.
Somente no princípio do século VII a presunção dos
prelados romanos encontrou guarida no famigerado
imperador Focas, que outorgou a Bonifácio a primazia
injustificável de bispo universal. Consumada essa
medida, que facilitava ao orgulho e ao egoísmo toda sua
nociva expansibilidade, tem-se levado a efeito, até
hoje, os maiores atentados, que culminaram, em 1870, na
declaração da infalibilidade papal.
A doutrina de Jesus, concentrando-se à força na cidade
de Césares, aí permaneceu como encarcerada pelo poder
humano e, passando por consecutivas reformas, perdeu a
simplicidade encantadora das suas origens,
transformando-se num edifício de pomposas
exterioridades. Após a instituição do culto dos santos,
surgiram imediatamente os primeiros ensaios de altares e
paramentos para as cerimônias eclesiásticas, medidas
aventadas pelos pagãos convertidos, os quais,
constantemente, foram adaptando a Igreja a todos os
sistemas religiosos do passado. O dogma da trindade é
uma adaptação da Trimúrti da antiguidade oriental, que
reunia nas doutrinas do bramanismo os três deuses –
Brama, Vishu e Shiva. É verdade que as coisas
inacessíveis ainda a vossa compreensão e que constituem
os mistérios celestes, só vos podem ser transmitidas em
suas expressões simbólicas; mas, o Catolicismo não pode
aproveitar-se desse argumento para impor-se como única
doutrina infalível e soberana. Ele era uma escola
religiosa, como qualquer outra que busque nortear os
homens para o bem e para Deus, mas que perdeu esse
objetivo, pecando constantemente por orgulho dos seus
dirigentes, os quais raras vezes sabem exemplificar a
piedade cristã.
A história do papado é a do desvirtuamento dos
princípios do Cristianismo, porque, pouco a pouco, o
Evangelho quase desapareceu sob as suas despóticas
inovações. Criaram os pontífices, o latim nos rituais, o
culto das imagens, a canonização, a confissão auricular,
a adoração da hóstia, o celibato sacerdotal e,
atualmente, noventa por cento das instituições são de
origem humaníssima, fora de quaisquer características
divinas.
Perdido o cetro da sua hegemonia na antiguidade, o
espírito de supremacia perdurou, entretanto, na grande
cidade, outrora teatro de todos os aviltamentos e
corrupções da Humanidade. Foi dessa ânsia, de operar um
retrospecto da História, que nasceu provavelmente o
desejo de o bispo romano arvorar-se em chefe do
Cristianismo; o que Roma perdera, com o progresso e com
a expansão dos povos, reaveria nos domínios das coisas
espirituais.
E assim aconteceu.
O Vaticano, porém, não soube senão produzir obras de
caráter exclusivamente material, tornando-se potência de
poder e autoridade temporais. Afogou-se na vaidade,
obtendo o que procurava, porquanto tem o seu império na
Terra, que ainda não é o reino de Jesus.
O seu fastígio, as suas suntuosas basílicas, as suas
pomposas solenidades recordam o politeísmo e as
dissipações da sociedade romana e, quando o sumo
pontífice aparece em vossos dias na sédia gestatória
(atualmente Papa móvel), é o retrato dos cônsules do
antigo senado quando saiam a público, precedidos de
lictores. O símile é perfeito.
Meu objetivo foi mostrar-vos a inexistência do selo
divino nas instituições católicas. Toda a força da
Igreja, na atualidade, vem da sua organização política,
que busca contemporizar com a ignorância. O milagre que
se operou nalguns espíritos de eleição, como o divino
inspirado da Úmbria, gerou-se da beleza do Evangelho e
dos tempos apostólicos, unicamente, porque, entre Jesus
e o papa, entre os apóstolos e os clérigos, há uma
distância imensurável.
O Vaticano conservará seu poderio, enquanto puder
adaptar-se a todos os costumes políticos das
nacionalidades; mas, quando o Evangelho for
integralmente restabelecido, quando a onda de uma
reforma visceral purificar o ambiente das democracias
com a luminosa mensagem da fraternidade humana,
desaparecerá, não podendo ser absolvido na balança da
História, porque ao lado dos poucos bens que espalhou
está o peso esmagador das suas muitas iniquidades.