Chico Xavier
Quando, no homem ou nos irracionais, um gesto se opera,
a Natureza determina o desaparecimento de certa
percentagem de substância da economia vital; quando a
sensibilidade se exterioriza e os pensamentos se
manifestam, eis que os nervos se consomem, gastando-se o
cérebro em suas atividades funcionais.
A vida corporal é bem a expressão da morte, através da
qual efetuais as vossas observações e os vossos estudos.
Não dispondes, dentro da exiguidade dos vossos sentidos,
senão de elementos constatadores da perda de energia, da
luta vital, dos conflitos que se estabelecem para que os
seres se mantenham no seu próprio habitat.
A vida, em suas causalidades profundas, escapa aos
vossos escalpelos e apenas o embriologista observa, no
silêncio da penumbra, infinitésima fração do fenômeno
assimilatório das criações orgânicas.
Segundo os dados da vossa fisiologia, a célula primitiva
é comum a todos os seres vertebrados e espanta ao
embriólogo a lei organogênica que estabelece a ideia
diretora do desenvolvimento fetal, desde a união do
espermatozoide ao óvulo, especificando os elementos
amorfos do protoplasma; nos domínios da vida, essa ideia
diretriz conserva-se inacessível até hoje aos vossos
processos de indagação e de análise, porquanto esse
desenho invisível não está subordinado a nenhuma
determinação físico-química, porém, unicamente ao corpo
espiritual preexistente, em cujo molde se realizam todas
as ações plásticas da organização, e sob cuja influência
se efetuam todos os fenômenos endosmóticos.
O organismo fluídico, caracterizado por seus elementos
imutáveis, é o assimilador das forças protoplasmáticas,
o mantenedor da aglutinação molecular que organiza as
configurações típicas de cada espécie, incorporando-se,
átomo por átomo, à matéria do germe e dirigindo-a
segundo a sua natureza particular.
Algumas objeções científicas têm sido apresentadas à
teoria irrefutável do corpo espiritual preexistente,
destacando-se entre elas, por mais digna de exame, a
hereditariedade, a qual somente deve ser ponderável sob
o ponto de vista fisiológico. Todos os tipos de reino
mineral, vegetal, animal, incluindo-se o hominal,
organizam-se segundo as disposições dos seus precedentes
ancestrais, dos quais herdam, naturalmente, pela lei das
afinidades, a sua sanidade ou os seus defeitos de origem
orgânica, unicamente.
De todos os estudos referentes ao assunto, em vossa
época, salienta-se a teoria darwiniana das gêmulas,
corpúsculos infinitesimais que se transmitem pela vida
seminal aos elementos geradores, contendo na matéria
embrionária disposição de todas as moléculas do corpo,
as quais se reproduzem dentro de cada espécie. A maioria
das moléstias, inclusive a dipsomania, é transmissível;
porém, isso não implica um fatalismo biológico que
engendre o infortúnio dos seres, porque inúmeros
Espíritos, em traçando o mapa do seu destino, buscam,
com o escolher determinado instrumento, alargar as suas
possibilidades de triunfo sobre a matéria, como um fato
decorrente das severas leis morais, que, como no
ambiente terrestre, prevalecem no mundo espiritual, o
que não nos cabe discutir neste estudo.
Não obstante a preponderância dos fatores físicos nas
funções procriadoras é totalmente inaceitável e
descabido o atavismo psicológico, hipótese que aventada
pelos desconhecedores da profunda independência da
individualidade espiritual, hipótese que reveste a
matéria de poderes que nunca ela possuiu em sua condição
de passividade característica.
Reconhecendo-se, pois, a veracidade da argumentação
daqueles que aceitam a hereditariedade fisiológica nos
fenômenos da procriação, representando cada ser o
organismo que provêm por filiação, afastemos a hipótese
da hereditariedade psicológica, porquanto,
espiritualmente, temos a considerar, apenas, ao lado da
influência ambiente, a afinidade sentimental.
De todas as funções gerais que caracterizam os seres
viventes, somente os fenômenos de nutrição podem ser
estudados pela perquirição científica e, mesmo assim,
imperfeitamente, há uma força inerente aos corpos
organizados, que mantém coesas as personalidades
celulares, sustentando-se dentro das particularidades de
cada órgão, presidindo aos fenômenos partenogenéticos de
sua evolução, substituindo, através da segmentação,
quantas delas se consomem nas secreções glandulares, no
trabalho mantenedor da atividade orgânica.
Essa força é o que denominais princípio vital, essência
fundamental que regula a existência das células vivas, e
no qual elas se banham constantemente, encontrando assim
a sua necessária nutrição, força que se encontra esparsa
por todos os escaninhos do universo orgânico, combinada
às substâncias minerais, azotadas e ternárias, operando
os atos nutritivos de todas as moléculas. O princípio
vital é o agente entre o corpo espiritual, fonte de
energia e da vontade, e a matéria passiva, inerente às
faculdades superiores do Espírito, que o adapta segundo
as forças cósmicas que constituem as leis físicas de
cada plano de existência, proporcionando essa adaptação
às suas necessidades intrínsecas.
Essa força ativa e regeneradora, de cujo enfraquecimento
decorre a ausência de tônus vital, precursor da
destruição orgânica, é simplesmente a ação criadora e
plasmadora do corpo espiritual sobre os elementos
físicos.
O corpo espiritual não retém somente a prerrogativa de
constituir a fonte da misteriosa força plástica da vida,
a qual opera a oxidação orgânica; é também ele a sede
das faculdades, dos sentimentos, da inteligência e,
sobretudo o santuário da memória, em que o ser encontra
os elementos comprobatórios da sua identidade, através
de todas as mutações e transformações da matéria.
Todas as células orgânicas renovam-se incessantemente; e
como poderia a criatura conhecer-se entre essas
continuadas transubstanciações? Para que se manifeste o
pensamento – que desconhece as glândulas que o segregam,
porquanto constitui a vibração do corpo espiritual
dentro de sua profunda consciência – quantas células se
consomem e se queimam?
O cérebro assemelha-se a complicado laboratório onde o
espírito, prodigioso alquimista, efetua inimagináveis
associações atômicas e moleculares, necessárias às
exteriorizações inteligentes.
É ainda, pois, ao corpo espiritual que se deve a
maravilha da memória, misteriosa chapa fotográfica, onde
tudo se grava, sem que os menores coloridos das imagens
se confundam entre si.
Tem-se procurado explicar, pela prática dos
neurologistas, toda a classe de fenômenos intelectuais,
através das ações combinadas do sistema nervoso; e, de
fato, a Ciência atingiu certezas irrefutáveis, como, por
exemplo, a de que uma lesão orgânica faz cessar a
manifestação que lhe corresponde e que a destruição de
uma rede nervosa faz desaparecer uma faculdade.
Semelhante acerto, porém, não afasta a verdade da
influência de ordem espiritual e invisível, porque se
faz mistér compreender, não a alma insulada do corpo,
mas ligada a esse corpo, o qual representa a sua forma
objetivada, com um aglomerado de matérias
imprescindíveis à sua condição de tangibilidade,
animadas pela sua vontade e por seus atributos imortais.
Algumas escolas filosóficas fizeram da alma uma
abstração, mas a psicologia moderna restabeleceu a
verdade, unindo os elementos psíquicos aos materiais,
reconhecendo no corpo a representação da alma,
representação material necessária, segundo as leis
físicas imperantes na Terra, as quais colocaram no
sensório o limite das percepções humanas, que são
exíguas em relação ao número ilimitado das vibrações da
vida, que para elas se conservam inapreensíveis.
É, pois, o corpo espiritual a alma fisiológica,
assimilando a matéria ao seu molde, à sua estrutura, a
fim de materializar-se no mundo palpável. Sem ele, a
fecundação constaria de uma composição amorfa e todas as
manifestações inteligentes e sábias da Natureza, que
para todos nós devem significar a expressão da vontade
divina, constituiriam uma série de atos irregulares e
incompreensíveis, sem objetivo determinado.
E como se tem operado a evolução do corpo espiritual?
Remontai ao caos telúrico do vosso Globo nas épocas
primárias.
Cessadas as perturbações geológicas, estabelecido o
repouso em algumas grandes extensões de matéria
resfriada, eis que, entre as forças cósmicas associadas,
aparece o primeiro rudimento de vida organizada – o
protoplasma. Eis que os séculos se escoam... Eis as
amebas, os zoófilos, os seres monstruosos das
profundidades submarinas... Recapitulemos os milênios
passados e acharemos a nossa própria história; a
individualidade, o nosso “ego” constitui o nosso maior
triunfo. E, chegados ao raciocínio e ao sentimento da
Humanidade, através de vidas inumeráveis, teremos
atingido o zênite da nossa evolução anímica? Não. Se nos
achamos acima dos nossos semelhantes inferiores – os
irracionais, – acima de nós se encontram os seres
superiores da espiritualidade, que se hierarquizam ao
infinito e cuja perfeição nos compete alcançar.