NOTÍCIAS HISTÓRICAS
Para bem se compreenderem algumas passagens
dos Evangelhos, necessário se faz conhecer o valor de muitas
palavras neles frequentemente empregadas e que caracterizam o
estado dos costumes e da sociedade judia naquela época. Já não
tendo para nós o mesmo sentido, essas palavras foram com
frequência mal interpretadas, causando isso uma espécie de
incerteza. A inteligência da significação delas explica, ao
demais, o verdadeiro sentido de certas máximas que, à primeira
vista, parecem singulares.
Escribas. - Nome dado, a princípio, aos secretários dos reis
de Judá e a certos intendentes dos exércitos judeus. Mais
tarde, foi aplicado especialmente aos doutores que ensinavam a
lei de Moisés e a interpretavam para o povo. Faziam causa
comum com os fariseus, de cujos princípios partilhavam, bem
como da antipatia que aqueles votavam aos inovadores. Daí o
envolvê-los Jesus na reprovação que lançava aos fariseus.
Essênios ou esseus. - Também seita judia fundada cerca do ano
150 antes de Jesus Cristo, ao tempo dos macabeus, e cujos
membros, habitando uma espécie de mosteiros, formavam entre si
uma como associação moral e religiosa. Distinguiam-se pelos
costumes brandos e por austeras virtudes, ensinavam o amor a
Deus e ao próximo, a imortalidade da alma e acreditavam na
ressurreição. Viviam em celibato, condenavam a escravidão e a
guerra, punham em comunhão os seus bens e se entregavam à
agricultura. Contrários aos saduceus sensuais, que negavam a
imortalidade; aos fariseus de rígidas práticas exteriores e de
virtudes apenas aparentes, nunca os essênios tomaram parte nas
querelas que tornaram antagonistas aquelas duas outras seitas.
Pelo gênero de vida que levavam, assemelhavam-se muito aos
primeiros cristãos, e os princípios da moral que professavam
induziram muitas pessoas a supor que Jesus, antes de dar
começo à sua missão pública, lhes pertencera à comunidade. E
certo que ele há de tê-la conhecido, mas nada prova que se lhe
houvesse filiado, sendo, pois, hipotético tudo quanto a esse
respeito se escreveu. (1)
(1) A morte de Jesus, supostamente escrita por um essênio,
é obra inteiramente apócrifa, cujo único fim foi servir de
apoio a uma opinião. Ela traz em si mesma a prova de sua
origem moderna.
Fariseus (do hebreu parush, divisão, separação). - A
tradição constituía parte importante da teologia dos judeus.
Consistia numa compilação das interpretações sucessivamente
dadas ao sentido das Escrituras e tomadas artigos de dogma.
Constituía, entre os doutores, assunto de discussões
intermináveis, as mais das vezes sobre simples questões de
palavras ou de formas, no gênero das disputas teológicas e das
sutilezas da escolástica da Idade Média. Daí nasceram
diferentes seitas, cada uma das quais pretendia ter o
monopólio da verdade, detestando-se umas às outras, como sói
acontecer.
Entre essas seitas, a mais influente era a dos fariseus, que
teve por chefe Hillel (2), doutor judeu nascido na Babilônia,
fundador de uma escola célebre, onde se ensinava que só se
devia depositar fé nas Escrituras. Sua origem remonta a 180 ou
200 anos antes de Jesus Cristo. Os fariseus, em diversas
épocas, foram perseguidos, especialmente sob Hircano –
soberano pontífice e rei dos judeus –, Aristóbulo e Alexandre,
rei da Síria. Este último, porém, lhes deferiu honras e
restituiu os bens, de sorte que eles readquiriram o antigo
poderio e o conservaram até a ruína de Jerusalém, no ano 70 da
era cristã, época em que se lhes apagou o nome, em
consequência da dispersão dos judeus.
(2) Não confundir esse Hillel que fundou a seita dos
fariseus com o seu homônimo que viveu duzentos anos mais
tarde e estabeleceu os princípios religiosos e sociais de um
sistema todo de tolerância e amor, sistema hoje conhecido
por Hillelismo. - A Editora da FEB, 1947.
Tomavam parte ativa nas controvérsias religiosas. Servis
cumpridores das práticas exteriores do culto e das cerimônias;
cheios de um zelo ardente de proselitismo, inimigos dos
inovadores, afetavam grande severidade de princípios; mas, sob
as aparências de meticulosa devoção, ocultavam costumes
dissolutos, muito orgulho e, acima de tudo, excessiva ânsia de
dominação. Tinham a religião mais como meio de chegarem a seus
fins, do que como objeto de fé sincera. Da virtude nada
possuíam, além das exterioridades e da ostentação; entretanto,
por umas e outras, exerciam grande influência sobre o povo, a
cujos olhos passavam por santas criaturas.
Daí o serem muito poderosos em Jerusalém.
Acreditavam, ou, pelo menos, fingiam acreditar na Providência,
na imortalidade da alma, na eternidade das penas e na
ressurreição dos mortos. (Cap. IV, no. 4.) Jesus, que prezava,
sobretudo, a simplicidade e as qualidades da alma, que, na
lei, preferia o espírito, que vivifica, a' letra, que mata, se
aplicou, durante toda a sua missão, a lhes desmascarar a
hipocrisia, pelo que tinha neles encarniçados inimigos. Essa a
razão por que se ligaram aos príncipes dos sacerdotes para
amotinar contra ele o povo e eliminá-lo.
Nazarenos. - Nome dado, na antiga lei, aos judeus que faziam
voto, ou perpétuo ou temporário, de guardar perfeita pureza.
Eles se comprometiam a observar a castidade, a abster-se de
bebidas alcoólicas e a conservar a cabeleira. Sansão, Samuel e
João Batista eram nazarenos.
Mais tarde, os judeus deram esse nome aos primeiros cristãos,
por alusão a Jesus de Nazaré.
Também foi essa a denominação de uma seita herética dos
primeiros séculos da era cristã, a qual, do mesmo modo que os
ebionitas, de quem adotava certos princípios, misturava as
práticas do mosaísmo com os dogmas cristãos, seita essa que
desapareceu no século quarto.
Portageiros. - Eram os arrecadadores de baixa categoria,
incumbidos principalmente da cobrança dos direitos de entrada
nas cidades. Suas funções correspondiam mais ou menos à dos
empregados de alfândega e recebedores dos direitos de
barreira. Compartilhavam da repulsa que pesava sobre os
publicanos em geral. Essa a razão por que, no Evangelho, se
depara frequentemente com a palavra publicano ao lado da
expressão gente de má vida. Tal qualificação não implicava a
de debochados ou vagabundos. Era um termo de desprezo,
sinônimo de gente de má companhia, gente indigna de conviver
com pessoas distintas.
Publicanos. - Eram assim chamados, na antiga Roma, os
cavalheiros arrendatários das taxas públicas, incumbidos da
cobrança dos impostos e das rendas de toda espécie, quer em
Roma mesma, quer nas outras partes do Império. Eram como os
arrendatários gerais e arrematadores de taxas do antigo
regímen na França e que ainda existem nalgumas legiões.
Os riscos a que estavam sujeitos faziam que os olhos se
fechassem para as riquezas que muitas vezes adquiriam e que,
da parte de alguns, eram frutos de exações e de lucros
escandalosos. O nome de publicano se estendeu mais tarde a
todos os que superintendiam os dinheiros públicos e aos
agentes subalternos. Hoje esse termo se emprega em sentido
pejorativo, para designar os financistas e os agentes pouco
escrupulosos de negócios. Diz-se por vezes: “Ávido como um
publicano, rico como um publicano", com referência a riquezas
de mau quilate.
De toda a dominação romana, o imposto foi o que os judeus mais
dificilmente aceitaram e o que mais irritação causou entre
eles. Dai nasceram várias revoltas, fazendo-se do caso uma
questão religiosa, por ser considerada contrária à Lei.
Constituiu-se, mesmo, um partido poderoso, a cuja frente se
pôs um certo Judá, apelidado o Gaulonita, tendo por princípio
o não pagamento do imposto, Os judeus, pois, abominavam a este
e, como consequência, a todos os que eram encarregados de
arrecadá-lo, donde a aversão que votavam aos publicanos de
todas as categorias, entre os quais podiam encontrar-se
pessoas muito estimáveis, mas que, em virtude das suas
funções, eram desprezadas, assim como os que com elas
mantinham relações, os quais se viam atingidos pela mesma
reprovação. Os judeus de destaque consideravam um
comprometimento ter com eles intimidade.
Saduceus. - Seita judia, que se formou por volta do ano 248
antes de Jesus Cristo e cujo nome lhe veio do de Sadoc, seu
fundador. Não criam na imortalidade, nem na ressurreição, nem
nos anjos bons e maus.
Entretanto, criam em Deus; nada, porém, esperando após a
morte, só o serviam tendo em vista recompensas temporais, ao
que, segundo eles, se limitava a providência divina. Assim
pensando, tinham a satisfação dos sentidos tísicos por
objetivo essencial da vida. Quanto às Escrituras, atinham-se
ao texto da lei antiga. Não admitiam a tradição, nem
interpretações quaisquer. Colocavam as boas obras e a
observância pura e simples da Lei acima das práticas
exteriores do culto. Eram, como se vê, os materialistas, os
deístas e os sensualistas da época.
Seita pouco numerosa, mas que contava, em seu seio,
importantes personagens e se tornou um partido político oposto
constantemente aos fariseus.
Samaritanos. - Após o cisma das dez tribos, Samaria se
constituiu a capital do reino dissidente de Israel. Destruída
e reconstruída várias vezes, tomou-se, sob os romanos, a
cabeça da Samaria, uma das quatro divisões da Palestina.
Herodes, chamado o Grande, a embelezou de suntuosos monumentos
e, para lisonjear Augusto, lhe deu o nome de Augusta, em grego
Sebaste.
Os samaritanos estiveram quase constantemente em guerra com os
reis de Judá. Aversão profunda, datando da época da separação,
perpetuou-se entre os dois povos, que evitavam todas as
relações recíprocas. Aqueles, para tornarem maior a cisão e
não terem de vir a Jerusalém pela celebração das festas
religiosas, construíram para si um templo particular e
adotaram algumas reformas. Somente admitiam o Pentateuco, que
continha a lei de Moisés, e rejeitavam todos os outros livros
que a esse foram posteriormente anexados. Seus livros sagrados
eram escritos em caracteres hebraicos da mais alta
antiguidade. Para os judeus ortodoxos, eles eram heréticos e,
portanto, desprezados, anatematizados e perseguidos. Ó
antagonismo das duas nações tinha, pois, por fundamento único
a divergência das opiniões religiosas; se bem fosse a mesma a
origem das crenças de uma e outra. Eram os protestantes desse
tempo.
Ainda hoje se encontram samaritanos em algumas regiões do
Levante, particularmente em Nablus e em Jafa. Observam a lei
de Moisés com mais rigor que os outros judeus e só entre si
contraem alianças.
Sinagoga (do grego synagogê, assembleia, congregação). - Um
único templo havia na Judeia, o de Salomão, em Jerusalém, onde
se celebravam as grandes cerimônias do culto. Os judeus, todos
os anos, lá iam em peregrinação para as festas principais,
como as da Páscoa, da Dedicação e dos Tabernáculos. Por
ocasião dessas festas é que Jesus também costumava ir lá.
As outras cidades não possuíam templos, mas, apenas,
sinagogas: edifícios onde os judeus se reuniam aos sábados,
para fazer preces públicas, sob a chefia dos anciães, dos
escribas, ou doutores da Lei. Nelas também se realizavam
leituras dos livros sagrados, seguidas de explicações e
comentários, atividades das quais qualquer pessoa podia
participar. Por isso é que Jesus, sem ser sacerdote, ensinava
aos sábados nas sinagogas.
Desde a ruína de Jerusalém e a dispersão dos judeus, as
sinagogas, nas cidades por eles habitadas, servem-lhes de
templos para a celebração do culto.
Terapeutas (do grego therapeutai, formado de therapeuein,
servir, cuidar, isto é: servidores de Deus, ou curadores). -
Eram sectários judeus contemporâneos do Cristo, estabelecidos
principalmente em Alexandria, no Egito. Tinham muita relação
com os essênios, cujos princípios adotavam, aplicando-se, como
esses últimos, à prática de todas as virtudes. Eram de extrema
frugalidade na alimentação. Também celibatários, votados à
contemplação e vivendo vida solitária, constituíam uma
verdadeira ordem religiosa. Fílon, filósofo judeu platônico,
de Alexandria, foi o primeiro a falar dos terapeutas,
considerando-os uma seita do judaísmo. Eusébio, S. Jerônimo e
outros Pais da Igreja pensam que eles eram cristãos. Fossem
tais, ou fossem judeus, o que é evidente é que, do mesmo modo
que os essênios, eles representam o traço de união entre o
Judaísmo e o Cristianismo.