Chico Xavier
Toda essa demagogia filosófico-doutrinária, que vedes
nas fileiras do Espiritismo, tem sua razão de ser. As
almas humanas se preparam para o bom caminho. A missão
do Cristianismo na Terra não era a de mancomunar-se com
as forças políticas que lhe desviassem a profunda
significação espiritual para os homens. O Cristo não
teria vindo ao mundo para instituir castas sacerdotais e
nem impor dogmatismos absurdos. Sua ação dirigiu-se,
justamente, para a necessidade de se remodelar a
sociedade humana, eliminando-se os preconceitos
religiosos, constituindo isso a causa da sua cruz e do
seu martírio, sem se desviar, contudo, do terreno das
profecias que o anunciavam. Todas essas atividades
bélicas, todas as lutas antifraternas no seio dos povos
irmãos, quase a totalidade dos absurdos, que complicam a
vida do homem, vieram da escravização da consciência ao
conglomerado de preceitos dogmáticos das Igrejas que se
levantaram sobre a doutrina do Divino Mestre,
contrariando as suas bases, digladiando-se mutuamente,
condenando-se umas às outras em nome de Deus.
Aliado ao Estado, o Cristianismo deturpou-se, perdendo
as suas características divinas.
Sabemos todos que a Humanidade terrena atinge,
atualmente, as cumeadas de um dos mais importantes
ciclos evolutivos. Nessas transformações, há sempre
necessidade do pensamento religioso para manter-se a
espiritualidade das criaturas em momentos tão críticos.
A ideia cristã se encontrava afeto o trabalho de
sustentar essa coesão dos sentimentos de confiança e de
fé das criaturas humanas nos seus elevados destinos;
todavia, encarcerada nas grades dos dogmas
católico-romanos, a doutrina de Jesus não poderia, de
modo algum, amparar o espírito humano nessas dolorosas
transições.
Todas as exterioridades da Igreja deixam nas almas
atuais, sedentas de progresso, um vazio muito amargo.
Foi justamente quando o Positivismo alcançava o absurdo
da negação, com Auguste Comte, e o Catolicismo tocava às
extravagâncias da afirmativa, com Pio IX proclamando a
infalibilidade papal, que o Céu deixou cair à Terra a
revelação abençoada dos túmulos. O Consolador prometido
pelo Mestre chegava no momento oportuno. Urge reformar,
reconstruir, aproveitar o material ainda firme, para
destruir os elementos apodrecidos na reorganização do
edifício social. E é por isso que a nossa palavra bate
insistentemente nas antigas teclas do Evangelho cristão,
porquanto não existe outra fórmula que possa dirimir o
conflito da vida atormentada dos homens. A atualidade
requer a difusão dos seus divinos ensinamentos. Urge,
sobretudo, a criação dos núcleos verdadeiramente
evangélicos, de onde possa nascer a orientação cristã a
ser mantida no lar, pela dedicação dos seus chefes. As
escolas do lar são mais que precisas, em vossos tempos,
para a formação do espírito que atravessará a noite de
lutas que a vossa Terra está vivendo, em demanda da
gloriosa luz do porvir.
Há necessidade de iniciar-se o esforço de regeneração em
cada indivíduo, dentro do Evangelho, com a tarefa nem
sempre amena da autoeducação. Evangelizado o indivíduo,
evangeliza-se a família; regenerada esta, a sociedade
estará a caminho de sua purificação, reabilitando-se
simultaneamente a vida do mundo.
No capítulo da preparação da infância, não preconizamos
a educação defeituosa de determinadas noções
doutrinárias, mas facciosas, facilitando-se na alma
infantil a eclosão de sectarismos prejudiciais e
incentivando o espírito de separatividade, e não
concordamos com a educação ministrada absolutamente nos
moldes desse materialismo demolidor, que não vê no homem
senão um complexo celular, onde as glândulas, com as
suas secreções, criam uma personalidade fictícia e
transitória. Não são os sucos e os hormônios, na sua
mistura adequada nos laboratórios internos do organismo,
que fazem a luz do espírito imortal. Ao contrário dessa
visão audaciosa dos cientistas, são os fluidos,
imponderáveis e invisíveis, atributos da individualidade
que preexiste ao corpo e a ele sobrevivem, que dirigem
todos os fenômenos orgânicos que os utopistas da
biologia tentam em vão solucionar, com a eliminação da
influência espiritual. Todas as câmaras misteriosas
desse admirável aparelho, que é o mecanismo orgânico do
homem, estão repletas de uma luz invisível para os olhos
mortais.
As atividades pedagógicas do presente e do futuro terão
de se caracterizar pela sua feição evangélica e
espiritista, se quiserem colaborar no grandioso edifício
do progresso humano.
Os estudiosos do materialismo não sabem que todos os
seus estudos se baseiam na transição e na morte. Todas
as realidades da vida se conservam inapreensíveis às
suas faculdades sensoriais. Suas análises objetivam
somente a carne perecível. O corpo que estudam, a célula
que examinam, o corpo químico submetido à sua crítica
minuciosa, são acidentais e passageiros. Os materiais
humanos postos sob os seus olhos pertencem ao domínio
das transformações, através do suposto aniquilamento.
Como poderá, pois, esse movimento de extravagância do
espírito humano presidir à formação da mentalidade geral
que o futuro requer, para a consecução dos seus projetos
grandiosos de fraternidade e de paz? A intelectualidade
acadêmica está fechada no circulo da opinião dos
catedráticos, como a ideia religiosa está presa no
cárcere dos dogmas absurdos. Os continuadores do Cristo,
nos tempos modernos, terão de marchar contra esses
gigantes, com a liberdade dos seus atos e das suas
ideias.
Por enquanto, todo o nosso trabalho objetiva a formação
da mentalidade cristã, por excelência, mentalidade
purificada, livre dos preceitos e preconceitos que
impedem a marcha da Humanidade. Formadas essas correntes
de pensadores esclarecidos do Evangelho, entraremos,
então, no ataque às obras. Os jornais educativos, as
estações radiofônicas, os centros de estudo, os clubes
do pensamento evangélico, as assembleias da palavra, o
filme que ensina e moraliza, tudo à base do sentimento
cristão, não constituem uma utopia dos nossos corações.
Essas obras que hoje surgem vacilantes e indecisas no
seio da sociedade moderna, experimentando quase sempre
um fracasso temporário, indicam que a mentalidade
evangélica não se acha ainda edificada. A andaimaria
(conjunto de andaimes), porém, ai está esperando o
momento final da grandiosa construção.
Toda a tarefa, no momento, é formar o espírito
genuinamente cristão; terminado esse trabalho, os homens
terão atingido o dia luminoso da paz universal e da
concórdia de todos os corações.