Chico Xavier
A evolução dos códigos políticos da América do Sul
deveria merecer mais respeito por parte dos elementos
que se acham sob as ordens do Vaticano.
Falar-se em sagração do chefe do Estado pela Igreja
Romana, aliando o direito divino às obrigações
políticas, depois de tantas conquistas sociais da
República, seria quase infantilidade, se isso não
representasse algo de perigoso para os próprios códigos
de natureza política do país.
Nenhum culto que se prenda a Deus pela devoção e por
determinados deveres religiosos, tem o direito de
interferir nos movimentos transitórios do Estado, como
este último não tem o direito de interferir na vida
privada da personalidade, em matéria de gosto, de
sentimento e de consciência, segundo as velhas fórmulas
do liberalismo. Há muito tempo, os fenômenos do
progresso político dos povos proscrevem essas nefastas
influências religiosas sobre a política administrativa
das coletividades.
Já o próprio Cristo asseverava nas suas divinas lições;
- “A César o que é de César e a Deus o que é de Deus”.
Mas, a Igreja Católica Romana jamais ocultou sua
preferência pela amizade de César.
Os tempos apostólicos, que ainda iluminam o coração da
Humanidade sofredora, até os tempos modernos, pela sua
união com o Evangelho, foram muito curtos. Não tardou
que a organização dos bispos romanos preponderasse sobre
todos os núcleos do verdadeiro Cristianismo,
sufocando-os com as suas forças temporais.
Inventaram-se todas as novidades para o ideal de
simplicidade e pureza de Jesus e, desde épocas remotas,
o Catolicismo é bem retrato do farisaísmo dos tempos
judaicos, que conduziu o Divino Mestre a crucificação.
Amiga dos poderosos, em todos os tempos, bastilha do
pensamento livre da Humanidade que tentou a civilização
cristã, é talvez, por esse motivo, que a Igreja, pela
voz dos seus teólogos mais eminentes, procurou sempre
revestir o poder transitório dos felizes da Terra com um
caráter de divindade. Batida pela demagogia séptica de
todos os filósofos e cientistas que seguiram no luminoso
caminho das concepções liberais, retirada da sua posição
de opressora para se transformar em instrumento humilde
de outros opressores das criaturas humanas, a Igreja, na
sua assombrosa capacidade de adaptação, esperou
pacientemente outras oportunidades para reaquisição dos
seus poderes e de suas tiranias e as encontrou dentro da
mística do Estado totalitário.