Chico Xavier
Vivendo à custa da economia dos que trabalham, a Igreja
Romana é a atual usurpadora de grande percentagem do
esforço penoso das coletividades.
Sem dúvida, a sua influência no passado beneficiou a
civilização, muito embora tenha sido essa influência
saturada de movimentos condenáveis, à sombra do nome de
Deus e em nome do Evangelho. As guerras santas, a
inquisição, as renovações religiosas dos séculos
pretéritos, apoiam a nossa assertiva. As obras
beneficentes da Igreja estão ainda cheias de sangue dos
mártires. Quase todos os bens que o Vaticano conseguiu
trazer à civilização nascente fizeram-se acompanhar de
terríveis acontecimentos.
A Europa moderna, pobre de possibilidades econômicas e
compreendendo de perto a ação defraudadora da Igreja
Católica, tornou-se campo quase estéril para as suas
explorações. As tendências da mentalidade geral para uma
organização econômica, sobre a base da justiça que deve
prevalecer em todas as leis do futuro, fizeram dos
países europeus terreno impróprio para uma indústria
religiosa. Com exceção da política de Berlim e de Roma,
outras nacionalidades europeias custariam a tolerar
esses movimentos de audaciosas explorações. A mística
fascista é a única que procura o amparo das ilusões
religiosas do Catolicismo, com o objetivo de manter a
coesão popular, em torno da idolatria do Estado. Ainda
agora, existem pronunciadas tendências da nova Alemanha
para que se crie, nos bastidores da política hitlerista,
uma Igreja nacionalizada.
Mas os países democráticos, que se encaminham, com os
seus estatutos de governo, para o socialismo cristão do
porvir, sentiriam dificuldade em suportar tutelas dessa
natureza. Trabalhadores por doutrinas libertárias, eles
vêm pagando com sangue os seus progressos penosamente
obtidos. Longe de nós aplaudirmos a política nefasta de
Stalin ou as suas atividades nos gabinetes de Léon Blum
ou de Azaña, apenas salientamos a tendência das massas
para a liberdade, sacudindo o jugo milenar do
Catolicismo, que, a pretexto de prosseguir na obra
cristã, apossou-se do Estado para dominar e escravizar
as consciências. A Igreja, se bem haja desempenhado
missão preponderante no destino desta civilização que,
na atualidade, toca ao apogeu, fez mais vítimas que as
dez perseguições mais notáveis, efetuadas pelos
imperadores de Roma antiga contra os adeptos da
abençoada doutrina do Crucificado.
Integrada no conhecimento dessas grandes verdades é que
a Europa de agora se apresenta como um campo perigoso
para as grandes concentrações católicas; e os sacerdotes
romanos que, com escasso automatismo de sibaritas, bem
compreendem que a visão dos seus faustos e de suas
grandezas atiçam o instinto terrível das massas,
trabalhadas pelas necessidades mais duras, reconhecendo,
de modo extraordinário, os movimentos homicidas dos
extremismos da atualidade, cujas lutas nefastas vêm
amargurando a alma dos povos. Ninguém ignora a fortuna
gigantesca que se encerra, sem benefício para ninguém,
nos cofres pesados do Vaticano; capitais que para eles
se canalizam, com fertilidade assombrosa, ali repousam
sem se converterem em benefício dos que trabalham,
conquistando com penoso suor o pão de cada dia. Os
milhões de liras que ali se arquivam, em detrimento da
economia de todas as classes que produzem, têm apenas
uma utilidade, que é a do engrandecimento da obra
esplendorosa dos humildes continuadores de Jesus.
Enquanto há fome e desolação no mundo, Sua Santidade
distribui bênçãos e títulos nobiliárquicos, compensados
com os mais pingues tributos de ouro. As canonizações
custam verdadeiras fortunas aos países católicos. Para
que a França conseguisse o altar para a sua heroína de
Domremy, muitos milhares de francos foram arrancados à
economia popular. A América do Sul ainda não conseguiu
alguns santos do Vaticano, em virtude da sua carência de
recursos financeiros à consecução de tal projeto.
Enquanto o Vaticano se entende com o Quirinal sobre as
mais pesadas somas de ouro, destinadas às atividades
guerreiras, os padres se reúnem e falam de paz; enquanto
Pio XI se debruça nos seus ricos apartamentos, passeando
pelas suas galerias de arte de todos os séculos e pelas
vastas bibliotecas, exibindo a imagem do Crucificado nas
suas sandálias, ou entregando-se ao repouso no Castel
Gandolfo, há criaturas morrendo a míngua de trabalho,
entregues a toda sorte de misérias e de vicissitudes.
Inspirando-se na inteligência de Leão XIII, que deixou a
sua “Rerum novarum” como alto documento político de
conciliação das classes proletárias e capitalistas, Pio
XI publicou a sua “Quadragésimo anno”, tentando
estabelecer barreira ás doutrinas novas, que vêm por em
xeque a falsa posição da Igreja Católica. Alguns países
vêm inspirando-se nessas bulas pontifícias, para
criação de dispositivos constitucionais, aptos a manter
o equilíbrio social; todavia, importa considerar que a
igreja é impotente e suspeita para tratar dos interesses
dos povos. Na sua situação parasitária, não pode falar
aos que trabalham e sofrem, aprendendo nas experiências
mais dolorosas da vida.
A vossa civilização sente necessidade da prática
evangélica, tem sede de Cristo, fome de idealismo
genuinamente cristão e, diante desse surto novo de fé
das coletividades, nada valem os congressos
eucarísticos, porquanto é chegado o tempo de se fecharem
as portas da indústria da cruz. O Cristo terá de
ressurgir dos escombros em que foi mergulhado pela
teologia do Catolicismo. O dogma conhecerá o seu fim com
o advento das verdades novas e é para esse movimento
grandioso do porvir que os mortos vêm dar as mãos aos
vivos de boa vontade.
Que a Igreja Romana se transforme, buscando guardar a
essência dos exemplos terríveis desta última revolução
espanhola; que as provações coletivas hajam chegado ao
seu termo, sem necessidade de mais sangue, e de mais
lágrimas e de mais vidas; que Roma compreenda tudo isso
e esclareça os seus tutelados, antes que os escravos de
suas ilusões recordem de sacudir as algemas por si
mesmos; que a lei de Jesus impere desde já, sem precisar
das grandes dores que, por tantas vezes, têm lacerado o
coração sofredor da Humanidade terrestre.