O ipê, a mais bela e conhecida árvore brasileira, inspira poetas, escritores, namorados e até políticos
Como uma chuva de ouro
no ar, parada
Na fronde dos ipês, no
fervedouro
Desse amarelo e
mágico tesouro,
Vejo a Pátria pairar,
simbolizada:É aqui tão fácil
encontrarmos ouro,
Que o acharemos nas árvores da estrada,
E a quem quiser essa riqueza é dada,
E o que é nosso e de todos logradouro.
Martins Fontes
É a árvore brasileira mais conhecida, a mais cultivada
e, sem dúvida nenhuma, a mais bela. É na verdade um complexo
de nove ou dez espécies com características mais ou menos
semelhantes, com flores brancas, amarelas ou roxas. Não há
região do país onde não exista pelo menos uma espécie
dela.
O florescimento exuberante é seu traço mais marcante
e o que a torna tão espetacular. Qualquer leigo tem curiosidade
sobre seu nome ao contemplar a beleza de seu florescimento. Só não
chamou a atenção de Cabral porque não devia estar
em floração no Descobrimento. Uma infelicidade, porque isso
acontece a partir de abril.
Ao longo destes 500 anos, o ipê foi amplamente cultivado por
sua beleza, mas seriam a utilidade e a durabilidade de sua madeira que
o tornariam tão conhecido. Seu uso na estrutura do telhado das igrejas
dos séculos XVII e XVIII foi o responsável direto por tais
monumentos ainda existirem, uma vez que nem as telhas nem a alvenaria resistiram
ao tempo.
A exuberância de seu florescimento encantou namorados, escritores
e poetas. Nenhuma outra árvore foi tão cantada em verso e
prosa. São dezenas de poesias, contos e sonetos. Inspirou até
políticos, que, por meio de um projeto aprovado pelo Poder Executivo
em 1961, elegeram o ipê-amarelo, conhecido cientificamente por Tabebuia
vellosoi, como a Flor Nacional.
Pertencentes à família das bignoniáceas, os ipês
são incluídos no gênero tabebuia, palavra de origem
tupi-guarani que significa pau ou madeira que flutua, com a qual os índios
denominavam a caxeta, árvore que nasce na zona litorânea do
Brasil. Apesar da etimologia do nome do gênero a que pertencem, os
ipês, ou paus-d'arco, possuem madeira muito pesada (densidade entre
0,90 e 1,15 grama por centímetro cúbico), com cheiro característico
devido à presença da substância lapachol, ou ipeína.
Têm nomes populares variáveis para cada região e para
algumas espécies: "ipê" é o nome empregado nas regiões
Sul e Sudeste e "pau-d'arco" na Leste, na Norte e na Nordeste. No Pantanal
Mato-Grossense é conhecido por "peúva" e em algumas regiões
de Minas Gerais e Goiás por "ipeúna". Uma das espécies
do cerrado, da caatinga e do Pantanal Mato-Grossense, a Tabebuia aurea
é popularmente chamada de "caraibeira" no Nordeste e de "paratudo"
no Pantanal.
Mesmo com a perseguição voraz dos madeireiros, o ipê
tem sobrevivido à extinção graças a seu cultivo
intenso para fins ornamentais. Mas jamais foi plantado visando à
exploração de sua madeira. Apenas uma vez, na década
de 60, uma das espécies de ipê-roxo foi seriamente ameaçada
pelo comentário irresponsável de um cientista, que afirmou
que o chá de sua casca curava o câncer. A existência
do ipê em habitat natural nos dias atuais, contudo, é rara
entre a maioria das espécies, mas felizmente sua sobrevivência
está garantida porque a cada dia é mais cultivado.
Planta decídua (que se desprende precocemente), sua floração
ocorre antes do surgimento da nova folhagem, sem data precisa - normalmente
entre abril e setembro. Nesse período, dota-se de beleza inigualável
e fugaz, traduzida pelos versos de Sílvio Ricciardi:
Ontem floriste como por encanto,
sintetizando toda a primavera;
mas tuas flores, frágeis entretanto,
tiveram o esplendor de uma quimera.
Como num sonho, ou num conto de fada,
se transformando em nívea cascata,
tuas florzinhas, em sutil balada,
caíam como se chovesse prata...
Os ipês-roxos, ou róseos na concepção de
alguns, foram os mais utilizados para a extração de madeira.
Uma das espécies, a Tabebuia avellanedae, nativa da Bacia do Paraná,
pode ultrapassar 40 metros de altura, com diâmetro de tronco de mais
de 1,2 metro. Existem três espécies de ipê-roxo, cuja
floração tem aspecto característico para cada uma,
tanto na forma quanto na intensidade da cor.
Os ipês de flores amarelas são os mais apreciados e plantados,
quer pela beleza de sua floração, quer pelo menor porte,
o que os torna mais adequados para cultivo em pequenos espaços.
Existem pelo menos cinco espécies com formas arquiteturais muito
diferentes entre si e cuja floração também diverge
quanto à época de ocorrência e intensidade.
Por Harri Lorenzi
Harri Lorenzi, engenheiro agrônomo, diretor do Instituto Plantarum,
recupera em viveiros de plantas a paisagem dos dias do Descobrimento.
Tabebuia avellanedae
Família: BÍgnoniaceae
Nomes populares:
ipê-roxo, pau-d’arco-roxo, ipê-roxo-da-mata,
ipê-preto, ipê-rosa, ipê-comum, ipê-cavatã,
lapacho, peúva, piúva.
Características: Altura de 20-35 m, com tronco de 60-80 cm de
diâmetro. Folhas compostas 5-folioladas; folíolos quase glabros,
de 5-13 cm de comprimento por 3-4 cm de largura.
Ocorrência: Maranhão até o Rio Grande do Sul. É
particularmente freqüente nos estados de Mato Grosso do Sul e São
Paulo até o Rio Grande do Sul, na floresta latifoliada semidecídua
da bacia do Paraná.
Utilidade: A madeira é própria para obras externas e
construções pesadas, tanto civil quanto navais, como vigas,
postes, dormentes, pontes, tacos e tábuas para assoalho, tanoaria,
tacos de bilhar, bengalas, eixos de roda, dentes de engrenagem, bolas para
jogos, etc. A árvore em florescimento é um belo espetáculo
da natureza.
E a espécie de ipê roxo mais largamente utilizada no paisagismo
em geral na região sul do país. E ótima para plantios
mistos em áreas degradadas de preservação permanente.
Fenologia: Floresce durante os meses de junho-agosto, com a planta
quase totalmente despida da folhagem. Os frutos amadurecem em novembro,
de momentos - Colher os frutos diretamente da árvore quando os primeiros
iniciarem a abertura espontânea. Em seguida levá-los ao sol
para completarem a abertura e liberação das sementes. Um
quilograma contém aproximadamente 35.000 unidades. Sua viabilidade
em armazenamento é muito curta, geralmente não ultrapassando
90 dias.
Produção de mudas: Colocar as sementes para germinar
logo que colhidas em canteiros ou embalagens individuais contendo substrato
argiloso. Cobri-las com uma fina camada de substrato peneirado e irrigar
duas vezes ao dia. A emergência ocorre em 6-12 dias e, geralmente
é superior a 80%. O desenvolvimento das mudas, bem como das plantas
no campo é rápido, podendo atingir 3,5 m aos 2 anos.
UM IPÊ E TRÊS LEITORES
Machado
de Assis, no Prólogo ao Leitor, em Memórias Póstumas
de Brás Cubas, diz ter no máximo dez (ou talvez cinco)
leitores. Eu brinco com os amigos e digo ter duas ou três pessoas
que me lêem, e não me incluo entre elas uma vez que
hábito antigo nunca releio o que escrevo depois de publicado.
Nem em papel, nem online. Uma espécie de vergonha me toma, acho
que é pudor mesmo, o que vão pensar de mim meus amigos e
alunos? Minha família?
Dois
leitores? Talvez um , talvez nenhum. Mas por que será que tinha
começado a dizer isso? Devaneio diante do teclado: uns fazem música,
eu faço palavras. Toco um pouco deste impossível piano. Eu
também, tanta gente também e todos os dias. A casa hoje está
estranhamente cheia de silêncios; tomara, então, que ninguém
me telefone, pergunte alguma coisa, toque a campainha ou venha me visitar.
Em dias assim, flutuo, cercada que sou constantemente por gente, vozes,
fatos, coisas. E, veja você, cá estou eu devaneando outra
vez.
Reatemos
o fio: nesses dias assim, especiais, flutuo. Se toca a campainha, se toca
o telefone, o silêncio se parte, a louça cai do armário,
as roupas encolhem, a pia fica transbordante de coisas por lavar. É
como se isso fosse. Perco o jeito, é conversa truncada: não
reata nunca. Então, senhoras e senhores, meus três leitores,
devo anunciar solenemente que hoje pela manhã, em meio à
neblina, vi um ipê-roxo. Nesta paisagem de inverno, seca e suja nas
ruas, em meio à dor do mundo e à fome das pessoas, ao trânsito,
à má educação, necessidades, à vida
que pulsa, ao olho que vê, lá estava, belo e solene como uma
declaração de amor, o meu ipê.
Pensei
comigo: será? O mundo é tão cheio de claros e escuros,
há sombras feias do fel que os homens tramam, mas há os ipês,
os lindos ipês que anunciam algo que a terra em seu ventre confecciona
milímetro a milímetro para, depois, explodir assim em flores,
assustar assim os olhos, e nos encher de esperança.
Diante
do ipê, esqueço-me de que Machado dedicou suas Memórias
Póstumas "ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver..."
Machado conhecia os ipês, esses, os roxos, que ensaiam a primavera
em pleno inverno; os outros, amarelos, os brancos que deverão antecedê-la
por pouco, pétalas transparentes de quase água e tanta luz?
Tudo.
Brigo tanto com meus alunos para que
jamais
utilizem-se de títulos simples assim, mas queria colocar nesta minha
crônica para meus três leitores o título "Tudo" ou,
quando muito, "Tudo pra mim"... Tudo, afinal de contas, é a Vida,
palavra que escrevo sempre com maiúscula. Ela é a grande
Cornucópia de onde fluem amores, laranjas, ódios, assassinatos,
cetim, terra, abraços, beijos, pássaros, injunções
políticas, bombas, tiros, socos, lutas insanas, afeto, um coração
pulsando forte, forte... A Vida.
Tão
fácil devanear diante deste teclado enquanto lá fora mata-se,
vive-se, morre-se. Enquanto lá fora existem milhares, milhões
talvez, de ipês que florescem, que um dia irão florescer,
cumprindo um ciclo mágico da vida, cumprindo um momento em que o
milagre instala-se, reinstala-se. Este ipê, com suas flores tantas,
com seu tronco que se recorta de marcas, é também vida, é
também tudo, ou é para os meus olhos o que Ela, abrindo um
pouco a janela do intangível, deixa-nos de novo entrever como era
antes o Paraíso que perdemos.
Este
ipê é o que entrego, então, hoje, aos meus leitores.
Um presente como se fosse um carinho. Entrego-o, pois, ao Tudo, assim com
letra maiúscula. Entrego-o ao Tudo que é minha própria
vida também, ao Tudo que me comove, ao Tudo que me cerca, ao Tudo
que me comanda, ao Tudo que mágicas faz em mim e que, felizmente
ou não, ninguém vê. Eis meu ipê. É seu
também. É de todos nós.
Esther
PS Rosado
[email protected]
Professora de Literatura e Redação do Curso
Poliedro, em São José dos Campos, e co-editora
desta revista. Edição nº5 - 25/06/99
www.navedapalavra.com.br/cronicas/1ipe3leitores.htm
O nome derrubado
A triste sina do pau-brasil
Durante as primeiras duas décadas que se seguiram ao Descobrimento,
a Coroa portuguesa só se interessou pela exploração
do pau-brasil. As árvores forneciam tinta que coloria linho, seda
e algodão em tom carmesim ou rubro, as cores dos reis e nobres.
Florescendo do Rio Grande do Norte até o Rio de Janeiro, a árvore
deu nome aos novos domínios lusos já em 1505 (Terra de Santa
Cruz do Brasil) e foi monopólio estatal até 1872, quando
70 milhões de pés já haviam sido derrubados. Comercializado
por traficantes ingleses, espanhóis e franceses, o "pau de tinta"
que dá nome ao Brasil perdeu muito valor com a invenção
das anilinas artificiais.
Em 1961, o presidente Jânio Quadros aprovou um projeto declarando
o pau-brasil como árvore símbolo nacional e o ipê como
flor símbolo.
É realizado um substituto do projeto n.º 1006, de 1972, por
meio da lei n.º 6607 de 7/12/78, declarando o pau-brasil a Árvore
Nacional, e instituindo o dia 03 de maio como o dia do pau-brasil.
www.institutopaubrasil.org.br