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Para a história

     Tyrteu conhecia o passado e antevia o futuro. Vontades de Versos Futuristas capta o momento em São Francisco de Assis.
    Cenário: Uma cancha reta crioula.
    O espadagal subintendente barbicachúdo
    Do districto abigeatorial
    Embrabeceu repentino
    Nas carreiras californeaes
    O abuso de autoridade na época coronelesca do RS eram escancarados e freqüentes. Em Memórias do Coronel Falcão, Aureliano de Figueiredo Pinto trata com maestria o coronelismo fronteirio-missioneiro.
    Há três décadas atrás quase todos homens da fronteira usavam no coldre de sua guaiaca, cintura ou capanga um revólver, vários portavam um punhal ou adaga para o caso da arma negar fogo. Há seis ou sete décadas os coronéis ostentavam longas espadas.
    O barbicacho - cordão que, por baixo do queixo, segura o chapéu; barbela - costumava identificar seu usuário como um homem do campo.
    O abigeato, furto de gado, é um crime comum na região.
    A Califórnia da Canção Nativa de Uruguaiana é o mais antigo festival de música nativista do Estado, sua primeira edição aconteceu em dezembro de 1971. Segundo o jaguarense Sérgio da Costa Franco: "Califórnia" está registrada em nossos glossários como a carreira de vários cavalos,  sinônimo de "penca". Vem, pois, a calhar para um concurso que se espera disputado por muitos compositores. Mas, a origem do termo, segundo parece, não deve ser estritamente popular. As correrias do Barão de Jacuí, Francisco Pedro de Abreu, pelo território uruguaio, e que passaram a história com idêntica denominação, sucederam imediatamente à descoberta do ouro na Califórnia e coincidiram com o grande rush, comentado em todo o mundo. O rótulo imposto às expedições predatórias do Barão teve uma clara conotação pejorativa, aludindo ao súbito enriquecimento aos "nuevos californarius", como aparece num poema uruguaio da época.

    Atravancando a cancha com o lazão
    Cusquilhando chilenas na virilha do pingo
    Gritou cola atada
    Rebencaços falatorios
    O sujeito ou individua que
    Atravessá os trio
    Vorta pelo mesmo conseguinte
    E a murta é cincão
    Fechou o tempo e o Dr. Fraga
    Custurou-lhe os intestinos
    Com uma agulha de compor sacos

    João Fraga era médico em São Francisco de Assis na época. De 3/3/38 `a 21/8/44 foi intendente nomeado pelo Interventor Federal do Estado. Pouca Carne conta que o médico ucraniano Bogomil Turban, contemporâneo do dr. Fraga, improvisava salas cirúrgicas na campanha construindo uma ramada. Assim, costurar os intestinos de um paciente com uma agulha de costurar sacos não chega surpreender.
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  Segundo Donaldo Schüler ao analisar o poema Para a história:
   O poeta abole os sinais de pontuação. As pausas são marcadas pelos versos. Em lugar de limites lógicos, vemos os poemáticos. Até mesmo, o discurso direto insere-se no texto narrativo sem outras indicações além das internas: o tom e a prosódia.
   A criação de palavras novas:"espadagal", "abigeatorial", calcados no modelo de adjetivos respeitáveis como imperial, empresarial, industrial, comercial, obedece a intenções críticas. A espada, presa ao superintendente, define-o da mesma forma que o roubo do gado ("abigeatorial") caracteriza o distrito por ele administrado.
   A caracterização rápida da autoridade prepara a ação. A proibição desnecessária e não apoiada em lei expõe o abuso de poder. Conivente com desmandos que lesam as pessoas de bem, dá ordens sem nenhum interesse social com o único objetivo de alardear mando.Não usa a valentia para defender a coletividade de agressões, mas a cultiva para seu próprio brilho.
   Abre-se a distância crítica entre o título e o poema. O superintendente força as portas da história - que registra feitos relevantes com ações sem conteúdo. O poeta traça a caricatura do homem que sonha em pôr-se à altura dos heróis de sua gente a qualquer preço.
   As peculiaridades da fala do superintendente não aparecem como mostruário pitoresco, mas estabelecem a contradição entre o que efetivamente é e os sonhos de glória.
   O poeta mostra o poder da concisão, própria de todo o livro, nos versos finais. De um episódio que vai do conflito armado a ferimentos graves e cirurgia de urgência, o poeta toma o princípio e o fim e os justapõem.
Cabe ao leitor reconstruir a cena. Temos aqui a técnica de montagem, que imortalizou os filmes de Eisenstein. A força sugestiva do recurso assinala lugar privelegiado na criação poética do Rio Grande do Sul. O poeta revela o mesmo rigor nos demais poemas.

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