Alberto Santos-Dumont nasceu a 20 de julho de 1873 em Santa Luzia do Rio
das Velhas, hoje cidade de Santos-Dumont, depois de ter sido denominada
cidade de Palmira por dilatados anos. Era filho do engenheiro Henrique
Dumont e de D. Francisca de Paula Santos. Faleceu em Guarujá - São
Paulo - em 23 de julho de 1932. Eleito membro da Academia Brasileira de
Letras em 4 de junho de 1931, não chegou a tomar posse de sua cadeira.
De família abastada, o jovem Alberto iniciou os estudos no Brasil
mas, ainda muito novo passou a estudar em Paris.
Recebeu a influência da leitura de alguns dos inúmeros romances
de Júlio Verne, que empolgaram várias gerações
de leitores.
Em Paris, fiel leitor do escritor francês, manifestou enorme interesse
pela construção de balões. A 18 de setembro de 1898,
fez subir ao espaço o primeiro de uma série desses engenhos.
Uma grande vitória foi conseguida em 12 de julho de 1901, quando,
partindo de um ponto conseguiu retornar ao mesmo local da partida. O fato
teve grande repercussão e, por não ser francês, recusou
Santos-Dumont a cruz da legião de Honra que lhe foi oferecida. No
mês seguinte, o Aéro Clube da França concedeu-lhe uma
medalha de ouro.
Satisfeito com os resultados conseguidos na dirigibilidade de seus balões,
Santos-Dumont, em 19 de outubro de 1901, apresentou-se para disputar o
prêmio Deutsch de la Meurthe, cujo itinerário consistia na
circumnavegação da Torre Eiffel dentro do prazo de trinta
minutos. Conseguiu realizar a façanha. O prêmio de 100.000
francos foi dividido pelo vencedor entre os pobres de Paris e os mecânicos
que com ele haviam trabalhado na construção dos aparelhos
voadores.
Por sua vez o Congresso Brasileiro aprovou a concessão de 100 contos
de réis em lei sancionada pelo Presidente da República, Campos
Sales, que enviou a Santos-Dumont o seguinte telegrama:
"Tenho o prazer de informar-vos que, hoje, data memorável para o
nosso País, assinei a lei votada pelo Congresso Federal vos concedendo,
como prova de reconhecimento nacional, cem contos de réis, em memória
do brilhante sucesso que alcançastes no vosso ensaio aeronáutico
de 19 de outubro".
O Aéro Clube de Paris ofereceu-lhe um banquete no dia 5 de novembro
de 1901. Em 1904 foi editado o livro "Dans l’Air", que em português
seria divulgado com o título de "Os meus balões"- 1ª
edição em 1938. Em 1905 iniciou Santos-Dumont suas experiências
com "o mais pesado do que o ar"- o aeroplano.
No ano seguinte, obteve grande êxito com o aparelho "14-Bis", em
experiências no Champ de Bagatelle. Neste local, a 12 de novembro
de 1906, sob controle do Aéro Clube da França, estabeleceu
os primeiros recordes de aviação do mundo.
No dia 19 de outubro de 1913 o Aero Clube da França inaugurou em
Saint-Cloud um monumento a Santos-Dumont, representando o lendário
Ícaro numa estátua de bronze.
Em 1918 o Governo Brasileiro doou a Santos-Dumont a casa em Cabangu onde
nascera perto da estação de Palmira, em Minas Gerais.
No Segundo Congresso Científico Pan-americano, proferiu, a 4 de
janeiro de 1916, uma conferência intitulada - "Como o aeroplano pode
facilitar as relações entre as Américas".
Aos 59 anos de idade, suicidou-se Santos-Dumont, em 23 de julho de 1932,
em Guarujá, São Paulo, profundamente traumatizado, ao que
se presume, com o desenrolar do movimento revolucionário irrompido
a 9 do referido mês, nos Estados de São Paulo e Mato Grosso.
Em 1931 a Academia Brasileira de Letras o elegera para ocupar a cadeira
nº 38, vaga pelo falecimento do romancista Graça Aranha. Não
chegou a tomar posse e, em seu lugar foi escolhido o escritor Celso Vieira.
A 31 de julho de 1932, a cidade de Palmira teve mudado seu nome para Santos-Dumont.
Em 22 de setembro de 1959 foi concedido ao pioneiro da aviação
o posto honorífico de Marechal-do-Ar e seu nome continuou a encabeçar
a lista de oficiais-aviadores, no Almanaque do Ministério da Aeronáutica.
Textos de Santos-Dumont
O Que Nós Veremos
Eu vos falei do comércio e da dificuldade do seu desenvolvimento,
da facilidade de transporte e comunicações e do incremento
das relações amistosas. Estou convencido que os obstáculos
de tempo e distância serão removidos. As cidades exiladas
na América do Sul entrarão em contato direto com o mundo
de hoje. Os países distantes se encontrarão, apesar das barreiras
de montanhas, rios e florestas. Os Estados Unidos e os países sul-americanos
se conhecerão tão bem como a Inglaterra e a França
se conhecem. A distância de Nova York ao Rio de Janeiro, que é
agora de mais de vinte dias de viagem por mar, será reduzida a 2
ou 3 dias. Anulados, o tempo e a distância, as relações
comerciais, por tanto tempo retardadas, se desenvolverão espontaneamente.
Teremos facilidades para as comunicações rápidas.
Chegaremos a um contato mais íntimo. Seremos mais fortes, nos nossos
laços de compreensão e amizade.
Tudo isto, Srs., será realizado pelo aeroplano. (...)
....
A possibilidade da navegação aérea entre os Estados
Unidos e a América do Sul é mera especulação
fantasiosa?
Intimamente creio que a navegação aérea será
utilizada no transporte de correspondência e passageiros entre os
dois continentes. Algum de vós demonstrará incredulidade
e rirá desta predição.
Sem embargo, faz 12 anos que eu disse que as máquinas aéreas
tomariam parte nas futuras guerras e todos, incrédulos, sorriram.
Em 14 de julho de 1903, voei sobre a revista militar de Longchamps. Nela
tomavam parte 50.000 soldados e em seus arredores se acotovelavam 200.000
espectadores. Foi a primeira vez que a navegação aérea
figurou em uma demonstração militar. Naquela época,
predisse que a guerra aérea seria um dos aspectos mais interessantes
das futuras campanhas militares. Minha predição foi ridicularizada
por alguns militares; outros, entretanto, houve que, desde logo, alcançaram
as futuras e imensas utilidades da navegação aérea.
Dentre este é, para mim, grato recordar o nome do Sr. General André,
então Ministro da Guerra de França, de quem recebi a seguinte
carta:
MINISTÈRE DE LA GUERRE -
Gabinet du Ministre
Paris, le 19 juillet 1903
Monsieur.
Au cours de la revue du 14 Juillet, j’avais remarqué et admiré
la facilité et la sûreté avec les-quelles évoluait
le ballon que vous dirigiez. Il était impossible de ne pas constater
les progrès dont vous avez doté la navigation aérienne.
Ils semble que, grâce à vous, elle doive se prêter désormais
à des applications pratiques, surtout au point de vue militaire.
J’estime qu’à cet égard elle peut rendre des services très
sérieux en temps de guerre ...
Général ANDRÉ
Consideremos, entretanto, os acontecimentos desde aquela época.
Consideremos o valioso trabalho que o aeroplano tem produzido na atual
guerra.
A aviação revolucionou a arte da guerra.
A cavalaria, que teve grande importância em momentos valiosos, deixou
de existir.
...
A aviação demonstrou-se a mais eficaz arma de guerra tanto
na ofensiva como na defensiva. Desde o início da guerra, os aperfeiçoamentos
do aeroplano têm sido maravilhosos.
Quem, há cinco anos atrás, acreditaria na utilização
de aeroplanos para atacar forças inimigas? Que os projetis de canhões
poderiam ser lançados com efeitos mortíferos de alturas inacessíveis
ao inimigo?
...
Se o aeroplano, Srs., se tem mostrado tão útil na guerra,
quanto mais não o deverá ser em tempos de paz?
Há menos de dez anos o meu aparelho era considerado uma maravilha.
Nele havia lugar apenas para uma pessoa; eu me utilizei de um motor de
menos de 20 HP. A princípio apenas consegui voar alguns metros,
e pouco depois alguns quilômetros. Meu recorde foi de 20 quilômetros.
Eu carregava gasolina apenas suficiente para um vôo de 15 minutos.
Naquele época o aeroplano era considerado um brinquedo. Ninguém
acreditava que a aviação chegaria ao progresso de hoje. Nesses
tempos voávamos apenas quando a atmosfera estava tranqüila,
geralmente ao nascer do sol ou ao seu pôr.
Acreditava-se que um aeroplano só poderia voar quando não
houvesse vento. Hoje fabricam-se aparelhos que podem transportar 30 passageiros,
capazes de viajar nos ares durante horas, de percorrerem cerca de mil milhas
sem tocar em terra, movidos por motores num total de mais de mil cavalos.
(...)
*
Eu, para quem já passou o tempo de voar, quisera, entretanto, que
a Aviação fosse para os meus jovens patrícios um verdadeiro
esporte.
Meu mais intenso desejo é ver verdadeiras Escolas de Aviação
no Brasil. Ver o aeroplano - hoje poderosa arma de guerra, amanhã
meio ótimo de transporte - percorrendo as nossas imensas regiões,
povoando o nosso céu, para onde, primeiro, levantou os olhos o Padre
Bartolomeu Lourenço de Gusmão.
SANTOS= DUMONT
A Encantada
Morro do Encantado - Petropólis - 1918
Introdução em Forma de Fábula
Raciocínios Infantis
Dois meninos brasileiros, dois ingênuos meninos do interior, que
nada mais conheciam a não ser o movimento das lavouras primitivas,
desprovidas de quaisquer dessas invenções feitas para aliviar
o esforço do trabalho humano, passeavam pelo campo conversando.
...
Eram garotos refletidos, mas os assuntos que discutiam no momento excediam,
em muito, tudo quanto eles tinham podido ver ou ouvir.
- Por que não se arranja um meio de transporte melhor que o lombo
dos animais? - dizia Luís - No verão passado atrelei cavalos
a uma velha porta e sobre esta carreguei sacos de milho; assim, transportei
de uma só vez mais do que dez cavalos poderiam transportar. É
verdade que foram precisos sete cavalos para arrastar a carga, além
de dois homens ao lado, para impedi-la de escorregar.
- Que quer você? - ponderou Pedro. - Tudo se compensa na natureza.
Não se pode tirar alguma coisa do nada, nem muito do pouco.
- Coloque rolos debaixo desse trenó e uma pequena força de
tração chegará.
- Ora! ... Os rolos se deslocarão; será indispensável
pô-los sempre nos lugares, e perderemos neste trabalho o que houvermos
ganho em força.
- Mas - observou Luís - fazendo um furo no centro dos rolos, você
poderá fixá-los ao trenó em pontos fixos. Ou então,
por que não adaptar peças circulares de madeira aos quatro
cantos do trenó? Olhe, Pedro, o vem lá embaixo, na estrada.
Exatamente o que eu imaginava, de maneira ainda mais perfeita. Basta um
cavalo para puxá-la folgadamente!
Uma carreta aproximava-se. Era a primeira que aparecia na região.
O condutor parou e pôs-se a conversar com os meninos. As perguntas
surgiam umas atrás das outras.
- A essas coisas redondas - explicou o homem - chamamos rodas.
- O processo deve esconder qualquer defeito - insistiu Pedro. - Olhem em
torno. A Natureza emprega esse instrumento que você chama roda? Observe
o mecanismo do corpo humano; repare a estrutura do cavalo. Observe ...
- Observe que o cavalo, o homem e a carreta com as suas rodas estão
nos deixando aqui - interrompeu Luís, rindo. - Você não
se rende à evidência do fato consumado, e me enfastia com
seus apelos à Natureza. Será que o homem realizou algum dia
um verdadeiro progresso que não fosse uma vitória sobre ela?
Por acaso não lhe é fazer violência o derrubar uma
árvore? Nesta questão, atrevo-me a ir mais longe: suponha
um gerador de energia mais poderoso do que este cavalo ...
- Muito bem; atrele dois cavados à carreta.
- É de uma máquina que estou falando - retificou Luís.
- De um cavalo mecânico, de pernas muito poderosas? ...
- Não. Antes, de um carro-motor. Se descobrisse uma força
artificial, eu a faria atuar sobre um determinado ponto em cada roda. A
carreta levaria por si mesma o seu propulsor.
- Ora, isto seria o mesmo que alguém tentar elevar-se do solo pelos
cordões dos sapatos - comentou Pedro, em ar de troça. - Escute,
Luís: o homem está na dependência de certas leis físicas.
O cavalo, é verdade, carrega mais que o seu peso, mas a própria
Natureza o fez com pernas apropriadas a este trabalho. Tivesse você
a força artificial de que fala, e do mesmo modo seria obrigado,
na sua aplicação, a se conformar com as leis físicas.
E aí fico! Você fá-la-ia exercer-se sobre longas hastes,
que empurrariam a carreta por detrás.
- É sobre as rodas que penso levar a força.
- Pela natureza das coisas, haveria uma perda de energia. É mais
difícil movimentar uma roda aplicando a força motriz no interior
da circunferência, que dirigindo-a sobre o exterior, como, por exemplo,
impelindo ou arrastando uma carreta.
- Para diminuir o atrito, eu faria correr o meu veículo motor sobre
trilhos de ferro muito lisos. A perda de energia seria assim compensada
por um ganho de velocidade.
- Trilhos de ferro bem lisos! - exclamou Pedro, com uma gargalhada. - As
rodas patinariam. Só se houvesse rebordos nos aros e ranhuras correspondentes
nos trilhos. Outra coisa: como impediria você que o veículo
saísse dos trilhos?
...
Os dois brasileirinhos achavam-se agora à margem de um grande rio.
O primeiro navio que singrava suas águas aparecia ao longe. Mas,
para os nossos jovens amigos, era apenas, ainda, uma forma indistinta.
...
O navio atracou. Dirigindo-se para ele, os meninos experimentaram a alegria
de encontrar no tombadilho um velho amigo da família, plantador
das vizinhanças, que os saudou, convidando:
- Subam, meninos! Venham conhecer o navio!
Os dois petizes não se fizeram de rogados. Instantes depois estavam
a bordo, examinando demoradamente a máquina. Por fim, foram sentar-se
à proa, com o seu obsequioso guia.
- Pedro - segredou-lhe o companheirinho - será que os homens não
poderão inventar um navio para navegar no céu?
O fazendeiro olhou com ar apreensivo para o autor da pergunta, que baixou
os olhos, enrubescendo.
- Anda construindo castelo no ar? - perguntou-lhe.
- Não faça isso - tranqüilizou Pedro. - Ele sempre fala
assim, de coisas aéreas. É mania.
O velho sorriu, e sentenciou, convicto:
- O que você sonha é impossível. O homem não
pilotará nunca um navio no espaço.
- Mas - insistiu Luís - no São João, quando se acendem
as fogueiras, costumamos soltar balões de papel cheios de ar quente.
Se se encontrar um meio de construir um balão muito grande, bastante
grande para levantar consigo um homem, uma viatura leve e um motor, não
poderia ele ser dirigido no espaço do mesmo modo que um navio nas
águas?
- Meu caro amiguinho, não diga disparate - replicou o velho com
vivacidade, ao perceber, ainda que tardiamente, que o capitão do
navio se aproximava.
Este ouvia porém a observação, e longe de considerá-la
disparatada, justificou-a:
- O grande balão que você idealiza existe já desde
1783. Infelizmente, porém, posto que capaz de levantar um ou mais
homens, não pode ser dirigido. Está à mercê
do mais leve sopro de brisa. (...)
- Nestas condições, não haveria senão uma coisa
a fazer: construir uma máquina inspirada no modelo de um pássaro
- sugeriu Pedro, categórico.
- Pedro é um menino de bom senso - observou o velho fazendeiro.
- Pena que Luís não se pareça com ele e se deixe dominar
por visões. Mas, diga-me, Pedro, por que motivo você prefere
o pássaro ao balão?
- Motivo muito simples. E de uma lógica elementar. O homem voa?
Não. O pássaro voa? Voa. Por conseguinte, se o homem quiser
voar, tem que imitar o pássaro. A Natureza fez o pássaro
e ela não se engana. Se o pássaro fosse apenas um saco cheio
de ar, possivelmente eu ficaria com o projeto de um balão.
- Bem pensado - confirmaram, ao mesmo tempo, os dois homens.
Luís, porém, não se deu por convencido. Do seu canto,
murmurou, com a incredulidade de um Galileu:
- Ele será dirigível!
Capítulo I
Uma Plantaçào de café no Brasil
Pela maneira como fui combatido pelos partidários da Natureza, poderiam
os leitores reconhecer-me na figura do ingênuo e quimérico
Luís desta fábula.
Não é sabido, com efeito, que iniciei minhas experiências
em iguais condições de desconhecimento tanto da mecânica
como da aeronáutica? E, até o momento de seu êxito,
não eram estas experiências consideradas impossíveis?
E, malgrado tudo, não continua a pesar sobre mim a condenação
intransigente de Pedro?
...
Tudo considerado, melhor vale que recue um pouco e que minha narrativa
comece na fazenda de café onde me criei.
...
Presumo que, em geral, não se faz qualquer idéia do método
todo científico que preside a exploração de uma fazenda
de café no Brasil. Desde o momento em que os grãos, trazidos
num trem, chegam à usina, até a hora em que, pronto para
o consumo e classificação, o produto é embarcado nos
transatlânticos, mão humana nele toca.
...
Todas estas máquinas de que acabo de falar, bem como as que forneciam
a força motriz, foram os brinquedos de minha meninice. O hábito
de vê-las funcionar diariamente ensinou-me, muito depressa, a reparar
qualquer das suas partes. São, como já disse, máquinas
muito delicadas. As peneiras móveis, com especialidade, arriscam-se
a se avariar a cada momento. Sua velocidade bastante grande, seu balanço
horizontal muito rápido, consumiam uma quantidade enorme de energia
motriz. Constantemente fazia-se necessário trocar as polias. E bem
me recordo dos vãos esforços que todos empregávamos
para remediar os defeitos mecânicos do sistema.
Causava-me espécie que, entre todas as máquinas da usina,
só essas desastradas peneiras móveis não fossem rotativas.
Não eram rotativas e eram defeituosas! Creio que foi este pequeno
fato que, desde cedo, me pôs de prevenção contra todos
os processos mecânicos de agitação, e me predispôs
a favor do movimento rotatório, de mais fácil governo e mais
prático.
Acredito que dentro de meio século o homem conquistará o
ar com o emprego de máquinas voadoras mais pesadas que o meio onde
se movem. Olho para o futuro com esperança.
No momento, fui ao seu encontro mais longe que qualquer outro. Minhas aeronaves
- que receberam a este propósito tantas críticas - são
tão pesadas ou apenas um pouco mais pesadas que o ar. (...)
Capítulo IV
Meu "Brasil", o Menor Balão Esférico
...
Expus minhas idéias ao Sr. Machuron. Ficou espantadíssimo
quando falei de um balão de cem metros cúbicos e em seda
japonesa de qualidade mais leve e mais resistente. O Sr. Lachambre e ele
procuraram convencer-me, em sua oficina, de que eu pedia o impossível.
Quantas vezes, mais tarde, os meus projetos foram submetidos a provas análogas...
Hoje, estou habituado a elas. Espero-as. Todavia, por mais desconcertado
que ficasse então, perseverei no meu ponto de vista.
Os senhores Machuron e Lachambre tentaram provar-me que um balão,
para ter estabilidade, necessitaria de ter peso. Um balão de cem
métricos cúbicos devia ser, além do mais, muito mais
sensível aos movimentos do aeronauta na barquinha do que um grande
balão de dimensões correntes.
...
Um fato que mostra até que ponto pessoas competentes podem enganar-se,
quando se apegam a julgamentos sumários, é dizer que todos
os balões das minhas aeronaves são fabricados com a mesma
seda. No entretanto a pressão interna que eles têm de suportar
é enorme, ao passo que os balões esféricos são
todos munidos, na parte inferior, de um orifício que lhes permite
alívio.
Depois de pronto, o "Brasil" apresentou cento e treze metros cúbicos
de capacidade, o que corresponde, aproximadamente, a cento e treze metros
quadrados de superfície de seda. Todo o invólucro pesava
apenas três quilos e meio. As camadas de verniz fizeram subir esse
peso a quatorze quilos.
...
Ter manobrado pessoalmente um balão esférico é, no
meu entender, preliminar indispensável para adquirir noção
exata de tudo o que comporta a construção e a direção
de um balão alongado munido de motor e propulsor.
Compreender-se-á, assim, que manifesto grande surpresa quando vejo
inventores, sem nunca terem posto os pés numa barquinha, desenharem
no papel e até executarem, no todo ou em parte, fantásticas
aeronaves, com balões cubando milhares de metros, carregados de
enormes motores que eles não conseguem levantar do chão,
e providos de máquinas tão complicadas que nada faz marcharem.
Os inventores desta classe nunca manifestam medo porque não fazem
nenhuma idéia das dificuldades do problema. Se houvessem começado
por viajar nos ares ao sabor do vento, enfrentando as influências
hostis dos fenômenos atmosféricos, compreenderiam que um balão
dirigível, para ser prático, requer antes de mais nada uma
extrema simplicidade de mecanismo.
Os meus balões, 1938
www.academia.org.br