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Caravana Castilhista

    Viagem a São Francisco
    A caravana castilhista a São Francisco de Assis:1903.
    Dilermando de Castro (advogado) - São Vicente. "West Point of Caaty" : à guisa de prefácio: COMO NASCEU A DISSIDÊNCIA...
    "Assim, tudo preparado e com a intenção de prestar ao eminente chefe desaparecido, sentida homenagem na certeza de que íamos visitar um município vizinho de nossa amizade, o qual era administrado por um homem de elevada cultura, inteligente e ardoroso admirador de Castilhos, esperávamos senão entusiástica acolhida, pelo menos, bondosa recepção, em atenção à homenagem que pretendíamos levar a efeito, a qual era do conhecimento do Intendente Municipal.
    Partindo a caravana de São Vicente, nessa noite, pernoitamos na belíssima Fazenda do Coronel Álvaro da Silveira Marques, cavalheiro distinto, atencioso e que nos recebeu com distinta consideração no seu lar, cheio de alegria e satisfação.
    No dia seguinte, viajamos a São Francisco,sendo acompanhados pelo Cel. Marques, e, pela manhã entrávamos na bonita Vila de São Francisco de Assis.
    O Cel. Lauro achou de bom alvitre, e como era natural, visitar o Coronel Carlos Nunes Nogueira, pois além de sua qualidade de Intendente Municipal, era ainda um sincero admirador de Castilhos e seu correligionário.
    A comissão organizada procurou desincumbir-se de sua missão, voltando decepcionada com a recepção que tiveram e a negativa de ceder os salões da INTENDÊNCIA MUNICIPAL, para celebrar-se a sessão cívica em homenagem a Castilhos, pois foi idéia,desde logo alvitrada, que se procurasse um entendimento com o Cel. Nogueira, visando a celebração do Ato na Intendência!
    Dest'arte, como não poderia deixar de ser, foi decepcionante essa negativa! Mas, nós que havíamos partindo de São Vicente com essa finalidade, voltarmos sem cumprirmos aquilo que havíamos nos comprometido, ainda maior seria a desilusão quando chegasse ao conhecimento da direção partidária do Estado!
    Reunidos todos os nossos principais elementos na residência do Sr. Marcelino de Oliveira, foi lembrado que poderia conseguir-se um salão em um prédio da rua principal da vila, que se achava desocupado, porém em condições precisas para a cerimônia que se ia celebrar.
    Organizada Comissão de Senhoras da Sociedade, a referida comissão de distintas senhoras de Família Assisense, tratou de desincumbir-se da missão, e auxiliada por nossos elementos, detiveram-se na adequada ornamentação do SALÃO principal do prédio, localizado na rua principal da cidade.
    Essa ornamentação constava da armação do alteroso CADAFALSO, com reposteiros de veludo negro e mais outros ornamentos que justificavam a sessão solene que se ia realizar , bem como escolhidos os nossos oradores, que seriam o alfares-aluno, ILDEFONSO SOARES PINTO, recém-vindo da conclusão do curso superior na Escola Militar da Praia Vermelha, no Rio de Janeiro e o acadêmico de engenharia Álvaro Rodrigues Leitão, que viera de Porto Alegre.
    Tudo bem acertado, quando pela tarde chega à vila de São Francisco, um famigerado oficial da B.M., pertencente ao 2.o R. de Cavalaria , aquartelado no célebre "CATY", ao comando do Ten.Cel. João Francisco Pereira de Souza, dito o oficial que atendia pelo nome de Ten. Conceição Coronel, e um foragido de sua pátria , o Uruguai, que fora incluído no regimento pelos seus dotes de agressividade , tendo em seguida se apresentando ao Cel. Carlos Nogueira, pois era o Intendente e naturalmente ele Ten. Conceição, era um oficial de força Pública do Estado.
    Assim o Cel. Nogueira teve um ótimo elemento para coadjuvá-lo Em seus propósitos de hostilizar os VICENTINOS, evitando que aparecesse a homenagem que se ia prestar à memória do eminente chefe morto.
    Pela tarde desse fatídico dia, achavam-se os nossos reunidos na confortável Residência do Sr. Marcelino de Oliveira, localizado na rua principal, quando, Qual não foi a surpresa e admiração, vendo-se estendidas em linha de batalha, cerca de trinta homens, soldados da B.M., bem armados, portando armas de guerra.
    Nesse ínterim, desmonta o Ten. Conceição, o qual empunhado um revólver NAGANT, e acompanhado de mais dois inferiores , que também empunhavam revólver Nagant, sobem as escadas da residência referida em cujo alpendre achavam-se todos reunidos e em palestra e até pessoas da família, como senhoras e crianças.
    Eis que o famigerado tenente foi enfrentando os presentes, mas, apesar deste gesto hostil,foi convidado pelo Cel. Lauro, figura respeitável, de longas barbas brancas,a sentar-se, ao que o convidado respondeu: "Não vim para sentar, vim aqui determinar que no prazo de duas horas, mandem desmanchar aquela palhaçada, que mandaram armar lá no CASARÃO e se logo à noite teimarem em lá comparecer, mandarei ARREBENTAR TUDO A BALA! E não admito discussão, discussão é próprio para PUTAS."
    Pronunciadas essas ofensas e ameaças, próprias mesmo de um "SICÁRIO'', de um estúpido agressivo, retirou-se ele, sempre empunhando o NAGANT, tendo sido sua retirada guardada pelos dois inferiores, também com armas em punho!
    Nesse momento com a brusca e agressiva do famigerado Tenente , nosso distinto companheiro, Alfredo José da Rosa, que se achava presente, comentando essa bravata do dito oficial, saiu-se com essa observação jocosa: "A marmelada esta preta", o que os presentes causou hilaridade, Pela espirituosa advertência de nosso companheiro.
    Retornou a sua montaria e seguido de seu piquete dirigiu-se para a Intendência Municipal, com o fim é certo e seguro de levar o Cel. Nogueira , o resultado de sua bravata, afrontando homens pacíficos e conscientes em que estariam em uma localidade administrada por pessoa educada!
    Os presentes contiveram-se em sua revolta diante das ponderações do Cel. Lauro, pois, dado o caso de uma resposta a altura da infame atitude, seríamos trucidados, e bem assim, pessoas da família Oliveira.
    Resolveu-se suportar a ofensa e em seguida levar ao conhecimento do governo esse fato, devidamente documentado e em pessoa pelo Cel. Lauro, que seguia logo para Porto Alegre, levando extensa exposição do fato; citando o nome de numerosas testemunhas, que presenciaram a cna dramática e os insultos atirados aos caravaneiros, que pretendiam prestar sincera homenagem ao eminente homem público, recentemente desaparecido.
    Na noite desse dia que pretendíamos prestar nossas homenagens, o Cel. C. Nunes Nogueira, valendo-se da lição de civismo recebida, pois não havia programado cerimônia alguma, preparou às pressas os salões da Intendência, e com os seus íntimos, tratou de levar a efeito uma sessão Solene em homenagem ao Dr. Castilhos.
    À noite, como dissemos, sem podermos levar a efeito nossas homenagens, dada a imposição e ameaça feitas, pela escuridão, nos locais ermos, pois não tínhamos garantia alguma, procuramos com alguns companheiros, tomar conhecimento da homenagem, que se ia realizar na Intendência.
    Na frente do prédio da municipalidade, formou o piquete armado e comandado pelo Ten. Conceição, e de começo o Cel. Nogueira, abrindo a sessão, teve mais a intenção de em seu discurso, ofender aos vicentinos, como de fato foi feito.
    O Cel. Carlos Nogueira, como já declaramos, homem inteligente, culto, orador de palavra fácil e mesmo insinuante perorando, disse: "A PALHAÇADA, A FARSA que pretendiam realizar os trêfegos vicentinos, tinha mais o CUNHO de uma profanação do que expressão sincera de um verdadeiro sentimento!''
    Aplausos retumbaram na escuridão dessa noite, e da frente do prédios os eunucos do famigerado Tenente, ao qual se aliaram elementos desclassificados, também prorromperam em "muito bem! Fora os vicentinos lombos sujos!''.
    E assim continuou a farsa ( como podemos dizer ) engendrada pelo Cel. C. Nogueira, o qual ainda havia providenciado junto aos sub- intendentes rurais, para reunirem seu pessoal e se deslocarem para a vila , demonstrando o seu grande prestígio.
    Para tanto, no dia seguinte, pela manhã, davam entrada na localidade, para mais de uma centena de cavalarianos , alguns portando armas de guerra, comandados pelos seus sub- intendentes e dirigidos pelo PIQUETE bem armado, comandado pelo violento esbirro Ten. Conceição e acompanhados pelo Cel. Nogueira, improvisaram uma ridícula passeata pelas ruas da vila.
    Essa composição tinha à frente um dos maiorais empunhados comprida haste, tendo no topo da mesma, amarrado com uma faixa de crepe, o retrato do inolvidável chefe Castilhos!
    Assim, como dissemos, vanguardeando a cavalaria o Cel. Nogueira com o Ten. Conceição e seu piquetes de brigadianos, percorreram todas as principais ruas da vila , sob o toque de um clarim , e debaixo de manifestações hostis aos vicentinos, tratados de "lombo-sujos''.
    Todos os nossos, inclusive chefe e demais pessoas mesmo os da vila, assistíramos de cabisbaixo e envergonhados, tamanha afronta à dignidade humana, partindo, como partiu de uma autoridade responsável pela ordem pública.
    Nesse mesmo dia, pela tarde tratamos de nos retirar de São Francisco, pois ainda, com os ânimos exaltados, diante de tamanha provocação, que poderia resultar em conflito , com más perspectivas para nós, homens desarmados, que seríamos trucidados pelos facínoras dirigentes das hostilidades, pois a Lei e o Direito eram as espingardas , as comblaim e as mauzer que portavam, comandados pelo fascínora Ten. Conceição, o qual, seja dito de passagem, veio morrer nas mãos de seus patrícios.
    Nada mais poderíamos fazer senão tratar da retirada, aliás deter- minada pelo chefe, o qual munido de toda documentação a respeito dos fatos aqui narrados, seguiria em breve para Porto Alegre, para relatar ao Governo essa monstruosidade, praticadas por elementos que , seguramente, mereciam a confiança do Governo.
    Em nossa retirada de São Francisco, nessa tarde que estamos referindo, fomos custodiados até o Passo do Jaguarizinho, pelos os esbirros do Tenente, ainda auxiliado pelo Delegado de Polícia e o sub-intendente do 1a. Distrito. As chalaças e os desaforos por parte deles, que nos custodiavam, ainda continuavam , porém, como era de prever , não dispúnhamos de armas e elementos, para afrontar tamanha disparidade, pois desarmados, teríamos que enfrentar grupos de fascínoras, bem armas de guerra , e que não teriam dúvida alguma em nos massacrar , fuzilando-nos à queima- roupa.
    Assim está plenamente justificada a nossa retirada de São Francisco de Assis, em data de 1903. Todas as ofensas que sofremos e que suportamos , deve-se acentuar, não poderiam ter partido dos elementos distintos da família assisense, em cujo meio encontravam-se homens distintos, e que devemos citar seus nomes, para que não pairem dúvidas sobre eles, dentre os quais destacavam-se: Manoel Pereira Vianna, Francisco Pereira Vianna, Belarmino Pereira Vianna, Francisco de Paula Vasconcelos, Martinho Barbosa Cáceres, todos fortes e adiantados fazendeiros, mais os Srs. Basílio Ramos, João Pedro Ramos, Coletor Estadual; Luiz da Silva Ramos, protótipo da bondade humana; Luiz Antônio Fagundes, distinto professor público; Joaquim Nogueira, João Nunes Nogueira, Manoel Nogueira, Fazendeiros; Eliziário Fagundes e ainda mitos outros. Mesmo Cel. Carlos N. Nogueira, homem de cultura jurídica e maior destaque social, nos desaforos e ofensas graves aos vicentinos, o fez, é certo, em virtude de algum distúrbio mental, ocasional! São Francisco de Assis, terra boa e acolhedora, onde vivi na meninice, onde meu pai, como funcionário público, grangeou as maiores simpatias e amizades, não poderia e não era de se admitir, praticasse ato tão revoltante, ofendendo os seus admiradores e amigos.
    Leve-se em conta, que foram atos e desatinos praticados por um elemento mau e estúpido, ao qual aliaram-se pessoas desclassificadas!
    Assim, encerremos neste obscuro parecer o que anotamos referente à nossa cruzada histórica pelo o município de São Francisco, com intenção elevada e louvável de prestarmos ao eminente chefe desaparecido nossa sentida homenagem , momentaneamente associada ao trêfego Ten. Conceição.'' Eis aí a criação mais específica de Júlio de Castilhos traduzida pelo testemunho insuspeito de um correligionário, contemporâneo dos fatos : aquilo que eu denominei "West Point of Caaty".
    A caravana castilhista a São Francisco de Assis, 1903 (Dilermando de Castro) - advogado.

    Porto Alegre, 29-9-83 ANTERO MARQUES

    Fonte: De Ibirapuitã ao Armistício, Antero Marques, 1985.


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