A Questão Platina
A Argentina, assim como o Brasil passou por uma série de conflitos
internos. De um lado, as elites de Buenos Aires queriam o estabelecimento
de um Estado nacional forte e centralizado. Do outro lado, as elites de
províncias distantes da capital lutavam por federalismo e autonomia.
A nação Argentina, liderada pelo maior defensor do Estado
centralizado, o presidente Juan Manuel Rosas, conseguiu anexar todo centro
sul do país, praticamente dizimando os indígenas, dando a
configuração da Argentina atual.
Rosas e seu grupo buscavam também resgatar a unidade do antigo vice-reinado
do rio do Prata, em outras palavras procuravam a anexação
do Uruguai a Argentina. As pretensões de Rosas não eram pequenas,
pois na realidade queria ele um país que controlasse toda bacia
platina. Naquela época a disputa pelo controle da navegação
e do comércio na região platina, era provavelmente o mais
importante conflito latente, envolvendo não só os interesses
internos a Argentina como todos os países da região, incluindo
o Brasil.
O principal ponto de tensão encontrava-se nas margens de Buenos
Aires, o estuário do rio da Prata, porta de entrada e saída
para todo o interior da América do Sul. A disputa pelo controle
dessa região já haviam suscitados conflito entre o antigo
Império espanhol e português, provocando a Guerra da Cisplatina
e agora, na década de 1850, eles voltavam a tona.
A intervenção do governo argentino na política interna
do Uruguai não repercutiu nada bem no Rio de Janeiro. O Estado brasileiro
considerava o Uruguai uma zona de influência fundamental ao nosso
país e segundo nossa diplomacia, a liberdade de circulação
pela bacia platina só seria garantida ao Brasil com a manutenção
no Uruguai de um governo contrário a Argentina e favorável
ao Império brasileiro. Em outras palavras Brasil e Argentina brigavam
de Imperialismo e agrediam a soberania uruguaia.
O apoio de Rosas ao Partido Blanco ( sob a liderança de Oribe )
e de outro lado o apoio de D. Pedro II ao Partido Colorado ( liderado por
Rivera ) Tensionaram a questão platina ao máximo, levando
a guerra em 1851. A guerra contra Rosas e contra Oribe, como ficou conhecida
no Brasil, foi na realidade um conjunto de intervenções do
Brasil na política interna da Argentina e, como de costume, do Uruguai.
O Estado brasileiro apoiou militar e economicamente os movimentos contrários
a Rosas em várias províncias argentinas, levando o general
Urquiza, líder dos federalistas do norte da Argentina, a presidência
da República. No Uruguai, os colorados apoiados pelo Brasil voltaram
ao poder.
A Política interna do Uruguai nos anos seguintes continuaram tensas,
os conflitos entre Blancos e Colorados acirravam-se ainda mais. No começo
da década de 1860, os Blancos liderados por Aguirre, questionavam
não apenas os Colorados, mas também as constantes intervenções
brasileiras. Tornaram-se comuns ataques dos Blancos à fazendas gaúchas
em toda região fronteiriça. Em 1864, Aguirre chegava ao poder
do Estado uruguaio, provocando a ira do governo Brasileiro. Dessa vez os
Blancos subiram ao poder sem o apoio argentino, mas com um novo aliado:
O Estado paraguaio, sob a liderança de Solano Lopez.
A aproximação do Estado paraguaio não agradava ao
Estado argentino e muito menos ao brasileiro, pois representava uma nova
força na luta pelo controle da região platina. Naquele momento
o equilíbrio da região estava dividido entre Argentina, Brasil
e Inglaterra e nenhuma outra nação era bem vinda.
A intervenção brasileira e argentina no Uruguai, que ficou
conhecida como a guerra contra Aguirre (1864) promoveu a derrubada dos
Blancos e o retorno dos Colorados ao poder. Provocou também uma
imediata resposta por parte do Estado paraguaio: A guerra.
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A Guerra do Paraguai: duas vertentes historiográficas
O Paraguai tornou-se independente em 1811, sendo governado por José
Gaspar Rodriguez de Frância, o qual deu início a um amplo
processo de nacionalização da economia. Tal atitude foi seguida
por seus sucessores, Carlos López e Francisco Solano López.
A reviravolta econômica, após a independência, teve
seu início a partir da questão agrária, redefinindo-se
uma política que contemplasse terras aos índios e mestiços,
tomadas desde o início da conquista pelos colonizadores espanhóis.
Frância iniciou um amplo embate contra a igreja católica e
os latifundiários, tomando-lhes as terras e arrendando-as a valores
baixos aos camponeses.
Dentro de uma perspectiva nacionalista, criara-se “fazendas estatais”,
onde se praticava a agricultura, pecuária e artesanato como fontes
de recursos para o fortalecimento do Estado, de modo que havia grandes
quantidades de trabalho aos camponeses, outrora sem-terras. O Estado aos
poucos torna-se interventor nas relações econômicas
do Paraguai, sendo um verdadeiro gestor na produção de alimentos
e manufaturados. Tais atitudes levaram a uma crescente independência
econômica com relação aos outros países, definindo-se
por uma política diferenciada, adotada pelos demais países
da América Latina, que aumentavam seus laços de dependência
com a Inglaterra. Outro aspecto da política de Frância foi
o ataque ao analfabetismo.
Frância morre em 1840 e é sucedido por Carlos López
que prossegue a política de nacionalização da economia,
sendo construídas estradas de ferro, estaleiros para os barcos a
vapor, fábricas de pólvora, de louças etc.
O intenso nacionalismo que se construía era mal observado pelo capital
estrangeiro, principalmente o inglês, pois o protecionismo econômico
do Paraguai impedia as importações européias. Desta
maneira, a Inglaterra organizou a chamada Tríplice Aliança,
congregando Brasil, Uruguai e Argentina afim de impedir o crescente
progresso paraguaio. Francisco Solano López sucedeu seu pai, em
1862, continuando sua política de intervenção estatal.
Logo após o processo de independência, a maioria dos estados
americanos aceitaram a hegemonia comercial e financeira da Inglaterra.
O Paraguai havia sido uma exceção, fechando suas fronteiras
aos estrangeiros e promovendo um desenvolvimento autônomo, contrastando
com a política dos
países vizinhos.
Neste momento, o Brasil era uma sociedade de senhores e escravos governados
pela monarquia portuguesa dos Bragança. O governo da Argentina
era dominado pelos latifundiários e ambos vendiam seus produtos
para o mercado externo e compravam os manufaturados da Inglaterra.
O Paraguai constituía-se em uma exceção perigosa aos
interesses das potências capitalistas. Tornava-se necessário
destruir um regime que promovia um desenvolvimento autônomo. Em 1840
o Paraguai já havia erradicado o analfabetismo e se fechado à
penetração de manufaturas inglesas, desenvolvendo uma
vasta indústria artesanal, em um momento de miséria e em
que a dependência
econômica
e o poder latifundiário eram característicos da América
Latina. As potências não podiam aceitar um Estado que nacionalizava
as terras e o comércio exterior, e promovia o ensino obrigatório
e gratuito para todas as classes. Do ponto de vista dos políticos
e intelectuais brasileiros e argentinos, que estudavam na
Europa às
custas dos escravos e camponeses, o Paraguai era visto como “barbárie”,
sendo necessário integrá-lo à “civilização”,
ou seja, ao mercado mundial e controlado pelas potências capitalistas.
O isolamento do Paraguai verificou-se benéfico para a população,
pois erradicou-se o analfabetismo e ao mesmo tempo, sua indústria
interna artesanal substituía as importações
dos manufaturados ingleses. Ao mesmo tempo, a Inglaterra era o principal
fornecedor bélico dos países da bacia do Prata.
O Paraguai pretendia controlar a navegação do trecho do rio
Paraguai, ferindo os interesses dos países vizinhos e também
dos comerciantes ingleses.
O Brasil levantara a questão da livre navegação do
rio Paraguai e das fronteiras entre os dois países, bem como a Argentina
e o Uruguai reivindicavam a livre navegação nos rios.
Em 1865, temendo uma invasão do Uruguai, o Paraguai atacara a província
de Mato Grosso no Brasil, ao mesmo tempo toma a província de Corrientes
na Argentina. Em contra-partida, organiza-se a Tríplice Aliança,
pretendendo garantir a livre navegação nos rios Paraguai
e Paraná.
Após longos anos de guerra, a superioridade bélica dos aliados
derrotou o exército paraguaio em seu próprio território,
tendo a guerra se desenvolvido em três frentes de batalhas, no Mato
Grosso, na mesopotâmia Argentina e no Rio Grande do Sul.
O término da guerra acabou provocando sequelas terríveis
àquele povo, pois perdera cerca de 75% da sua população.
Dos cerca de 1.300.000 de habitantes, restaram 250.000 mil pertencentes
a população masculina, além de parte de seu território
anexado pelo Brasil e pela Argentina.
A livre navegação da bacia platina ficou assegurada aos interesses
da Tríplice Aliança, ao mesmo tempo, transformações
acarretaram na estrutura militar do Brasil, pois antes da guerra, praticamente
não existia o exército brasileiro, e ao final do conflito,
este saíra fortalecido, passando a reivindicar um papel mais
importante na vida
política do império. A convivência dos soldados brasileiros
com os regimes republicanos da América do Sul contribuíram
para o desenvolvimento das idéias anti-monarquistas no Brasil.
A participação brasileira na guerra do Paraguai foi um resultado
da política instituída por Dom João por ocasião
da transferência da corte portuguesa para o Brasil, pois a influência
econômica da Inglaterra era muito grande a partir da abertura dos
portos as nações amigas em 1808.
A HISTORIOGRAFIA POSITIVISTA –
“O Amor por princípio, e a Ordem por baze;
O progresso por fim
Viver para outrem.
Viver às claras.”
Editado em 1920, o livro A Guerra do Paraguai, de R. Teixeira Mendes,
começa suas observações criticando duramente a política
do Segundo Reinado em seus movimentos de anexação da Banda
Oriental, após sua independência, sob a denominação
de Província Cisplatina.
“(...) dilaceram-se encarniçadamente as nações cujos
interesses são mais comuns, cujas ligações são
mais fraternaes; profana-se o passado, compromete-se o futuro, sacrifica-se
o prezente (...)”
A questão dos limites e fronteiras são exaltados por Teixeira
Mendes como fatores preponderantes para os conflitos bélicos àquelas
épocas. A comunicação natural entre oriente e ocidente
do Império Brasileiro era fundamental para proteger a integridade
política da nação contra as tentativas internas, como
para defendê-la dos ataques externos e promover o desenvolvimento
industrial da região. Quanto aos interesses das nações
platinas, estas eram contra a livre navegação do rio Paraná
pela perda de hegemonia e de vantagens comerciais e, por outro lado,
dificultando a defesa de prováveis invasões por parte do
Brasil
Império.
O historiador leva em consideração a questão da tradição
de lutas seculares entre portugueses e espanhóis pela região,
que inevitavelmente provocariam rompimentos não pouco constantes.
Vários destes conflitos seriam fatalmente evitados e atenuados,
segundo Mendes, se não faltassem ao Imperador um “espírito
culto e um coração generoso”, inspirado em intrigas dinásticas
européias que colocavam as nações aborígenes
submetidas ao ocidente. Novamente comparando o governo imperial com
o “belo exemplo legado pelo regime medieval”, longe do exemplo “moderno”
e “anárquico”.
Forte crítica à postura do Imperador são impetradas:
“Se o ex-imperador do Brazil estivesse ao nível das exigências
sociaes da alta pozição que os nossos antecedentes históricos
lhe confiaram, teria desde logo concebido o arbritamento como o substitutivo
da guerra na sua política internacional.”
Contra as rivalidades no que tange à livre navegação
do rio Paraná, o governo brasileiro deveria ter construído
vias internas de comunicação, diminuindo desta forma a função
estratégica da linha fluvial.
“Jamais se elevou ele acima das vulgares aspirações da mais
grosseira vaidade patriótica.”
Roberto Mendes coloca-nos que a primeira empresa militar do Império
seria o ataque contra a Argentina em 1851, com o objetivo de combater o
ditador Rosas, denunciando que o interesse exclusivo do imperador não
teria sido movido pela generosidade, apenas para promover interesses próprios
de seu reinado, enfocando a contradição brasileira que lutara
para libertar os povos vizinhos de seus tiranos, enquanto que em seu próprio
país contavam-se milhões de cidadãos escravizados
por grande opressão.
Muitas das acusações feitas ao ditador argentino tem por
base tendências e cálculos que o Império Brasileiro
considerava como título de glória para si. Rosas tentou reconstruir
o antigo vice-reinado de Buenos Aires conquistando o Uruguai e o Paraguai,
no entanto, a monarquia brasileira tentou incorporar a América Portuguesa
à Banda oriental, bem como recorreu à violência para
evitar que várias de suas províncias obtivessem sua independência.
Desta maneira, o historiador positivista leva-nos a crer que, admitido
o princípio da legitimidade da interferência de um governo
estrangeiro nas questões internas de qualquer povo, fica aberta
a porta para todas as atrocidades.
As relações internacionais tendem a se complicar a partir
de 1861, quando em junho deste ano naufragou nas costas do Albardão
do Rio Grande do Sul a barca inglesa Prince of Walles, tendo sido os objetos
salvos desta embarcação roubados, e assassinada a tripulação.
Deste modo, o ministro inglês iniciou uma reclamação
ao governo brasileiro, afora a questão escravagista adotada pelo
império, que complicava ainda mais as relações entre
ambos.
Sobre a questão da campanha contra o Paraguai, este tinha, como
o Brasil, problemas com relação a questão de fronteiras
e limites.
Provavelmente López paraguaio afirmava a pretensão de ser
o árbitro das questões internacionais na América do
Sul. Uma vez subjugada a República Oriental, o ditador paraguaio
intentava chegar a vez do Império, liquidando pelas armas a antigas
questões de limites com o Brasil.
Dessa forma, suas pretensões também eram de atacar o Brasil
tendo como aliados a Banda Oriental e talvez a República Argentina,
bem como a Província do Rio Grande do Sul.
Em 22 de novembro, a Vila do Salto é rendida pelo Brasil com o apoio
do General Flores, e em princípios de dezembro, a cidade de Paisandu
é atacada. Em contra-partida, López invade o Mato Grosso.
Em princípios de 1865, López projeta a invasão do
Rio Grande do Sul, na esperança de sublevá-lo contra o Império.
Nesse intuito, pede permissão à Confederação
Argentina para atravessar o território federal, sendo-lhe nagada.
Isto leva ao rompimento com o governo de Buenos Aires, precipitando na
formação da Aliança da Argentina com o Brasil.
“Tal foi a série de erros políticos, filhos principalmente
da falta de elevação mental e moral do governo do ex-imperador,
que conduziu a uma calamitoza guerra entre povos irmãos.”
Mendes diz-nos que, apesar do Brasil não estar preparado para o
conflito, os recursos do Brasil levaram Lópes a sentir a necessidade
de negociar a paz. Suas propostas não serão atendidas porque
o Império não concluiria a guerra
sem a expulsão
do ditador paraguaio.
Dessa forma, o Império Brasileiro, a República Argentina
e o General Flores, em nome da República Oriental, decidem a sorte
do Paraguai.
Proclama-se que a guerra não fora feita contra o povo paraguaio,
mas contra o seu governo. A Aliança institui os limites territoriais
do Paraguai, o desarmamento desta nação, bem como se impõe
a este povo o pagamento das despesas de guerra.
A política desenvolvida pelo Império é no sentido
da continuidade da guerra, sendo considerada por Mendes como um crime de
lesa-humanidade, pois o imperador não cedeu ao sacrifício
da vida de milhares de seus concidadãos, não vacilou ante
a perspectiva de ruína do Paraguai e nem recuou ante aos desperdícios
de enormes quantidades de recursos.
Inclui-se a solicitação de várias repúblicas
americanas ao fim da guerra, como o Chile, o Peru, a Bolívia, o
Equador e os Estados Unidos.
Tais atos são vistos como “caprichos” do Império, obcecado
pela rancorosa idéia de aniquilar López, onde no entanto,
milhões de brasileiros gemiam na escravidão sem que o ex-monarca
sentisse maculada a honra nacional.
Finalizando esta rápida apreciação sobre a Guerra
do Paraguai, de Teixeira Mendes, torna-se importante salientar que tal
autor levante a questão de uma não interferência da
Igreja Católica contra o conflito, pois todos os países envolvidos
denominavam-se professos da mesma fé. A resposta oferecida pelo
próprio autor leva-nos a entender o enfraquecimento do prestígio
político do Papa, onde há muito não passava de um
príncipe italiano absorvido exclusivamente em seu mundo e
na preservação de seus bens materiais, bem como ao clero
da época.
A HISTORIOGRAFIA CRÍTICA
A exposição à seguir baseia-se fundamentalmente
no autor Ricardo Salles, em seu livro Guerra do Paraguai: Escravidão
e Cidadania na Formação do Exército. Tal autor refere-se
inicialmente as obras positivistas, destacando o excessivo “oficialismo
e factualismo” que tendem a simplificar as obras tradicionais sobre o tema.
Ao mesmo tempo, tece uma crítica as versões ditas revisionistas
sobre as causas do conflito.
A chamada versão tradicional diz-nos que o conflito teria sido decorrente
da agressividade de Solano López, por desejar uma hegemonia e expansão
na região platina. Tal visão procura enfatizar o ataque paraguaio
ao Brasil, dando pouca importância à intervenção
militar brasileira no Uruguai. O dirigente paraguaio é visto como
megalomaníaco, não medindo conseqüências em impor-se
na região platina.
Combatendo a historiografia tradicional, Salles fala-nos do revigoramento
das obras sobre o conflito platino a partir dos anos 50, com as chamadas
obras revisionistas, ou seja, que fazem uma revisão nas causas da
guerra do Paraguai. Obras que se distinguem das demais, que destacavam
o imaginário de
Solano López
como “tirano”.
Nestas obras revisionistas, o Paraguai é apresentado como uma “República
de crescimento”, portando uma via original de desenvolvimento econômico
e social, ou seja, um verdadeiro bastião de resistência à
penetração do imperialismo britânico. Além disso,
o Paraguai é mostrado com heroísmo e
grandeza, contrapondo-se
à “mesquinhes” das forças da Tríplice Aliança.
Ricardo Salles aponta duas versões revisionistas, respectivamente
de José Maria Rosa e Léon Pomer.
Para Salles, Rosa defende em suas obras a versão de uma “unidade
da América hispânica”, sendo o Paraguai o país timoneiro
desta união. Tal união não teria se completado
pela interferência dos interesses britânicos através
da Tríplice Aliança na região.
“O Paraguai de Solano López é considerado como o herdeiro
de uma causa da unidade hispano-americana que se manifestava numa solução
de continuidade desde a época da independência. Os opositores
dessa causa são principalmente determinadas oligarquias que lucravam...”
Empreendemos que os grandes “vilões” deste epsódio são
a classe dominante portenha, a Inglaterra e o Brasil imperial. Em contra-posição,
a República guarani é vista como um Estado nacionalista e
antiimperialista, sendo o Paraguai um verdadeiro Estado socialista baseado
em uma vida fácil para todos aqueles que lá nasceram, devendo
estes prestar serviços de forma manual, intelectual ou de tarefas
militares, ou seja, doando sua parte de serviço à comunidade.
O grande inimigo desse projeto de união dos descendentes espanhóis
tinha como seu grande inimigo o Brasil imperial e sua política de
relações exteriores que continuava o intervencionismo português
na região platina. Esta política de intervenção
contava com o apoio dos comerciantes, das elites de Buenos Aires
e também da Inglaterra.
Salles elogia a obra de Rosa, pois, ao contrário da historiografia
tradicional, dá voz aos vencidos, mas aponta o que na sua opinião
caracteriza como limites, no sentido de que Rosas superdimensiona a influência
inglesa na região e diminui as motivações dos países
mais diretamente envolvidos no conflito.
“Entretanto, reduzir o papel desses grupos (...) ao de prepostos do imperialismo
pouco contribui para a elucidação de relações
mais complexas e sutis que estão na base da formação
efetiva de nossas nacionalidades não idealizadas ...”
Ricardo Salles ainda salienta que esta interpretação de Rosa
insere-se no contexto de propostas de desenvolvimento nacionalista, autônomo
e antiimperialista para os países latino americanos, caracterizado
no final dos anos 50 e início da década de 60.
Outro autor revisionista apresentado é Léon Pomer. Para este,
o Paraguai é caracterizado por um desenvolvimento próprio,
tendo após sua independência obtido um desenvolvimento “original,
autônomo, auto-suficiente, nacionalista e, até mesmo antiimperialista”
contra a Inglaterra. Como provas desta opção, é salientado
o surgimento de manufaturas, fundições, o monopólio
estatal do comércio externo, o fechamento do país com contados
vizinhos etc.
Outros aspectos levantados por Pomer para seu desenvolvimento histórico
são o fato do país não possuir analfabetos, o acesso
dos camponeses à terra, do fato dessas mesmas terras, em sua maioria
pertencerem ao Estado, a perseguição e extermínio
dos criollos ...
Nas palavras de Salles:
“ (Léon Pomer) Sem caracterizar o Paraguai de López como
um Estado socialista e sim como um Estado nacional que buscava sua via
própria de desenvolvimento, cortando os laços coloniais,
aliás de formação histórica frágil,
ele considera um obstáculo à penetração do
imperialismo inglês no Prata.”
Dessa maneira, constituindo-se fechado e isolado e não permitindo
a livre navegação do rio Paraguai às nações
estrangeiras, este país era visto como um cobiçado mercado
e zona de expansão comercial que mantinha-se fora do alcance dos
ingleses. O imperialismo britânico é observado como o grande
incentivador do Brasil e Argentina com o objetivo de furar o bloqueio paraguaio,
abrindo-o às demais nações. Salles considera que Léon
Pomer ressalta uma influência decisiva da Inglaterra sobre a vida
política do Brasil, Argentina e Uruguai, ao ponto de formarem uma
“burguesia anglo-brasileira” que controlava o comércio interno e
externo do Império.
Tais afirmações também são contestadas por
Ricardo Salles, entendendo este que a elite brasileira do Império
ligava-se fundamentalmente à produção agrária
baseada no escravismo, e o imperialismo inglês com as exportações
de capitais.
Segundo Salles:
“Ainda que essas relações fossem complementares e hierarquizadas,
no sentido de uma predominância do capital inglês, isto não
significa que não ocorressem contradições e atritos,
principalmente no nível político, da relação
entre os dois Estados. Nunca é demais lembrar que, ao iniciar-se
a guerra, Brasil e Inglaterra estavam com as relações diplomáticas
cortadas, por iniciativa do governo brasileiro, desde junho de 1863.”
Finalizando este breve artigo, Ricardo Salles aponta como principal limite,
ou em suas próprias palavras, “ponto fraco” das versões revisionistas
acerca da guerra do Paraguai, as tentativas de inserção do
conflito no contexto mais geral de expansão do capitalismo, pecando
pela maximização das atividades diretas da Inglaterra e diminuição
das motivações das nações envolvidas no conflito.
BIBLIOGRAFIA
CALÓGERAS, J. Pandiá. Formação Histórica
do Brasil. São Paulo: Editora Nacional, 1980.
CERQUEIRA, Dionísio. Reminiscências da Campanha do Paraguai.
Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1980.
MENDES, R. Teixeira. A Guerra do Paraguai. Rio de Janeiro: Edição
de Joaquim
Bagueira Leal, 1920.
POMER, Léon. Paraguai: Nossa Guerra contra esse Soldado. São
Paulo: Global, 1984.
SALLES, Ricardo. Guerra do Paraguai: Escravidão e Cidadania na Formação
do Exército. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.
VIANNA, Hélio. História do Brasil. São Paulo: Melhoramentos,
1977.
Daniel Porciuncula Prado
Professor do Departamento de Biblioteconomia e História da FURG
Mestre em Educação Ambiental (FURG)
CD ROOM Primeiras Jornadas de História Regional Comparada 23 a 25 de Agosto de 2000, PUC/POA RS.
Solano López
3
de marzo de 1870 - Cerro Corá - Solano López
Esta
es una caravana de muertos que respiran. Los últimos soldados del
Paraguay peregrinan tras los pasos del mariscal Francisco Solano López.
No se ven botas ni correajes, porque se los han comido, pero tampoco llagas
ni harapos: son de barro y hueso los soldados que deambulan por los bosques,
máscaras de barro, corazas de barro, carne de alfarería que
el sol ha cocinado con el barro de los pantanos y el polvo rojo de los
desiertos.
El
mariscal López no se rinde. Alucinado, la espada en alto, encabeza
esta última marcha hacia ninguna parte. Descubre conspiraciones,
las delira, y por delito de traición o de flaqueza manda a matar
a su hermano y a todos sus cuñados y también al obispo y
a un ministro y a un general... A falta de pólvora, las ejecuciones
se cumplen a lanza. Muchos caen por sentencia de López, y muchos
más por extenuación, y en el camino quedan. La tierra recupera
lo que es suyo y los huesos dan el rastro al perseguidor. Las inmensas
huestes enemigas cierran el cerco en Cerro Corá. Derriban a López
a orillas del río Aquidabán y lo hieren a lanza y lo matan
a espada. Y de un tiro lo rematan, porque ruge todavía.
Elisa
Lynch
Rodeada
por los vencedores, Elisa cava con sus uñas una fosa para Solano
López.
Ya
no suenan los clarines, ni silban las balas, ni estallan las granadas.
Las moscas acribillan la cara del mariscal y le acometen el cuerpo abierto,
pero Elisa no ve más que niebla roja. Mientras abre la tierra a
manotazos, ella insulta a este maldito día; y se demora el sol en
el horizonte porque el día no se atreve a retirarse antes de que
ella termine de maldecirlo.
Esta
irlandesa de pelo dorado, que ha peleado al mando de columnas de mujeres
armadas de azadas y palos, ha sido la más implacable consejera de
López. Anoche, al cabo de dieciséis años y cuatro
hijos, él le dijo por primera vez que la quería.
Eduardo Galeano
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