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Octávio Corrêa

Até a pé nos iremos
para o que der
e vier.
Hino do Grêmio.


   Domador de Potros, Galã em Paris e Herói Civil no Forte de Copacabana
   Octávio Corrêa - o herói civil do Forte de Copacabana, em 1922 - é uma espécie de guerreiro sem rosto da fase "tenentista"de nossa história. Na sua única foto conhecida ele aparece de perfil, ereto, o rosto sombreado pelo chapéu da época, armado de fuzil e caminhando para a morte nas areias da praia carioca.
   O que pouca gente sabe é que este filho dos latifúndios de Quaraí, mesmo morrendo muito moço, aos 36 anos, vinha dessa escola de bárbaros que era a estância primitiva, onde fora capataz, domador de potros, tocador de violão e, na última década de existência, boêmio e galã nas noitadas parisienses.
   Quaraí, sua terra, o homenageia com um vetusto "Largo Cívico Octávio Corrêa", na praça central da cidade. Porto Alegre o reverencia com uma ruazinha discreta ali na Praça da Redenção. O memorialista Bernardino Machado, que o conheceu pessoalmente, pouco antes de falecer, no final dos anos 60, tinha dele escassas e fugidias lembranças.
   "Ele era um moço um tanto estouvado - diz o memorialista - e nas poucas vezes que vinha à cidade não agradava pelas roupas e seus modos. Quando vinha pilchado como um guasca, tironeando algum potro asselvajado, chapéu tapeado na nuca e arrastando as nazarenas, era ainda pior. Vinha à moda de Paris, com umas ruas totalmente esquisitas. A família tinha um sobrado ali na frente da praça. No verão ele usava uns roupões, calções, sei lá. As famílias não passavam na calçada porque diziam que ele andava pelado dentro de casa..."

   Ídolo da Peonada
    Octávio Corrêa  era filho do fazendeiro Carlos Alberto Corrêa e Leopoldina da Cunha Corrêa e nasceu em Quaraí, na Estância do Serro, em 3.6.1886. Estudou no Ginásio Nossa Senhora da Conceição, em São Leopoldo, concluindo o que então se chamava de preparatórios em Porto Alegre. Queria cursar Direito. Inteligente, elegante, rico, generoso, fez sucesso na capital gaúcha, informa seu irmão Adalberto Corrêa no seu livro "O Brasil Inquieto" (memórias, 1954). "Aos 20 anos de idade, mais ou menos - diz a mesma fonte - viajou para a Europa, fixando-se depois de algum tempo em Paris, onde, por anos a fio, levou intensa vida boêmia, convivendo no Quartier Latin com os jovens artistas da época, literatos, pintores e médicos".
     Voltando a querência, a passeio, lá por 1910/12, vai ser capataz da Estância do Mancarrão, propriedade da família, enquanto seu irmão Adalberto capatazeava a Estância do Serro. Por suas excepcionais qualidades de campeiro, era o ídolo da peonada. quem conta é seu irmão: "Certa vez, quando percorríamos uma invernada, rebentou o tento de seu laço, seu cavalo se prendeu a corcovear e numa dessas se deu volta. Octávio saiu de pé, mas com as rodilas do laço enfiadas numa das pernas. O animal levantou logou e disparou, arrastando-o pelo campo. Ele felizmente se mantinha sentado e, com a mão esquerda fortemente no laço, já havia sacado a faca para cortá-lo, pois o cavalo corria em direção a uma pedreira, distante, uns 400 ou 500 metros".
   Atropelei meu cavalo no dele para detê-lo, gritando para Octávio que cortasse o laço. Vendo que não podia alcançar o cavalo dele, saquei do revólver e despejei-lhe toda a carga em cima, sem acertar. Quando o cavalo de Octávio enveredou para a pedreira, já ía só, com o laço de arrasto. O meu irmão havia cortado o laço na hora "h". Interpelei-o: "Mas, bárbaro, porque não cortaste logo o laço?". - E ele, com toda a calma, como se nada houvesse acontecido: "Estava com pena. Ele era novinho. Era a primeira vez que botava nos tentos. Devo esclarecer que para o gaúcho o laço é uma das prendas mais queridas e cuidadas, daí o gesto de Octávio, só se dispondo a cortá-lo no último momento, na iminência de se despedaçar nas pedras".
    ....

   Fogoso e Peleador
   atlético, bonito, elegante e rico. Fogoso e peleador. Esse o Octávio Corrêa que Paris conheceu, que a noite parisiense conheceu ao longo dos anos 1910/1920. Suas conquistas e suas façanhas andavam de boca em boca. Nas rodas boêmias se dizia abertamente que os homens mais cobiçados de Paris pelas mulheres da época eram o lendário Rodolfo Valentino, por quem suspiravam os mais belos perfis femininos, e Octávio Corrêa .
    Sua última aventura em Paris data de 1921, quando foi seqüestrado na porta do hotel onde morava por ordem de uma bela jovem da aristocracia russa. Safou-se à bala, no melhor estilo campeiro. Por pouco não morreu pois foi tapado de chumbo, tendo seu irmão Adalberto que ir buscá-lo no hospital onde estava internado.
    Octávio Corrêa estava no Rio de Janeiro por ocasião da revolta do Forte de Copacabana, tendo ido imediatamente engrossar as fileiras lideradas por Siqueira Campos, Newton Prado e Euclides da Fonseca. Saindo à praia com os revolucionários, com aqueles que se opunham aos desmandos governamentais de então, morreu heroicamente no sangrento encontro com as forças governantes.
    Estávamos a 5 de julho de 1922. Eis como o jornal "A Pátria" noticiou a morte do nosso conterrâneo: "Pouco antes de nossa chegada ao Hospital de Sangue, falecia o Sr. Octácio Corrêa, pertencente a uma das mais tradicionais famílias do Rio Grande do Sul. Em torno de seu gesto fazendo causa comum com os revoltosos da Fortaleza de Copacabana, há um episódio curioso que valerá recordar para acentuar um característico do temperamento do valoroso moço. Octávio Corrêa era como os demais da família: valente e corajoso. Temperamento impulsivo, assim que soube do levante da guarnição do Forte, dirigiu-se para o mesmo num automóvel, com um pedaço de cobertor rubro enfiado na cabeça, à guisa do tradicional poncho gaúcho. Ele morreu como um herói, combatendo até cair, atravessado por muitos projetis.
   Era gaúcho e quaraiense. soube honrar a tradição de bravura e altivez de sua terra e de sua gente. Esta é a sua maior glória.
   Seu irmão Waldemar Corrêa*, rebelde como os demais da família, e poeta dos melhores que temos, no seu livro "A Volta de Antônio Chimango"deixou este soneto:

                  Herói
                            À memória inesquecível de Octávio
                            Corrêa, tombado nas areias de Copacabana

                 Com passo firme, em marcha cadenciada
                 no centro da coluna diminuta,
                 trazes na face a impavidez gravada
                 e a crença heróica de tombar na luta.

                 Tens no olhar a vida concentrada;
                 a atitude viril de quem perscruta
                 do coração a singular pancada
                 quando o ideal sagrado se disputa.

                 Ruge a metralha, bárbara, assassina...
                 Nesse massacre vil e desumano,
                 é teu vulto civil que predomina.

                 Sob os escombros da hecatombe enorme
                 jaz teu corpo heróico de paisano
                 por entre a glória caqui do uniforme!
 

    Quaraí, Terra de Intelectuais e Guerreiros; João Batista Marçal, Porto Alegre 1995.

   * A Volta do Antônio Chimango, poemeto gauchesco, Comissão do Centenário da Guerra dos Farrapos, Porto Alegre, 1935. Obra publicada com o pseudônimo de "Dino Desidério". A segunda edição saiu em 1958, numa iniciativo do CTG "Galpão de Estância", de Sobradinho. A 3º edição saiu em 1973 pela editora Paralelo Ltda., incluindo poesias inéditas do autor.
    Waldemar Corrêa -  Poeta regionalista. Fazendeiro.
    Nasceu em Quaraí - na Estância do Mancarrão - a 14 de agosto de 1897, penúltimo dos 18 filhos de Carlos Alberto Corrêa e Leopoldina da Cunha Corrêa. Irmão de Otávio Corrêa, herói do Forte de Copacabana e de Adalberto Corrêa,
bravo guerrilheiro maragato em 1923.
    Participou também da Revolução de 1923, em conseqüência da qual teve de radicar-se em São Paulo, na zona de Sorocabana, onde conservou os hábitos e costumes dos guascas rio-grandenses. Faleceu num acidente de trator, em sua estância, em Itapetininga, SP, a 6 de agosto de 1956.

                     Grito de Guerra

                 Ao Adalberto Corrêa - 1923

                 Ensilha o pingo e ajusta a tua lança
                 e desfralda a bandeira colorada,
                 esse pendão de glórias que balança
                 na alma livre da tua gauchada!

                 Repete a carga heróica de Palomas;
                 Ressurge audaz com tua valentia,
                 dos gaúchos corcéis ruflando as comas
                 e amordaça o canhão da tirania...

                 Liberta o teu rincão, novo farrapo!
                 Queima na luta o último cartucho
                 ou tomba na coxilha como um guapo!

                 Terás então por toda a eternidade
                 a gratidão do coração gaúcho,
                 legendário campeão da LIBERDADE!!!

               Antologia da Poesia Quaraiense, João Batista Marçal, Ed. Pirâmides, 1977.
 

    A Revolta dos Tenentes

    A partir da Primeira Guerra Mundial, um novo sentimento da concepção do valor e da dignidade consciente veio dar uma nova dinâmica à mentalidade dos militares.
    Crescia nos soldados uma antipatia a ingerência dos políticos sempre a convocá-los, como salvadores, para a missão inglória de manter governos recalcitrantes nos estados leais aos chefes da nação.
    Não percebiam os políticos que as gerações jovens de militares não suportavam mais serem manipuladas por quem já não merecia crédito moral. Existiam provas de atos corruptos, desonestos e fraudulentos, praticados em nome da consolidação da República. O tenente Antônio Siqueira Campos, referindo-se ao espírito que animava a sua geração, assim se expressou: "Não podemos continuar como capangas de políticos; somos revolucionários, não somos lacaios".
 

   A Revolta do Forte de Copacabana

    O fechamento do Clube Militar e a prisão do Marechal Hermes da Fonseca teve repercussão acintosa nos meios militares, principalmente no grupo de oficiais jovens, que depois seriam conhecidos como "os tenentes". O então tenente Juarez Távora, assim interpreta o sentimento e a mentalidade desse grupo: "O fechamento sumário do Clube Militar por decreto e a prisão Marechal Hermes da Fonseca eram ultrajes à dignidade das Forças Armadas. Vingar esse ultraje tornou-se uma obsessão dos espíritos rebeldes".
    O fermento da rebelião nos quartéis do Rio de Janeiro chegou também a algumas guarnições do interior, notadamente do Estado do Mato Grosso, onde o general Clodoaldo da Fonseca, tio do marechal Hermes, era o chefe dos insurretos, tendo como auxiliar direto o tenente Joaquim do Nascimento Fernandes Távora, irmão de Juarez.
    A revolta que estava prestes a desencadear no Rio de Janeiro em outros Estados visava tomar o Palácio do Catete, depor o Presidente Epitácio Pessoa, e impedir a posse do Presidente eleito, Arthur Bernardes, marcada para 15 de novembro, cuja eleição estava sendo acusada de fraude escancarada. Em seu lugar seria nomeada uma Junta Governativa.
    Quando levada ao marechal Hermes a notícia da rebelião, ele resistiu alegando que ela carecia de um plano de organização, e que estava certo do conhecimento do governo sobre todos os passos dos revoltados. Todavia aceitou consciente do seu insucesso, mas não podia recuar, uma vez que a prisão dele era a grande razão para ser deflagrado o movimento.
    O Forte de Copacabana aninhava o foco da revolta, comandada pelo capitão Euclides Hermes da Fonseca, filho do Marechal Hermes, tendo como ompanheiros os tenentes Antônio Siqueira Campos, Eduardo Gomes, Delso Mendes da Fonseca, Newton Prado e Mário Tamarindo Carpenter.
    A uma hora e vinte minutos da madrugada do dia 5 de julho de 1922, os poderosos canhões do Forte abriram fogo. Um canhão de 190mm bombardeou a ilha de Catanduva, depois o quartel do 3º R.I., como protesto por ter aquela unidade recebido preso o Marechal Hermes. Em seguida o Quartel General do Exército, na Praça da República, O Corpo de Bombeiros, o Batalhão Naval, o Arsenal da Marinha e a Fortaleza de Santa Cruz, atingindo também várias casas residenciais, quando morreram algumas pessoas.
    Estava deflagrada a Revolução, agora era encarar as conseqüências de uma rebelião, que tanto poderá ter de triunfo como de fracasso.

   "Os dezoito do Forte de Copacabana"
    Todos os focos revolucionários foram caindo; rendendo-se, entregando as armas, abandonando seus postos. Apenas o Forte de Copacabana resistia, com uma guarnição de 300 homens, baseado no poder de fogo dos seus canhões de 75mm 120mm e 305mm, todos em condições de arrasar tudo que estivesse ao seu alcance.
    Intimado a render-se, o capitão Euclides Hermes respondeu que só depois de receber ordem do marechal Hermes, única autoridade a quem obedecia.
    Negada a concessão, começou o bombardeio ao Forte que durou uma noite inteira, e já se aprestavam para abrirem fogo os couraçados "São Paulo" e "Minas Gerais".
    O bombardeio do Forte e o fracasso de outros levantes, mais o ultimatum do Ministro da Guerra, feito na madrugada do dia 6, levou o capitão Euclides, com os demais companheiros, a tomarem a decisão de abandonarem sua fortaleza.
    Todos os prisioneiros foram postos em liberdade, e quantos quiseram estavam liberados para deixarem o Forte. Imediatamente, dos 300 daquela unidade, ficaram apenas 28; 5 oficiais e 23 praças.
    O ministro Calógeras, amigo pessoal do capitão Euclides, propôs um encontro para resolver a situação crítica em que se encontravam os defensores do Forte de Copacabana. Este aceitou, e ao chegar ao "Palácio do Catete", foi cientificado que o Presidente da República mandara prendê-lo, o que aconteceu, incondicionalmente, com a ameaça de ser fuzilado, caso os canhões da fortaleza continuassem atirando.
    Não havia mais o que fazer. O tenente Siqueira Campos, juntamente com os demais conpanheiros - com a alma mortificada pela traição ao chefe - resolveram num gesto de empolgante heroísmo saírem às ruas e de peito aberto, enfrentarem as tropas do governo. Eram milhares de homens. Antes de pisarem às ruas, Siqueira reuniu-os e cortou a bandeira do Forte em 28 pedaços, um para cada um, e juraram resistir até o fim.
    Pouco tempo depois das duas horas da tarde, o valoroso tenente Siqueira Campos conduzia os "voluntários da morte" para a tragicidade, para o martírio, por ideal de aspiração suprema. À frente os soldados governistas, postados em todos os lados nas ruas transversais à praia.
    Armados de fuzis e pistolas "parabelum", seguem. Apenas 28, que logo ficaram 18, que ficaram 10, que a eles juntou-se um engenheiro civil, Otávio Corrêa, gaúcho de Quaraí, e ficaram 11. Mas passaram a história e se celebrizaram como os "Dezoito do Forte de Copacabana".
    Caminharam impelidos por uma emoção suicida. Em silêncio, armas em punho, túnicas desalinhadas, cabeças erguidas, altivos, solenes e majestosos. Seguem rumo a epopéia do mais comovente idealismo, que haveria de imortalizá-los pela grandez de suas atitudes de sublime patriotismo.
    O tenente João Segadas Viana fala alto, concitando-os à rendição: "Não
derramamemos sangue inutilmente". Um outro oficial brada a Siqueira Campos: "O que é isso Companheiro"?
    - Não pertenço mais a este Exército, responde Siqueira, arrancando os galões e incontinenti, abre fogo. O combate torna-se renhido. Os rebeldes como hipnotizados fremem de furor, indignação e revolta. Atiram contra as forças leais. Matraqueia a metralhadora, pipocam os fuzis, zunem as balas, reluzem as baionetas, mas eles não temem, não recuam, avaçam, tiroteiam, ferem, matam e morrem também.
    Começam a cair mortos: Pedro Ferreira de Melo, Otávio Corrêa e Mário Carpenter.
    Newton morre no hospital. Feridos estirados na rua estão Eduardo Gomes e Siqueira Campos. Os mortos jazem cobertos pela púrpura da glória, o manto da deusa da guerra, com o qual ela eterniza os heróis do idealismo, esse mistério do sentimento humano, mais forte que a vida, mais poderoso que a morte.
    Segundo Glauco Carneiro (Revista O Cruzeiro, 18/07/1964) "Trinta e três soldados governistas, entre mortos e feridos, tombaram durante a hora trágica do tiroteio".
    Mais um grupo de jovens existências se imolaram em holocausto a consolidação da República, corroída pelos abusos, pela corrupção, pela fraude; mesmo renovada várias vezes continua até hoje, com seus defeitos e seus vícios congênitos.

   As Revoluções da República, Osório Santana Figueiredo. Ed. Pallotti, 1995.

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