Rivadávia
Severo,
Médico
e Polemista
Médico,
jornalista, romancista, político, poeta e polemista. Usou o pseudônimo
de Paulo Simples. Nasceu em Quaraí a 1.10.1889; filho de Manoel
José Severo e Ana Bárbara Saldanha Severo.
Como jornalista,
militou no jornal maragato Última Hora, de Porto Alegre,
nos idos de 1923, onde travou polêmicas com Alcides Maya, Lindolfo
Collor, Pedro Vergara e Otelo Rosa, redatores de A Federação,
porta-voz do situacionismo borgista.
Rivadávia
era um orador brilhante e marcou época um discurso que pronunciou
como orador oficial de uma solenidade em memória do professor Sarmento
Leite. Residiu nas cidades de Santiago do Boqueirão e Caçapava
do Sul, tendo redigido e redatado na primeira, nos idos de 1926, o jornal
A
Ordem. Em Santiago esteve preso e foi processado por crime de imprensa,
motivado por perseguições políticas de que foi alvo.
Faleceu
em Porto Alegre em 4.11.1933 e três anos depois sua família
mandou publicar o seu romance Visão do Pampa. Deixou inédito
o romance sociológico Velho Timbaúva e Sonetos
e Poemas, cujos originais extraviaram-se conforme depoimento de seu
filho Alberto Severo a Pedro Leite Villas-Boas em 1963.
A minha
Antologia
da Poesia Quaraiense, segundo o bravo maragato Antero Marques, seu
amigo, só tem um defeito: omite Rivadávia Severo, um admirável
poeta, na sua opinião.
Quaraí, Terra de Intelectuais e Guerreiros; João
Batista Marçal, Porto Alegre 1995.
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- Que querem os povos com suas revoluções senão
derrubar idéias e levantar idéias? senão trocar o
que não presta pelo que presta? Senão substituir a rotina
pela evolução? Numca uma revolução é
sem tempo; ela é sempre fruto amadurecido de uma idéia -
duma idéia que se supõe pelo menos boa. - Rivadávia
Severo, Visão do Pampa.
Segundo Antero Marques: Em
1926, Rivadávia Severo hospedou-se na Rua da Olaria em nossa república
de estudantes - e deixou estes versos escritos, sem assinatura e sem comunicar
nada a ninguém: foi muito fácil para mim reconhecer a sua
letra - e os versos, que eram meus velhos conhecidos. Escrevi, assim, o
nome dele.
Noite linda, tudo claro,Notas de Interpretação e de Saudade, Antero Marques.
Prata velha brilha lá!
Dorme boi que também rondo
As penas que tenho cá.Dorme boi enquanto eu sondo
As penas do coração;
Que o tropeiro só tem penas,
Penas como galardão.Esta vida de tropeiro
Não sei como comparar;
Se a uma noite bem escura,
Se a uma noite de luar.Noite clara vêm as penas
Chilenar a alma da gente,
Noite escura é coisa feita -
Pois ninguém sabe o que sente.
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Mas havia mesmo um estudante pobre,
numa farmácia da rua da Bragança, quase a esquina da rua
da Ponte, à esquerda de quem subisse - Rivadávia Severo (o
seu Rivota, o velho Riva)9. Frágil
e doente. Pobre, de alimentar-se mal, com o parco ordenado que lhe pagavam
para atender a farmácia. inteligência, bondade e heroísmo
obscuro o distinguiam. Conquistou-nos: admiração e estima.
Sonhava uma visão do pampa, que nos transmitiu muito mais em suas
palestras que nas páginas do livro, excelente e verdadeiro, (suponho)
não chegou a terminar como desejava.
Diziam alguns de seus amigos que a
tortura da forma fez com que o trabalhasse demais, prejudicando-o.
Assistimos a sua feitura e elaboração; contribuímos
mesmo para isso com alguma coisa. Mesmo truncado, como truncada foi sua
vida - ali está o Rio Grande, nas vivências do escritor tiradas
do real.
Vi como trabalhou, e sou
um dos muitos que lhe ficaram devendo, pelo convívio de seu espírito
maduro e sereno. Foi ele quem me deu o livro de Fábio Luz para ler
A
Paisagem no Conto, no romance e na Novela, elogiando com entusiasmo
a página de Kim, na sua comparação com a de
Alcides Maya, no Ruínas Vivas, seguidor deste, passou a achar
que o modelo de Kipling, apresentado pelo professor paulista, dizia ser
melhor com o que procurava escrever e se nota nas páginas de seu
livro a influência daquela grandiosa simplicidade.
Diz a crítica que Rudyard Kipling
fez passar toda a Índia através daquela estrada comprida
e larga que a atravessa, à margem da qual Kim desperta e dá
origem à página modelo citada; para mim, Ruínas
Vivas (embora ficção) é um compêndio de
Sociologia, e da melhor, até mesmo nas suas paisagens, que o seu
pintor impressionista tirou do real, do natural de suas vivências:
um momento do ambiente que não foi visto ou recebido de outiva...
"Era uma linda manhã
de nuvens iriantes e atmosfera chilreada, tépida, serena; as pradarias
patenteavam-se férteis, imensas, esmeraldinas de grama tenra; o
gado pastava numeroso nas campinas ainda orvalhadas; pássaros de
plumagem multicores voavam preguiçosos, uns altívolos, na
projeção dos cúmulos, outros rasando a cumeira dos
matagais, borboletas andejavam, boiavam leves na brisa, como levadas por
ela; a trechos, entre tufod róscidos de relva ou em escalvados arenosos
à beira dos barrancos carniças negrejavam de urubu; e através
de toda a terra engalonada, pelas árvores frondosas, em pedras cobertas
de lichéus, na corrente cristalina dos arroios, no chamalote das
sangas, nos silvedos havia irradiações de talco diamante,
ouro, toques de rosa, transparências cerulas, tiras de verde úmido."
Ruínas Vivas.
O inane e afeminado
destruidor de Alcides Maya numca criou nada nem se aproxima dele; quando
que fazer crítica sobre Machado de Assis, é primoroso e clássido,
destacado e único; o estudo de nosso regionalista sobre o grande
humorita, de quem Moysés Vellinho podia realizar um personagem (solerte,
maneiroso, calculista, afeminado, servil com eretismo de pseudomasculinidade
catártica), para as suas páginas de subjetivismo e rídiculo.
E desejamos sinceramente que nosso grande escritor tenha nos seus livros,
que não lemos, páginas como as que lemos em Ruínas
Vivas e como as que escreveu Kipling:
A aurora diamantina
despertou os homens, corvos e bois conjuntamente. Kim sentou-se na cama,
bocejou, sacudiu-se, estremeceu de gozo. Estava dali a ver o mundo em sua
verdade; era a vida como desejava - os grunidos, os chamados, os cintos
afivelados, os bois que se adestravam, os chiados das rodas, as fogueiras,
as marmitas fervendo, espetáculos novos para os seus olhos encantados
a cada volta do caminho. A bruma matutina esvaiu-se em turbilhão
de prata; os papagaios, legiões de flechas de esmeraldas, deslizaram
gritando, para águas longíquas; todas as rodas dos
poços das proximidades puseram-se em trabalho. A Índia despertava
e Kim no meio dela, mais desperto, mais vivo que nenhum outro, mastigava
um raminho que lhe servia de escova de dentes, apreciando, segundo seu
costume, de direita e da esquerda, os hábitos do país que
tanto conhecia e a que dava suas preferências.
O paralelo felicíssimo
entre as páginas dos dois livros prossegue. Não esquecer
que é um curso dado por um professor de literatura - e ao cotejo
literário entre Miguelito e Kim, Fábio Luz teria acrescentado
o de Güiraldes, no Dom Segundo Sombra, três bastardos,
mestiços, com um guia-professor, profundamente conhecedor do ambiente
depois de viver nele a vida inteira - Chico Santos, o Lama e Dom Segundo...
Um afeiçoa-se ao avô, outro, ao religioso, o terceiro
à figura universal de campeiro
que é o seu incomparável e singular padrinho. São
copiados da vida, eternos.
9 -
Autor de um livro cheio de autenticidade campeira, Visão do Pampa,
hoje quase esquecido...
Autos de um Processo de Distorção, Literária, Sociológica e Histórica. Antero Marques.
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Don Segundo Sombra abunda
em metáforas de um tipo que não tem relação
nenhuma com a fala da campanha e sim com as metáforas dos cenáculos
contemporâneos de Montmartre. No que diz respeito à fábula,
à história, é fácil comprovar nela o influxo
de Kim de Kipling, cuja ação está na Índia
e que foi escrito, por sua vez, sob o influxo de Huckleberry Finn de Mark
Twain, epopéia do Mississípi.
Observemos o caso de Kipling:
Kipling dedicou sua vida a escrever em função de determinados
ideais políticos, quis fazer de sua obra um instrumento de propaganda
e, no entanto, no final de sua vida teve que confessar que a verdadeira
essência da obra de um escritor com freqüência é
ignorada por este; e remeteu ao caso de Swift, que ao escrever As Viagens
de Gulliver quis levantar um testemunho contra a humanidade e deixou, entretanto,
um livro para crianças.
O escritor
argentino e a tradição, Jorge
Luis Borges.