A
Herança dos Índios Minuanos
Hábitos e costumes campeiros foram herdados da tribo de cavaleiros
indígenas
Os
minuanos chegaram a ser um grande povo de índios cavalheiros, tão
respeitado e temido como os charruas. Em princípios do século
18, ocupavam grandes áreas do Sul, desde a Província Uruguaia
nos confins da lagoas Mangueira e Mirim, no extremo meridional do Rio Grande
do Sul.
Esses
famosos ginetes acabaram habitando as regiões compreendidas entre
os atuais municípios de Uruguaiana, Quarai, Santana de Livramento,
Alegrete, Rosário do Sul e São Gabriel. Nesse último,
eles tinham suas toldarias, junto ao cerro do Batovi e às margens
do Rio Cacequi. Sua influencia na formação do gaúcho
é incontestável. Deles, muitos hábitos e costumes
são conservados na nossa tradição campeira.
Foram esses índios
que mais se identificaram com os portugueses desde os primeiros contatos.
Vítimas das pestes e das guerras de fronteira, ficaram reduzidos
a toldarias encontradas na Serra do Caverá, nos campos do Jarau,
em torno do Batovi e onde está hoje o distrito de Azevedo Sodré,
município de São Gabriel.
Em 13 de março
de 1787, uma terça-feira, o coronel José Saldanha encontrou-os
nas cabeceiras do Cacequi. Descreveu-os: “No acampamento de 13 de março,
fomos visitados pela primeira vez pelos índios minuanos. Eles têm
as ventas do nariz e as maças do rosto intumescidas, como os demais.
São corpulentos e bem feitos; as mulheres são quase todas
de meia estatura; as demais feições são iguais às
do americano. Seus cabelos são longos e eriçados. Cobrem-se
pelas costas até os calcanhares, com os caiapis (capa) feito de
couro descarnado e sovado. Usam-no com o carnal para fora, atados com um
tento por cima do ombro, e rematado no pescoço. Vestem-se com uma
tanga ou chiripá de pano de algodão e não dispensavam
as boleadeiras que traziam presas à cintura. Alguns deles trazem
os cabelos e a cabeça atados com um pequeno e sujo lenço
(vincha)”.
As moradas dos
índios eram chamadas de toldos e, quando em grupamento, de toldaria.
A mulher erra muito seviçal e dedicada ao marido. Ela juntava lenha,
fazia fogo, preparava o mate e o churrasco e encilhava o cavalo, quando
tinha arreios, geralmente só usados por caciques. Félix de
Azara, descrevendo esses índios, disse: “A mulher minuana, como
a charrua, cata piolhos e pulgas com afeição e gosto, prendendo-os
na ponta da língua, para depois mastigá-los e comê-los
com prazer”.
José
Saldanha que foram eles que inventaram as boleadeiras e o laço,
“instrumentos
comuns e necessários aos campeiros que estes campos vadeiam (...).
Com esses, apanham no campo várias éguas, potros bravios
e também cavalos mansos”.
O peão
e o homem do campo dos nossos dias têm muito em comum com certos
usos e costumes próprios dos minuanos, o que pode nos levar a crer
que esse tipo de ginete é verdadeiramente o protótipo do
gaúcho rio-grandense. O uso da faca à cintura é bem
característica dos minuanos: “A faca flamenga – escreveu Saldanha
–com bainha de couro cru, sempre trazem entalada entre a tarja de algodão
e a cintura pela parte das costas”. Cita também o poncho bichará,
tecido de lã e listrado de várias cores. Outros hábitos
bem acentuados que eles descendem estão bem vivos nos nossos costumes:
acocorar-se à beira de casa, chupar em tragos longos e espaçados
o chimarão, guardar o toco do cigarro atrás da orelha, cuspir
com o cigarro no canto da boca, assar carne no espeto de pau, conduzir
as boleadeiras atadas na cintura, o laço nos tentos dos arreios,
o pala bichará no pescoço , gritar batendo com a mão
na boca, usar a vincha na cabeça e beber cachaça no bico
da garrafa, que se fizeram tão costumeiros. Os minuanos se assemelhavam
muito aos charruas em certos aspectos. Azara, que viveu entre eles, diz:
“Se diferenciavam principalmente no idioma em todo diferente. São
mais baixos, mais descarnados, tristes e sombrios e menos espirituais”.
Osório Santana Figueiredo Jornal Zero Hora , 20 de junho de 1998
Sobre
os índios minuanos
Os índios
Minuans, vulgo Minuanos, eram como os Charruas, cavaleiros, sabiam amansar
bem os cavalos e, na paz como na guerra, sabiam, como aqueles, utilizar-se
deles perfeitamente. Pois lhes era indiferente andarem, ora montados, ora
deitados nos dorsos dos cavalos e muitas vezes passavam a ocultar-se debaixo
do animal.
É assim que o inimigo dificilmente podia discriminar um bando de
Minuanos e Charruas.
E usando desta arte, tiravam eles, não só na caça,
como na guerra, um bom partido.
Facilmente surpreendiam o inimigo, que não os distinguia de simples
manadas de animais cavalares pastando.
Também como os Charruas, os Minuanos, vivendo no estado nômade,
usavam casas ambulantes cuja coberta era de esteira de caraguatá
ou de taboa e cada tribo ou toldo, tanto destes, como daqueles, não
passavam de bandos de 50 famílias mais ou menos, juntando –se as
tribos da mesma nação, me tempo de guerra, de modo a constituírem
forças numerosas, que combatiam, fazendo uso da flecha, da lança,
das bolas e da funda.
Segundo a tradição, até os anos de 1830 a 1835, ainda
existiam algum desses bandos nômades de Minuanos e de Charruas, vagando
pelas campinas sul-rio-grandenses alimentando-se de carne de gado
vacum, de cavalo, de veado e de outras caças, e de avestruz, de
que também comiam os ovos.
E nessas épocas, nas margens dos rios Cacequi e Ibicuí, viviam
alguns toldos dos ditos índios minuanos.
Outras referências – Diz o padre Teschauer que os Charruas eram semelhantes
aos Pampas de Buenos Aires e falavam, como os Minuanos, língua diferente
da guarani.
Deve-se admitir que as palavras: canchalagua, nome de uma espécie
de grama medicinal, galachagua, nome de um parasita, também medicinal,
guampa, Gualeguay, Galeguaichú, nomes de dois rios da província
Argentina de Entre-Rios, lichiguana, nome de uma abelha, sejam da língua
Charrua. Quanto às palavras guasca e ilhapa são da língua
quíchua: a primeira vem de guasca, corda, cadeia e a segunda, isto
é, ilhapa, que se emprega para designar a parte mais grossa do laço
campeiro, ao pé da argola, significa na dita língua
raio e também trovoada.
É possível que os Charruas tivessem adquirido dos Quíchuas
os que elas nos tenham vindo diretamnente da região da platina,
como muitas outras palavras que têm concorrido para enriquecer o
vocabulário gaúcho.
Posto que os Charruas como os Minuanos, falassem língua diferente
do guarani, nem por isso deixavam de sabê-lo, como os Tapes que,
segundo a expressão do padre Teschauer – se guaranizaram.
Tinham eles necessidade de saber o guarani, para entenderem-se com os padres
jesuítas das 7 Missões e com os guaranis destas, catequizados,
pois negociavam com os ditos padres e com estes últimos índios,
penas de avestruz, peles e todos os produtos indígenas estimados
na Europa, os quais eram exportados pelos ditos padres.
Como o tupi no norte, o guarani no sul era a língua geral, diferindo
a primeira da segunda na relação do português para
o espanhol.
Tratando ainda dos Charruas – um príncipe do antigo Império
dos Incas, anterior ao descobrimento da América, tendo estendido
as suas conquistas até os campos onde esta hoje situada a província
Argentina de Tucuman, os conquistadores peruanos, atingindo as margens
do Rio da Prata e ai deparando com os índios habitantes das margens
desse rio e do Uruguai, deram-lhes provavelmente o nome de –Char-unhas,
que significa ribeirinhos, em língua quínchua, que era falada
pela maior parte dos índios peruanos e bolivianos.
Essa palavra foi mais tarde corrompida pelo elemento espanhol e lusitano
e alterada, ficou sendo – Charrua.
Continuando
ainda a falar dos Charruas, cumpre não perder ocasião de
dizer o seguinte: do restante desses índios, que como os Minuanos
se fundiram na gauchada das estâncias, aqui e na região platina,
também alguns, especialmente do sexo feminino, sentindo-se atraídos
pelos centros mais habitados, vieram viver em algumas das povoações
da nossa campanha.
É
assim que, ainda na nossa infância, chegamos a conviver com pessoas
de idade já avançada, que viram índias charruas no
Alegrete, então freguesia.
Vamos
terminar esse assunto, falando do último Charrua. Há
22 anos, mais ou menos, que indo em viagem para Uruguaiana, alcançando,
ao entrar a noite, a casa do sr. Manoel Dornelles, demos o “ô de
casa”do costume gaúcho e fomos recebidos por esse cavalheiro, mais
conhecido por Manequinho Dornelles.
Por
ele fomos acolhidos hospitaleiramente, ao pedir-lhe uma pousada.
Enquanto
se aprontava a ceia, palestramos um bom pedaço de tempo.
Nesse
ínterim, chegou-se a ele um índio, que lhe falara, retirando-se
em seguida.
Ao
afastar-se esse último representante dessa raça indômita,
disse-nos o sr. Dornelles: esse índio velho, que aí vêem
os srs., é Charrua, foi encontrado muito criança ainda pelo
meu avô, nesses campos que margeiam o rio Inhanduí, no meio
das macegas e assim trazido para a casa e criado aqui.
Desde
que ele foi se desenvolvendo, nunca mais quis saber da casa, fez um rancho
e ali dorme sempre retirado. Hoje vive em nossa companhia, morando, como
vê, naquele rancho, (mostrou-nos o rancho) e só vem à
casa comer ou me ajudar em algum serviço, quando eu o chamo, e só
a mim atende, conservando-se sempre taciturno.
Passaram-se os tempos, e há meses, falando com um moço desse
lugar, que conhecia não só o sr. Dornelles como o índio,
deu-nos a notícia de que ele falecera.
Os Charruas, como os Minuanos, preferiam andar pelas campinas, a viver
nos matos.
Faziam, tanto uns como os outros, as suas correrias na guerra e na caça,
nos lugares, mais descampados, e gostavam de parar nas alturas, nos cumes
dos serros e das coxilhas, para dominarem esse mimoso tapete verde que
forma os campos sul-rio-grandenses e os platinos, que são a continuação
dos primeiros.
No
cimo das coxilhas e dos serros, os Charruas e os Minuanos, montando nos
seus cabayús, habilmente amansados, sentiam-se alegres, afrontando
intempéries e parecendo desafiarem as iras do vento pampeiro e o
rigor do frio causado pelo do nome dos últimos , isto é –
o minuano.
Notas
do dia 7 de Junho – Era nosso propósito terminar a parte destas
notas com referências aos Charruas, com fizemos ver ao leitor em
a publicação do dia 26 do passado; mas como o nosso fim é
deixar, em notas, dados para a história, torna-se sempre admissível
acrescentar, sobre esta forma, os conhecimentos do dito gênero que
se nos vão sugerindo e os que vamos adquirindo.
Assim,
antes de passar a outra parte da nossa exposição, nos ocuparemos,
dizendo mais alguma coisa sobre os ditos índios. E é o que
se segue.
Uma
pessoa distinta, que pelo seu saber, critério e posição
social merece-nos plena fé, na então vila de Cruz Alta, hoje
cidade, havendo mantido relações com o Coronel Antônio
de Melo Albuquerque, natural de Bagé e que tomará parte nas
antigas campanhas do Rio da Prata, como cadete de primeira linha, contou-nos
esse personagem que o dito Coronel lhe narrará que, na guerra de
1825, ao aproximar-se da fronteira do Estado Oriental a coluna de que ele
fazia parte, sob o comando de um General, a vanguarda dessa força
ou os exploradores aprisionaram um índio Charrua, de uma tribo dessa
nação indígena que errava por aquelas paragens.
De
regresso ao acampamento, levaram o índio à presença
do general, indo o charrua com todos os seus adornos, equipamentos e armas
de guerra – o arco e a flecha, conta-se que o general, depois de fazer-lhe
algumas interrogações, perguntou-lhe mais se sabia atirar
bem a flecha, e que, em resposta, disse-lhe o índio, em bom castelhano
“a la vuestra salu, general” e assim dizendo, colocou a flecha no arco
e apontou para cima, soltando-a imediatamente. E feito isso, parou-se firme
em seguida, esperando a volta deste projétil primitivo.
Passados
alguns segundos, caiu a flecha, quase raspando a cabeça e as costas
do Charrua, sem ofendê-lo.
Observando
as pessoas presentes àquele fato, digno de admiração
do quanto é capaz o exercício que leva os selvagens no arremesso
da dita arma, o general que lhe dirigirá a palavra, desde o princípio
da cena, entusiasmou-se muitíssimo por esse fato e libertando-o,
faz-lhe presentes de fumo e aguardente, gêneros estes pelos Charruas
muito estimados.
Outra
referência – É também digno de nota o seguinte fato:
Estando
a conversar com o amigo Vicente Saldanha, estancieiro em São Sepé,
perguntei-lhe se lá nos seus pagos não haveria algum homem
de 90 a 100 anos que houvesse conhecido os índios Minuanos
e que houvesse conhecido os Charruas e que alguma coisa soubesse sobre
esses índios. Em resposta, referiu-nos ele “conheço um índio
que deve estar hoje com 90 anos, o qual disse-me que o pai era Charrua;
esse é possível que saiba e que narre alguma coisa, e o que
eu souber a este respeito vos contarei em carta que escreverei quando chegar
em casa”.
Em
seguida dissemos-lhe que fazíamos estas indagações
porque pretendíamos publicar uma obra – Dados para a história
– e devido a isto, estávamos no empenho de recolher elementos que
preenchessem esse fim, enquanto é possível encontrar ainda
pessoas de idade avançada no Estado, capazes de informar muita coisa
a esse respeito.
E
passamos a dizer-lhe que sobre os Charruas, como sobre os Minuanos, havíamos
colhido algumas informações, e entre elas a de terem os Charruas
ao lado dos Farrapos, na revolução de 1835, na coluna
do afamado coronel Guedes. Depois de nos ter ouvido, disse-nos ele: “O
general João Antônio da Silveira, de gloriosa memória,
com quem mantive estreitas relações de amizade, contou-me
que tinha na força de seu comando um corpo de 200 Charruas, que
mais tarde, em combate travado em Missões com forças legais,
ficou reduzido a 150. Disse mais esse amigo que o valoroso general lhe
dizia que esse corpo quase não lhe dava incômodos e que lhe
prestava bons serviços. Pois resistiam os índios as intempéries,
às vezes sem roupa, cobertos apenas com qualquer baeta, com os seus
caipis de couro de tigre, veado ou terneiro, e que com qualquer carne,
de gado vacum, de bagual, de veado do campo ou avestruz se alimentavam”.
Nas forças dos Farrapos, os Charruas marchavam acompanhados das
índias e dos filhos.
Usos
– Tanto os Charruas, como os Minuanos, e em quase todas as nações
indígenas, os homens não cortavam os cabelos, conservavam-nos
compridos como os das mulheres e trançados. Usavam na cabeça
, os índios referidos e os Minuanos um grande ñhanduá
paraguá ou cocar de plumas de ñnandú (aveztruz)
e na cintura uma espécie de cinta das ditas plumas habilmente tramada
na parte superior, caindo para a parte de baixo, até os joelhos.
Com plumas menores, faziam umas espécies de perneiras, nas quais
ficavam para a parte de cima as extremidades das mesmas plumas. Esse trajes
eram, nas festas, ornados com penas de diversas cores. E além deles
usavam também os caipis de couro de quadrúpedes bem sovados,
ou amaciados e habilmente pintados, com que cobriam a parte superior do
corpo.
João
Cezimbra Jacques - Usos e Costumes do RS.