O ursinho, não
''Partos de meninas aumenta 81% no Rio:
bichos de pelúcia escoltam barrigas.''
Folha de S.Paulo,Cotidiano, 29/09/1998
Um dia depois que a menina completou 10 anos, a mãe desconfiou de alguma coisa e resolveu levá-la ao médico. Abraçada ao urso de pelúcia que tinha ganhado de aniversário- um ursinho barato; a mãe faxineira não tinha dinheiro para presentes tão sofisticados- a garota se recusava a ir. Finalmente, e depois de levar uns trancos, concordou. Com uma condição:- O ursinho tem de ir comigo. Ele é meu filho querido .
Foram ao posto de saúde. O médico não teve a menor dificuldade em fazer o diagnóstico: a garota estava com três meses de gravidez. A mãe ouviu a notícia em silêncio. No fundo, não esperava outra coisa. Essa havia sido também a sua história e a história de sua irmã e de muitas outras mulheres pobres. Limitou-se a pegar a garota pela mão e levou-a para fora. Sentaram num banco da praça, em frente ao posto de saúde, e ali ficaram algum tempo, a mulher quieta, a menina embalando um ursinho de pelúcia e cantando baixinho. Finalmente, a inevitável pergunta:
-Quem foi?
A garota disse um nome qualquer. Provavelmente era um dos muitos garotos da vila onde moravam. Chance de assumir a paternidade? Nenhuma. Tudo com ela, a mãe. E foi o que disse à menina:
- Você vai ter esse filho, e eu vou criar ele como se fosse seu irmãozinho. Você entendeu? A garota fez que sim, com a cabeça.- E você vai ajudar?
Nova afirmativa. E ai ela fitou a mãe, os olhos cheios de lagrimas:
-Mas o ursinho eu não dou para ele, mãe. O ursinho é só meu. É o meu filhinho, ninguém me tira.
-Está bem, disse a mãe. O ursinho é só seu.
-Levantaram-se, e foram para casa, a menina sempre abraçada ao ursinho. Que exibia o eterno e fixo sorriso dos bichinhos de pelúcia.
(Moacyr Scliar.O imaginário, Cotidiano. SP:Global,2001.p.31-2)