Um presente inesperado
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Chovera toda a noite. Os carros passando a alta velocidade espalhavam, indiferentes, água sobre os transeuntes. Toninho seguia também naquela onda humana, sem destino.
Todo aquele movimento irregular, caótico, frenético. Os automóveis em correrias loucas, as gentes apressadas nos seus afazeres. E lá seguia pequenino, entre a multidão, numa cidade impávida, indiferente, cruel ...
Chovia agora mansamente, uma chuva gelada, levando uma cidade onde se cruzavam a vaidade, o ter tudo, os embrulhos enfeitados, com a dor a melancolia, o sofrimento, o ter nada e no meio uma criança triste e com fome! Mas Toninho gostava era de ver as lojas dos brinquedos. Lá estavam os carros de corrida, o comboio, os bonecos, enfim todo um mundo maravilhoso que ele vivia, esborrachando o nariz sujo contra a vitrine. Lá dentro, grande correria nas compras de Natal. E os carros de corrida, o comboio, os bonecos eram embrulhados em papeis bonitos para irem fazer a alegria de outros meninos. Uma lágrima descia, marcando-lhe um sulco na sujidade da carinha. Eis que os seus olhos reparam num menino, que de lá dentro o olhava. Desviou-se envergonhado. Não gostava que o vissem chorar. E afastou-se devagar, pensando nos meninos que tinham Natal, guloseimas e carros de corrida para brincar. Ele nada tinha, além da fome e a ânsia de ser feliz e viver como os outros.
Abriu-o e deslumbrado viu um carro de corridas, brilhante, como os olhos do menino que lá ao longe lhe acenava.
Ficou um momento sem saber o que fazer, mas depois largou a correr, mostrando bem alto o seu presente de Natal. Parara de chover, o sol tentava romper as nuvens escuras, lançando um raio de luz brilhante e quente sobre Toninho, que ria feliz, numa carinha sulcada pelas lágrimas. (autor: Fernando Siqueira)
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