Um presente inesperado 

 

Chovera toda a noite. 

Os carros passando a alta velocidade espalhavam, indiferentes, água sobre os transeuntes. 

Toninho seguia também naquela onda humana, sem destino. 

Tinha-se escapulido da barraca, onde vivia. 

Os pais tinham saído cedo para o trabalho, ainda ele dormia, os irmãos ficaram por lá brincando, chapinhando na lama que rodeava a barraca. Ele desceu à cidade, onde tudo o deslumbrava. 

Todo aquele movimento irregular, caótico, frenético. 

Os automóveis em correrias loucas, as gentes apressadas nos seus afazeres.

E lá seguia pequenino, entre a multidão, numa cidade impávida, indiferente, cruel ... 

Passava em frente às pastelarias, olhava para as vitrines recheadas de doçuras, ele comera de manhã um bocado de pão duro e bebera um copo de água. 

Vinha-lhe o aroma agradável dos bolos, o seu pequeno estômago doía-lhe com fome! 

Chovia agora mansamente, uma chuva gelada, levando uma cidade onde se cruzavam a vaidade, o ter tudo, os embrulhos enfeitados, com a dor a melancolia, o sofrimento, o ter nada e no meio uma criança triste e com fome! 

Mas Toninho gostava era de ver as lojas dos brinquedos. 

Lá estavam os carros de corrida, o comboio, os bonecos, enfim todo um mundo maravilhoso que ele vivia, esborrachando o nariz sujo contra a vitrine.

Lá dentro, grande correria nas compras de Natal. 

E os carros de corrida, o comboio, os bonecos eram embrulhados em papeis bonitos para irem fazer a alegria de outros meninos. 

Uma lágrima descia, marcando-lhe um sulco na sujidade da carinha.

Eis que os seus olhos reparam num menino, que de lá dentro o olhava. 

Desviou-se envergonhado. 

Não gostava que o vissem chorar. 

E afastou-se devagar, pensando nos meninos que tinham Natal, guloseimas e carros de corrida para brincar. 

Ele nada tinha, além da fome e a ânsia de ser feliz e viver como os outros.

Pensou no Natal, no Menino Jesus, que diziam que era amigo das crianças a quem dá tudo. Por que é que a ele o Jesus Pequenino do presépio nada dava? 

Uma mãozinha tocou-lhe no ombro.

Voltou-se assustado. 

Era o menino da loja que lhe entregava um embrulho bonito. 

 Abriu-o e deslumbrado viu um carro de corridas, brilhante, como os olhos do menino que lá ao longe lhe acenava.

             

Ficou um momento sem saber o que fazer, mas depois largou a correr, mostrando bem alto o seu presente de Natal.

Parara de chover, o sol tentava romper as nuvens escuras, lançando um raio de luz brilhante e quente sobre Toninho, que ria feliz, numa carinha sulcada pelas lágrimas.

(autor: Fernando Siqueira)

 

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