- Houve uma jovem cigarra que tinha o costume de chiar ao
pé dum formigueiro. Só parava quando cansadinha; e seu divertimento
então era observar as formigas na eterna faina de abastecer as tulhas.
Mas o bom tempo afinal passou e vieram as chuvas. Os animais todos,
arrepiados, passavam o dia cochilando nas tocas. A pobre cigarra, sem
abrigo em seu galhinho seco e metida em grandes apuros, deliberou
socorrer-se de alguém. Manquitolando, com uma asa a arrastar, lá se
dirigiu para o formigueiro. Bateu _ tique, tique, tique... Aparece uma
formiga, friorenta, embrulhada num xalinho de paina.
- - Que quer? _
perguntou, examinando a triste mendiga suja de lama e a tossir.
- - Venho
em busca de um agasalho. O mau tempo não cessa e eu...
- A formiga
olhou-a de alto a baixo.
- - E o que fez durante o bom tempo, que não
construiu sua casa?
- A pobre cigarra, toda tremendo, respondeu depois de
um acesso de tosse:
- - Eu cantava, bem sabe...
- - Ah! ... exclamou a
formiga recordando-se. Era você então quem cantava nessa árvore
enquanto nós labutávamos para encher as tulhas?
- - Isso mesmo, era
eu...
- - Pois entre, amiguinha! Nunca poderemos esquecer as boas horas
que sua cantoria nos proporcionou. Aquele chiado nos distraía e
aliviava o trabalho. Dizíamos sempre: que felicidade ter como vizinha
tão gentil cantora! Entre, amiga, que aqui terá cama e mesa durante
todo o mau tempo.
- A cigarra entrou, sarou da tosse e voltou a ser a
alegre cantora dos dias de sol.
|
- Já houve entretanto, uma formiga má que não soube
compreender a cigarra e com dureza a repeliu de sua porta. Foi isso na
Europa, em pleno inverno, quando a neve recobria o mundo com o seu cruel
manto de gelo. A cigarra, como de costume, havia cantado sem parar o
estio inteiro, e o inverno veio encontrá-la desprovida de tudo, sem
casa onde abrigar-se, nem folhinhas que comesse. Desesperada, bateu à
porta da formiga e implorou _ emprestado, notem! _ uns miseráveis
restos de comida. Pagaria com juros altos aquela comida de empréstimo,
logo que o tempo o permitisse. Mas a formiga era uma usuária sem
entranhas. Além disso, invejosa. Como não soubesse cantar, tinha ódio
à cigarra por vê-la querida de todos os seres.
- - Que fazia você
durante o bom tempo?
- - Eu... eu cantava!...
- - Cantava? Pois dance
agora... - e fechou-lhe a porta no nariz.
- Resultado: a cigarra ali
morreu estanguidinha; e quando voltou a primavera o mundo apresentava um
aspecto mais triste. Ë que faltava na música do mundo o som estridente
daquela cigarra morta por causa da avareza da formiga. Mas se a usuária
morresse, quem daria pela falta dela?
- Os artistas _ poetas, pintores e músicos _ são as cigarras da
humanidade.
Não vejo essa formiga
como má. Ela trabalhava muito e pensava que diversão
fosse algo errado. Estava amarga e solitária no seu mundinho cheio de
formigas. O bom senso indica que o trabalho é excelente, mas é
importante também se divertir, senão a vida fica amarga e difícil e a
formiga acaba adoecendo...
|