Reportagem

Cenários nostálgicos
A reportagem do Estado percorreu os endereços que abrigaram as primeiras emissoras de TV do País, entre São Paulo e Rio, com relatos de quem testemunhou um passado do qual quase nada resta
 

Jornal O ESTADO DE S. PAULO

Domingo, 13 de Julho de 2003

 

 

O primeiro prédio projetado para TV

Mesmo sendo o primeiro do País feito sob medida para um canal de TV, no Jd. Botânico, edifício que batizou a Globo como 'Vênus Platinada' vive em obras
Alaor Filho/AE
Milton Gonçalves e Umberto Borges: testemunhas desde 65
 

BEATRIZ COELHO SILVA

RIO - A Vênus Platinada, apelido da sede da Rede Globo, no Jardim Botânico, na zona sul do Rio, foi o primeiro prédio projetado no Brasil para abrigar uma emissora de televisão. Já na inauguração, em 1965, ganhou esse apelido, por causa de uma placa prateada com o logotipo que ficava logo na recepção. O ator Milton Gonçalves estava lá mais de um ano antes, pois assinou sua carteira de trabalho em 1.º de fevereiro de 1964 e desde então é funcionário, atuando também como diretor.

"Na rua de paralelepípedo havia o Samdu (órgão municipal já extinto, de saúde), o Jardim Botânico e um terreno baldio onde atualmente fica a Padaria Século 20, freqüentada até hoje pelos funcionários. A entrada tinha uma escadaria suntuosa, que dava para o auditório onde se realizavam programas ao vivo", detalha ele. "Havia dois estúdios para gravação de novelas e a gente passava 12, 15, 16 horas por dia trabalhando lá dentro, como uma grande família."

O repórter cinematográfico Umberto Borges também é desse tempo. Foi um dos primeiros contratados do Jornalismo da Rede Globo, onde está até hoje. Entre seus feitos, está o programa Amaral Neto Repórter, mostrando imagens da Amazônia, do Pantanal e outros recantos que a população conhecia só de nome.

"Minha obra-prima é ter atuado dia a dia, construído uma carreira", diz.

Borges e Gonçalves são amigos desde os primórdios e lembram com saudades daqueles tempos. "A gente se ousava mais. Os profissionais que criaram a Globo vinham das lutas sociais e políticas e trouxeram essa mentalidade para a programação. Havia entrosamento entre autores, diretores, atores e pessoal técnico, estes militares, na maioria, de patentes variadas", diz Gonçalves.

"Mas a emissora só passou a ser amada pelo carioca e pelo Brasil depois da enchente de 1967, quando ficou à disposição dos desabrigados."

Milton acompanhou todas as fases da emissora, viu o prédio passar por reformas intermináveis (desde a inauguração, sempre há uma obra, o que leva funcionários a falar na Central Globo de Demolição), a construção do anexo da Rua Lopes Quintas e o espraiamento da emissora por 40 imóveis pelas redondezas. Viu também - e lamentou - a ida da produção de programas e novelas para o Projac, central inaugurada em 1995, em Jacarepaguá, zona oeste. Hoje, só o jornalismo é produzido no Jardim Botânico.

"Antes do Projac, eram dois estúdios, quatro novelas diárias e cada uma tinha um só diretor. Por isso, não se atrasava gravação para não prejudicar o colega", conta o ator/diretor. "Mas a gente experimentava mais. Ao dirigir Irmãos Coragem, repeti todas as cenas de faroeste que me fascinavam no cinema. Em Escrava Isaura, copiamos a luz da pintura flamenca. Foi uma revolução na época, minha obra-prima e, até hoje, o maior sucesso da TV Globo."

 

Tesouro oculto na Rua das Palmeiras

Paulo Pinto/AE
Contraste: dentro, colunas e painel; abaixo, a fachada
 

 

RENATA GALLO

Uma rua arborizada, repleta de vizinhos ilustres. A Rua das Palmeiras, em Santa Cecília, abrigou por décadas as mansões dos barões do café, mas também a sede da segunda televisão do País, a TV Paulista, canal 5. A emissora, que começou em 1952, com apenas três câmeras em um prédio de apartamentos na Rua Consolação, em 1956 já estava na Rua das Palmeiras, ocupando um prédio de cinco andares.

Foi lá, no número 322, que foi lançado Silvio Santos, em 1961, no programa dominical Vamos Brincar de Forca? e também que, em 1966, a TV Paulista passou das mãos de Victor Costa para as de Roberto Marinho e virou a TV Globo.

A década de 60 foi a fase áurea da Rua das Palmeiras. "Era uma delícia passear pela rua. Vinha da Vila Zelina para acompanhar minha cunhada no auditório do Silvio Santos. E olha que o programa era muito mais divertido que hoje", lembra Idalina Andreassa, de 75 anos, que hoje mora na rua que nem de longe lembra o luxo do passado.

Bingo, igreja evangélica, comércio popular e estacionamentos criados após a demolição dos casarões são predominantes na rua hoje. E, do luxuoso prédio da TV Paulista/ TV Globo, sobrou para os pedestres uma fachada abandonada, que serve de moradia a alguns mendigos.

Fora do alcance dos olhos de quem passa por ali, no entanto, ainda restam duas recordações. Os poucos que têm acesso ao interior do imóvel podem imaginar o glamour da época olhando para um mural de azulejos em estilo afro e duas colunas cobertas de azulejos dourados que sobrevivem intactos. "As colunas parecem cobertas de ouro e a escada de entrada e o fosso do elevador continuam no mesmo lugar", diz José Alves Macedo, de 64 anos, o segurança que toma conta do prédio há cinco anos.

Macedo também conta que, apesar de o imóvel estar desativado desde 1969, quando um incêndio o destruiu, ainda chegam correspondências para algumas figuras ilustres da época da TV Paulista. Walter Forster, que chocou a sociedade da época dando o primeiro selinho na TV em Vida Alves, e foi diretor artístico de Silvio Santos, é um dos contemplados. Outro requisitado pelos desavisados é o próprio Victor Costa, fundador da TV Paulista, que ainda hoje recebe boletins do Corinthians Futebol Clube. Walter Forster morreu em 1996 e Victor Costa em 1960.

Fogo - O incêndio de 69 foi causado por um frasco inflamável colocado atrás do cenário de Silvio Santos. Hoje, o prédio está subutilizado (é usado, às vezes, como estacionamento da Rádio Globo, que fica em frente).

Por causa do incêndio, a emissora se mudou. Alugou um espaço onde funcionava o Cine Miami, na Praça Marechal Deodoro, onde ficou até 1998. No dia em que a Globo deixou o centro da cidade e se transferiu para a Avenida Luiz Carlos Berrini, na zona sul, a Avenida Gal. Olímpio da Silveira, embaixo do Minhocão, sentiu. "Todos saíram para a frente do prédio. Os funcionários ocuparam as duas pistas da avenida. Foi uma tristeza", lembra João Batista do Carmo, de 74 anos, ex-funcionário e morador do bairro há 56.

João Paulada, João 24 Horas e João Faz Tudo são alguns dos apelidos que João conseguiu ao longo dos 28 anos que trabalhou na Globo. Começou como motorista e se aposentou como assistente de Produção. "Dava jeito para tudo.

Sei de todas as gambiarras do prédio", conta.

Desde que a emissora desocupou o espaço, os proprietários mal o alugam para a gravação de um ou outro comercial. "É complicado, o prédio está mexido.

Seria melhor derrubar e construir outro", fala João.

Até mesmo quando a Globo o ocupava, já havia vários problemas. As salas eram apertadas e mal acomodavam os estúdios. Certa vez, o teto da redação veio ao chão. "Teve gente que se escondeu embaixo da mesa", lembra João. Como o prédio não tinha nenhum planejamento, a fita que chegava da rua percorria os diferentes cantos do edifício antes de ir ao ar. "E olha que sou do tempo do filme, quando demorava uma hora e meia para colocar uma matéria no ar."

Quando a Globo foi para a Berrini, o comércio sofreu. "Trabalhavam mais de mil pessoas por aqui. Foi a Globo sair para todo mundo falir", afirma João.

 

As esquinas que fizeram a TV BRASILEIRA

Da Tupi à MTV e à ESPN Brasil, passando pelo SBT, o quarteirão mais televisivo do País, no Sumaré, em São Paulo, foi palco de alguns dos grandes feitos da nossa TV
Eduardo Nicolau/AE
Onde as torres se cruzam: no céu do Sumaré, o SBT é vizinho da MTV
 

CAROL KNOPLOCH

Hoje é tudo do Silvio Santos: 4.300 metros quadrados, parte alugada para a MTV (o prédio construído em 1960 na Rua Alfonso Bovero e os estúdios da Rua Piracicaba) e para a ESPN Brasil, na Rua Catalão. A torre retransmissora do SBT está lá – exatamente no local do primeiro prédio da TV Tupi, demolido no final dos anos 70 pela própria Tupi. Um dos andares da construção ainda é utilizado para almoços de negócios entre alguns dos executivos das 34 empresas do Grupo Silvio Santos.

É o quarteirão mais televisivo do País. Ali nasceu a primeira televisão do Brasil e da América do Sul. Em 18 de setembro de 1950, a TV Tupi de São Paulo, PRF-3, canal 3, cuja razão social era Rádio e Televisão Difusora, foi inaugurada. Obra de Assis Chateaubriand, dono da cadeia de rádios e jornais Diários Associados (a Rádio Tupi já funcionava no local). As imagens foram geradas pelos equipamentos instalados no Sumaré e retransmitidas por uma antena colocada no topo do prédio do Banco do Estado de São Paulo (Edifício Altino Arantes, onde é o Banespa).

Lima Duarte, que participou do primeiro programa mostrado na telinha, o TV na Taba, confirma o episódio que alguns negam: diz que Chatô quebrou, sim, uma das três câmeras ao estourar um champanhe.

Antes de TV na Taba, Sônia Maria Dorce, com 5 anos e vestida de indiazinha, com penas na cabeça (símbolo da Tupi), foi a primeira imagem a aparecer na tela. Alguns índios ainda estão no Sumaré: o edifício que abriga a MTV desde 1990 mantém os murais com referência ao símbolo da Tupi, feitos de pedrinhas coloridas. “Foi um artista alemão que fez. Ele ia colocando as pedras e a mulher dele, do outro lado da rua, dava as coordenadas. Mais para a direita... mais para cima. É incrível como esse prédio, de quase 50 anos, ainda é moderno e bonito”, comenta Lima Duarte, que aceitou o convite do Estado para caminhar pelo quarteirão e relembrar algumas histórias. “Imagina só, o auditório da rádio tinha o Retirantes, de Cândido Portinari.”

Quarteirão Rockefeller – Hoje, aos 74 anos, Lima conta 27 deles dedicados à Tupi. De operador de som e sonoplasta na rádio – “imitei burro, porco...” –, encerrou a carreira na Tupi dirigindo Beto Rockefeller, ao lado de Walter Avancini, em 1968, um marco da telenovela brasileira. “Tá vendo aqui (aponta para a praça da Rua Catalão) e ali (uma ruela, hoje fechada por plantas) eram estúdios do Beto. Tudo era estúdio do Beto (risos). Colocávamos as câmeras, que eram enormes, do lado de fora. Puxávamos os cabos, um emendado no outro. E, quando um carro queria passar, tínhamos de levantar os cabos. Era pesado.”

Lima lembra de detalhes do quarteirão. “Foi nessa rua que enforcamos a Joana d’Arc.” “O estúdio tinha uma parte externa, tipo uma varanda grande, com vista para a Catalão”, explica o ator. E foi dessa varanda que Joana d’Arc ouviu sua sentença. “Como estava chovendo e o contra-regra não conseguia acender a fogueira, o inquisidor não pestanejou: ‘Levem-na para a forca!’”, conta Lima.

Moradora da região desde os 6 anos, Ester Becker, de 82, habitou a Rua Catalão e, nos últimos 25 anos, a Rua Piracicaba.“Aqui era tudo mato. O ônibus não chegava até minha casa. Só tinha a mercearia (Real) e a capela (hoje, a Igreja Nossa Senhora de Fátima)”, ela conta. O pai mudou-se da Itália para o Brasil por causa de um trabalho, no mínimo, curioso: fundidor em bronze, faria um túmulo para uma família burguesa. Hoje, viúva e sem a companhia dos filhos, que moram com suas respectivas famílias, ela colocou a casa à venda.

Ester, que gostava do programa Almoço com as Estrelas, encontrava muitos dos convidados de Lolita Rodrigues no cabeleireiro. Tem simpatia por Hebe Camargo (“sempre foi desinibida”), Eva Wilma e Carlos Zara, figuras que via com freqüência. “O bairro sempre teve jeito de cidade do interior. Até o movimento não incomodava tanto. Mas, quando chegou o SBT, tudo mudou”, observou Ester, que teve como inquilino Luiz Gallon, já morto, que foi diretor da Tupi. “A bagunça e desrespeito com os moradores aumentaram.”

Em 16 de julho de 1980, pouco antes de completar 30 anos no ar, a Tupi teve sua concessão cassada pelo governo federal. No dia 23, foi aberta concorrência para a exploração de duas novas redes de TV. Silvio Santos herdou quatro canais (incluindo a Tupi, que havia mudado de prefixo, para o 4, em agosto de 1960) e Adolpho Bloch, que ficou com outros cinco canais. Em 1995, o SBT desativou suas instalações no Sumaré e na Vila Guilherme (leia na pág. 8) e unificou sua sede no km 17,5 da rodovia Anhangüera.

Reforçando a fama televisiva do local, a Manchete, inaugurada em 5 de junho de 1983, escolheu também o Sumaré como primeiro endereço em São Paulo. Instalou-se na Rua Bruxelas, bem no quarteirão vizinho ao do SBT. Em 1990, os Blochs se mudaram para o Bairro do Limão, mas a torre sobre o edifício da Bruxelas serve hoje aos sinais da RedeTV!, que comprou a Manchete.

Cenas na Real – A esquina da Alfonso Bovero com a Doutor Arnaldo faz parte da história da TV brasileira: muitas das grandes decisões da Tupi eram tomadas nas mesas de uma padaria. Aliás, padaria, não. “Não vendemos pão. Dê uma olhadinha no nosso cardápio”, pede o atual proprietário da Real, Manoel Augusto Moreira, de 65 anos. A capa do menu traz uma foto de 1937 – também estampada em uma das paredes – quando a Real era ainda uma construção isolada.

“Quantas vezes levantei da mesa, com pressa, vestido com as roupas dos personagens das novelas. Gritavam de um alto-falante: ‘fulaninho, por favor, comparecer ao estúdio!’”, comenta Lima Duarte.

Hoje, o público do restaurante é o esportivo da ESPN Brasil e o descolado da MTV. A Real, que já foi mercearia, sobreviveu às crises financeiras (os antigos donos levaram calote dos funcionários da falida Tupi) e às mudanças no quarteirão. Em 1981, chegou o SBT. Nove anos depois, foi a MTV.

“Muitos deles vinham aqui. Sei que algumas mesas ficavam reservadas para a Tupi”, conta Moreira, que comprou a Real há 21 anos com dois sócios. No Brasil desde 1955, Moreira fugiu de Portugal para escapar do serviço militar. E aprecia a clientela atual: “Gosto muito desse público da MTV, que é o nosso forte. Quem vive do passado é museu”.

 

Das mesas de jogo à fé

Epitácio Pessoa/AE
Record no Aeroporto: só restou a fachada
 

A Record, a emissora mais antiga em operação do País, comemora no dia 27 de setembro meio século no ar. O símbolo do Canal 7 de São Paulo, de 50 anos atrás, esculpido em pedra, é mantido no primeiro prédio da emissora, na Avenida Miruna, 713, no bairro do Aeroporto. Hoje, o prédio abriga a Rede Mulher, canal do mesmo grupo da Record, que passou das mãos de Paulo Machado de Carvalho para as de Edir Macedo no início da década de 90.

As portas da diretoria (Miruna) e a dos funcionários, na Alameda dos Guaramomis, 1.777, que também mantém a fachada original, ficam fechadas, com cadeado. O local passou por inúmeras reformas, a última em 2001, para receber o novo canal, e em quase nada lembra o original. Além das mudanças na edificação, a Record sofreu seis incêndios, sendo três nesse local.

O prédio do Aeroporto era um cassino e começou a se transformar em sede de TV antes mesmo da inauguração da pioneira Tupi. "O grande salão de jogo, de uns 450 metros quadrados virou o Estúdio A. E na parte do glamour, onde tinha um restaurante, era montado o Circo do Arrelia e a Grande Ginkana Kibon", lembra o diretor Nilton Travesso, que viu a Record nascer.

Travesso conta que, na época, o local era mato. "Só tinha o aeroporto e a TV. Vi tudo se transformar, o asfalto chegar. A família Machado de Carvalho tinha um sítio próximo", conta o diretor, que trabalhou 21 anos na Record.

"Hoje, quando passo por lá, não consigo fazer a referência com o passado."

O prédio da Record era maior que o da Rede Mulher. O atual estacionamento já foi estúdio, o Tigrinho, erguido onde Paulo Machado mantinha uma quadra de futebol soçaite para jogar com amigos. De 1997 (quando a Record se mudou de vez para a Barra Funda) a 2001, o prédio ficou vazio. Chegou a abrigar a assistência médica dos bispos da Igreja Universal do Reino de Deus.

Consolação - Travesso tem carinho especial pelo Teatro Record (antigo Cine Rio), inaugurado em 1959, na Rua da Consolação.

Lá eram gravados os shows do Especial do dia 7, os programas da Jovem Guarda, além de ter sido palco de várias apresentações de grife: Louis Armstrong, Bill Halley, Nat King Cole, Marlene Dietrich, Sarah Vaughan, Charles Aznavour, Sammy Davis Jr., Ella Fitzgerald e Rita Pavone. Hoje, no local, funciona uma loja de lustres.

"Foi lá que nasceu a Equipe A e, com ela, uma série de programas de sucesso." Ao lado de Manoel Carlos e Raul Duarte, Travesso criou, montou, ensaiou e dirigiu relíquias como Família Trapo, Hebe e Dia D, só para mencionar alguns títulos.

A Record teve outros dois teatros: o da Augusta, 973 (ex-Cine Regência), foi inaugurado em 1969, no 16.º aniversário da emissora (hoje, é uma universidade - o auditório está montado na antiga platéia do teatro, onde até Stevie Wonder se apresentou); e o Paramount, na Avenida Brigadeiro Luis Antônio, 411.

Inaugurado originalmente nos anos 20, o Teatro Paramount foi destruído por um incêndio em 1969. Na década de 80, teve a fachada inteiramente restaurada. Nos anos 90, virou sala de cinema e, em abril de 2001, após consumir R$ 11 milhões em reformas, passou a atender como o atual Teatro Abril. (C.K.)

 

Estúdios da V. Guilherme viraram igreja

Ocupado pela Excelsior e pelo SBT, local hoje está às moscas; os tempos áureos da Excelsior também fizeram fama na vizinhança do Cultura Artística
Epitácio Pessoa/AE
No prédio da Vila Guilherme (acima) hoje funciona uma igreja evangélica
 

RENATA GALLO

Do animado comércio da Rua Dona Santa Velloso não sobrou quase nada. Os tempos de agito da Vila Guilherme foram embora, junto com a saída do SBT. O prédio gigante que abrigou a TV Excelsior por 8 anos (1962 a 70) e já em 1972 estava nas mãos de Silvio Santos que o ocupou até 1997, virou hoje a sede de uma igreja evangélica. Movimento, só domingo de manhã, dia de culto. Durante a semana, os poucos comerciantes que ainda estão lá lutam para sobreviver ao abandono. Os distraídos podem até passar pelo local sem saber a história da rua, já que a única coisa que remete aos tempos antigos é a placa do Condomínio Excelsior, na Avenida Bernardo Pinto.

A TV Excelsior, que estreou em 1960 com um programa transmitido do Teatro Cultura Artística (Rua Nestor Pestana, Centro), se dividiu quando a sede da Vila Guilherme foi inaugurada, em 1962. No entanto, a emissora durou pouco.

Por causa da censura, a emissora entrou em uma grande crise financeira e, em setembro de 1970, foi fechada em razão de problemas políticos. Mas uma década de Excelsior foi decisiva para a história da televisão brasileira.

Além de ser a primeira emissora a transmitir telenovela diariamente e a veicular o primeiro filme publicitário (Leite de Rosas, em 1963), a Excelsior também criou um padrão inovador. "Foi a primeira emissora a ter uma grade horizontal, com horários definidos para filmes, novelas, jornalísticos. E tinha os melhores profissionais", conta Álvaro de Moya, diretor artístico da Excelsior do seu início até 1964.

O programa Brasil 60, de Bibi Ferreira, que inaugurou a emissora, recebia artistas como Ângela Maria, Silvio Caldas, Ary Barroso, Pixinguinha e João Gilberto. "Todo convidado recebia cachê e tinha de ensaiar antes de gravar o programa. Pagávamos para não ter improviso", lembra Moya.

Gigetto - O ponto de encontro desse elenco, quando ia ao Cultura Artística, era o restaurante Gigetto. "O que se passou no Gigetto dava para fazer mais de 20 filmes. A Excelsior revolucionou a TV brasileira", diz Giovanni Bruno, que foi garçom do restaurante e hoje tem sua própria cantina, Il Sogno di Anarello.

Giovanni, que começou no Gigetto descascando batatas, conta que era o garçom dos duros e que deixou muito artista pagar fiado. Uma das clientes mais assíduas era Dercy Gonçalves. "A Dercy vinha ao Gigetto umas três vezes ao dia. Acompanhávamos suas brigas com o marido e também sabíamos que ela nunca leu um script."

Foi também nesta época que Giovanni ganhou o apelido de Anarello, nome que deu anos depois ao seu restaurante. "Tinha ido assistir ao filme Ana do Brooklin, no Cine Olido, que era com a Gina Lollobrigida. Depois fui a um ensaio do Antunes Filho que estava acontecendo no Cultura Artística. Uma atriz me lembrou o filme e gritei: 'Anarella!'. O Antunes me expulsou e daí fiquei conhecido como Anarello."

O fim da Excelsior coincidiu com um grande incêndio na sede da Vila Guilherme. Morador do bairro, Osmar Edison Nunes, o Vavá, lembra quando ajudou os bombeiros a apagar o incêndio de 70, o pior de todos. "Os cenários foram todos destruídos." A emissora chegou a sair do ar. Com os cenários em cinzas, a novela Mais Forte Que O Ódio foi suspensa.

Já na era TVS/SBT, Vavá foi dono do único estacionamento da rua. "A Vovó Mafalda, o Papai Papudo, o Sérgio Malandro eram todos meus clientes", lembra. "Ganhava ingressos e meu filho vivia no programa do Bozo ganhando presente na Batalha Naval. Ele dava a dica para ele ganhar os prêmios. Era uma farra", se diverte.

A estada do SBT na rua, no entanto, também foi cheia de transtornos. Como a região é sujeita a inundações, a emissora de Silvio Santos amargou vários prejuízos nos períodos de chuva. "Teve um jornal que chegou a ser interrompido, pois a água já estava dentro do estúdio. Nos dias que se seguiam às enchentes, era só caminhão levando equipamentos e móveis estragados."

As constantes enchentes foram um dos motivos que levaram o SBT a abandonar a região e a se mudar para sua sede própria na Rodovia Anhangüera. "A Vila Guilherme perdeu em tudo, o comércio que sobrou vive às moscas e o prédio virou um elefante branco que não traz mais nenhum benefício aos moradores", lamenta Vavá.

 

No Rio, dois monumentos se deterioram

RIO - Além da Globo, três outras redes tiveram sede no Rio. A primeira foi a Tupi, a partir de 1952. Assis Chateaubriand montou o canal carioca num prédio histórico do show biz. Fora construído nos anos 30 e, até 1946, lá funcionava o Cassino da Urca, onde Carmem Miranda, Oscarito e Grande Otelo ficaram famosos, em shows sustentados pelo jogo. Com a sua proibição, o prédio foi abandonado.

A Tupi reviveu, se não a sofisticação, a animação, com novelas, noticiários e programas de auditório. Os mais famosos eram os de Flávio Cavalcanti, Um Instante Maestro e A Grande Chance, onde se construíam e destruíam carreiras de cantores e compositores. Desde o fim da emissora, em 1980, há planos para a reocupação do prédio.

Nos anos 80, Chico Recarey quis construir um hotel, mas os aristocráticos moradores do bairro não deixaram. Depois pensou-se num Museu da Televisão e, mais recentemente, a prefeitura lançou um Museu do Rio, altamente tecnológico, projeto de R$ 12 milhões, a ser bancado pela iniciativa privada. O prédio deve continuar ocioso.

A TV Rio tinha mais charme, localização (no Posto 6, em Copacabana, na zona sul) e programas que mudaram a televisão brasileira, como o 1.º Festival Internacional da Canção (FIC) e o Rio Hit Parade, em que os grandes cantores dos anos 60 se apresentavam acompanhados pela Orquestra Tabajara, de Severino Araújo. Mas durou pouco. Nos anos 70, a emissora, em crise, saiu do prédio, que foi demolido para dar lugar, nos anos 80, ao Hotel Rio Palace, hoje da cadeia Sofitel. Só sobrou a paisagem.

O prédio da extinta TV Manchete, na Praia do Russel, diante do Pão de Açúcar e debruçado sobre a Baía de Guanabara, tem pedigree. O projeto é de Oscar Niemeyer, nos anos 50, para sediar o Grupo Bloch (editora, o teatro, um dos mais luxuosos da cidade, e o acervo de obras de arte, avaliado em R$ 20 milhões). A partir de 1983, com a inauguração da TV Manchete, parte da história da TV brasileira aconteceu lá. Foi onde Xuxa deixou de ser a namorada de Pelé para virar Rainha e onde a transmissão do primeiro carnaval do sambódromo foi planejada.

Com a falência da emissora, em 2000, o prédio foi lacrado. Houve pelo menos duas tentativas de leiloá-los para pagar as dívidas da emissora, mas foram sustadas na Justiça. Fechado, o prédio é um monumento se deteriorando.

(Beatriz Coelho Silva)

 

 

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