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Entrevista
Nesta
seção publicamos uma entrevista realizada com Janer
Cristaldo em agosto/setembro de 2005, com perguntas formuladas pelos
membros da Comunidade Caneca na Rede.
Safira:
Janer Cristaldo fala sobre Política 8/28/2005
Janer Cristaldo Ferreira Moreira é Redator e Cronista de três
jornais eletrônicos: http://www.midiasemmascara.org, http://www.baguete.com.br
e http://www.brazzil.com. É formado em Direito (Santa Maria)
e Filosofia (Porto Alegre), tem curso de sueco na Stockholms Universitet,
curso de
espanhol em Madri, no Instituto de Cooperación Iberoamericana
(ICI) e
doutorado em Letras Francesas e Comparadas pela Université
de la Sorbonne
Nouvelle (Paris III).
Traduziu
cerca de vinte livros do sueco, francês e espanhol e lecionou
por quatro anos Literatura Comparada e Literatura Brasileira na Universidade
Federal de Santa Catarina (UFSC).
Em
Porto Alegre, trabalhou nos jornais Diário de Notícias,
Zero Hora e Folha da Manhã. Para este último, durante
quatro anos, enviouo crônicas diárias de Paris. Em São
Paulo, foi redator de política internacional na Folha de São
Paulo e Estado de São Paulo.
Safira
pergunta:
Primeiramente, meus mais sinceros agradecimentos por ter aceitado
participar da Caneca. Certamente será uma honra conviver com
você por aqui, e um prazer poder compartilhar de tua sabedoria.
A primeira pergunta seria, digamos, mais de ordem pessoal. Sinta-se
à vontade para discorrer sobre ela. Você é um
bacharel em Direito, mas pelo que percebemos não exerce a profissão.
O que o fez mudar o rumo da tua vida profissional?
Janer
responde:Ojeriza à gravata e ao excesso de leis.
Já no segundo ano de Direito, percebi que não exerceria
a profissão. Mas fui até o final. Assim, quando fizesse
críticas ao Direito, ninguém poderia alegar que as fazia
por não ter conseguido concluir o curso. O que me desagrada
no ofício é aquele linguajar arrevesado dos juristas
e das próprias leis. Para dizer o que um jornalista diz em
dez linhas, um advogado normalmente precisa de cem ou duzentas.
Também
não suportaria a idéia de chamar um juiz de Meritíssimo.
E muito menos o uniforme da profissão, o terno e gravata. A
última vez em minha vida que usei terno e gravata foi em março
de 1981, quando defendi minha tese na Sorbonne Nouvelle.
Outro
fator foi a ojeriza ao excesso de leis no Brasil. Há uma fúria
legiferante no Congresso, o advogado que quiser ser competente tem
de atualizar-se constantemente. Pior ainda, os diplomas legais são
elaborados por deputados incompetentes, analfabetos em questões
de Direito, que não têm sequer noção sobre
o que seja lei maior e lei menor. Daí as leis conflitantes
entre si e com a própria Constituição, que a
todo momento são contestadas pelas ADINs.
Com
uma penada – uma MP – um presidente complica a vida de
milhões de cidadãos e faz a fortuna de milhares de advogados.
Recusei-me a navegar por esse mar de sargaços.
Safira
pergunta:Atividades
Janer, em alguns lugares vc se intitula escritor, em outros jornalista,
em outros ainda redator, colunista, e por aí vai.
Com qual destas atividades vc se identifica mais e por que?
Janer
responde:Ex-escritor
Hoje, eu diria que sou ex-escritor. O jornalismo matou o escritor.
O ficcionista usa páginas e páginas para criar um clima,
personagens, enredo, para transmitir finalmente uma mensagem que o
jornalista expressa às vezes em uma ou duas frases. Literatura
me parece um desperdício de palavras. No jornal, o texto é
determinado até pelo número de caracteres, o redator
tem um espaço preciso para dar seu recado. Ou tem capacidade
de síntese, ou não é jornalista.
Além
do mais, jornalismo exige agilidade e rapidez. Os fatos acontecem
agora e o jornal sai amanhã. O escritor pode se dar ao luxo
de levar uma semana ou mesmo um mês arredondando um período.
O jornalista às vezes tem segundos para fazer isso. Um dos
bons momentos da profissão é o fechamento do jornal.
Há dias em que o mundo vem abaixo, o deadline está correndo
e o redator tem poucos minutos para dar forma àquele caos.
É tenso, estressante, mas um desafio atraente para quem gosta
de emoções fortes. Quem não passou por um fechamento
em pânico, não viveu o jornalismo.
O
jornalista trabalha com fatos. O escritor com mentiras. Toda ficção,
por definição, é uma mentira. Pode ser que essa
mentira até represente melhor uma época ou um tipo humano
que os próprios fatos: este é privilégio da grande
literatura. O Quixote, por exemplo. É uma história imaginária
da primeira à última página. Mesmo assim, traduz
as grandes aspirações humanas.
Sem
falar que o jornalista tem um retorno que o escritor nem sonha. Particularmente
neste dias de jornalismo eletrônico, em que o leitor tem acesso
instantâneo ao jornalista. Outra vantagem deste jornalismo:
posso escrever o que quero, sem me preocupar com a censura que sempre
existe, em maior ou menor grau, nos grandes jornais.
Me
sinto bem fazendo este tipo de jornalismo e tenho recebido respostas
em número que jamais recebi quando publicava livros em papel.
Além disto, meus textos permanecem na rede, à disposição
de quem quiser, em qualquer canto do mundo.
Janer
continua: Mais uma palavrinha...
... sobre esta pergunta. Os escritores hoje, particularmente os brasileiros,
são muito dependentes do poder para publicar seus livros. Precisam
bajular autoridades para ter seus livros nos currículos e listas
de leituras obrigatórias de vestibular, implorar a editores
para ter uma nota nos suplementos culturais. Acabam se tornando mendigos
covardes e omissos.
Veja-se
o momento político atual. Quem tem denunciado esse colossal
esquema de corrupção do PT são os jornalistas.
Os escritores estão silentes, com o rabo entre as pernas, como
cães com medo.
Safira
pergunta:Ok, Janer, entendi. Ainda em relação
ao jornalismo eletrônico, gostaria que vc discorresse um pouco
como se dá essa interação entre vc e seus pares
do Mídia sem Máscara. Minha questão reporta-se
à opinião corrente de internautas, amplamente disposta
em listas na Internet, de que todos os colunistas do MSM refletem
e reproduzem, em seus artigos, a visão e a opinião de
Olavo de Carvalho. Como vc analisa essa situação, dos
"prós" e contra" OC? Dos "prós"
e "contra" a MSM? Qual é a linha de pensamento político
que norteia os colunistas do MSM? Existe liberdade de expressão
e autonomia de ação naquele jornal? Veja que estes são
questionamentos correntes e recorrentes na Internet, mas se vc quiser
se abster de responder a esta questão, fique à vontade.
Janer
responde:Sobre o MSM
Bom, até agora fui livre para expressar-me no MSM. Tive uma
liberdade que nunca tive na imprensa em papel. O fato é que
o jornal tem um viés católico e eu, além de ser
ateu, sou profundamente anticristão.
Considero
o cristianismo uma doutrina mais funesta que o próprio marxismo,
pois o marxismo morreu em questão de um século e o cristianismo
e suas variantes gozam de boa saúde após dois mil anos.
O marxismo só consegue impor-se pela força, enquanto
o cristianismo, mais perverso, contamina as consciências por
dentro. Instala uma máquina de tortura no cérebro de
cada crente e confere ao crente o privilégio de acioná-la.
Isto
tem gerado conflitos no MSM, tanto entre articulistas como entre leitores.
Há uma turma que adora quando malho as esquerdas, mas fazem
o sinal da cruz quando condeno os desmandos da Igreja. Ainda há
pouco, alguns tefepistas investiram contra mim porque ousei condenar
a Inquisição. (Como se fosse necessário alguma
audácia para condenar a Inquisição). Pior ainda,
eram todos jovens.
Isso
é mais grave do que ser marxista. Os marxistas nunca ousaram
publicar manuais de torturas, como o “Manual dos Inquisidores”,
do Nicolau Emérico, ou o “Malleus Maleficarum”,
de Sprenger e Kramer. A Inquisição ousou e se orgulhava
de torturar.
Eu
gostei muito de um livro de Olavo de Carvalho, “O Imbecil Coletivo”.
É o capítulo brasileiro do “Manual do Perfeito
Idiota Latinoamericano”, de Mendoza, Montaner e Llosa. Mas não
consigo acompanhar o Olavo em seu catolicismo. Também não
consigo entender como um filósofo possa ser cristão.
Isso acontecia na Idade Média, quando a filosofia era serva
da teologia, e ai dos filósofos se não o fosse. Mas
vivemos no século XXI.
Às
vezes, tenho vontade de perguntar ao Olavo se ele acredita em dogmas
como a transubstanciação da carne, Santíssima
Trindade ou virgindade de Maria.
A
linha de pensamento político do MSM me foi assim resumida por
um de seus editores: “nada de articulistas de esquerda. Eles
já têm a grande imprensa para escrever”. Concordo.
Safira
pergunta:Safira Esquerda, direita, vou ver?
Bem, como atéia, só posso parabenizá-lo pela
sua ousadia e coragem, pois sei como é difícil, para
um ateu, conviver com dogmas e dogmáticos, embora muitos digam,
principalmente entre os filósofos, teólogos e teístas,
que o ateísmo também seja uma crença, a crença
na não-crença...:-). É um assunto realmente polêmico,
que podemos retomar posteriormente. No momento, chamou-me a atenção
seu último parágrafo:
(...)
A linha de pensamento político do MSM me foi assim resumida
por um de seus editores: “nada de articulistas de esquerda.
Eles já têm a grande imprensa para escrever”. Concordo.
Janer,
esta é outra questão em que não vejo consenso
entre o pessoal envolvido com política, sejam os políticos,
seja a pequena ou grande imprensa, sejam os cidadãos comuns,
principalmente nos dias atuais e em face dos problemas que a antiga
esquerda brasileira enfrenta. As Revistas Veja e Isto é são
atacadas sistematicamente pelos "esquerdistas remanescentes"
como sendo de "direita" e "tucanas". Por outro
lado, os "direitistas" afirmam que a grande imprensa está
vinculada, hoje, à esquerda, qual seja, o governo. Observo
aí uma grande salada verborrágica, pq francamente, não
vejo o governo petista como sendo um governo com viés de esquerda,
nem entendo a quem se refere o presidente quando diz que as "elites"
é que querem derrubar seu governo.
Na
sua concepção, Janer, o que seria hoje a esquerda e
a direita, ideologicamente falando? Você acredita que existem
realmente partidos que ainda se guiam por princípios político-ideológicos?
Com a corrupção finalmente sendo colocada em frente
aos holofotes, sendo mostrada a milhões de brasileiros na sua
face mais crua e verdadeira, haverá ainda chances de os políticos
resgatarem a ética na política? E mais, vc acha que
o povo brasileiro irá reagir ao aparente apagão que
se apossou das CPI's nos últimos dias?
Janer
responde:Conceitos obsoletos
Os conceitos de esquerda ou direita há muito se tornaram obsoletos.
Nos anos 70, por exemplo, a China, que se pretendia de esquerda, ergueu
um monumento a Pinochet, em nome das boas relações comerciais
com o Chile. Moscou apoiou Idi Amin Dada. Mas as esquerdas continuaram
se chamando esquerdas e eram tidas como a morada do Bem. Todo Mal
era de direita.
Triste
sina a da direita no Brasil. Em países mais civilizados, ser
de direita é apenas não concordar com as propostas da
esquerda, direito legítimo de todo cidadão. No Brasil,
direita significa portar toda a infâmia do mundo. Que o diga
Clóvis Rossi. Em recente crônica, afirmou: “Já
escrevi neste espaço uma e outra vez que o PT fez a mais radical
e rápida guinada para a direita de que se tem notícia
na história partidária do planeta”.
Isto
é: se o PT se revela corrupto, ele não é mais
esquerda. É direita, porque só a direita é corrupta.
Mesmo que o PT seja hoje o mesmo desde que nasceu, mesmo que os grandes
implicados na corrupção – Genoíno, Mercadante,
Zé Dirceu, Lula – sejam seus pais fundadores. Segundo
Rossi, o PT guinou para a direita. E por que guinou para a direita?
Porque suas falcatruas foram trazidas à tona. Permanecessem
submersas, o partido continuaria sendo de esquerda.
É
o que os franceses chamam de "glissement idéologique".
O conceito de esquerda sempre muda, à medida em que a esquerda
se corrompe. A direita é a boceta de Pandora, o repositório
de todos os males do mundo, inclusive os das esquerdas. Pois quando
as esquerdas cometem crimes – ou “erros”, como preferem
seus líderes – é que não eram de esquerda,
mas de direita.
Ética
sempre foi virtude rara em política. Tornou-se ainda mais rara
quando a eleição de um oportunista qualquer dependeu
das maquiagens do marketing. Como reagirá o povo brasileiro?
Não sei.
Não
costumo subestimar a ignorância das massas. Se Lula não
for eliminado já do panorama político, persiste sempre
o risco de termos o analfabeto de volta em 2006.
Ainda
sobre a imprensa
Os articulistas de esquerda sempre foram privilegiados nos grandes
jornais. Os artigos que publico na Web jamais teriam espaço
neles. Foi a grande imprensa que elegeu Lula. O problema é
que imprensa livre é algo dinâmico. Se um jornal não
denuncia, seu concorrente toma a dianteira. Então, por uma
saudável questão de sobrevivência, são
obrigados a pesquisar e denunciar a corrupção. Se Lula
for derrubado, será derrubado pela mesma imprensa que o criou.
É
neste momento que o PT se queixa e fala em denuncismo. Lula, por exemplo,
um dia fala no dever de investigar dos jornalistas, no outro fala
em aves de mau agouro. Tenho grandes restrições à
imprensa, mas devo admitir que a ela devemos a denúncia de
toda a atual roubalheira. (E também de roubalheiras passadas).
O que deveria ser função da polícia, do Ministério
Público, da Receita Federal, hoje foi assumido pelos jornalistas.
A polícia, promotores e fiscais sempre vão na esteira
das denúncias nos jornais.
Jeea
pergunta:Depois dos brilhantes questionamentos da Safira,
fica difícil criar coragem e perguntar, mas estou curiosa para
saber tua opinião sobre a influência dos blogs e colunas
jornalisticas. Noto, entre os internautas uma corrida por informação
rápida, uma vez que os jornais e revistas não conseguem
uma atualização imediata e os fatos se atropelam no
noticiário. Porém, será que esta forma está
oportunizando aos formadores de opinião mudar o enfoque até
então dominado pela grande mídia já conhecida?
Ou ainda é fraca a penetração?
Janer
responde:Penetração ainda fraca
A penetração dos sites e blogs ainda é fraca,
Jéea, mas só tende a aumentar. Um blog sempre será
mais rápido que qualquer jornal, pois o jornal só aparece
nas bancas amanhã. Por outro lado, o blogueiro é um
franco-atirador, que geralmente não recebe nada por seu trabalho.
Não dispõe de equipes de reportagem, de grandes recursos
de pesquisa, muitas vezes desconhece as técnicas mais elementares
de jornalismo.
A
vantagem do blog é a independência. Como não custa
nada, não precisa agradar leitores ou anunciantes. A grande
imprensa não pode dispensar isto. E aí, se instala,
de uma forma ou outra, a censura. O politicamente correto invadiu
as redações e hoje o redator se vê em palpos de
aranha quando tem de escrever sobre questões raciais ou religiosas.
No universo blogueiro, não há nada disso.
O
Brasil, por exemplo, é o único país do mundo
em que jornalista tem de ter curso superior. Ora, muitos blogs estão
fazendo jornalismo. Não ocorreu a ninguém - pelo menos
por enquanto - exigir curso superior de blogueiro a um blogueiro.
Penso
que daqui a uns dez anos, jornalismo será algo bastante diferente
daquilo que conhecemos hoje. Há muita gente hoje cultivando
a leitura de blogs.
No mundo todo, já constitui multidão o número
de jornalistas que mantém um blog.
John
pergunta:Marketing Disfarçado
Janer, o marketing travestido de noticía é algo recorrente
na grande imprensa. Vemos o tempo todo matérias sobre "
o sabor do verão", falando de sorvetes e citando marcas
de determinados fabricantes, extensas matérias sobre filmes
na época de seus lançamentos, matérias sobre
beleza, saúde, comportamenteo em geral, todas trazem métodos
e marcas em seus textos, o caso das três capas do paulo Coelho,
isto, claro, sem esquecer as matérias políticas. Como
você vê e lidou com o marketing disfarçado na imprensa?
Janer
responde:Olhar seletivo
Tenho um olhar seletivo, John, e isso não é figura de
estilo. Se há uma foto de Paulo Coelho, por exemplo, na primeira
página de um jornal, eu não a vejo. Não a vejo
mesmo. Da mesma forma que não vejo foto alguma de futebol ou
carnaval. É como se houvesse um ponto cego em meus olhos que
não permitissem a percepção das fotos. Por outro
lado, já nem leio os cadernos ditos de cultura, são
puro marketing.
Veja
as páginas de cinema: mal é lançado um bestseller
ianque, os jornais dão páginas inteiras ao lixo. Parece
reportagem, mas é matéria paga. Os críticos recebem
mordomias, passagens e hotéis de luxo, para sua estréia
nos Estados Unidos. E têm de dar retorno, ou as mordomias acabam.
O
mesmo ocorre nas páginas de turismo. Os “repórteres”
– em verdade jornalistas pagos pelas agências de turismo
– recomendam tours idiotas e hotéis caríssimos,
afinal neles ficaram hospedados. Boa parte do jornalismo brasileiro
é vendido.
Pior
é o marketing ideológico, que se manifesta nas páginas
de política nacional ou internacional. Ou você adquire,
com o tempo e a experiência, um olhar crítico do que
os jornais lhe oferecem, ou acaba sendo enganado.
John
pergunta:Ainda o Marketing
Janer, sei que você veio aqui falar de política, mas
tua experiência na mídia é algo a ser explorado.
O marketing ideológico é algo muito comentado, mas eu
penso que existe também um marketing mais descarado mesmo,
matérias pagas para engrandecer ou atacar alguém, independente
de viés ideológico, por exemplo estas pesquisas de avaliação
promovidas pelas revistas semanais. Além disto, me parece que
há um certo marketing pessoal dos políticos, já
que o jornalismo político se resume, ainda que de boa fé,
a repetir o que os próprios políticos dizem. Quão
jornalístico é divulgar uma pesquisa de avaliação?
Quão jornalístico é divulgar fatos relatados
apenas pelos políticos? Quão jornalístico é
ter apenas um fonte, ainda mais se esta tem interesse na publicação
da matéria?
Fernando
pergunta:Posso perguntar?
Se puder, gostaria de saber do Sr. Janer, como foram os anos da república
petista no RS? Gostaria de saber do ponto de vista cultural, político
e policial, quais os fatos mais emblemáticos desse período
em que os gaúchos viram o canto de sereia se tornar um grunhido.
Jota
pergunta: Ficção ou realidade?
Olá Janer,Obrigado pela entrevista e por ter nos dado a possibilidade
de conhecer melhor você e seu trabalho.
De
tudo o que você disse sobre a própria imprensa nessa
entrevista, eu tendo a crer que você a vê como uma "máquina
de criar notícias", de maquiar a realidade. Assim, a imprensa
que criou Lula, também criou Collor e FHC. Ela, imprensa, vende
livros, viagens, hospedagens e políticos. Ela própria
seria, nessa ótica, uma mercadoria a oferecer-se para qualquer
um que a pague. Ou então seria tola demais para saber diferenciar
o joio do trigo. Em qualquer caso a imprensa que você pintou
não parece nem de longe um organismo de promoção
da informação.
Assim,
levando-se a sério o que você disse, e eu estou levando-o
a sério, ainda que possa tê-lo interpretado errado, a
imprensa pode tudo e vende-se para qualquer um. Dizer que existem
exceções, que há jornalistas sérios, que
nem toda matéria é tendenciosa ou obedece a um briefing
previamente censurado pela redação, me parece o mesmo
que dizer que existem Quixotes na imprensa assim como existem até
mesmo no congresso, porém, a regra que você parece ter
estabelecido é clara: a imprensa é podre, indigna de
crédito, vendida... Só mais uma maquininha de fazer
dinheiro. É isso mesmo? Ou você, por ser jornalista,
gostaria que a imprensa tivesse todo esse poder?
Isso
não lhe parece uma visão um pouco contaminada pelo fato
de você mesmo ser um membro dessa imprensa? Como alguém
poderia dar crédito a você, se você mesmo nos garante
que os jornalistas são vendedores de ilusões? Essa sua
postura crítica não lhe parece uma postura paradoxal
e, ao invés de crítica, apenas comodista? Esse discurso,
do "os culpados são os outros", não lhe parece
muito cômodo? Quantos jornalistas você conhece que assumiriam
aqui, em público, que forjaram ou deturparam notícias?
Enfim, você se submete, submeteu-se ou submeter-se-ia a mentir,
forjar, deixar censurar-se ou maquiar uma notícia em troca
do seu salário ou de um "extra"?
Abraços,
JC
Janer
responde: O que falta na imprensa nacional
Bom, John, matéria paga é matéria paga. Nada
contra. O problema é quando a matéria paga se esconde
sob uma reportagem, como se não fosse matéria paga.
Marketing dos políticos, sempre há. Quem elegeu Lula,
senão a imprensa?
O
que falta, na imprensa nacional, é jornalistas que não
se intimidem na hora de interrogar a fundo um político, seja
ele o presidente da República ou do Congresso. Que tenham a
coragem de colocá-lo contra a parede, a partir de declarações
passadas. Isto é muito fácil fazer, nesta era de arquivos
eletrônicos. Basta um laptop bem alimentado para demolir as
mentiras e contradições de Lula, em questão de
segundos.
O
repórter, a rigor, tem de repetir o que o entrevistado diz.
Por isso, jamais me adaptei à reportagem. Ouvir e reproduzir
o que um panaca diz era coisa que me fazia sofrer. Mas o jornalista
sempre pode questionar durante a entrevista. Fora isso, há
comentaristas, que estão aí para esmiuçar as
reportagens.
As
pesquisas de avaliação devem ser divulgadas, não
divulgar seria exercer uma espécie de censura. O problema são
os critérios das pesquisas, que podem induzir o leitor a respostas
equivocadas e estes critérios devem ser contestados. Por exemplo,
os pesquisadores pedem notas para o governo Lula e, logo após,
pedem notas para Lula. O pesquisado acaba caindo na armadilha e, dada
a propaganda em torno a Lula, tende a absolvê-lo. A culpa recai
sobre seu governo e não sobre ele, como se houvesse uma diferença
entre um e outro.
Em
verdade, há um viés esquerdista na imprensa que tende
a absolver o PT e Lula. O problema é que jornalista algum consegue
remar contra os fatos, em um país onde a imprensa é
livre. E esta é nossa defesa.
Janer
responde:para Fernando
Saí de Porto Alegre em 77, Fernando. Pouco ou nada sei da administração
petista no RS. Mas, quando volto e passo no centro de Porto Alegre,
fica claro que o PT esteve lá.
Janer
responde:meu caro JC
Eu sou um outsider da imprensa. Nunca consegui esquentar muita cadeira
em nenhum jornal. Exatamente por não conseguir participar dessa
máquina. Nas duas vezes em que trabalhei na Folha de São
Paulo, vomitei o tempo todo. Não era bem vômito, mas
arcadas de um vômito seco. Quando ocorreu pela primeira vez,
a coisa foi tão feia que minha mulher pensou ser edema de glote.
De manhã, quando se aproximava a hora de ir para a redação,
começavam as arcadas.
No
primeiro período de Folha, tirei férias e fui para Paris.
Parei de vomitar. O remédio parecia simples, mas era um tanto
caro. Ao voltar, estava demitido. Continuei sem vomitar. Fui trabalhar
no Estadão. Nada de arcadas. Aí, fui convidado a voltar
para a Folha. Semana seguinte, voltaram as arcadas.
Um
belo dia, estava colocando na medida um artigo de Clóvis Rossi
sobre o golpe no Chile. Saí da redação às
duas manhãs, desta vez com violentas arcadas de vômito.
Podes me imaginar, às duas da matina, agarrado em um poste
na São João, para me equilibrar? Se alguém me
viu, deve ter imaginado que eu havia tomado todas. Decidi demitir-me.
Dia seguinte, não vomitei mais. Diagnóstico confirmado.
Mesmo
assim, continuo achando que a imprensa é a última defesa
do cidadão. Apesar dos pesares, não fossem os jornalistas,
essa corrupção toda do PT – ou outras –
não teria vindo à tona. Hoje, na Web, faço o
jornalismo que quero, faço minhas próprias pautas e
não tenho censura. E creio ter conseguido um bom público
cativo. E não vomito mais.
Com
todas as restrições que tenho à imprensa, viva
a imprensa. Sem imprensa é pior.
Janer(continuando):Animais
e jornalistas
Esse episódio dos vômitos me levou a algumas conclusões.
Boa parte de minha vida trabalhei sem chefe. Quando fui para a Folha,
tinha um editor em meu ombro. (Já no Estadão, o redator
tem mais independência). Um animal não vomita quando
atacado. Reage ou foge. O jornalista, se tomar qualquer uma dessas
atitudes, perde o emprego. Acaba somatizando seu desconforto, daí
o vômito. Chegou um momento em que minha saúde estava
em jogo. Felizmente, tive condições de cair fora. Ainda
na Folha, tive uma colega que reagia de forma semelhante. No final
da tarde, era atacada por brotoejas.
Fernando
pergunta:
Caro Janer,Vc
ainda conseguiu escapar do que lhe causava somatizações,
por sublimação e até simples enfrentamento da
realidade sobre seu comprometimento com sua profissão. O pior
é que alguns retêm, recalcam, enrustem, gerando essas
figuras nauseabundas que nos deixam de cabelo em pé. Na minha
profissão tamém acontece e eu me coloco, com vc, num
certo papel de "outsider", pelo que vejo feito em nome de
uma medicina cada vez mais ambígua e de aparências. Não
consigo pertencer às Unimeds, não consigo fazer parte
de onselhos científicos e de sociedades, pois conheço
bem os que estão por ali. O nosso cenário político
não é assim por acaso. Os que assumem a linha de frente
cobram seu preço e o fazem com uma meta pessoal demais. Acredito
que isto se extenda a outros ofícios. Vejo vc criticar a visão
religiosa do Olavo e, apesar de gostar de muita coisa dele, já
deixei claro que esse aspecto dele me incomoda na mesma linha que
a vc, embora eu não seja anti-cristão ou contra religiões
de forma geral. Por que vc acha que a direita, seja a religiosa, seja
a laica, aquela do pensamento liberal mais realista, não faz
sucesso nessas nossas plagas? Por que os alunos das faculdades, em
sua maioria, nunca questionam a inaplicabilidade do que defendem e
o caráter totalitário do falso democratismo socialista?
Janer
responde:Marxismo na veia
Bom, Fernando, não acho que exista uma direita no Brasil, isto
é, um grupo de pensadores organizados, reunidos em torno de
uma filosofia. Existem, isto sim, pensadores que, pelas mais diversas
razões – algumas de ordem religiosa, outras de ordem
social – se opõe às esquerdas. Estas sim, se definem
como tal, e jogam em um mesmo saco todos aqueles que as criticam,
o saco da direita. Ora, eu discordo profundamente do pensamento de
esquerda, e por isso mesmo não aceito ser batizado pelas esquerdas.
Os
universitários, em sua maioria, estão recebendo desde
o colegial doses cavalares de marxismo. Na veia. Há muito universitário
que é marxista sem saber que é. Isto é, assume
todo o ideário marxista, sem ter uma idéia precisa do
que assumiu. De um modo geral, jamais leram Marx. São como
os padres que julgam estar contestando a Igreja largando a batina,
mas não largam o entulho dogmático da Igreja.
Os
ideais de esquerda, pelo menos pro-forma, são divinos-maravilhosos.
Fim da pobreza, das desigualdades sociais, a luta por um mundo mais
humano e mais justo. Este é o embrulho do presente, que de
atraente só tinha o embrulho. Todos os regimes inspirados no
pensamento de Marx – todos – só resultaram em países
miseráveis regidos por ditaduras de partido único.
Como
os jovens em geral nada conhecem de História, nem mesmo a História
presente, engolem alegremente as mentiras de seus professores e acaba
dando no que deu: um analfabeto vivaldino na Presidência da
República. Pergunta para um jovem o que aconteceu dia 9 de
novembro de 1989, isto é, há apenas dezesseis anos?
Ele não terá a mínima idéia do que aconteceu
naquele dia. No entanto, é uma das datas mais importantes do
século passado.
Carlos
pergunta:“...não acho que exista uma direita
no Brasil, isto é, um grupo de pensadores organizados, reunidos
em torno de uma filosofia. Existem, isto sim, pensadores que, pelas
mais diversas razões – algumas de ordem religiosa, outras
de ordem social – se opõe às esquerdas.”
Janer,
Isto
posto, fica a questão: não seria exatamente essa a variável
que falta para que a “direita” ou, melhor dizendo, a anti-esquerda
consiga reunir uma maior “militância” (fazendo uso
desse bom jargão) dentre os jovens ávidos por uma maior
participação na vida política nacional? A organização
ideológica, do que hoje são apenas noções
dispersas que se manifestam na forma de oposição, em
uma filosofia antagônica ao marxismo?
Douglas
pergunta:Olá Janer
parabéns pela sua coragem em assumir as suas posíções.
Eu já fui da neoesquerda, a esquerda não-marxista, migrei
para o centro por achar que aquela espqerda estava muito hipie pro
meu gosto.
Uma pergunta porque em geral a esquerda TEM de ser marxista? Afinal,
Marx nem ideólogo era, ele foi um filósofo e economista.
Um abraço e minha admiração.
Douglas Cardoso
Janer
responde: O bom e velho capitalismo
(resposta para Carlos)
Uma
filosofia que se pretendesse antagônica ao marxismo, seria eivada
de marxismo. Essa outra visão de mundo que você aventa
é o velho e bom capitalismo. Ele não nasce de desejos
utópicos. Os livros que o comentam surgem a posteriori. Mas
quando falo no bom e velho capitalismo, não estou falando deste
sistema nosso, que antes de ser capitalista é uma mescla dos
piores achados dos países desenvolvidos. Estou falando dos
Estados Unidos, das sociais-democracias européias, onde o capitalismo
existe de fato.
O
problema é que quem está trabalhando e construindo o
país não tem tempo para fazer filosofia. Quanto aos
desocupados – e Marx era um deles – adoram utopias. Sempre
têm em mãos fórmulas mágicas e revolucionárias
para consertar o que não funciona. Até que um dia chegam
ao poder... E aí você viu no que deu.
Janer
responde: Como o cristianismo
Com o marxismo, Douglas, ocorreu o mesmo que com o cristianismo, quando
foi encampado por Constantino como religião de Estado. Os cristãos
tomaram conta do império romano e, através de sua máquina,
se espandiram para o mundo. O marxismo apossou-se de uma potência
e passou a ser pregado como religião. Com o afundamento da
potência, falta grana – e argumentos - para a propaganda,
e o marxismo afunda junto. A URSS não mais existe e a Rússia
reduziu-se à miséria. Não tem mais como financiar
guerrilhas e partidos mundo afora.
A
diferença entre cristãos e marxistas é que estes
últimos prometiam um paraíso terrenal, e a mentira foi
logo descoberta. O paraíso prometido pelos cristãos
é para depois do fim dos tempos. Ou seja, há uma eternidade
para manter a mentira em pé. Outra diferença é
que o marxismo se tornou filosofia de Estado. A Igreja, mais prudente,
afastou-se do Estado.
Dirce
pergunta:Oi,
desculpe me intrometer Janer mas, me parece que a Igreja não
se afastou tanto assim do governo. Principalmente neste, onde sua
influência via MST do Estédile está aí,
muito visível, e também todo o trabalho deles durante
todos estes anos até chegarem lá. Sua atuação
tem sido decisiva e corrosiva. Não sei o que devem estar pensando
hoje sobre tudo que está acontecendo mas, certamente, todos
estes padres "libertários" têm muito a ver
com o que está acontecendo hoje.
Abraço
Fernando
pergunta:
Janer,
Vc vê alguma perspectiva de aparecimento de um "quebra-gelo"
ideológico que permita aos pensadores não-esquerdistas
reestabelecer a verdade dos fatos e o equilíbrio do debate,
com a serenidade que permita perceber que, ideologicamente, o marxismo
sempre exigirá a reengenharia social que só é
possível sob o uso da força? A internet com sua fragmentalidade,
sua interatividade, no Brasil pode ter o mesmo poder que nos EUA,
p.ex., e trazer de volta outras concepções ao debate
franco, e ser esse quebra-gelo ao qual me referi? Ou já está
tudo irremediavelmente dominado e continuaremos morando nessa Terra
do Nunca? O viés religioso observado em alguns setores não-esquerdistas
funciona como a mâo gordurosa na vitrine da exposição
das idéias e assustam aos que tem das "direitas"
apenas uma visão estereotipada, tipo TFP, nacional-socialismo
ou catolicismo ultra-conservador, construída pela propaganda
jdanovista. O comunismo, hoje, exerce o mesmo efeito repelente, mas
o estereótipo esquerdista aspergiu-se em milhares de características,
preenchendo espaços e sempre escondido atrás de causas
que aparentemente nada tem a ver com a doutrina mãe, mas que
abarca praticamente todo setor de atuação humana. Por
isso concordo quando se diz que o marxismo é, antes de tudo,
uma cultura. Eles já conseguem se descolar da palavra comunista.
Por que os não esquerdistas não conseguem se descolar
de seus arquétipos forjados na propaganda?
Janer
responde:
Sua pergunta é de difícil resposta, Fernando. Muita
bibliografia fundamental foi escondida de gerações e
gerações de brasileiros. Quem sabe, hoje, quem foi Kravchenko,
o homem que, sozinho, pôs em xeque toda a União Soviética,
em 1949? Quem leu a biografia de Stalin, de Boris Souvarine? Quem
ouviu falar de Panaïti Istrati, escritor romeno de expressão
francesa, o primeiro escritor a contestar o regime soviético,
já em 1929, em “Vers l’autre Flamme”, jamais
traduzido no Brasil? “O Homem Revoltado”, obra maior de
Camus, de 1951, só sai no Brasil 50 anos depois, quando já
era curiosidade histórica. Enquanto isso, continuamos louvando
stalinistas como Sartre, Neruda, Brecht.
Acho
muito difícil recuperar essa literatura perdida. Toda a história
do século passado terá de ser reescrita, pois foi escrita
sob a sombra do stalinismo. O regime soviético foi violentamente
contestado em meados dos anos 30, por ocasião das purgas, quando
se afastaram do partido homens como Sábato, Gide, Camus, Arthur
Koestler, Ignazio Silone, Louis Fischer, Stephen Spender. Setenta
anos depois, ainda temos milhões de brasileiros votando em
um partido de origem marxista.
Mas
a Europa, grande responsável pela difusão do marxismo,
já está abandonando esta loucura. É possível
que daqui a uns vinte anos o Brasil chegue lá. O PT, por exemplo,
já não consegue enganar mais.
Será
possível reerguer um outro partido que empunhe essas bandeiras
desvairadas? Não sei. Acho difícil. A débâcle
do PT é a tardia queda do muro mental das esquerdas brasileiros.
Janer
responde:
O problema, Dirce, é que a Igreja brasileira se aproximou não
do governo, mas do marxismo. Lula era a grande esperança dos
comunistas na América Latina. Sua única virtude foi
ter traído o PT. Tanto isso é verdade, que a Igreja
hoje se afasta de Lula, por não ter levado o país ao
socialismo.
Claro
que os padres têm muito a ver com o que está acontecendo
hoje. A ascensão de Lula ao poder foi em boa parte obra da
Igreja e dos igrejeiros.
Luiz pergunta:Janer,um ponto que eu gostaria de abordar
é a questao da conexao entre a ética e a religiao, mais
especificamente com a doutrina judaico-crista. Algumas figuras conhecidas
da oposicao à esquerda no Brasil (como, por exemplo, Olavo
de Carvalho e Nivaldo Cordeiro) defendem que o que entendemos como
ética é indissociável da moralidade judaico-crista.
Nivaldo Cordeiro, por exemplo, chega ao ponto de afirmar que até
mesmo liberais ateus (como você ou eu), ao professar e defender
o que podemos chamar de "ética da civilizacao ocidental",
estao "rendendo homenagem ao Deus dos seus pais." Como você
vê a relacao entre religiao e ética? Quais sao, ao seu
ver, as bases nao-religiosas que justificariam a adocao e defesa da
ética ocidental? Você acredita que existe um risco para
o liberal ateu de cair numa espécie de nihilismo moral?
Geraldo
pergunta:Olá Janer
Após ler seus comentários gostaria de fazer uma perguntas,
se me permitir.Sobre ser escritor ou jornalista.
Voce declarou que abandonou a escrita livresca por dois motivos.
Primeiro que se necessita de arredondamento ou acertos do pensamento
e, em fazendo isso, o texto se distancia da verdade dos fatos.
Segundo que os fatos são mais instigantes e verdadeiros e que,
na rapidez do momento jornalistico, essa escrita torna-se mais imediata
e prazerosa.
Assim
pergunto!
É mais fácil errar na interpretação de
um fato na rapidez imediatista do jornal ou no demorado processo de
análise de um livro que pretende interpretar o mesmo fato?
Gostaria
de fazer mais perguntas se ainda me permitirem. Obrigado!
Janer
responde:Nihilistas são eles
A ética vigente está eivada de cristianismo, Luís,
e tem como fundamento último, eu diria, os dez mandamentos:
parte virou legislação, parte sobrou como ética.
Isso não quer dizer que nós, ateus, não tenhamos
a nossa. Nunca falta quem empunhe uma frase, indevidamente atribuída
a Dostoievski: “se Deus não existe tudo é permitido”.
Isso é bobagem de teísta que precisa de argumentos de
ordem social para justificar a existência de Deus. É
perfeitamente possível construir um Estado sem deus nem deuses,
e este Estado não é necessariamente o Estado comunista.
Camus, por exemplo, pregava um humanismo laico, dispensando a idéia
de Deus na organização social. E ninguém vai
pretender que Camus fosse comunista.
Mas
o problema não é a ética, ocidental ou não-ocidental.
A ética é coercitiva, é verdade, mas não
compulsória. Não há sanções legais
para quem descumpre um preceito ético. Ética é
um luxo que você pode se permitir ou não. O que o cidadão
não pode é infringir a legislação. As
leis são injustas? Que sejam então modificadas. Infelizmente,
este mundinho está cheio de gentes que confundem Ética
com Direito. Por exemplo: fulano cometeu incesto? Tem de ir para cadeia.
Não tem, não. Incesto não é crime em nossa
legislação. Pode ser eticamente mal visto, mas não
é crime.
Os
ateus não são nihilistas. Nihilistas são esses
senhores que vivem empunhando um cadáver de dois mil anos,
cultuam a morte em seus rituais e portam no peito o símbolo
de um instrumento de tortura. As três religiões monoteístas
vigentes abominam o corpo, o prazer, a própria vida e a felicidade
é sempre transferida para o Além. Isso é que
é nihilismo. Nihilista é quem precisa de muletas metafísicas
para viver. Para mim, a vida em si já me basta.
Janer(continuando):
Escritor corre descansado
Sem dúvida, Geraldo, a rapidez inerente aos jornais é
fator de muitos erros, e dos mais cabeludos. Dois casos, entre muitos:
o famoso massacre dos ianomâmis em 93 – que jamais ocorreu
– e o caso da Escola Base, em que três professores tiveram
suas vidas destruídas pelas mentiras de uma criança
e pelo desejo de mídia de um delegado irresponsável.
Quando
chegou a notícia do massacre dos ianomâmis, era pegar
ou largar. Jornal algum tinha condições de enviar, na
hora, um jornalista a Roraima para verificar os fatos. Além
da pressa, há outro fator perverso, o medo da concorrência:
se eu não publico, o concorrente publica. O mesmo ocorreu com
a Escola Base. Continua ocorrendo todos os dias, e continuará
ocorrendo sempre.
Quanto
ao escritor, este corre descansado, com sombra, água fresca
e sem deadline.
Segunda
parte da entrevista
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