:: Entrevista

Nesta seção publicamos uma entrevista realizada com Janer Cristaldo em agosto/setembro de 2005, com perguntas formuladas pelos membros da Comunidade Caneca na Rede.

Safira: Janer Cristaldo fala sobre Política 8/28/2005
Janer Cristaldo Ferreira Moreira é Redator e Cronista de três jornais eletrônicos: http://www.midiasemmascara.org, http://www.baguete.com.br e http://www.brazzil.com. É formado em Direito (Santa Maria) e Filosofia (Porto Alegre), tem curso de sueco na Stockholms Universitet, curso de
espanhol em Madri, no Instituto de Cooperación Iberoamericana (ICI) e
doutorado em Letras Francesas e Comparadas pela Université de la Sorbonne
Nouvelle (Paris III).

Traduziu cerca de vinte livros do sueco, francês e espanhol e lecionou por quatro anos Literatura Comparada e Literatura Brasileira na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Em Porto Alegre, trabalhou nos jornais Diário de Notícias, Zero Hora e Folha da Manhã. Para este último, durante quatro anos, enviouo crônicas diárias de Paris. Em São Paulo, foi redator de política internacional na Folha de São Paulo e Estado de São Paulo.

Safira pergunta:
Primeiramente, meus mais sinceros agradecimentos por ter aceitado participar da Caneca. Certamente será uma honra conviver com você por aqui, e um prazer poder compartilhar de tua sabedoria. A primeira pergunta seria, digamos, mais de ordem pessoal. Sinta-se à vontade para discorrer sobre ela. Você é um bacharel em Direito, mas pelo que percebemos não exerce a profissão. O que o fez mudar o rumo da tua vida profissional?

Janer responde:Ojeriza à gravata e ao excesso de leis.
Já no segundo ano de Direito, percebi que não exerceria a profissão. Mas fui até o final. Assim, quando fizesse críticas ao Direito, ninguém poderia alegar que as fazia por não ter conseguido concluir o curso. O que me desagrada no ofício é aquele linguajar arrevesado dos juristas e das próprias leis. Para dizer o que um jornalista diz em dez linhas, um advogado normalmente precisa de cem ou duzentas.

Também não suportaria a idéia de chamar um juiz de Meritíssimo. E muito menos o uniforme da profissão, o terno e gravata. A última vez em minha vida que usei terno e gravata foi em março de 1981, quando defendi minha tese na Sorbonne Nouvelle.

Outro fator foi a ojeriza ao excesso de leis no Brasil. Há uma fúria legiferante no Congresso, o advogado que quiser ser competente tem de atualizar-se constantemente. Pior ainda, os diplomas legais são elaborados por deputados incompetentes, analfabetos em questões de Direito, que não têm sequer noção sobre o que seja lei maior e lei menor. Daí as leis conflitantes entre si e com a própria Constituição, que a todo momento são contestadas pelas ADINs.

Com uma penada – uma MP – um presidente complica a vida de milhões de cidadãos e faz a fortuna de milhares de advogados. Recusei-me a navegar por esse mar de sargaços.

Safira pergunta:Atividades
Janer, em alguns lugares vc se intitula escritor, em outros jornalista, em outros ainda redator, colunista, e por aí vai.
Com qual destas atividades vc se identifica mais e por que?

Janer responde:Ex-escritor
Hoje, eu diria que sou ex-escritor. O jornalismo matou o escritor. O ficcionista usa páginas e páginas para criar um clima, personagens, enredo, para transmitir finalmente uma mensagem que o jornalista expressa às vezes em uma ou duas frases. Literatura me parece um desperdício de palavras. No jornal, o texto é determinado até pelo número de caracteres, o redator tem um espaço preciso para dar seu recado. Ou tem capacidade de síntese, ou não é jornalista.

Além do mais, jornalismo exige agilidade e rapidez. Os fatos acontecem agora e o jornal sai amanhã. O escritor pode se dar ao luxo de levar uma semana ou mesmo um mês arredondando um período. O jornalista às vezes tem segundos para fazer isso. Um dos bons momentos da profissão é o fechamento do jornal. Há dias em que o mundo vem abaixo, o deadline está correndo e o redator tem poucos minutos para dar forma àquele caos. É tenso, estressante, mas um desafio atraente para quem gosta de emoções fortes. Quem não passou por um fechamento em pânico, não viveu o jornalismo.

O jornalista trabalha com fatos. O escritor com mentiras. Toda ficção, por definição, é uma mentira. Pode ser que essa mentira até represente melhor uma época ou um tipo humano que os próprios fatos: este é privilégio da grande literatura. O Quixote, por exemplo. É uma história imaginária da primeira à última página. Mesmo assim, traduz as grandes aspirações humanas.

Sem falar que o jornalista tem um retorno que o escritor nem sonha. Particularmente neste dias de jornalismo eletrônico, em que o leitor tem acesso instantâneo ao jornalista. Outra vantagem deste jornalismo: posso escrever o que quero, sem me preocupar com a censura que sempre existe, em maior ou menor grau, nos grandes jornais.

Me sinto bem fazendo este tipo de jornalismo e tenho recebido respostas em número que jamais recebi quando publicava livros em papel. Além disto, meus textos permanecem na rede, à disposição de quem quiser, em qualquer canto do mundo.

Janer continua: Mais uma palavrinha...
... sobre esta pergunta. Os escritores hoje, particularmente os brasileiros, são muito dependentes do poder para publicar seus livros. Precisam bajular autoridades para ter seus livros nos currículos e listas de leituras obrigatórias de vestibular, implorar a editores para ter uma nota nos suplementos culturais. Acabam se tornando mendigos covardes e omissos.

Veja-se o momento político atual. Quem tem denunciado esse colossal esquema de corrupção do PT são os jornalistas. Os escritores estão silentes, com o rabo entre as pernas, como cães com medo.

Safira pergunta:Ok, Janer, entendi. Ainda em relação ao jornalismo eletrônico, gostaria que vc discorresse um pouco como se dá essa interação entre vc e seus pares do Mídia sem Máscara. Minha questão reporta-se à opinião corrente de internautas, amplamente disposta em listas na Internet, de que todos os colunistas do MSM refletem e reproduzem, em seus artigos, a visão e a opinião de Olavo de Carvalho. Como vc analisa essa situação, dos "prós" e contra" OC? Dos "prós" e "contra" a MSM? Qual é a linha de pensamento político que norteia os colunistas do MSM? Existe liberdade de expressão e autonomia de ação naquele jornal? Veja que estes são questionamentos correntes e recorrentes na Internet, mas se vc quiser se abster de responder a esta questão, fique à vontade.

Janer responde:Sobre o MSM
Bom, até agora fui livre para expressar-me no MSM. Tive uma liberdade que nunca tive na imprensa em papel. O fato é que o jornal tem um viés católico e eu, além de ser ateu, sou profundamente anticristão.

Considero o cristianismo uma doutrina mais funesta que o próprio marxismo, pois o marxismo morreu em questão de um século e o cristianismo e suas variantes gozam de boa saúde após dois mil anos. O marxismo só consegue impor-se pela força, enquanto o cristianismo, mais perverso, contamina as consciências por dentro. Instala uma máquina de tortura no cérebro de cada crente e confere ao crente o privilégio de acioná-la.

Isto tem gerado conflitos no MSM, tanto entre articulistas como entre leitores. Há uma turma que adora quando malho as esquerdas, mas fazem o sinal da cruz quando condeno os desmandos da Igreja. Ainda há pouco, alguns tefepistas investiram contra mim porque ousei condenar a Inquisição. (Como se fosse necessário alguma audácia para condenar a Inquisição). Pior ainda, eram todos jovens.

Isso é mais grave do que ser marxista. Os marxistas nunca ousaram publicar manuais de torturas, como o “Manual dos Inquisidores”, do Nicolau Emérico, ou o “Malleus Maleficarum”, de Sprenger e Kramer. A Inquisição ousou e se orgulhava de torturar.

Eu gostei muito de um livro de Olavo de Carvalho, “O Imbecil Coletivo”. É o capítulo brasileiro do “Manual do Perfeito Idiota Latinoamericano”, de Mendoza, Montaner e Llosa. Mas não consigo acompanhar o Olavo em seu catolicismo. Também não consigo entender como um filósofo possa ser cristão. Isso acontecia na Idade Média, quando a filosofia era serva da teologia, e ai dos filósofos se não o fosse. Mas vivemos no século XXI.

Às vezes, tenho vontade de perguntar ao Olavo se ele acredita em dogmas como a transubstanciação da carne, Santíssima Trindade ou virgindade de Maria.

A linha de pensamento político do MSM me foi assim resumida por um de seus editores: “nada de articulistas de esquerda. Eles já têm a grande imprensa para escrever”. Concordo.

Safira pergunta:Safira Esquerda, direita, vou ver?
Bem, como atéia, só posso parabenizá-lo pela sua ousadia e coragem, pois sei como é difícil, para um ateu, conviver com dogmas e dogmáticos, embora muitos digam, principalmente entre os filósofos, teólogos e teístas, que o ateísmo também seja uma crença, a crença na não-crença...:-). É um assunto realmente polêmico, que podemos retomar posteriormente. No momento, chamou-me a atenção seu último parágrafo:

(...) A linha de pensamento político do MSM me foi assim resumida por um de seus editores: “nada de articulistas de esquerda. Eles já têm a grande imprensa para escrever”. Concordo.

Janer, esta é outra questão em que não vejo consenso entre o pessoal envolvido com política, sejam os políticos, seja a pequena ou grande imprensa, sejam os cidadãos comuns, principalmente nos dias atuais e em face dos problemas que a antiga esquerda brasileira enfrenta. As Revistas Veja e Isto é são atacadas sistematicamente pelos "esquerdistas remanescentes" como sendo de "direita" e "tucanas". Por outro lado, os "direitistas" afirmam que a grande imprensa está vinculada, hoje, à esquerda, qual seja, o governo. Observo aí uma grande salada verborrágica, pq francamente, não vejo o governo petista como sendo um governo com viés de esquerda, nem entendo a quem se refere o presidente quando diz que as "elites" é que querem derrubar seu governo.

Na sua concepção, Janer, o que seria hoje a esquerda e a direita, ideologicamente falando? Você acredita que existem realmente partidos que ainda se guiam por princípios político-ideológicos? Com a corrupção finalmente sendo colocada em frente aos holofotes, sendo mostrada a milhões de brasileiros na sua face mais crua e verdadeira, haverá ainda chances de os políticos resgatarem a ética na política? E mais, vc acha que o povo brasileiro irá reagir ao aparente apagão que se apossou das CPI's nos últimos dias?

Janer responde:Conceitos obsoletos
Os conceitos de esquerda ou direita há muito se tornaram obsoletos. Nos anos 70, por exemplo, a China, que se pretendia de esquerda, ergueu um monumento a Pinochet, em nome das boas relações comerciais com o Chile. Moscou apoiou Idi Amin Dada. Mas as esquerdas continuaram se chamando esquerdas e eram tidas como a morada do Bem. Todo Mal era de direita.

Triste sina a da direita no Brasil. Em países mais civilizados, ser de direita é apenas não concordar com as propostas da esquerda, direito legítimo de todo cidadão. No Brasil, direita significa portar toda a infâmia do mundo. Que o diga Clóvis Rossi. Em recente crônica, afirmou: “Já escrevi neste espaço uma e outra vez que o PT fez a mais radical e rápida guinada para a direita de que se tem notícia na história partidária do planeta”.

Isto é: se o PT se revela corrupto, ele não é mais esquerda. É direita, porque só a direita é corrupta. Mesmo que o PT seja hoje o mesmo desde que nasceu, mesmo que os grandes implicados na corrupção – Genoíno, Mercadante, Zé Dirceu, Lula – sejam seus pais fundadores. Segundo Rossi, o PT guinou para a direita. E por que guinou para a direita? Porque suas falcatruas foram trazidas à tona. Permanecessem submersas, o partido continuaria sendo de esquerda.

É o que os franceses chamam de "glissement idéologique". O conceito de esquerda sempre muda, à medida em que a esquerda se corrompe. A direita é a boceta de Pandora, o repositório de todos os males do mundo, inclusive os das esquerdas. Pois quando as esquerdas cometem crimes – ou “erros”, como preferem seus líderes – é que não eram de esquerda, mas de direita.

Ética sempre foi virtude rara em política. Tornou-se ainda mais rara quando a eleição de um oportunista qualquer dependeu das maquiagens do marketing. Como reagirá o povo brasileiro? Não sei.

Não costumo subestimar a ignorância das massas. Se Lula não for eliminado já do panorama político, persiste sempre o risco de termos o analfabeto de volta em 2006.

Ainda sobre a imprensa
Os articulistas de esquerda sempre foram privilegiados nos grandes jornais. Os artigos que publico na Web jamais teriam espaço neles. Foi a grande imprensa que elegeu Lula. O problema é que imprensa livre é algo dinâmico. Se um jornal não denuncia, seu concorrente toma a dianteira. Então, por uma saudável questão de sobrevivência, são obrigados a pesquisar e denunciar a corrupção. Se Lula for derrubado, será derrubado pela mesma imprensa que o criou.

É neste momento que o PT se queixa e fala em denuncismo. Lula, por exemplo, um dia fala no dever de investigar dos jornalistas, no outro fala em aves de mau agouro. Tenho grandes restrições à imprensa, mas devo admitir que a ela devemos a denúncia de toda a atual roubalheira. (E também de roubalheiras passadas). O que deveria ser função da polícia, do Ministério Público, da Receita Federal, hoje foi assumido pelos jornalistas. A polícia, promotores e fiscais sempre vão na esteira das denúncias nos jornais.

Jeea pergunta:Depois dos brilhantes questionamentos da Safira, fica difícil criar coragem e perguntar, mas estou curiosa para saber tua opinião sobre a influência dos blogs e colunas jornalisticas. Noto, entre os internautas uma corrida por informação rápida, uma vez que os jornais e revistas não conseguem uma atualização imediata e os fatos se atropelam no noticiário. Porém, será que esta forma está oportunizando aos formadores de opinião mudar o enfoque até então dominado pela grande mídia já conhecida? Ou ainda é fraca a penetração?

Janer responde:Penetração ainda fraca
A penetração dos sites e blogs ainda é fraca, Jéea, mas só tende a aumentar. Um blog sempre será mais rápido que qualquer jornal, pois o jornal só aparece nas bancas amanhã. Por outro lado, o blogueiro é um franco-atirador, que geralmente não recebe nada por seu trabalho. Não dispõe de equipes de reportagem, de grandes recursos de pesquisa, muitas vezes desconhece as técnicas mais elementares de jornalismo.

A vantagem do blog é a independência. Como não custa nada, não precisa agradar leitores ou anunciantes. A grande imprensa não pode dispensar isto. E aí, se instala, de uma forma ou outra, a censura. O politicamente correto invadiu as redações e hoje o redator se vê em palpos de aranha quando tem de escrever sobre questões raciais ou religiosas. No universo blogueiro, não há nada disso.

O Brasil, por exemplo, é o único país do mundo em que jornalista tem de ter curso superior. Ora, muitos blogs estão fazendo jornalismo. Não ocorreu a ninguém - pelo menos por enquanto - exigir curso superior de blogueiro a um blogueiro.

Penso que daqui a uns dez anos, jornalismo será algo bastante diferente daquilo que conhecemos hoje. Há muita gente hoje cultivando a leitura de blogs.
No mundo todo, já constitui multidão o número de jornalistas que mantém um blog.

John pergunta:Marketing Disfarçado
Janer, o marketing travestido de noticía é algo recorrente na grande imprensa. Vemos o tempo todo matérias sobre " o sabor do verão", falando de sorvetes e citando marcas de determinados fabricantes, extensas matérias sobre filmes na época de seus lançamentos, matérias sobre beleza, saúde, comportamenteo em geral, todas trazem métodos e marcas em seus textos, o caso das três capas do paulo Coelho, isto, claro, sem esquecer as matérias políticas. Como você vê e lidou com o marketing disfarçado na imprensa?

Janer responde:Olhar seletivo
Tenho um olhar seletivo, John, e isso não é figura de estilo. Se há uma foto de Paulo Coelho, por exemplo, na primeira página de um jornal, eu não a vejo. Não a vejo mesmo. Da mesma forma que não vejo foto alguma de futebol ou carnaval. É como se houvesse um ponto cego em meus olhos que não permitissem a percepção das fotos. Por outro lado, já nem leio os cadernos ditos de cultura, são puro marketing.

Veja as páginas de cinema: mal é lançado um bestseller ianque, os jornais dão páginas inteiras ao lixo. Parece reportagem, mas é matéria paga. Os críticos recebem mordomias, passagens e hotéis de luxo, para sua estréia nos Estados Unidos. E têm de dar retorno, ou as mordomias acabam.

O mesmo ocorre nas páginas de turismo. Os “repórteres” – em verdade jornalistas pagos pelas agências de turismo – recomendam tours idiotas e hotéis caríssimos, afinal neles ficaram hospedados. Boa parte do jornalismo brasileiro é vendido.

Pior é o marketing ideológico, que se manifesta nas páginas de política nacional ou internacional. Ou você adquire, com o tempo e a experiência, um olhar crítico do que os jornais lhe oferecem, ou acaba sendo enganado.

John pergunta:Ainda o Marketing
Janer, sei que você veio aqui falar de política, mas tua experiência na mídia é algo a ser explorado. O marketing ideológico é algo muito comentado, mas eu penso que existe também um marketing mais descarado mesmo, matérias pagas para engrandecer ou atacar alguém, independente de viés ideológico, por exemplo estas pesquisas de avaliação promovidas pelas revistas semanais. Além disto, me parece que há um certo marketing pessoal dos políticos, já que o jornalismo político se resume, ainda que de boa fé, a repetir o que os próprios políticos dizem. Quão jornalístico é divulgar uma pesquisa de avaliação? Quão jornalístico é divulgar fatos relatados apenas pelos políticos? Quão jornalístico é ter apenas um fonte, ainda mais se esta tem interesse na publicação da matéria?

Fernando pergunta:Posso perguntar?
Se puder, gostaria de saber do Sr. Janer, como foram os anos da república petista no RS? Gostaria de saber do ponto de vista cultural, político e policial, quais os fatos mais emblemáticos desse período em que os gaúchos viram o canto de sereia se tornar um grunhido.

Jota pergunta: Ficção ou realidade?
Olá Janer,Obrigado pela entrevista e por ter nos dado a possibilidade de conhecer melhor você e seu trabalho.

De tudo o que você disse sobre a própria imprensa nessa entrevista, eu tendo a crer que você a vê como uma "máquina de criar notícias", de maquiar a realidade. Assim, a imprensa que criou Lula, também criou Collor e FHC. Ela, imprensa, vende livros, viagens, hospedagens e políticos. Ela própria seria, nessa ótica, uma mercadoria a oferecer-se para qualquer um que a pague. Ou então seria tola demais para saber diferenciar o joio do trigo. Em qualquer caso a imprensa que você pintou não parece nem de longe um organismo de promoção da informação.

Assim, levando-se a sério o que você disse, e eu estou levando-o a sério, ainda que possa tê-lo interpretado errado, a imprensa pode tudo e vende-se para qualquer um. Dizer que existem exceções, que há jornalistas sérios, que nem toda matéria é tendenciosa ou obedece a um briefing previamente censurado pela redação, me parece o mesmo que dizer que existem Quixotes na imprensa assim como existem até mesmo no congresso, porém, a regra que você parece ter estabelecido é clara: a imprensa é podre, indigna de crédito, vendida... Só mais uma maquininha de fazer dinheiro. É isso mesmo? Ou você, por ser jornalista, gostaria que a imprensa tivesse todo esse poder?

Isso não lhe parece uma visão um pouco contaminada pelo fato de você mesmo ser um membro dessa imprensa? Como alguém poderia dar crédito a você, se você mesmo nos garante que os jornalistas são vendedores de ilusões? Essa sua postura crítica não lhe parece uma postura paradoxal e, ao invés de crítica, apenas comodista? Esse discurso, do "os culpados são os outros", não lhe parece muito cômodo? Quantos jornalistas você conhece que assumiriam aqui, em público, que forjaram ou deturparam notícias? Enfim, você se submete, submeteu-se ou submeter-se-ia a mentir, forjar, deixar censurar-se ou maquiar uma notícia em troca do seu salário ou de um "extra"?

Abraços,
JC

Janer responde: O que falta na imprensa nacional
Bom, John, matéria paga é matéria paga. Nada contra. O problema é quando a matéria paga se esconde sob uma reportagem, como se não fosse matéria paga. Marketing dos políticos, sempre há. Quem elegeu Lula, senão a imprensa?

O que falta, na imprensa nacional, é jornalistas que não se intimidem na hora de interrogar a fundo um político, seja ele o presidente da República ou do Congresso. Que tenham a coragem de colocá-lo contra a parede, a partir de declarações passadas. Isto é muito fácil fazer, nesta era de arquivos eletrônicos. Basta um laptop bem alimentado para demolir as mentiras e contradições de Lula, em questão de segundos.

O repórter, a rigor, tem de repetir o que o entrevistado diz. Por isso, jamais me adaptei à reportagem. Ouvir e reproduzir o que um panaca diz era coisa que me fazia sofrer. Mas o jornalista sempre pode questionar durante a entrevista. Fora isso, há comentaristas, que estão aí para esmiuçar as reportagens.

As pesquisas de avaliação devem ser divulgadas, não divulgar seria exercer uma espécie de censura. O problema são os critérios das pesquisas, que podem induzir o leitor a respostas equivocadas e estes critérios devem ser contestados. Por exemplo, os pesquisadores pedem notas para o governo Lula e, logo após, pedem notas para Lula. O pesquisado acaba caindo na armadilha e, dada a propaganda em torno a Lula, tende a absolvê-lo. A culpa recai sobre seu governo e não sobre ele, como se houvesse uma diferença entre um e outro.

Em verdade, há um viés esquerdista na imprensa que tende a absolver o PT e Lula. O problema é que jornalista algum consegue remar contra os fatos, em um país onde a imprensa é livre. E esta é nossa defesa.

Janer responde:para Fernando
Saí de Porto Alegre em 77, Fernando. Pouco ou nada sei da administração petista no RS. Mas, quando volto e passo no centro de Porto Alegre, fica claro que o PT esteve lá.

Janer responde:meu caro JC
Eu sou um outsider da imprensa. Nunca consegui esquentar muita cadeira em nenhum jornal. Exatamente por não conseguir participar dessa máquina. Nas duas vezes em que trabalhei na Folha de São Paulo, vomitei o tempo todo. Não era bem vômito, mas arcadas de um vômito seco. Quando ocorreu pela primeira vez, a coisa foi tão feia que minha mulher pensou ser edema de glote. De manhã, quando se aproximava a hora de ir para a redação, começavam as arcadas.

No primeiro período de Folha, tirei férias e fui para Paris. Parei de vomitar. O remédio parecia simples, mas era um tanto caro. Ao voltar, estava demitido. Continuei sem vomitar. Fui trabalhar no Estadão. Nada de arcadas. Aí, fui convidado a voltar para a Folha. Semana seguinte, voltaram as arcadas.

Um belo dia, estava colocando na medida um artigo de Clóvis Rossi sobre o golpe no Chile. Saí da redação às duas manhãs, desta vez com violentas arcadas de vômito. Podes me imaginar, às duas da matina, agarrado em um poste na São João, para me equilibrar? Se alguém me viu, deve ter imaginado que eu havia tomado todas. Decidi demitir-me. Dia seguinte, não vomitei mais. Diagnóstico confirmado.

Mesmo assim, continuo achando que a imprensa é a última defesa do cidadão. Apesar dos pesares, não fossem os jornalistas, essa corrupção toda do PT – ou outras – não teria vindo à tona. Hoje, na Web, faço o jornalismo que quero, faço minhas próprias pautas e não tenho censura. E creio ter conseguido um bom público cativo. E não vomito mais.

Com todas as restrições que tenho à imprensa, viva a imprensa. Sem imprensa é pior.

Janer(continuando):Animais e jornalistas
Esse episódio dos vômitos me levou a algumas conclusões. Boa parte de minha vida trabalhei sem chefe. Quando fui para a Folha, tinha um editor em meu ombro. (Já no Estadão, o redator tem mais independência). Um animal não vomita quando atacado. Reage ou foge. O jornalista, se tomar qualquer uma dessas atitudes, perde o emprego. Acaba somatizando seu desconforto, daí o vômito. Chegou um momento em que minha saúde estava em jogo. Felizmente, tive condições de cair fora. Ainda na Folha, tive uma colega que reagia de forma semelhante. No final da tarde, era atacada por brotoejas.

Fernando pergunta:
Caro Janer,
Vc ainda conseguiu escapar do que lhe causava somatizações, por sublimação e até simples enfrentamento da realidade sobre seu comprometimento com sua profissão. O pior é que alguns retêm, recalcam, enrustem, gerando essas figuras nauseabundas que nos deixam de cabelo em pé. Na minha profissão tamém acontece e eu me coloco, com vc, num certo papel de "outsider", pelo que vejo feito em nome de uma medicina cada vez mais ambígua e de aparências. Não consigo pertencer às Unimeds, não consigo fazer parte de onselhos científicos e de sociedades, pois conheço bem os que estão por ali. O nosso cenário político não é assim por acaso. Os que assumem a linha de frente cobram seu preço e o fazem com uma meta pessoal demais. Acredito que isto se extenda a outros ofícios. Vejo vc criticar a visão religiosa do Olavo e, apesar de gostar de muita coisa dele, já deixei claro que esse aspecto dele me incomoda na mesma linha que a vc, embora eu não seja anti-cristão ou contra religiões de forma geral. Por que vc acha que a direita, seja a religiosa, seja a laica, aquela do pensamento liberal mais realista, não faz sucesso nessas nossas plagas? Por que os alunos das faculdades, em sua maioria, nunca questionam a inaplicabilidade do que defendem e o caráter totalitário do falso democratismo socialista?

Janer responde:Marxismo na veia
Bom, Fernando, não acho que exista uma direita no Brasil, isto é, um grupo de pensadores organizados, reunidos em torno de uma filosofia. Existem, isto sim, pensadores que, pelas mais diversas razões – algumas de ordem religiosa, outras de ordem social – se opõe às esquerdas. Estas sim, se definem como tal, e jogam em um mesmo saco todos aqueles que as criticam, o saco da direita. Ora, eu discordo profundamente do pensamento de esquerda, e por isso mesmo não aceito ser batizado pelas esquerdas.

Os universitários, em sua maioria, estão recebendo desde o colegial doses cavalares de marxismo. Na veia. Há muito universitário que é marxista sem saber que é. Isto é, assume todo o ideário marxista, sem ter uma idéia precisa do que assumiu. De um modo geral, jamais leram Marx. São como os padres que julgam estar contestando a Igreja largando a batina, mas não largam o entulho dogmático da Igreja.

Os ideais de esquerda, pelo menos pro-forma, são divinos-maravilhosos. Fim da pobreza, das desigualdades sociais, a luta por um mundo mais humano e mais justo. Este é o embrulho do presente, que de atraente só tinha o embrulho. Todos os regimes inspirados no pensamento de Marx – todos – só resultaram em países miseráveis regidos por ditaduras de partido único.

Como os jovens em geral nada conhecem de História, nem mesmo a História presente, engolem alegremente as mentiras de seus professores e acaba dando no que deu: um analfabeto vivaldino na Presidência da República. Pergunta para um jovem o que aconteceu dia 9 de novembro de 1989, isto é, há apenas dezesseis anos? Ele não terá a mínima idéia do que aconteceu naquele dia. No entanto, é uma das datas mais importantes do século passado.

Carlos pergunta:“...não acho que exista uma direita no Brasil, isto é, um grupo de pensadores organizados, reunidos em torno de uma filosofia. Existem, isto sim, pensadores que, pelas mais diversas razões – algumas de ordem religiosa, outras de ordem social – se opõe às esquerdas.”

Janer,

Isto posto, fica a questão: não seria exatamente essa a variável que falta para que a “direita” ou, melhor dizendo, a anti-esquerda consiga reunir uma maior “militância” (fazendo uso desse bom jargão) dentre os jovens ávidos por uma maior participação na vida política nacional? A organização ideológica, do que hoje são apenas noções dispersas que se manifestam na forma de oposição, em uma filosofia antagônica ao marxismo?

Douglas pergunta:Olá Janer
parabéns pela sua coragem em assumir as suas posíções. Eu já fui da neoesquerda, a esquerda não-marxista, migrei para o centro por achar que aquela espqerda estava muito hipie pro meu gosto.
Uma pergunta porque em geral a esquerda TEM de ser marxista? Afinal, Marx nem ideólogo era, ele foi um filósofo e economista.
Um abraço e minha admiração.
Douglas Cardoso

Janer responde: O bom e velho capitalismo
(resposta para Carlos)

Uma filosofia que se pretendesse antagônica ao marxismo, seria eivada de marxismo. Essa outra visão de mundo que você aventa é o velho e bom capitalismo. Ele não nasce de desejos utópicos. Os livros que o comentam surgem a posteriori. Mas quando falo no bom e velho capitalismo, não estou falando deste sistema nosso, que antes de ser capitalista é uma mescla dos piores achados dos países desenvolvidos. Estou falando dos Estados Unidos, das sociais-democracias européias, onde o capitalismo existe de fato.

O problema é que quem está trabalhando e construindo o país não tem tempo para fazer filosofia. Quanto aos desocupados – e Marx era um deles – adoram utopias. Sempre têm em mãos fórmulas mágicas e revolucionárias para consertar o que não funciona. Até que um dia chegam ao poder... E aí você viu no que deu.

Janer responde: Como o cristianismo
Com o marxismo, Douglas, ocorreu o mesmo que com o cristianismo, quando foi encampado por Constantino como religião de Estado. Os cristãos tomaram conta do império romano e, através de sua máquina, se espandiram para o mundo. O marxismo apossou-se de uma potência e passou a ser pregado como religião. Com o afundamento da potência, falta grana – e argumentos - para a propaganda, e o marxismo afunda junto. A URSS não mais existe e a Rússia reduziu-se à miséria. Não tem mais como financiar guerrilhas e partidos mundo afora.

A diferença entre cristãos e marxistas é que estes últimos prometiam um paraíso terrenal, e a mentira foi logo descoberta. O paraíso prometido pelos cristãos é para depois do fim dos tempos. Ou seja, há uma eternidade para manter a mentira em pé. Outra diferença é que o marxismo se tornou filosofia de Estado. A Igreja, mais prudente, afastou-se do Estado.

Dirce pergunta:Oi,
desculpe me intrometer Janer mas, me parece que a Igreja não se afastou tanto assim do governo. Principalmente neste, onde sua influência via MST do Estédile está aí, muito visível, e também todo o trabalho deles durante todos estes anos até chegarem lá. Sua atuação tem sido decisiva e corrosiva. Não sei o que devem estar pensando hoje sobre tudo que está acontecendo mas, certamente, todos estes padres "libertários" têm muito a ver com o que está acontecendo hoje.
Abraço

Fernando pergunta:
Janer,
Vc vê alguma perspectiva de aparecimento de um "quebra-gelo" ideológico que permita aos pensadores não-esquerdistas reestabelecer a verdade dos fatos e o equilíbrio do debate, com a serenidade que permita perceber que, ideologicamente, o marxismo sempre exigirá a reengenharia social que só é possível sob o uso da força? A internet com sua fragmentalidade, sua interatividade, no Brasil pode ter o mesmo poder que nos EUA, p.ex., e trazer de volta outras concepções ao debate franco, e ser esse quebra-gelo ao qual me referi? Ou já está tudo irremediavelmente dominado e continuaremos morando nessa Terra do Nunca? O viés religioso observado em alguns setores não-esquerdistas funciona como a mâo gordurosa na vitrine da exposição das idéias e assustam aos que tem das "direitas" apenas uma visão estereotipada, tipo TFP, nacional-socialismo ou catolicismo ultra-conservador, construída pela propaganda jdanovista. O comunismo, hoje, exerce o mesmo efeito repelente, mas o estereótipo esquerdista aspergiu-se em milhares de características, preenchendo espaços e sempre escondido atrás de causas que aparentemente nada tem a ver com a doutrina mãe, mas que abarca praticamente todo setor de atuação humana. Por isso concordo quando se diz que o marxismo é, antes de tudo, uma cultura. Eles já conseguem se descolar da palavra comunista. Por que os não esquerdistas não conseguem se descolar de seus arquétipos forjados na propaganda?

Janer responde:
Sua pergunta é de difícil resposta, Fernando. Muita bibliografia fundamental foi escondida de gerações e gerações de brasileiros. Quem sabe, hoje, quem foi Kravchenko, o homem que, sozinho, pôs em xeque toda a União Soviética, em 1949? Quem leu a biografia de Stalin, de Boris Souvarine? Quem ouviu falar de Panaïti Istrati, escritor romeno de expressão francesa, o primeiro escritor a contestar o regime soviético, já em 1929, em “Vers l’autre Flamme”, jamais traduzido no Brasil? “O Homem Revoltado”, obra maior de Camus, de 1951, só sai no Brasil 50 anos depois, quando já era curiosidade histórica. Enquanto isso, continuamos louvando stalinistas como Sartre, Neruda, Brecht.

Acho muito difícil recuperar essa literatura perdida. Toda a história do século passado terá de ser reescrita, pois foi escrita sob a sombra do stalinismo. O regime soviético foi violentamente contestado em meados dos anos 30, por ocasião das purgas, quando se afastaram do partido homens como Sábato, Gide, Camus, Arthur Koestler, Ignazio Silone, Louis Fischer, Stephen Spender. Setenta anos depois, ainda temos milhões de brasileiros votando em um partido de origem marxista.

Mas a Europa, grande responsável pela difusão do marxismo, já está abandonando esta loucura. É possível que daqui a uns vinte anos o Brasil chegue lá. O PT, por exemplo, já não consegue enganar mais.

Será possível reerguer um outro partido que empunhe essas bandeiras desvairadas? Não sei. Acho difícil. A débâcle do PT é a tardia queda do muro mental das esquerdas brasileiros.

Janer responde:
O problema, Dirce, é que a Igreja brasileira se aproximou não do governo, mas do marxismo. Lula era a grande esperança dos comunistas na América Latina. Sua única virtude foi ter traído o PT. Tanto isso é verdade, que a Igreja hoje se afasta de Lula, por não ter levado o país ao socialismo.

Claro que os padres têm muito a ver com o que está acontecendo hoje. A ascensão de Lula ao poder foi em boa parte obra da Igreja e dos igrejeiros.


Luiz pergunta:Janer,um ponto que eu gostaria de abordar é a questao da conexao entre a ética e a religiao, mais especificamente com a doutrina judaico-crista. Algumas figuras conhecidas da oposicao à esquerda no Brasil (como, por exemplo, Olavo de Carvalho e Nivaldo Cordeiro) defendem que o que entendemos como ética é indissociável da moralidade judaico-crista. Nivaldo Cordeiro, por exemplo, chega ao ponto de afirmar que até mesmo liberais ateus (como você ou eu), ao professar e defender o que podemos chamar de "ética da civilizacao ocidental", estao "rendendo homenagem ao Deus dos seus pais." Como você vê a relacao entre religiao e ética? Quais sao, ao seu ver, as bases nao-religiosas que justificariam a adocao e defesa da ética ocidental? Você acredita que existe um risco para o liberal ateu de cair numa espécie de nihilismo moral?

Geraldo pergunta:Olá Janer
Após ler seus comentários gostaria de fazer uma perguntas, se me permitir.Sobre ser escritor ou jornalista.
Voce declarou que abandonou a escrita livresca por dois motivos.
Primeiro que se necessita de arredondamento ou acertos do pensamento e, em fazendo isso, o texto se distancia da verdade dos fatos.
Segundo que os fatos são mais instigantes e verdadeiros e que, na rapidez do momento jornalistico, essa escrita torna-se mais imediata e prazerosa.

Assim pergunto!
É mais fácil errar na interpretação de um fato na rapidez imediatista do jornal ou no demorado processo de análise de um livro que pretende interpretar o mesmo fato?

Gostaria de fazer mais perguntas se ainda me permitirem. Obrigado!

Janer responde:Nihilistas são eles
A ética vigente está eivada de cristianismo, Luís, e tem como fundamento último, eu diria, os dez mandamentos: parte virou legislação, parte sobrou como ética. Isso não quer dizer que nós, ateus, não tenhamos a nossa. Nunca falta quem empunhe uma frase, indevidamente atribuída a Dostoievski: “se Deus não existe tudo é permitido”. Isso é bobagem de teísta que precisa de argumentos de ordem social para justificar a existência de Deus. É perfeitamente possível construir um Estado sem deus nem deuses, e este Estado não é necessariamente o Estado comunista. Camus, por exemplo, pregava um humanismo laico, dispensando a idéia de Deus na organização social. E ninguém vai pretender que Camus fosse comunista.

Mas o problema não é a ética, ocidental ou não-ocidental. A ética é coercitiva, é verdade, mas não compulsória. Não há sanções legais para quem descumpre um preceito ético. Ética é um luxo que você pode se permitir ou não. O que o cidadão não pode é infringir a legislação. As leis são injustas? Que sejam então modificadas. Infelizmente, este mundinho está cheio de gentes que confundem Ética com Direito. Por exemplo: fulano cometeu incesto? Tem de ir para cadeia. Não tem, não. Incesto não é crime em nossa legislação. Pode ser eticamente mal visto, mas não é crime.

Os ateus não são nihilistas. Nihilistas são esses senhores que vivem empunhando um cadáver de dois mil anos, cultuam a morte em seus rituais e portam no peito o símbolo de um instrumento de tortura. As três religiões monoteístas vigentes abominam o corpo, o prazer, a própria vida e a felicidade é sempre transferida para o Além. Isso é que é nihilismo. Nihilista é quem precisa de muletas metafísicas para viver. Para mim, a vida em si já me basta.

Janer(continuando): Escritor corre descansado
Sem dúvida, Geraldo, a rapidez inerente aos jornais é fator de muitos erros, e dos mais cabeludos. Dois casos, entre muitos: o famoso massacre dos ianomâmis em 93 – que jamais ocorreu – e o caso da Escola Base, em que três professores tiveram suas vidas destruídas pelas mentiras de uma criança e pelo desejo de mídia de um delegado irresponsável.

Quando chegou a notícia do massacre dos ianomâmis, era pegar ou largar. Jornal algum tinha condições de enviar, na hora, um jornalista a Roraima para verificar os fatos. Além da pressa, há outro fator perverso, o medo da concorrência: se eu não publico, o concorrente publica. O mesmo ocorreu com a Escola Base. Continua ocorrendo todos os dias, e continuará ocorrendo sempre.

Quanto ao escritor, este corre descansado, com sombra, água fresca e sem deadline.


Segunda parte da entrevista

 

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