:: Entrevista

Entrevista a Guilherme Alpendre

P: De Dom Pedrito ao jornalismo - como foi essa viagem? E por que tão incerto destino?

- Bom, já em Dom Pedrito adquiri o gosto pelo debate. Lá pelos quinze anos, eu tinha quatro ou cinco programas de rádio semanais, e escrevia em jornais estudantis, mais alguns artigos no Ponche Verde, semanário local. Em recente visita à cidade, um amigo daqueles lembrou-me o título de meu primeiro artigo, no jornal estudantil Pirilampo, que teve uma primeira e única edição: “Esses Padres...”. Eu já nem lembrava desse artigo, mas vejo que desde então a raça me incomodava. Fiz depois Direito, em Santa Maria, e Filosofia, em Porto Alegre. Na Filosofia buscava entender a vida e o mundo. No Direito, encontraria o pão de cada dia. Mas desde os primeiros anos de Direito, sabia que não conseguiria trabalhar como advogado. Nem como professor de Filosofia. Eu já vinha colaborando com alguns jornais na capital gaúcha e, em 69, entrei como redator no Diário de Notícias, de Porto Alegre. Comecei meu aprendizado na redação do jornal.

Depois, um ano de Suécia, entre 70 e 71. Eu queria partir, abandonar o país do futebol e carnaval. Queria conhecer a sociedade tida, na época, como modelo de organização social. Devo confessar que também me atraíam as “adoráveis louras nórdicas”, como diziam as publicações que eu recebia da Suécia. Fui, vi e voltei. Em Porto Alegre, um período de desemprego e finalmente uma coluna diária na Folha da Manhã, um tablóide da Caldas Júnior. Mas na Suécia eu fora contaminado por um vírus nórdico, a resfeber, febre de viagens. Postulei então uma bolsa para Paris, obtive bolsa e passei a escrever a coluna de lá. Em 1980, a Caldas Júnior estava à beira da falência. Fechou a Folha e me deixou pendurado no pincel. Conclui minhas pesquisas, defendi tese e voltei.

Fiz doutorado mais ou menos por diletantismo. Jamais me ocorrera a idéia de doutorado, eu queria apenas viver em Paris. Queria paisagens novas, cultura, vinhos, queijos, mulheres. Como seguir um curso de doutorado era a condição para tanto, fiz o curso. A rigor, nem precisaria defender tese. A bolsa me fora concedida pelo governo francês, não havia universidade alguma atrás de mim cobrando resultados. Mas me sentia comprometido moralmente com Ernesto Sábato, o escritor argentino cuja obra era o cerne de minhas pesquisas. Defendi então a tese. Para minha surpresa, descobri que um doutorado serve para lecionar.

Ao voltar, fui admitido como professor-visitante de Letras, na Universidade Federal de Santa Catarina. Foram os quatro anos mais desperdiçados de minha vida. Eu falava no deserto. Minhas aluninhas só aceitavam ler livros fininhos, e nem mesmo estes conseguiam ler. Entre elas, o Graciliano Ramos tinha grande prestígio. Não por sua qualidade literária, mas pela espessura de seus livros. Na Pós-graduação, tive um ou dois alunos aos quais consegui transmitir algo. E só. Como eu fugia às normas universitárias, fui ejetado ao final dos quatro anos. Eu reprovava alunos em massa, e isso hoje não se faz. A gota d’água parece ter sido a reprovação da sobrinha de um deputado. Reuniram-se todas as forças da universidade, desde a reitoria até o grêmio estudantil, para forçar-me a aprová-la. Claro que nada conseguiram. Só mais tarde soube a razão de tanto escândalo: a festa de formatura da moça – cujo nome já estava impresso na lista de formandos – seria o grande acontecimento social do ano e já contava com 300 convidados. Outro crime do qual me acusavam era o de orientar teses em bares. Mas não parei de escrever nesse tempo todo. Em Santa Catarina, eu colaborava com o jornal A Notícia, de Joinville.

Em meio a isso, fiz acusações graves à universidade, sobre práticas corruptas naturalmente aceitas, como professores com dedicação exclusiva e exercício de profissão paralela ao magistério, professores que passavam cinco seis e mesmo dez anos, no Brasil e no Exterior, com pretexto de mestrados e doutorados e voltavam de mãos abanando, sem prestar nenhuma conta à universidade nem devolver o dinheiro das bolsas, etc. Eram centenas. O rolo foi grosso, entrou Polícia Federal no meio, Ministério Público, Receita Federal. Fui processado pela Reitoria por calúnia. Bem entendido, a Reitoria não levou nada. No final, fez-se um “acordão” (atenção, não falo de acórdão) e ficou tudo por isso mesmo. Eu, que já não suportava a mediocridade ilhoa, fui para Curitiba. Aí surgiu um concurso para redator na Folha de São Paulo. Fiz o concurso, fui o único aprovado e vim de mala e cuia para cá.

P: Você enfrentou dificuldades durante o período que trabalhou para a Folha de São Paulo, por ter uma opinião tão destoante da linha editorial do jornal? Para quais outros meios trabalhou? Algum exemplo de "censura"?

Minha primeira inadaptação é que eu fora contratado como redator e, afinal, para esta função fiz o concurso. Mas eu detesto ser redator. É ofício muito honroso, exige alta capacitação e agilidade e tive grande apreço pelos meus colegas de redação. O problema é que não me sinto muito bem na pele de redator. O redator redige, não escreve. Revisa textos alheios, põem-nos em boa forma, titula e só. O espaço que tive na Folha para escrever era curto. Mas o problema não era este, e sim certas práticas que me faziam mal à saúde. Vou citar apenas uma.

Guerra da Iugoslávia, nos dias de independência da Croácia. Eu trabalhava na editoria de Internacional. Nosso correspondente responsável pelo Leste europeu mandava suas matérias de Berlim, que isso de cobrir guerras no front é muito arriscado. Por volta das três horas da tarde, começava a enviar seus despachos, a partir do noticiário dos jornais da manhã. Isto é, os jornais haviam sido redigidos ontem, os fatos ocorridos anteontem e o leitor brasileiro os leria amanhã, com pelo menos três dias de atraso. As agências noticiosas, mais ágeis, nos enviavam notícias fresquinhas.

A nós, redatores, cabia substituir o lead da reportagem por material mais quente. Lá pelas cinco da tarde, o despacho enviado caíra para o pé do texto. Quando o correspondente informava que os iugoslavos planejavam um ataque, nós já tínhamos os alvos destruídos e os aviões de volta às bases. A cobertura da guerra, em verdade, era feita da redação na alameda Barão de Limeira, em São Paulo. Que, de certa forma, estava mais próxima dos fatos que o correspondente na Alemanha. Muitas vezes não sobrava sequer uma linha do despacho original. O texto todo era redigido na redação. Mas a matéria saía assinada por Fernando Gabeira, "enviado especial". Que deveria sentir-se muito surpreso se lesse sua matéria publicada, falando de fatos dos quais ele, o suposto autor do texto, nunca ouvira falar.

Mais ainda: o Gabeira jamais soube onde colocar um acento. Seus textos eram uma tortura para qualquer redator, precisavam ser corrigidos palavra a palavra. Mas sua matéria assinada saía no dia seguinte, corretíssima e atualizada. Ora, estas coisas machucam. É duro para um profissional dar o melhor de si mesmo e ver seu trabalho assinado por um analfabeto. Por vezes, o correspondente assumia essa característica que, até agora, só a Deus foi conferida: a onipresença. O redator ia costurando os comunicados sobre a repercussão nas capitais de cada país e os inseria no corpo da notícia. O efeito era no mínimo curioso: o correspondente estava não só no campo de batalha, mas ao mesmo tempo em Washington, Paris, Londres e Moscou.

Já nos primeiros meses de redação, comecei a vomitar. Todos os dias. Não era exatamente vômito, eram arcadas de vômito sem vômito algum. Sempre pela manhã, lá pelas dez ou onze, quando começa a preparar-me para enfrentar a redação. As arcadas eram tão violentas, que cheguei a pensar, quando ocorreram pela primeira vez, em edema de glote. Consultei médicos, alergologistas e clínicos gerais, e nada feito. Após um ano e meio de trabalho, tirei férias e fui para Paris. Passou tudo. A cura era então Paris? Podia ser, mas saía muito cara. Na volta, estava demitido. Não tive arcadas. Aí fui trabalhar no Estadão. Trabalhei quase um ano, sem problema algum. Voltei então para a Folha. As arcadas recomeçaram na hora. Passei lá acho que quase um ano mais, agüentando como podia as náuseas. Até que não deu mais.

Aconteceu em função do Chile. Deram-me um artigo de Clóvis Rossi para pôr na medida. A tese do articulista era que a prosperidade do Chile era obra do Patrício Aylwin. Fiz minha tarefa e saí da Folha acometido pelas arcadas de vômito. Desta vez, pra valer. Jamais tive carro e sempre voltava a pé para casa. Às duas da madrugada, eu estava me segurando a um poste da avenida São João para não cair, tentando controlar minhas convulsões. Não dava pra continuar mais na Folha. Consultei minha mulher e decidi por pedir demissão. No dia seguinte, não vomitava mais.

Tentando analisar estas minhas reações físicas ao jornal, concluí que a obrigação de redigir textos que me indignavam, a impotência ante esta obrigação, o fato de sentir que eu aperfeiçoava textos que seriam assinados por um outro, tudo isto me levava à náusea. Prova disto é que as arcadas cessaram – pela segunda vez – tão logo me afastei da Folha. É claro que se minha condição não fosse a de redator, mas de articulista que escreve o que bem entende e assina embaixo, eu não reagiria assim. Ocorre que articulista de grande jornal não escreve exatamente o que bem entende. Ou ele tem intuição suficiente para seguir a linha do jornal, ou acaba dançando.

Ou seja, a censura é muito sutil. Em todo caso, vivi um episódio interessante. Foi em 93. A União Soviética, seguindo a insuspeita previsão de Marx, tomara os rumos anunciados no Manifesto: tudo que é sólido se desmancha no ar. Das agências, recebemos em fim de tarde uma charge de alguma revista internacional: em Moscou, uma velhota russa, com uma cesta vazia no braço, procurava abastecer-se no mercado. No balcão de pães, não havia pães, apenas bombas atômicas em formato de pães. Dei vazão a todo meu talento. Titulei com gosto:

O PÃO QUE MARX AMASSOU

Não é todo o dia que a musa desce num fechamento de jornal. Me pareceu ter ganho com verve meu pão naquele dia. No entanto, estávamos no deadline e o caderno não fora fechado. No computador ao lado, o editor suava a cântaros e gemia como em trabalhos de parto. Pousei em seus ombros como um papagaio e notei que tentava um novo título. Mas o meu não está ótimo? - quis saber. Me olhou indignado. Os minutos corriam e o novo título não dava os ares da graça. Desesperado, o editor retomou o antigo e substituiu uma palavra:

O PÃO QUE STALIN AMASSOU

Assim não vale, protestei. Xingar o Stalin é chutar cachorro morto. Entre nós, só o Niemeyer e o Prestes ainda o cultuavam. Que mais não fosse, não tinha aquele efeito aliterativo, Marx amassou. O Velho, não! - insistia o editor. Para não atrasar o fechamento, optou pela média:

O PÃO QUE LÊNIN AMASSOU

O jornal quase atrasou. Mas o Velho foi salvo.

P: Na sua formação, como jornalista e como homem, foi mais importante conhecer a história do jornalismo ou as "histórias" do jornalismo? Gostaria que contasse um dos seus muitos enriquecedores exemplos.

- A minha formação não dependeu em nada do jornalismo ou da história do jornalismo. O jornalismo só me deu uma técnica de redação. A formação vem de meus cursos, Filosofia e mesmo Direito, de minhas leituras e viagens, de muita conversa em mesa de bar. Se bem que os autores que exerceram alguma influência sobre mim, eu não os conheci nos cursos universitários, mas a partir de referências de amigos e de livros. Nietzsche, por exemplo, que me foi fundamental lá pelos vinte anos, era autor maldito no curso de Filosofia. Eu o conheci a partir de conversas vadias madrugada adentro. Comecei pelo Ecce Homo, seu último livro e certamente o mais virulento. É livro para ser lido quando se é jovem e se quer derrubar conceitos. Me parece que de pouco serve a um homem maduro.

Da Filosofia, só me restaram duas referências importantes, os conhecimentos de lógica e de Platão. O resto – e põe nisso Sartre, Heidegger, Husserl – foi pura perda de tempo. Outro autor que teve importância para mim, lá pelos quinze anos, foi um filósofo positivista argentino, José Ingenieros. El hombre medíocre foi um livro que talvez hoje de nada sirva, mas na época serviu para abrir horizontes. Hacia una moral sin dogmas também foi decisivo. Suponho que os atuais professores de Filosofia sequer tenham ouvido falar dele. Outro autor importante foi Bertrand Russel, particularmente seu livrinho Porque não sou cristão.

As “histórias” do jornalismo são muitas. Conto algumas que testemunhei nos bastidores. Ainda em meus dias de Folha, escrevendo sobre uma escaramuça qualquer no planeta, fiz uma manchetinha mais ou menos assim: OBUS MATA UM E FERE TRÊS. Mal viu o título na rede, um jovem editor reclamou:

- Obus? O que é isso?

Obus, expliquei pacientemente, é uma peça pequena de artilharia, um tipo de morteiro. Também chama-se obus a granada ou bala lançada por esse morteiro.

- Ah, mas o leitor não vai entender. Ninguém sabe o que é obus.

De minha parte, eu desconhecia palavra mais concisa que obus para dizer tiro de morteiro. Para minha sorte, um dos editores fizera serviço militar. Sim, é isso mesmo, é obus. "Mas vocês fizeram serviço militar, disse o primeiro. O leitor, nem sempre". O que, pelo menos no que a mim dizia respeito, era falso. Nunca fiz serviço militar. Quando menino eu fazia, isto sim, palavras cruzadas. Projétil de morteiro, quatro letras? Obus.

Meses mais tarde, novo conflito com os redatores hostis ao vernáculo. Me caíra nas mãos um TL (texto-legenda) para titular. Na foto, uma mulher de mãos postas e cabeça inclinada manifestava sua adoração por algo ou alguém. Nem hesitei: EM SINAL DE PREITO. Mal o texto chegou em sua tela, o editor, sempre alerta, gritou de sua baia:

- Preito? O que é isso?

Juntei minhas mãos, inclinei a cabeça e disse:

- Preito é isto.

- Ah, mas então deve ser uma palavra muito antiga.

De fato, era bem mais antiga que eu. Como aliás a maioria das palavras que eu ou você usamos. Lembrei-me do obus e fui tomado de súbita iluminação. Para aquele menino, formado na reputadíssima ECA, palavra que ele não conhecia certamente o leitor também não a conhecia. Os leitores do jornal eram nivelados pelo padrão do que ele ignorava.

Enfim, quem passou por jornais nas últimas décadas, terá dezenas destas histórias para contar. No dia 03 de outubro de 2001, a Folha superou todos seus feitos. A entrevista com Fernando Henrique Cardoso versava sobre o abate de aviões clandestinos sobre o território nacional. "Precisamos fazer um esforço grande para controlar o terrorismo, que é um inimigo suez" - assim redigiu a repórter a declaração do presidente. A moça, que desconhecia o adjetivo soez, escreveu como pensou ter ouvido e resolveu esclarecer o leitor, que talvez não soubesse o que significava suez: "FHC se referia aos combatentes egípcios que lutaram contra os israelenses na região de Suez, em 1973, e atacavam seus oponentes por meio de túneis subterrâneos abandonados, de surpresa: ninguém sabe de onde vem". Explicação mais que oportuna, já que nem mesmo eu saberia dizer o que significa suez como adjetivo.

Ora, diria o jovem editor, o presidente se permite tais palavras porque é um erudito. Acontece que não se exige erudição de ninguém para falar em soez. As gerações novas, hostis à leitura e viciadas pelo parco vocabulário televisivo, não mais conhecem palavras elementares do vernáculo e ainda se julgam no dever de elucidar para o leitor vocábulos de cujo significado apenas suspeitam. Com este material humano, que sequer conhece a própria língua, faz-se jornalismo. Pois jornalismo, hoje, só pode exercer quem faz curso de jornalismo.

Melhor mesmo, só a história dos perdigotos, já incluída no ror dos clássicos da Folha. A notícia era sobre a epidemia de uma gripe, que se disseminava por perdigotos. O repórter, ciente de sua ignorância, fez o que deveria fazer: consultou o dicionário. Só que ficou na primeira acepção da palavra. Os leitores foram então informados que a gripe era transmitida por filhotes de perdiz. O cidadão urbano foi tranqüilizado. Como nas urbes não existem perdizes, muitos menos filhotes das ditas, não havia porque temer a gripe.

A Folha tem a preocupação de ser sempre didática, para atingir a compreensão da grande massa. Assim, quando grafa o marxismo, o redator muitas vezes põe entre parênteses: doutrina do filósofo alemão Karl Marx, século 18. A propósito, os séculos são sempre grafados em arábicos. Nestes dias de incultura generalizada, se alguém falar a um paulistano do ônibus Pio XII, talvez não se faça entender: ele só conhece o pióxii. Tampouco entenderá Praça Quinze ao ler Praça XV. Ele conhece a praça Xivi. A precaução, em verdade, não deixa de ter sentido. Ocorre que o jornal subestima a inteligência de seus próprios leitores. Se um leitor de tablóides sensacionalistas têm dificuldade em ler algarismos romanos, o mesmo não se deveria supor de um leitor da Folha.

Mas se supõe. O jornal determinou a supressão de todos algarismos romanos. O que originou outro episódio, não menos emblemático, no bestialógico do jornal. Ao deparar-se com o nome do terrorista americano Malcolm X, uma redatora não teve dúvidas: grafou Malcolm 10.

Fora outras mancadas correntes na imprensa cotidiana. Por exemplo, aquele monumento em Paris construído em La Défense pelo Mitterrand, l'Arche. Os jornalistas, talvez por sua aparente forma de arco, e talvez por associação ao Arco do Triunfo, grafam o tempo todo "o Arco de La Défense". Ora, arche é arca. A tradução correta seria Arca de la Défense.

Ou ainda os Camarões, republica africana. Em verdade se chama Cameroun, em homenagem a um certo Lord Cameroun. A origem do nome comporta discussões, mas uma coisa é certa: em língua nenhuma do mundo cameroun é camarão. Se fosse, a República do Cameroun seria traduzida em inglês como Republic of Shrimps, em francês como République des Crevettes, em espanhol como República de las Gambas. Já vi carta de um diplomata do Cameroun reclamando dos jornais a tradução errada. Em vão. Na Folha, sugeri a um dos responsáveis pela unificação ortográfica do jornal a correção. “Agora é tarde”, me respondeu.

Outro sinal de tráfego são as aspas. Têm múltiplas funções. Servem geralmente para marcar uma citação. Mas também para deixar clara a posição do editor. Os acontecimentos pós-queda do Muro geraram uma intensa batalha de aspas nas redações. Certa vez, recebi um despacho que falava dos crimes do comunismo durante o regime dos Ceaucescu, na Romênia. Traduzi o texto, coloquei-o no bom tamanho e dei meu trabalho por feito. Dia seguinte, lá estava a notícia. Mas falava de "crimes" do comunismo. Com crimes entre aspas, para deixar bem claro que a redação não assumia a idéia de que comunistas pudessem cometer crimes.

Trabalhei mais tarde no Estadão. Um belo dia, recebo um telefonema de um colega da Folha:

- Janer, aquela nota sobre a Finlândia, foste tu que a redigiste, não foi?

De fato, fora eu. Mas como é que ele sabia?

- Pelas aspas. Puseste entre aspas "política de neutralidade". Só podiam ser tuas.

Me senti lisonjeado. Já era reconhecido até pelas aspas.

Outro recurso do redator, para bem definir sua postura, é a bendita palavrinha suposto. Se nas editorias de Nacional o adjetivo é uma prudente salvaguarda para evitar processos por parte de um suspeito ou indiciado em qualquer crime, no noticiário internacional é um recurso para preservar antigas crenças. E já li no Estadão, juro que li, esta frase: supostos terroristas explodem carro-bomba no Peru.

Uma ressalva é sempre oportuna. Poderia ocorrer que o carro-bomba tivesse sido montado por uma equipe de carmelitas descalças. Perguntei ao redator: “supostos terroristas, companheiro”? Ele releu o texto e justificou: “força de hábito”. Claro que ninguém vai grafar "suposto nazista". Quando se trata de nazistas, não há aspas nem supostos.

P: Certa vez você se declarou um reacionário em uma de suas colunas. É reacionário por um motivo pessoal, como o teu colega Diogo Mainardi, ou simplesmente, como diria Burke, para diferenciar-se dos esquerdistas?

- Não consigo lembrar das circunstâncias em que escrevi isto. Mas se escrevi, foi ironicamente. Terá sido algo nesta linha: se criticar ditaduras comunistas é ser reacionário, então sou reacionário. Não me considero reacionário nem revolucionário. Primeiro, porque não aceito esses modelitos criados pelas esquerdas para entender o mundo em doze lições. Não tenho razão alguma para submeter-me ao jargão marxista. Segundo, os tais de modelos não são universais, as esquerdas só os aplicam quando lhes convém. Por exemplo, nos anos 70, China e URSS eram modelos de países revolucionários. Mas a China sempre apoiou Pinochet, inclusive, se bem me lembro, ergueu-lhe uma estátua em praça pública. E a URSS apoiava Idi Amin Dada. As esquerdas detestavam ser lembradas disto.

P: Sei que você visitou o Chile de Pinochet - e usou uma citação para elogiá-lo na inesquecível coluna "Lunes Sin Postre". Visitou alguma ditadura comunista? Em que condições? É possível fazer uma comparação?

Eu não elogiei exatamente o Pinochet, mas o Chile de Pinochet. Bem entendido, esse Chile é decorrência da ação de Pinochet. Se Allende tivesse êxito em seu projeto de instalar uma republiqueta socialista na América do Sul, teríamos hoje um país de enorme potencial econômico reduzido à miséria e à opressão. O regime de Pinochet matou três mil pessoas. Matou, ninguém vai negar isto em sã consciência. Mas a ditadura durou só quinze anos e Pinochet aceitou o resultado de um referendo que o jogou fora do poder. Hoje, o Chile é um regime democrático e a mais próspera economia do continente. Castro matou mais de dez mil, continua exercendo uma tirania que já se aproxima de meio século de existência, continua fuzilando seus opositores e deixa claro que só pretende largar o osso do poder após sua morte. Cuba é hoje o país mais miserável da América Latina, depois do Haiti.

Ditaduras comunistas, visitei várias. Alemanha Oriental, Tchecoeslováquia, Bulgária, Romênia, e colocaria entre elas também a antiga Iugoslávia, que não era exatamente comunista, mas em pouco diferia das ditaduras comunistas. Como me dizia um jornalista espanhol, a vida é como uma viagem aos países do Leste: curta e cheia de aborrecimentos. O país que mais me impressionou foi a Romênia, onde estive em 81. Foi a pior de minhas viagens, a mais desconfortável e irritante e, por isso mesmo, a mais educativa. Me atenho a alguns episódios.

Eu ia como acompanhante de uma amiga médica, que queria conhecer as técnicas de gerontologia da dra. Ana Aslan. Em nosso vôo, a idade média dos passageiros seria uns 75 anos. Ao aterrissarmos em Bucareste, tivemos de atravessar, no meio do aeroporto, um estreito corredor polonês de militares, todos de metralhadoras com baionetas caladas, quase espetando a barriga dos passageiros. Como se aquela velharada, que mal conseguia se manter em pé, constituísse alguma ameaça à segurança do regime. Já no avião, nos proibiram o uso de máquinas fotográficas, como se algum daqueles coitados tivesse a intenção de fotografar algum segredo militar ainda não desvendado por satélites americanos. No ônibus para Mangalia, balneário do Mar Negro a sete quilômetros da fronteira com a Bulgária, mesma recomendação.

Lá no balneário, se abordássemos um cidadão local para pedir uma informação, como por milagre brotava da terra um soldado em uniforme de campanha, sempre a metralhadora com baioneta calada em punho e mais um imenso cachorro, que interpelava o pobre coitado. Ele havia cometido uma grave infração: havia falado com um estrangeiro. A intenção de tudo isso, penso, é de manter o cidadão amedrontado, consciente de que é sempre vigiado.

Miséria por todo lado, pessoas famintas disputando quase a tapa um pedaço de carne, isso quando surgia carne nos mercados de gôndolas vazias e lúgubres, onde a mercadoria que mais dava o ar da graça eram longas filas de pás, enxadas, baldes e utensílios do gênero. Comestíveis, que é bom, nem pensar. Em hotéis de primeira categoria, faltavam lâmpadas e papel higiênico. Na portaria dos hotéis, cada vez que reclamava da falta de papel, a funcionária me perguntava quantos dias ficaria ali. Avaliava então minhas trocas metabólicas, puxava um rolo do balcão e me passava algumas tiras. Considerando-se que eu pagava em dólar, moeda que sempre foi bem-vinda no finado mundo socialista, pode-se imaginar as condições de higiene em que vivia o cidadão romeno comum, dispondo apenas de seus inúteis lei (plural de leu, a moeda local).

Nas lavouras, cereais e batatas apodreciam no chão, em um total de 40% a 50% da colheita. Pois a ninguém interessa colher nada, se deste gesto não recebe lucro algum. Mas a melhor experiência foi testemunhar o que determinou, mais que qualquer complicada teoria econômica, a derrocada do socialismo. Estava numa praia em Mangalia, quando dois garçons abriram um bar à minha frente. Espalharam as mesas na areia, dispuseram as toalhas, fixaram-nas com pedrinhas. Cerveja, pensei. Santa ingenuidade. Não havia cerveja. Água mineral, então. Nada feito. Mas a sede nos faz perder a compostura. Pedi então um desses xaropes horrendos ianques, coca ou pepsi. Muito menos.

Apostei mais alto. Naquela região há uma interessante cachaça de ameixa, a Haidouc. Por haidouc entende-se uma espécie de gaúcho eslavo, o homem mais ou menos nômade que habitou aquelas plagas, em época que as potências não haviam estabelecido fronteiras fixas. Pois nem a cachaça da região havia no bar. Vodca é o que não vai faltar, pensei. Faltava. Comecei a delirar: vinho, uísque. Nada. Nada para beber? Nada. Muito bem. Para comer o que é que tem? Nada. Mas como, isto não é um bar? É, mas o distribuidor não vem hoje. E por que vocês abriram o bar? Nós somos funcionários. Somos pagos para abrir o bar.

Comparação? Dá pra fazer. Estive no Chile em 88 e 89, últimos anos de Pinochet. Para lá entrar, nem precisei de visto e mal olharam o passaporte. Nada de corredores poloneses com baionetas caladas. Fartura e abundância por todo o lado, supermercados repletos de produtos de todos os cantos do mundo, desde foie gras, arenque do Báltico a caviar iraniano ou trufas da Itália. Bebidas de qualquer quadrante. Na Romênia, podia-se encontrar alguma coisa que valesse o consumo, mas apenas nas dolarbutiques, onde só o turista podia comprar, e com moeda forte. Ali, os lei de nada valiam. Meu garçom no hotel, a quem eu passava dólares para que me servisse um vinho melhor, me dava os dólares de volta e pedia que eu comprasse algo nas dolarbutiques. Algo o quê? Qualquer coisa, dizia o garçom. Pode ser cigarro, uísque, rádios, isqueiros, o que tiver.

Um bom termômetro para se medir o grau de liberdade de um país são as bancas de jornal. Em Santiago, quiosques cheios de jornais e revistas de todo o mundo, inclusive do Leste europeu, jornais metendo o pau no regime na primeira página. Desde New York Times, Le Monde, Dagens Nyheter a Rude Pravo e Pravda. Uma profusão de títulos que até hoje não se encontra no Brasil, o que demonstra duas coisas: povo culto e liberdade de imprensa. Lembro-me de uma entrevista do secretário do Partido Comunista no El Mercúrio, anunciada na primeira página do jornal. Cabe lembrar que, na ocasião, o Partido Comunista estava proscrito por lei. Diante de um quiosque, dei-me um tapa na testa: fui enganado, tudo que se conta do Chile lá no Brasil é mentira deslavada.

Livrarias imensas, bem sortidas, onde não faltavam livros de Fidel Castro ou Garcia Márquez, o mais ferrenho adversário de Pinochet e, curiosamente, defensor incondicional do ditador cubano. Tampouco faltavam nas prateleiras obras de José Donoso ou Isabel Allende, isso para citar apenas dois grandes opositores do regime chileno. O que é no mínimo insólito em uma ditadura.

Este meu espanto é partilhado por um dos mais conhecidos exilados da ditadura de Pinochet, o cineasta Miguel Littín. Em depoimento tomado por Gabriel Garcia Márquez, intitulado A Aventura de Miguel Littín Clandestino no Chile, traduzido ao brasileiro por Eric Nepomuceno, o exilado confessa seu pasmo ao voltar ao país. No capítulo significativamente intitulado "Primeira desilusão: o esplendor da cidade", depõe Littín:

- Eu atravessei o salão quase deserto seguindo o carregador que recebeu minha bagagem na saída, e ali sofri o primeiro impacto do regresso. Não notava em nenhuma parte a militarização que esperava, nem o menor traço de miséria. (...) Não encontrava em nenhuma parte o aparato armado que eu tinha imaginado, sobretudo naquela época, com o estado de sítio. Tudo no aeroporto era limpo e luminoso, com anúncios em cores alegres e lojas grandes e bem sortidas de artigos importados, e não havia à vista nenhum guarda para dar informação a um viajante extraviado. Os táxis que esperavam lá fora não eram os decrépitos de antes, e sim modelos japoneses recentes, todos iguais e ordenados.

Mais adiante:

- Na medida em que chegávamos perto da cidade, o júbilo com lágrimas que eu tinha previsto para o regresso ia sendo substituído por um sentimento de incerteza. Na verdade o acesso ao antigo aeroporto de Los Cerrillos era uma estrada antiga, através de cortiços operários e quarteirões pobres, que sofreram uma repressão sangrenta durante o golpe militar. O acesso ao atual aeroporto internacional, em compensação, é uma auto-estrada iluminada como nos países mais desenvolvidos do mundo, e isto era um mau princípio para alguém como eu, que não só estava convencido da maldade da ditadura, como necessitava ver seus fracassos na rua, na vida diária, nos hábitos das pessoas, para filmá-los e divulgá-los pelo mundo. Mas a cada metro que avançávamos, o desassossego original ia se transformando numa franca desilusão. Elena (militante da esquerda chilena que acompanha Littín) me confessou mais tarde que ela também, ainda que estivesse estado no Chile várias vezes em épocas recentes, tinha padecido o mesmo desconcerto.

Na Romênia, miséria e feiúra por todo lado. Nos raríssimos quiosques, jornal estrangeiro nenhum, só os panfletos oficiais do regime em romeno. Naqueles dias, ocorreu o atentado ao papa. Nada transpirou na imprensa, só fui saber da história em minha volta a Paris. Aliás, esta escassez de imprensa internacional perdura até hoje nos países ex-socialistas. Imprensa estrangeira só em hotel de luxo, e a preços inacessíveis ao cidadão local. Em suma, na Romênia dos Ceaucescu a opressão e a miséria eram palpáveis, o medo se respirava com o ar. No Chile de Pinochet, riqueza e ampla liberdade de expressão.

P: Analisando o caso da Rússia, você acredita que a derrocada do socialismo melhorou a qualidade de vida da população? Quem é culpado pela corrupção?

Estive em São Petersburgo há três anos. Difícil avaliar qualquer coisa, pois jamais havia estado antes na Rússia. Em todo caso, conversando com gente jovem, me contaram que, para quem é jovem e tem ambições, a situação melhorou. Para os velhos, piorou. Russlan, a quem contratei como guia para visitar o Peterhof, contou-me que, como professor universitário de inglês e francês, ganhava o equivalente a quinze dólares por mês. Como passei-lhe dez dólares de propina por seus serviços de guia, só naquela tarde ele levou dois terços de seu salário. Contou-me ainda que sua mãe se considerava privilegiada. Viúva de uma personalidade do Partido, ganhava a exorbitância de trinta dólares por mês. Vi muitos mendigos nas ruas, nada comparável com os números de São Paulo ou Rio, mas sempre mendigos. A meu ver, os estragos do regime foram tamanhos, que a Rússia necessitará de algumas décadas para se reerguer.

Freqüentei bons restaurantes, como o Literaturnaia Café e o Nicolai. Em termos de Europa, não posso considerá-los caros, por 20 dólares por cabeça se comia e se bebia a gosto. Mas lá não havia um único russo como cliente, apenas turistas. Um almoço e lá se vai o salário mensal do coitado. A menos que seja, é claro, um alto capo das máfias russas.

O culpado pela corrupção é sempre o Estado. Não há corrupção entre pessoas físicas. Se um restaurante cobra 30 reais por uma cerveja, e tu pagas esses trinta reais, até aí não houve corrupção. O comerciante te deu uma marretada e tu a aceitaste. O dinheiro, afinal de contas, é teu. Outra coisa é o Estado pagar preços exorbitantes numa licitação e depois distribuir o pago a mais entre os amigos e correligionários. Aí o Estado está lidando com dinheiro que não é seu, mas do contribuinte. Nisto reside a corrupção. Quanto maior o Estado, maior o nível de corrupção. Os ex-países socialistas não estão conseguindo se libertar do peso dessa máquina. Hungria, Tchecoeslováquia e Polônia, antes mesmo da queda do Muro, estavam tentando escapar dessas imposições estatais, e por isso era bem mais agradável viajar para lá que para os demais países da URSS. Depois da queda do Muro, estive na Hungria e na Alemanha. A Alemanha Oriental estava ressurgindo das cinzas, e a Hungria começava a civilizar-se. Mas havia ainda, em seus cafés, um ranço de socialismo.

P: Olhando para um jornalismo morto, objetivo, crucificado e insosso como o que temos hoje na maioria dos meios (e, pior, na cabeça de muitos estudantes), qual o futuro que você imagina para a imprensa? Se comparado ao jornalismo feito nos anos cinqüenta, eu acho que o de hoje perdeu muito da espontaneidade. O que você pensa sobre isso? Qual seria um bom caminho a tomar?

Não penso que o jornalismo atual seja morto e insosso. Estamos falando, bem entendido, do jornalismo brasileiro. Pelo contrário, considero este jornalismo – pelo menos o dos grandes jornais – bastante abrangente e ágil. Ressalvadas, evidentemente, todas as restrições que tenho à manipulação ideológica dos jornais. Eu prefiro ler, por exemplo, tanto o Estadão como a Folha a jornais como Le Monde ou Libération. Mas meu jornal predileto é o El País, da Espanha. Tablóide, mas dedica grandes espaços a reportagens e ensaios. Costumo também ler o Aftonbladet sueco, ele não é muito profundo, mas é sempre mais rápido que nossos jornais, que têm uma vantagem de quatro a cinco horas de fuso horário.

Futuro para a imprensa? Confesso não ter pensado muito no assunto. Mas uma primeira observação se impõe, o evento da Internet. Enquanto a imprensa tradicional depende de máquinas sofisticadas e caras, preço do papel, distribuição, transporte, o jornalismo na rede tem custo quase zero. Conseqüentemente, pode se dar ao luxo de independência, tanto do leitor como do anunciante. Sinto que os leitores já começam a buscar na Internet informações que a antiga imprensa não fornece. Eu sou um caso típico. Escrevo com total independência em jornais eletrônicos, editor nenhum me censura, e passo ao leitor informações que um jornal tradicional não ousaria passar. O “politicamente correto” pode ser mania de ianques, mas impera nas redações de nossos jornalões. O jornalismo contemporâneo, por exemplo, já assume perfeitamente que segurança de proprietário rural não é segurança, mas é jagunço. Que para inibir uma invasão não se deve chamar a polícia, mas apelar a um juiz, com toda a burocracia daí decorrente. Ou seja, os grandes jornais desde há muito se renderam à semântica das esquerdas.

O mesmo não precisa fazer o editor de um jornal eletrônico, ou mesmo de um blog. É sintomático que jornalistas de renome, tanto no Exterior como aqui, já tenham apelado ao recurso dos blogs. Vários redatores do Libération, por exemplo, além das matérias do jornal, assinam também um blog. Me parece que o segredo da independência de pensamento reside hoje na Internet.

Os jornais estão sendo muito venais. Vê, por exemplo, a divulgação desse abacaxi que está inundando os cinemas nacionais, o Homem-Aranha 2. É uma porcaria de filme, oriundo de histórias em quadrinhos para adolescentes. Tem recebido páginas inteiras dos jornais. A razão disto se pode ver no pé da matéria: o jornalista Fulano de Tal viajou a convite da Columbia Pictures. E só porque o jornalista viajou a cargo de uma produtora ianque, o público nacional acaba engolindo o pior cinema americano. Filmes excelentes como Adeus, Lênin, de Wolfgang Becker, ou Slogans, de Gjergj Xhuvani, são praticamente ignorados pela crítica, afinal seus produtores não dispõem das fabulosas verbas publicitárias da indústria cinematográfica americana. Este último filme, por exemplo, levou quatro anos para chegar aos circuitos comerciais no Brasil. Em São Paulo, foi exibido em uma única sala. Já as produções ianques, além de terem lançamento simultâneo aqui e nos EUA, gozam das loas de toda imprensa. Ao destacar quem patrocina as mordomias do jornalista, os jornais parecem estar dando um atestado de honestidade, quando em verdade escancaram sua venalidade. Ao leitor, repassam matéria paga – e muito bem paga – disfarçada de reportagem.

Outro problema é essa mania de o jornal impresso querer competir com a televisão. Nos meus dias de Folha havia sete ou oito profissionais plugados a um aparelho de televisão, em uma espécie de baia, sempre coletando as últimas informações televisivas. Existe nas redações um profissional que chamo de junta-cadáveres, é o plantonista. Não que essa seja sua função, mas é a que mais exerce. Ocorre um terremoto ou massacre. À medida que as vítimas vão morrendo, a partir dos dados das agências ou dos plugados na TV, ele vai atualizando a notícia. O que é uma grossa bobagem. Leitores adoram terremotos, é verdade. Mas é irrelevante se o terremoto matou 123, 124 ou 128 pessoas.

O que os jornais dão pela manhã, a televisão já deu na noite. O jornal, que geralmente sai pela manhã, nunca trará algo substancialmente novo. A meu ver, os jornais deveriam deixar esta preocupação de lado, e dedicar-se mais a opinião e análise. Insistir mais no que chamamos de “matérias frias”, isto é, aquelas que independem dos fatos. Creio que os jornais estão contando ainda com um velho vício, o de ler jornais. Eu também padeço desse vício. Tenho todos os jornais em minha telinha. Mas prefiro ler, pelo menos os nacionais, em papel, preferentemente em um bar. Mas isso pode mudar. A confecção de um blog tem custo zero. Seus editores não precisam dobrar-se às exigências do mercado, de assinantes ou anunciantes. Penso que os blogs têm um belo futuro pela frente. Não por acaso, de veículo de angústias de adolescentes, estão passando a ser instrumentos de informação de jornalistas cansados dos tributos pagos ao papel. A propósito, meu blog está em http://cristaldo.blogspot.com .

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