::O
Silêncio dos
Vendidos
Agosto
de 2005.
Triste
sina a da direita no Brasil. Em países mais civilizados, ser
de direita é apenas não concordar com as propostas da
esquerda, direito legítimo de todo cidadão. No Brasil,
direita significa portar toda a infâmia do mundo. Que o diga
Clóvis Rossi. Em recente crônica, afirmou: "É
um caso de estudo para a ciência política universal.
Já escrevi neste espaço uma e outra vez que o PT fez
a mais radical e rápida guinada para a direita de que se tem
notícia na história partidária do planeta".
Isto
é: se o PT se revela corrupto, ele não é mais
esquerda. É direita, porque só a direita é corrupta.
Mesmo que o PT seja hoje o mesmo desde que nasceu, mesmo que os grandes
implicados na corrupção - Genoíno, Mercadante,
Zé Dirceu, Lula - sejam seus pais fundadores. Segundo Rossi,
o PT guinou para a direita. E por que guinou para a direita? Porque
suas falcatruas foram trazidas à tona. Permanecessem submersas,
o partido continuaria sendo de esquerda.
É
o que os franceses chamam de glissement idéologique. O conceito
de esquerda sempre muda, à medida em que se corrompe. A direita
é a boceta de Pandora, o repositório de todos os males
do mundo, inclusive os das esquerdas. Pois quando as esquerdas cometem
crimes - ou "erros", como preferem seus líderes -
é que não eram de esquerda, mas de direita.
O PT, partido que nasce do ventre de uma mentira secular, mesmo ao
tentar reerguer-se continua mentindo. Em recente sabatina organizada
pela Folha de São Paulo, Tarso Genro, o novo presidente do
partido, foi buscar situações análogas em outros
partidos de centro-esquerda no mundo, como os democratas cristãos
italianos e o partido socialista espanhol. "Isso tem algumas
explicações que são de natureza histórica
e que diz respeito a questões filosóficas, teóricas,
profundas e questões relacionadas com responsabilidades individuais",
disse o mago das palavras. Em verdade, não disse nada, sua
explicação e explicação nenhuma são
a mesma coisa. Mas conseguiu um milagre de retórica: mesmo
sem dizer nada, mentiu. As situações análogas
às do PT não devem ser buscadas nas sociais-democracias
européias, pois nelas não estão nem nunca estiveram
as origens de seu partido.
As
origens do PT estão nas ideologias que empestaram o século
passado, no bolchevismo, maoísmo, trotskismo, polpotismo, no
comunismo albanês. Os quadros do partido eram egressos destas
doutrinas e sempre condenaram as sociais-democracias, às quais
atribuíam a pecha de revisionistas. O que está sendo
derrubado, hoje, no Brasil, é o muro de Berlim mental das esquerdas
tupiniquins, dezesseis anos após a queda do muro de concreto.
A estrela vermelha, hoje cadente no Brasil, que Lula houve por bem
trocar por uma medalha de Nossa Senhora Aparecida, nunca foi símbolo
de social-democracia alguma, mas insígnia do Exército
Soviético. Nos anos 90, foi arrancada de todos os prédios
do poder na ex-URSS. Mas permaneceu pregada no peito das esquerdas
latino-americanas.
O
PT - ou o que dele resta - quer renovar-se. Mas só da boca
pra fora. Jamais renunciará ao culto de seus deuses tutelares,
Fidel Castro, Che Guevara, Prestes, Lamarca ou Marighella. Tarso Genro
considera o assassino Prestes como o mais excelso herói que
o Brasil já teve e Lula, sexta-feira passada, ainda citava
Che Guevara: "Os poderosos podem matar uma, duas ou três
rosas, mas não podem deter a chegada da primavera". O
PT quer renovar-se, mas ainda sente saudades das primaveras sangrentas
prometidas pelo guerrilheiro argentino.
Em
meio a isso, os intelectuais responsáveis pela ascensão
do PT ao poder se reúnem em seminário para carpir o
passado. O seminário, eufemisticamente, intitula-se O Silêncio
dos Intelectuais. Melhor definido seria se se intitulasse o Silêncio
dos Vendidos. Pois os intelectuais brasileiros, desde o início
do século passado, venderam suas consciências ao socialismo
soviético, a tal ponto que a palavra intelectual vinha sempre
carimbada com um complemento: "de esquerda". Oswald de Andrade,
hoje leitura obrigatória nos vestibulares, começa sua
carreira nos anos 20, louvando o comunismo e o fascismo. No que aliás
era muito coerente, comunismo e fascismo são as duas faces
de uma mesma moeda. Seguiram-lhe os passos Jorge Amado, Graciliano
Ramos, Dyonélio Machado, Raquel de Queiroz, Carlos Drummond
de Andrade e uma miríade de escritores menores, todos militantes
marxistas ou no mínimo compagnons de route, a tal ponto que
não existe grande diferença entre a história
da literatura brasileira no século passado e a história
das idéias comunistas no Brasil. Até mesmo um escritor
tido como liberal, como Erico Verissimo, não resistiu ao canto
das sereias. Nos anos 60, recomenda a Sérgio Faraco não
publicar suas memórias de Moscou, que denunciavam seu internamento
forçado numa clínica psiquiátrica.
Nem
Machado de Assis foi inocente. Marx morreu em 1883, o último
volume de O Capital foi publicado em 1894. Machado, que tinha acesso
a línguas estrangeiras e a publicações do Exterior,
jamais disse um pio sobre a doutrina que começava a fazer carreira.
Ora, o gaúcho Qorpo Santo, tido como louco e morto justamente
em 1883 - 15 anos antes de Machado e 24 anos antes da Revolução
de 17 - já denunciava o comunismo em sua obra. Que permaneceu
por um século inédita, é verdade. Mas a denúncia
já estava lá, em sua Ensiqlopédia ou seis mezes
de huma enfermidade, como alerta aos pósteros. Machado não
viu nada. Melhor para sua fortuna, ou não seria hoje leitura
obrigatória nos vestibulares. Qorpo Santo só poderia
ser louco, ao denunciar antecipadamente a peste que dominou o século
XX.
Quase
cem anos se passaram desde então, e a intelligentsia tupiniquim
- ou talvez melhor disséssemos burritsia - não aprendeu
nada com o século. Marilena Chauí, a filósofa
mater do PT, como a qualifica o Estadão, considera que o silêncio
da intelectualidade no mundo não se trata de uma recusa, mas
de uma impossibilidade de interpretar a realidade presente. E o que
resta, neste caso, é o silêncio. "Manifestar-se
sobre tudo, mudar de atitude conforme mudem os ventos, abandonar a
obra já feita, desdizendo-a e desdizendo-se, é irresponsabilidade,
não é liberdade. Muitas vezes o verdadeiro engajamento
exige que fiquemos em silêncio, que não cedamos às
exigências cegas da sociedade". O chofer de táxi,
a faxineira, o barbeiro, o padeiro da esquina já têm
elementos suficientes para interpretar a realidade presente. A douta
PhDeusa uspiana, especialista em Spinoza, que muito escreveu sobre
ética e política, ainda não sabe o que pensar.
Se tiver de fazer coro às denúncias de corrupção
do PT, terá de jogar no lixo boa parte de sua biografia. Árvore
velha não se dobra. Pode até quebrar, mas não
cede. A crise hoje vivida pelo governo está demonstrando a
senilidade mental de seus defensores.
Luís
Fernando Verissimo matou a Velhinha de Taubaté. Seria difícil
manter vivo um personagem que sempre acredita no governo. Mas... matá-la
é suficiente? Verissimo não vai pedir desculpas a seus
leitores pelas décadas em que os induziu a votar no mais corruptor
partido do Ocidente? Não vai penintenciar-se por ter sido um
dos mais influentes escritores a apoiar Lula e seus asseclas? Quando
ruiu o regime comunista na Polônia, velhos militantes crucificaram-se
simbolicamente por uma hora, para manifestar em público seu
arrependimento. Verissimo não poderia dar-nos o prazer de pelo
menos cinco minutinhos de contrição, não digo
numa cruz, mas numa tribuna qualquer?
Chico
Buarque, pobre alminha ferida, declarou-se "triste' com a situação.
Quando o país todo está revoltado, o poeta das esquerdas,
com seus enternecedores olhos verdes, se declara... triste. E nisso
ficamos. Diz ainda esperar que crise não provoque "apenas
a alegria raivosa de quem não votou em Lula". Velho tique
das esquerdas, muito do agrado de Genoíno e Mercadante: quando
se faz qualquer crítica ao PT, a crítica não
é crítica. É ódio. Engana-se o vate cubanófilo.
A alegria de quem não votou em Lula é a mesma e saudável
alegria dos franceses quando se libertaram do jugo alemão,
dos alemães quando caiu o muro, dos russos quando Ieltsin deu
um canhonaço na Duma, dos povos soviéticos quando viram
cair as estrelas vermelhas de seus prédios públicos.
Estamos alegres, sim senhor. Principalmente porque nem foi preciso
lutar para derrubar o PT. Os petistas se encarregaram disto.
Na
11ª Jornada Nacional de Literatura, em Passo Fundo, Frei Betto
deplorou que "nem sob os anos da ditadura a direita conseguiu
desmoralizar a esquerda como núcleo petista fez em tão
pouco tempo (...) esses dirigentes desmoralizaram o partido e respingaram
lama por toda a esquerda brasileira". Ocorre que as esquerdas
brasileiras têm suas raízes no lamaçal ideológico
do século passado.
Nada
demais, meu caro Betto: as esquerdas estão voltando às
origens.
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