CAPITULO XVI -TEMAS LIVRES

         Este capitulo foi aberto aos colaboradores que queriam, através deste trabalho publicar suas crônicas, poesias, manifestos, estórias, depoimentos etc. Vamos iniciar pela carta que supostamente o rio São Francisco escreveu para São Francisco de Assis no Céu.

SÃO FRANCISCO DA TERRA

Um certo ambientalista, acredita que o rio São Francisco gostaria de escrever uma carta ao santo padroeiro da ecologia São Francisco de Assis. Aquele lhe emprestou o nome. Se caso isso acontecesse, a carta certamente, teria a seguinte redação:

 

Caro São Francisco do Céu,

Moro aqui na Terra há bastante tempo como tu mesmo sabes, mas infelizmente os homens daqui ainda não tomaram conhecimento da minha importância para eles com todo o meu potencial para gerar riquezas, por conta disso, Venho por meio da presente, prestar-lhe minhas queixas pelos maus tratos que venho sofrendo há mais de 500 anos. Como todos sabem, tu és muito mais novo do que eu, enquanto eu nasci há mais de 60 milhões de anos tu nascestes há apenas 1.800, embora tenhas ficado conhecido do povo deste planeta primeiro do que eu, por ter se tornado o santo padroeiro da ecologia. Mas isso não importa, o que eu quero mesmo é que tu uses teu prestígio junto a Deus para me ajudar a continuar vivo, regando a terra, proporcionando vida a todos os seres animais e vegetais.

Quando eu nasci, nasceram também meus irmãos nas mesmas elevações das Gerais como o Tocantins, o Paraná, o rio Doce e muitos outros. Só que eles tomaram rumos diferentes do meu, uns foram para o Atlântico Norte, outros para o Sul e outros para o Leste. Enquanto eu, parti do meu berço e inicialmente segui em direção Norte, assim como meu irmão Tocantins, mas depois resolvi socorrer as terras secas desse meu Nordeste onde vivo até hoje.

Até 1.500 anos depois de Cristo eu vivia tranqüilo sem sofrimento, nem os homens nativos me agrediam, eles só me usavam para navegar, pescar, e, uma vez ou outra tomar banho. Mas quando chegou 1.501 d.C, um tal de Américo  Vespúcio, navegador italiano depois de achar o Cabo de Santo Agostinho, o Rio São Domingos, Rio São Miguel e outros santos mais, achou minha foz no litoral onde hoje é o estado de Alagoas. Até aquele dia eu me chamava OPARÁ, mas de lá para cá passaram a me chamar de Rio São Francisco, pois o achado aconteceu no dia 04 de outubro, dia esse que já te pertencia, e como bom italiano, Américo Vespúcio me rebatizou com seu nome, nos tornando Xará.

Confesso que gostei da idéia, assim eu tenho um Xará no céu para me defender, representado por sua estátua que toma conta de mim lá na Serra da Canastra em minhas nascentes. Só que os homens aqui na Terra Xará, não me respeitam e nem respeitam tua estátua que me observa dia e noite, eles só pensam em nos explorar para ganhar dinheiro, pois eles são muito gananciosos. É de lá, da Serra da Canastra, que eu saio do meu berço e sigo em direção Norte e depois para o Nordeste. Com o meu leito em forma de arco, dou minhas águas e minha vida para mais de 15 milhões de brasileiros habitantes em minha bacia proporcionando muitas riquezas com a irrigação, a pecuária, a navegação, o turismo e tantos outros meios de vida. São cinco estados que eu beneficio diretamente com minhas águas. Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe. E dois indiretamente: Distrito federal e Goiás.

Há 505 anos eu estou a serviço dos homens de todas as raças, todas as cores, todas as crenças.

Há 505 anos eu estou sendo agredido, torturado, apanhando para ser cada vez mais útil. Eu estou sendo sugado como um grande oceano e respeitado como uma pequena torrente, sem muita importância.

Olha Xará, logo que me acharam descobriram que havia ouro e diamante na parte mais alta do meu vale. Foi aí que começaram a me matar para saciar suas ganâncias por dinheiro. Escavaram minhas margens, assorearam meu leito, envenenaram minhas águas com produtos químicos usados para limpar os minérios que iam encontrando. Em alguns trechos, desviaram meu leito de tanto escavarem e não fizeram recuperação de nada que destruíram. Por causa disso, eu chorei, mas ninguém me socorreu!

Desmataram minhas margens para fazer carvão, para plantar pastagem, para fazer lenha para os vapores, deixando meus solos expostos aos agentes erosivos como o sol, as chuvas e os ventos. Eu chorei, e chorei muito, mas ninguém me socorreu!

Cidades e mais cidades foram construídas às minhas margens e usam minhas águas irracionalmente, desperdiçam cerca de 40 litros de cada 100 que levam de mim, o resto me devolvem depois de usada, em forma de esgoto sem tratamento. Eu continuo chorando e choro muito, mas ninguém me socorre!

Vieram as barragens para gerar energia, são muitas delas gerando progresso para os homens e o extermínio de muitas espécies de meus peixes, com a interrupção das piracemas. Eu estou chorando e chorando muito, mas poucos se preocupam comigo!

Olha Xará, a agricultura irrigada também chegou aqui por essas bandas por minha causa, é ela quem mais consome minhas águas. Depois, me devolve por meio dos canais de drenagem misturada com os agrotóxicos usados sem critérios. Eu estou com medo, Xará, estou pedindo socorro mas, ninguém me ouve, já estou rouco, debilitado. Para me consolar me chamam de Rio da Integração Nacional, Nilo Brasileiro, Grande Linha de Comunicação, Rio da Redenção Econômica, Velho Chico, Rio dos Currais, Chicão e outras coisas mais.

Grandes congressos e conferências são realizados em nome de minha revitalização, muitas festas, muitas comemorações, tudo aquilo de que eu não preciso eles fazem aqui na Terra. Eu não preciso de badalações, eu preciso  mesmo é que devolvam minha saúde, minha vida que está sendo ceifada pelos maus-tratos que me acompanham há mais de 500 anos.

Muitos dos meus tributários já morreram, e muitos outros estão morrendo, pouco a pouco eu estou ficando largo e raso por causa das erosões e do assoreamento, minhas águas evaporam acima da média pluviométrica, eu tenho medo da morte Xará

Olha, Xará, mesmo com todo esse descaso dos homens eu não carrego rancor, porque ainda tenho uma grande esperança que tudo isso se reverta, quando nossas crianças de hoje forem homens, amanhã. Elas são muito mais sensíveis, respeitam mais a mãe natureza e sabe de uma coisa, Xará? Eu já descobri que elas gostam muito mais de mim do que os homens grandes. Por isso, eu estou confiante que elas vão me salvar. Ou então, só me resta te conclamar:

Meu Xará, São Francisco do Céu! Intercedei junto ao Pai para que “perdoe esses pecadores, pois eles não sabem o que fazem”... mas, fazei com que eles aprendam, por que eu não agüento mais chorar, não tenho mais lágrimas, não agüento tantas agressões, estou secando, estou morrendo! Socorro!

 

 

 

Vitório Rodrigues de Andrade

Petrolina – PE

 

 

Plantas Aquáticas Invadem o Velho Chico

         O aparecimento de plantas aquáticas no rio São Francisco, cuja população está tomando totalmente a margem do rio em Petrolina tem passado despercebida aos olhos das autoridades ambientais e políticas. Tenho acompanhado tais plantas há 5 anos, onde registrava suas presenças apenas nos meses de setembro a janeiro, quando o rio estava com menor fluxo de água. Porém, desde 2001 estas plantas passaram a aumentar demasiadamente, permanecendo o ano inteiro. Até 2001 eram duas espécies: a elódea (Elodea sp) e o aguapé (Eichhornnia sp). Em 2002, registrei a presença de uma terceira espécie, a cataia gigante (Polygonum lapathifolium).

Tais plantas são registradas em rios amazônicos e também no Pantanal. Provavelmente, foram introduzidas em nossa região a partir do esvaziamento da água contida no lastro das embarcações. Por exemplo: uma balsa cuja água de lastro foi captada num rio onde existia estas espécies transportou grãos até a nossa região e esvaziou a tal água aqui,  trazendo sementes ou brotos destas espécies nesta água de, que ao ser jogada no rio São Francisco, fez proliferar estas plantas em nossa margem.

Este mecanismo de transferência de espécies exóticas tem preocupado a Organização Marítima Mundial (IMO), agência das Nações Unidas, que recomenda através da resolução A.868(20), que não se deve lastrar nas seguintes situações:

·   Em locais onde esteja ocorrendo o florescimento de algas.

·   Em áreas com descarga de esgoto.

·   À noite, quando alguns organismos planctônicos migram para a superfície.

Particularmente, o aguapé cresce em águas rasas e que tem grande quantidade de matéria orgânica. Suas raízes finíssimas abrigam microorganismos que filtram a sujeira orgânica da água. Logo, ela atua como um “filtro biológico”. À primeira vista, isso nos sugere uma presença positiva, porém, tal planta nos denuncia duas situações ecologicamente graves:

·   o Velho Chico está com um volume de água muito reduzido;

·   a quantidade de esgoto não-tratado despejada em Petrolina e Juazeiro, que perfazem juntas cerca de 370 mil habitantes é enorme.

Um outro problema também pode surgir em decorrência do aumento destas plantas. Em meados de 2002, pudemos registrar a grande presença do caramujo, vetor da Esquistossomose, que antes não encontrava condições de sobrevivência na água corrente do rio. Mas, com a concentração das plantas, cujas raízes chegam a formar verdadeiras lagoas, formou-se um microambiente  adequado para estes caramujos. A Esquistossomose é uma doença cujo parasita – o Schistosoma mansoni – penetra via pele, sendo hoje, uma das parasitoses que mais mata no Brasil e em outros países tropicais.

profª. M.Sc. Mary Ann Saraiva Bezerra*

Bióloga, Mestre em Biologia Animal pela UFPE  e Coordenadora de Educação

Ambiental do Geo Petrolina

 Canto ao Velho Chico

 Lá nas alturas,

na Canastra das Gerais,

as entranhas da Serra se agitam incessantemente,

e o São Francisco,

borbulhante e caprichoso

se insinua devagar,

por entre as gretas.

No ruído sereno de suas águas, que reluzem,

pede passagem e ressoa em corredeiras, em cascatas,

deixando para trás as serranias.

Avoluma-se impetuosamente,

e derrama-se,

e corta paisagens, e irriga terras...

Abre-se em mil trajetos,

Invade mundos de poesia, de lendas, de mitos,

de rezas, de cantares, de quebranto,

e se entrega aos seus rituais.

Precipita-se tumultuosamente,

serra abaixo,

convertendo-se em véus de espumas,

que se espalham em turbilhão.

Católico?

Místico?

Mandingueiro?

Feiticeiro?

Não importa!!

Inspira felicidade feita de sonhos,

de trabalho, e de suor,

de lágrimas, e de promessas...

Instala fartura por onde passa, e instala riquezas,

Instala aflições, e instala esperanças.

Cortaram-lhe a garganta,

uma, duas, três...

Uma infinidade de vezes.

Desviam e negociam, e seqüestram, e capturam, e confiscam suas águas.

E ele, inquieto, Gigante Ferido,

arremessa-se

sobre os paredões graníticos que o comprimem!

Quer ser livre e seguir os caminhos que traçou!

Mas,

projetam mudar o seu curso,

enfraquecê-lo,

esquartejâ-lo como “ao herói”

E assim,

o amado e indefeso São Francisco,

fica a mercê de homens sedentos de poder, mas

de mentes pobres, pois

não percebem a urgência e inevitável

necessidade de se conciliar os extremos, harmonizá-los,

para que ele não desfaleça.

Pobre Rio Rico!

Continue mansamente sua caminhada,

quebrando, sonolento, a paz dos bosques,

dos manguezais, das ilhas verdejantes que flutuam em seu leito!

Cante! pobre Rio Rico!

Pois que, do meu cantar já nem se ouve notas.

E vá com seu doce,

adoçar o lago infindável de sal

que o espera!

Cante, pobre Rio Rico!

Convoque a mãe d’ água

e todos os seres fantásticos gerados

na imaginação dos ribeirinhos.

E cantem! E cantem!

Por Deus, cantem, enquanto podem,

Já que a voz do povo emudece,

pois é grande o seu padecimento,

é difícil imaginar o que virá depois!!

 

 Profª Socorro Farias

Petrolina, PE

 SUMÁRIO

 

 
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