Alguns dias antes da Páscoa, no
ano de 1900, um grupo de pescádores de esponjas gregos (seis mergulhadores
e 22
remadores), tripulando dois barcos; voltava das
costas tunisianas e, ao passarem ao largo da pequena ilha de
Antikythera, situada entre Créta e Citera,
foram surpreendidos por uma tempestade que os obrigou a fundear perto
da cósta rochosa da ilha,
num local conhecido por baía Pinakakaia.
Passada a tormenta a tripulação
decidiu aproveitar a estadia no Iocal para mergulhar à procura de
esponjas , já que a
área, até então inexplorada,
devia ser rica em espécimes. Qual não foi a surpresa dos
mergúlhadores ao encontrar , a 40
metros de profundidade, não uma grande
colônia de esponjas, mas os restos do naufrágio de uma embarcação
de 50
metros, onde , além do tradicional
carregamento de ânforas, encontraram numerosas estátuas em
mármore e bronze,
juntamente com outros objetos tornados
irreconhecíveis pelos depósitos orgânicos decorrentes
da prolongada imersão
no mar.
Impossibilitado de recolher uma carga tão
pesada nos pequenos barcos que comandava, o líder do grupo, capitão
Demétriós Kondos, decidiu assinalar
cuidadosamente o local para, numa outra oportunidade, com barcos maiores
e
mais equipamento , voltar para recolher o "tesouro".
Retornaram sem maiores problemas ao porto de origem,
em Syme, e durante quase seis meses discutiram
exaustivamerite se deveriam recolher os objetos
por conta própria para depois revender com grande lucro aos
colecionadores de antigüidades, ou comunicar
o achado ás autoridades gregas. Ao contrário
do que quase sempre
acontece, escolheram à segunda opçao.
Assim, entraram em contato, no dia 6 de novembro de 1900; com o ministro
da
Educação Nacional , Spiridion Stáis,
arqueólogo, que imediatamente se interessou pela descoberta e, após
prometer
uma recompensa para a tripulaçao, colocou
a disposição do capitão Kondos, um navio da
Marinha grega e todo o
equipamento necessário para a recuperação
da carga submersa.
Durante nove meses de exaustivo trabalho, que
custou a vida de um mergulhador e ocasionou lesões
permanentes em
outros dois, retiraram peça por peça
a valiosa partida de objetos (Em 1953 , os membros do grupo de pesquisa
submarina de Jacques Cousteau visitaram o local perto de Antikythera ,
onde naufragou a nave grega . A opinião dos mergulhadores é
que resta ainda no local grande quantidade de material arqueológico
a ser recolhido). O material foi transportado para Atenas,
onde uma equipe, chefiada pessoalmente por Stais, começou a examiná-lo
e a classifica-lo. 0 interesse dos arqueólogos estava, então,
inteiramente voltado para as estátuas e, apenas por um
acaso (desses que só existem na realidade, pois na ficção
seriam considerados exagero ) , é que a 17 de maio de
1902, o professor Stais descobriu, numa peça disforme
e bastante corroída, de bronze, uma inscrição que
lhe chamou a atenção. Naquele momento inaugurava-se uma nova
era no campo de arqueologia submarina . Aquele grupo de humildes pescadores
de esponja era responsável por uma descoberta que iria revolucionar
a história do conhecimento científico - a máquina
de Antikythera.
Os estranhos fragmentos que até então
tinham sido desprezados pelos arqueólogos mais iñteressados
na estatuária e nos
objetos artísticos, foram reunidös,
e Stais chamou um especialisia em numismática, o professor
Svonoros para
examinar a peça e a inscriçao.
Outra surpresa. O perito, num exame detalhado, constatou a presença
de rodas dentadas,
o que o levou a concluir que se tratava de um
instrumento astronômico, possivelmente utilizado
para efetuar calculos
orbitais.
A limpeza dos fragrnentos possibilitou mais descobertas
igualmente espantosas, e, particularmente, um cursor circular
graduado. Não havia mais dúvidas:
tratava-se de uma calculadora para uso astronðmico construida
pouco antes da
era cristã (mais tarde foi possivel determinar
com mais exatidão a época de fabricação do
engenho , situada entre 90 e 80 a.C.).
Quem poderia imaginar , até então
que a ciência da antiga Grécia tinha capacidade e conhecimento
capazes de criar, e o
que é mais incrivel ainda , construir
um verdadeiro computador astronômico?
Contudo, o interesse pela máquina arrefeceu
nos anos seguintes e foi sómente em 1951 que as pesquisas foram
retomadas sob a dîreção do
professor Derek de Solla Price, catedrático de história da
ciência na Universidaðe de
Yale, EUA. Este cientista foi quem reaimente
percebeu a importância do achado e possibilidades que a descoberta
seria
para o estudo da ciência antiga.
A primeira etapa de seus trabalhos foi divulgada
em 1959 pela revista Scíentific American (sem dúvida a melhor
e mais
confiável publicação do
gênero no mundo) . Contudo, esse tipo de pesquisá é
extremamente delicado minuncioso,
desenvolvendo-se muito lentamente. Assim
passaram os anos sem que nada de novo fosse agregado às
conclusões já
existentes.
Somente em 1971 que um novò e decisivo
passo foi dado para o esclarecimento do funcionamento e das finalidades
da
máquina de Antìkythera. Já
há algum tempo, o professor Solla Price vinha insitindo na necessidade
de radiografar as
peças para conseguir mais informações
a respeito do interior do engenho. Superando as dificuldades burocráticas
o
doutor Karakaos conseguiu, junto à Comissão
Grega de Energia Nuclear, autorização para utiiizar o equipamento
radiológico de precisão daquela
entidade. Mais engrenagens foram detectadas pelo raio X, estas em muito
melhor estado
de conservação pelo fato de estarem
resguardadas do contato direto . O professor Solla Price voltou;
então, à Grécia,
para inteirar-se das novas descobertas,
declarando na ocasião, com uma nota de humor
"Não existirá uma espécie de justiça emocionante no fato de serem usadas técnicas tão avaaçadas para lançar luz sobre o que é, sem dúvida, a peça mais importante capaz de levar-nos ao conhecimerito da ciéncia e da técnica dos antigos gregos?"
Aqui novamente o acaso encarregar-se-ia de trazer
elementos novos ao já intrincado problema. No depósito
do museu
de Atenas encontrou-se um outro fragmento da
máquina, o que havia desaparecido no princípio do século.
Esse
fragmento resultou de enorme importância.
Externamente não apresentava nada de especial. Porém, após
o exame
radiológico, constatou-se
que em seu interior havia uma engrenagem de 63 dentes, intacta, que em
seguida se percebeu
ser a chave para o entendimento das funções
desempenhadas por todas as outras engrenagens até então descobertas.
A reconstrução detalhada do mecanismo
não é; como se pode imaginar, nada fácil.
O cálculo do número de dentes de
cada engrenagem está sujeito a vários
fatores de erros. Porém , com muita paciencia , Solla Price terminou
por
estabelecer o funcionamento do mecanismo.
Sua construçáo era conseqüência das descobertas de Meton ( astronomo ateniense do século 5.º a.C. , célebre pela invenção do ciclo luni-solar que leva o seu nome e que foi adotado na Grécia em 433 a.C. . Meton inventou e apresentou publicamente , em Atenas , um instrumento chamado héliotropo , uma espécie de relógio de sol , para a observação dos solstícios. Calculou, também , um calendário meteorologico . No final de sua vida , para não ter que participar da expedição enviada a Sicilia pelos Atenienses em 415 a.C. , simulou uma crise de loucura . No ano seguinte foi satirizado por por Aristófanes , que o fez representar um personagem ridiculo em Os Pássaros. ) a respeito dos movimentos celestes da Terra e da Lua, que podemos resumir da seguinte forma: o Sol percorre os doze signos do zodíaco em aproximadamente 365 dias. A Lua realiza uma volta completa ao redor da Terra em pouco mais de 27 dias. A combinação destes movimentos faz com que um mês lunar, com suas quatro fases, tenha 29 dias e meio. Estas durações, contudo, são aproximadas. Apesar disso, Meton percebeu que 19 anos solares correspondem exatamente a 235 meses lunares ou a 254 (235 + 19) revoluções do nosso satélite ao redor da Terra. O professor Solla Price demonstrou que as engrenagens da máquina materializavam estes números com a ajuda das seguintes relaçóes numéricas :
64/38 X 48/24 X 127/32 = 254/19
onde os números empregados correspondem
aos dentes das engrenagens. Como podemos ver na ilustração
, na parte dianteira da máquina
localizavam-se os quadrantes solar e lunar "verdadeiros",
e na parte traseira um outro
quadrante indicava as fases da Lua e os meses
lunares.
Possivelmente o cônsul romano Cícero
( 106-43 a.C.) apreciou a máquina quando de sua estada
em Rodes no ano
77 a.C., pois sua construção
deve ter sido terminada em 87 a.C. ( Inicialmente existia uma hipótese
de que a construção da máquina de Antikythera teria
sidoconcluida em 34 d.C. , porém foi abandonada em seguida , pois
esta data estava em desacordo com o ano de fabricação das
anforas que foram encontradas no mesmo barco que a transportava). Mil anos
mais tarde, o sábio árabe Al-Biruni descreveu uma calculadora
astronômica que apresenta os mesmos princípios da antiga máquina
grega, com exceçáo do mecanismo de engrenagens
diferenciais, bastante complexo, responsável pela transmissão
primária da máquina.
Engenhos semelhantes foram também
construídos durante a primeira revolução tecnológíca
(1.100 a 1.300) , por
alguns relojoeiros mecânicos,
entre eles o abade Richard de Wallingford
(1.327) e Giovanni de Bondi (1.350) .
Todos estes engenhos descendem em linha reta
da maquina de Antikythera, o elo que faltava na corrente da evolução
do
cálculo astronomico , e que muito mais
tarde, no século l 7, possibilitaria a revolução
científica de Kepler e Galileu.
Extraido da Revista Planeta - 1977