Oliver Heaviside


O personagem cientista além da ciencia de seu tempo , isolado dos homens , escarnecido , desprezado e às vezes odiado por seus colegas, depois de tudo , constitui o personagem cássico , popularizado por Júlio Verne através do Capitão Nemo, Robur o Conquistador.  Um certo número de casos reais desse genero são conhecidos e algumas vezes eles se cercam de tanta estranheza que se poderia pensar então em pessoas deslocadas em sua época, viajantes do futuro.

Neste livro trato de dois personagens cujo contraste é impressionante.

De um lado , Roger Boscovitch, admiravelmente adaptado ao seu tempo , mundano , amado pelas mulheres , pertencente a uma ordem poderosa, a Companhia de Jesus, cientista universalmente reconhecido.

De outro lado, Oliver Heaviside , isolado, cortado do mundo cientifico e do mundo efêmero, incapaz de se comunicar e de se fazer compreender, mesmo com a ajuda das matemáticas , tão pobre e abandonado que necessitava às vezes contar com um pedaço de pão dado por uma mão caridosa.

Nasceu a 13 de maio de 1850 e morreu a 3 de fevereiro de 1925 em Torquai , na Inglaterra. No plano das descobertas práticas , nós lhe devemos o cabo telefonico que atravessa o Atlântico. Seus estudos a respeito dos fenomenos que se dão no interior dos cabos telefonicos permitiram , com efeito, fabricar cabos e relês tais que as comunicações puderam atravessar o Atlantico e depois os demais oceanos.

Mas são sobretudo duas outras descobertas que tornam necessária a minha exposição para dar conta do lado extraordinário deste personagem.

A primeira concerne a um mistério já esclarecido, mas que intrigou todos os cientistas do mundo por um bom quarto de século. Sabe-se que o telégrafo sem fio, a televisão e o radar empregam ondas chamadas hertzianas, que poderiam ser definidas como da luz invisivel. São mais longas que as ondas infravermelhas, limite do visível, mas sendo o espectro eletromagnético  contínuo não podemos dizer a que ponto exato cessa o infravermelho e começa a onda herteziana.

Digamos, para simplificar, que abaixo de 1/10 de milimetro de comprimento estamos no infravermelho e que acima começam as ondas de T.S.F.  O mistério que intrigou os cientistas, a ponto de os fazer duvidar do valor da ciencia, é o seguinte: essas ondas se propagam em linha reta, como a luz. Deviam em consequencias ser detidas pela curvatura da Terra. Com efeito não podemos ver de Nova York um farol do havre. A curvatura da Terra detém as ondas luminosas.

Estava portanto assegurado que as ondas hertezianas não poderiam ser úteis para a comunicação entre os continebtes , nem para a comunicação entre os continentes, nem para a comunicação com os navios em alto mar.

Hertz, que foi o primeiro a descobri-las e produzi-las, respondeu por carta de maneira negativa a um engenheiro que lhe havia proposto a comercialização de sua descoberta: o cálculo permitia eliminar toda possibilidade de emprego prático das ondas hertzianas para as longas distâncias.

O engenheiro em questão , quando a T.S.F. apareceu e se viu despontar a televisão , presenteou o Museu de Karlsruhe com a carta, e lá ela se encontra à nossa disposição para que a vejamos.

Entretanto Marconi, que não cria na teoria, conseguiu no fim do século XIX efetuar comunicação por rádio entre a Inglaterra e a América. Era matematicamente impossivel , mas realmente verdadeiro. Wells já havia previsto corretamente ( em Os Primeiros Homens na Lua) que as ondas hertzianas poderiam ser empregadas para comunicação entre a Lua e a Terra, O que aconteceu: vimos pela televisão os primeiros passos dos astronautas na superfice de nosso satélite.

Como as ondas que se propagavam em linha reta podiam ir da Inglaterra aos Estados Unidos?

Imaginou-se que atravessavam a terra a experimentação mostrou que isso era falso . Ou que atravessavam a água dos oceanos; a experimentação provou que isso não acontecia. Imaginou-se também que elas passam para a quarta dimensão, talvez, ou passavam pelo mundo astral dos espiritos.

Esta última hipotese teve tanto sucesso que em 1920, o grande inventor Edison  se propos a criar e se comprometeu em construir um rádio-telefone para comunicação com os mortos. Od fundamentos e a lógica da ciencia desmoronaram. Visto que se notou, além disso  que com o que se chamavam ondas curtas, entre cinco e quinze metros de comprimento, não era necessário senão muita pouca potencia para se comunicar da Trança à Austrália ou da Rússia à terra do Fogo: uma simples bateria portátil era mais do que suficiente. A potência duma lanterna de bolso. . .

Falou-se cada vez mais de fluido, de corpo astral , de alma universal e de outras e outras futilidades. Explicou-se não importa o que pela telepatia e invocou-se "o enfeitiçamento através das ondas", pois as ondas tudo podiam.

Então apareceu Heaviside. Levou dez anos, de 1910 a 1920 para se fazer compreender. Achava que o céu abrigavam um espelho invisivel, o qual deixava passar as ondas luminosas mas refletia as ondas hertezianas. Por reflexões sucessivas nesse espelho , as ondas podiam, dum ponto dado, chegar a não importa qual ponto da Terra.

A idéia, que independentemente de Heaviside um cientista de Harvard, Kennely igualmente havia emitido, abriu caminho. O espelho de Heaviside, que chamamos atualmente de ionosfera permite a passagem da luz , do calor e das ondas curtas, o que nos possibilita comunicar com as astronaves , obter ecos-radar de outros planetas do sistema solar e enviar, em princípio , mensagens rumo às estrelas.

E essa descoberta prodigiosa foi realizada por um Heaviside recluso numa fazenda de Devonshire, sem laboratório, desprovido de tudo. A outra descoberta é ainda mais surpreendente . Vou tentar explica-la sem recorrer à matemática , o que já é aceitar traí-la .

Trata-se do cálculo simbólico.

A matemática é essencialmente uma ciencia de demonstração. Mesmo as verdades que parecem as mais evidentes. Por exemplo, em aritmética o mais evidente aos olhos do leigo não se apresenta ainda demonstrado: que um mais um são dois.

Mas foram descobertas surpreendentes, terriveis curvas que não possuíam nem interior nem exterior, as quais podiam até prencher internemente um quadrado inteiro e que fizeram com que 1 + 1 = 2 não fosse demonstrado.

Não esqueçamos nunca, a esse respeito , a palavra decisiva de Raymond Queneau: "Todas as demonstrações do fato de 1 + 1 = 2 não levam em conta a rapidez do vento ". Do mesmo modo nunca conseguimos demonstrar matematicamente o fato, que parece evidente , da soma de dois números ímpares dar um número par; por exemplo : 7 + 3  =  10.

Todos tinham tomado o partido dessa concepção da matemática .Até que em 1890 Heaviside propôs
seu cálculo simbólico, que constituem matemática sem demonstração, Heaviside dizia: é verdadeiro porque digo que é.

E era verdadeiro no sentido que os sistemas baseados nesses cálculos , como os cabos telefônicos transatlanticos, diversos transformadores , aparelhos eletrotécnicos funcionavam. Contudo, para os cientistas tratava-se da magia, pura e simplesmente . Então nos limitamos a negar os trabalhos de Heaviside. Na ciência não havia lugar para os magos. Imediatamente o infeliz foi privado de qualquer meio pelo qual pudesse ganhar sua miserável vida. Por outro lado, ele ficou surdo, o que o impediu de prosseguir na Companhia Telefonica, onde tinha estado empregado anteriormente, até 1874. Sobreviveu miserável, incompreendido.

Em 1892 conseguiu reunir um pouco de dinheiro e publicar um livro intitulado Eletrical Papers ( Trabalhos sobre Eletricidade ) , um livro de um gênio extraordinário. Posteriormente não disôs mais de meios para publicar às suas custas. Conseguia , entretanto , às vezes reunir três pence para mandar uma carta ao estrangeiro. Assim, a partir de 1905. escreveu a Einstein, a quem dirá:

"Embora o senhor seja ignorante, é entretanto menos estupido que o resto dos habitantes deste planeta. Para que seus cálculos tenham exito eis o que o senhor deve fazer . . ."

Einstein não era um matemático, mas um engenheiro especializado em patentes de invenções . Todavia, entendia admiravelmente a matemática. E não chegou nunca a compreender o cálculo simbólico. Bem mais tarde, após a morte de Heaviside, um mutante autêntico , o grande matemático Norbert Weiner, que conhecemos sobretudo por ter inventado a cibernética   ---   embora seja o menor de seus trabalhos   ---   mostrou que a matemática de Heaviside tinha uma base racional, a qual o próprio Heaviside ignorava, e que era possivel liga-la aos trabalhos do grande matemático francês do Século XIX , Fourier.

Esse trabalho construiu a reputação de Wiener no mundo inteiro. Porém não resolveu o problema colocado por Heaviside. Como este pôde criar uma matemática sem seguir os métodos da matemática?

Nenhuma explicação foi jamais dada. E eu ( Jacques Bergier )  proponho a seguinte : Heaviside conhecia a matemática do futuro  Sem compreender desta as demonstrações que utilizavam sem dúvida métodos que não tinham  ainda sido inventados. Mas conhecendo-lhes os resultados.

Vão sem dúvida dizer que sou dono duma imaginação excessiva. Entretanto, os fatos talvez me dêem razão. À sua morte em 1925, Heaviside deixou três grandes malas cheias de documentos que nunca foram convenientemente inventariados. Talvez o exame deles nos ensinasse ciências procedentes do futuro , ou desse mundo estranho com o qual o recluso de Devonshire estava em contato.

Grandes matemáticos modernos , por exemplo René Thom, acham que os matemáticos nunca inventam coisa alguma :
simplesmente descobrem o que já existe na natureza.  O cálculo simbólico de Heaviside já existia. Mas onde? Quando?

Tive chance de lidar com ele para resolver problemas de radar, em problemas do que chamamos transmissor Delta , isto é, a comunicação indetectavel de um ponto a um outro. Para quem está habituado ao étodo cientifico, o uso do cálculo simbólico de Heaviside causa um estremecimento que é dificil tornar sensível.

Não podemos senão fornecer analogias. Suponhamos por exemplo que se estabeleça uma tabela periodica dos elementos
quimicos a partir de seu nome em francês e que essa tabela funcione. Ou que descubramos um número primo entre 2 e 3. Ou que se estabeleçam certas f;ormulas matemáticas que seriam valiosas quando de certas conjunções de planetas.

É para suposições deste genero que o espirito se volta observando-se o cálculo simbólico de Heaviside . ë uma magia. Uma magia para a qual o gênio de Norbert Wiener pôde encontrar uma explicação em alguns casos particulares.

Mas como operava o espiríto de heaviside? Ninguem o sabe, já que a ele foi recusado o direito da palavra, a ele foi negada a publicação do que enviava às revistas cientificas. Chegou-se a chamar a atenção para algumas de suas descobertas, especialmente a da ionosfera, mas nunca houve um exame sério e exaustivo dos documentos que nos foram deixados.

Em alguma cartas ele escreveu: "Eu não sou daqui" , ou "Venho do futuro".

Deve-se tomar essas frasses ao pé da letra?

Parece-me que uma vez feito o exame dos trabalhos de Heaviside, dificilmente poderemos  negar que ele tinha acesso ao futuro , ao futuro da matemática e da ciencia em geral.

Por qual prodígio? Nada sei a respeito.

De qualquer forma ele recebia de alguma parte enunciados de fatos sem explicações , de teorems matemáticos sem
demonstrações . Sabia que se tratava de verdades, mas não dispunha de nenhum meio para prova-lo.

Sua surdez, a má vontade dos meios cientificos, a pobreza sobretudo de Heaviside contribuiram para o seu isolamento. Lovecraft em "A Chave de Prata" definiu assim sua própria vida : "A pobreza , o pesar e o exílio". Pode-se também aplicar a fórmula a Heaviside.

Com uma obstinação admirável ele continuou até sua morte em 1925 a enunciar fatos matemáticos ou físicos que se revelaram todos verdadeiros. Assim, bem antes de Einstein e por outras razões ele previu o aumento da massa com a velocidade. Mesmo sem demonstrações suas contribuições à matemática são preciosas . Às vezes é suficiente conhecer o enunciado dum teorema para de duzir sua demonstração. Em outros casos, uma solução parcial dum problema pode conduzir à solução geral.

A obra de Heaviside foi, em sua vida e após sua morte , uma mina prodigiosa. Por que estranhos fenomenos não exploramos ainda seus trabalhos inéditos? Tem-se o direito de perguntar qual a diferença existnte entre um Heaviside e um alienado. Mas a resposta é simples : se para se alimentar uma cidade com eletricidade constrói-se um alternador e um sistema de distribuição segundo os cálculos de Heaviside, o que se faz desde o fim do século XIX, Heaviside não é louco. E no plano da física experimental tem razão.

Se constatamos que o cálculo simbólico fornece a solução de certos problemas matemáticos, que ele simplifica operações
complicadas utilizadas tanto em matemática quanto em física, o criador do cálculo simbólico não era louco.

Como distinguir às vezes loucura e delirio dum lado e manifestações duma inteligencia superior do outro ? Se se encontram entre nós mutantes ou viajantes do futuro, se explicamos máquinas mais inteligentes que nós mesmos, como podemos distinguir no que nos dizem esses mutantes, esses viajantes ou essas máquinas o que é delirio e o que se coloca na escala da qual fala Meyrinck, cujo primeiro grau já se chama gênio?

O problema é mais complexo do que parece . Uma estória tirada do filme de René Clair , "O Ultimo Miliardário" pode talvez esclarece-lo . Um pequeno país da Europa está num estado de depressão economica cruciante. O dinheiro já não vale mais nada, nos restaurantes paga-se a conta com um frango e como moedas dá-se ovos. Todos os eritos em economia estão arrancando os cabelos em vão . Ora , esse país é governado por um ditador.

Um dia um lustre se despreende e cai na cabeça do ditator. Sob o efeito do choque , este fica louco, a menos que não fosse o caso de genial ou sobre-humano. Não importa o que fosse , mal refletira sobre a crise economica disse:
"É muito simples. Uma lei que estabeleço imediatamente resolverá tudo: doravante e a partir deste momento todos os barbudos usarão calça curta."

Uma vez aplicada a lei, imediatamente todos os problemas economicos desapareceram. A moeda voltou a ser  forte, o progresso economico restabeleceu-se, a inflação sumiu, os preços foram novamente controlados.

Diremos que o didator é louco? Ou que o choque lhe deu um super-genio fazendo descobrir novos sistemas de leis economicas e sociais, cujo funcionamento não nos é comprensível?

A questão , a que René Clair não responde , é mais grave do que parece . Pois seu gênio em sociologia assim obtido teve a chance de ser ditador, senão como iria convencer os outros que o fato de fazer os barbudos usarem claças curtas resolveria os problemas economicos insolúveis até então?

Heaviside estava precisamente na posição do louco-genio do filme, mas ele não era ditador.

O que fez com que suas sugestões passassem por loucuras, que não valessem nem sequer a discussão. E contudo Norbert Wiener demonstrou que no plano matemático Heaviside tinha razão. A distribuição da eletricidade nas grandes cidades pela corrente alternada, o cabo telefonico transatlantico, a telefonia à distancia, vinte outras aplicações práticas dos trabalhos de Heaviside mostram que ele estava certo.

Não . Heaviside não era louco. Possuia informações provenientes do futuro , ou vinha ele mesmo do futuro. Informações impossiveis de ser obtidas por simples extrapolação. Hertz disse do cálculo simbólico: "As fórmulas vivem duma vida própria. E podemos extrair delas mais do que se colocou nelas".

Entretanto, considero bem mística essa idéia segundo a qual Heaviside se comunicava com o espirito da matemática. Ele recebia conecimentos duma fonte que lhe era exterior e que eu situaria de boa vontade, por minha vez, no futuro.

A menos que um de seus vizinhos nessa charneca de Devonshire, onde já corria o cão de Baskerville, fosse precisamente um homem do futuro. . .

Extraido do livro Os Mestres Secretos do Tempo de Jacques Bergier  -   Editora Hemus  -  1974
 
 

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