O Mar Sem Fim



Acredito que no que se refere a cartas e rotas interestelares o melhor exemplo sobre o uso de cartas pertence ao
testemunho de Betty Hill durante  o seu encontro com os extraterrestres . Naquela ocasião , o chamado líder dos
extraterrestres , mostra um mapa onde existem diversas estrelas e entre as mesmas ,   linhas pontilhadas de diferentes
formas .Betty pergunta para ele assinalar no mapa  de onde ele veio  e o extraterrestre responde com outra pergunta : se
ela sabia onde ficava o nosso planeta . Pela negativa , ele diz que seria inútil explicar-lhe pois ela não sabia onde ela
estava . E Betty fica amaldiçoando a sua própria ignorância  em relação ao Universo e a cartas estelares.

Acredito que ainda hoje , nem mesmo a NASA tem uma carta de navegação interestelar . Nem mesmo uma carta de
navegação  sobre o nosso sistema . Assim, acho que a Betty não estava em muita desvantagem sobre a maioria dos
habitantes do nosso planeta.

Sobre a navegação marítima , alguma pessoas podem,  realmente, estar muito bem informadas sobre o assunto . Assim,
pegamos um trecho  de alguém que realmente planejou e foi bem sucedido em uma travessia pelo Oceano Atlântico , a
remos,  usando a experiência de antigos navegadores.

Neste texto , ele fala ( escreve) um pouco sobre a navegação no Atlântico e os problemas encontrados pelos antigos
navegadores.


[ . . . ]

Santa Helena era o grande teste . Passando ao norte da ilha e ao sul de Ascensão   --- outra ilha de bandeira britânica
situada  703 milhas a noroeste   ---   , exatamente entre as duas , encontraria  a corrente equatorial sul-atlantica de águas
quentes e menos agitadas , e o caminho em direção ao Brasil estaria grantido . Dependeria então da corrente do Brasil ,
também quente , para ir descendo até a Bahia.

Estas correntes acompanham um regime mais amplo , denominado Sistema Anticiclonico do Atlântico Sul. Todos  os
oceanos são caracterizados por semelhantes sistemas onde, em torno de um centro de alta pressão , defini-se um
movimento circular  e continuo  de ventos e correntes , explicado pela "força de Coriólis" , resultado do movimento de
rotação da Terra ( de Oeste para Leste )  e das diferenças de temperatura e , consequentemente , de pressão entre as
calotas polares e o equador.

No Atlântico Sul este movimento faz-se no sentido anti-horário , eternamente subindo a costa africana e descendo a
costa brasileira . No Atlântico Norte dá-se  o contrário : o movimento faz-se no sentido inverso ( horário) ,
continuamente subindo a costa americana e descendo a costa européia em torno do centro de alta pressão dos Açores.

Estes eixos de alta pressão não são necessariamente zonas perigosas , mas são evitados em navegação à vela , pois os
ventos , aí , são muito variáveis e as torrentes inconstantes . Pela mesma razão , as regiões de convergência entre
sistemas , caracterizadas por calmarias e borrascas violentas , são de navegação difícil para embarcações não
motorizadas.

Estudando a fundo o mecanismo dos ventos e correntes e as suas exceções , algumas dúvidas que sempre tive em
relação a métodos antigos de navegação começaram a ser respondidas.

As caravelas portuguesas representaram um notável avanço , em relação às embarcações antigas , ao introduzirem , no
inicio do século XV , as primeiras velas triangulares ou latinas . Mas ainda conservavam  algumas velas quadradas ( ou
redondas  , como se diz) suspensas em vergas , e sua capacidade de orça, ou seja de navegar contra o vento, era bastante
limitada. Em navegação podiam superar alguns obstáculos até então intransponíveis para as velas quadrangulares das
cogas medievais , mas em navegação oceânica dependeriam sempre de ventos favoráveis . Como puderam então
alcançar terras tão distantes , unir continentes e depois regressar, se os ventos que sopravam a favor na ida eram
contrários na volta? Simplesmente nunca retornando pelo mesmo caminho. Acompanhando o movimento circular dos
anticiclones e aproveitando-se de variações locais e sazonais, o caminho de volta , às vezes , era mais longo, mas sempre
existiu.  Ao mesmo tempo, os portugueses gozavam de posição geográfica altamente estratégica em relação aos sistemas
do Atlântico Norte, Atlântico Sul e Mediterrâneo, pois estavam sob a influencia dos três . O estudo desses sistemas
revela a ordem de acontecimentos históricos e novas descobertas , e mesmo da ocupação econômica dessas novas terras
, sob um angulo diferente e interessante.

Vencido o temido e famoso cabo Bojador , em 1434 , por Gil Eanes , após anos seguidos de tentativas frustradas , a
expansão portuguesa avançou com notável rapidez até o Golfo da Guiné. Por que a partir daí foi tão lento e difícil o
reconhecimento da costa africana em direção ao sul? Por causa da corrente de Benguela e dos alísios de sudeste que
sobem fortes a costa da África , constituindo firme obstáculo para os barcos que seguissem costeando em direção ao sul.

Diogo Cão , o primeiro a adotar a arriscada rota numa época em que se navegava por rumo e estima , de porto em porto
, quando perder de vista a terra era exceção , ao guinar novamente para leste depois de semanas sem ver terra , alcançou
a "Costa dos Esqueletos" em 1485 , e deixou como marco do grande avanço uma cruz de pedra, no cabo que hoje se chama Cape Cross.

Fernando Pessoa  , que passou dez anos na África do Sul , m seu livro Mensagem diz :
 

O esforço é grande e o homem é pequeno
Eu, Diogo Cão , navegador , deixei
Este padrão ao pé do areal moreno
E para deante naveguei.

A alma é divina e a obra imperfeita.
Este padrão signala ao vento e aos céus
Que , da obra ousada , é minha   a parte feita:
O por-fazer é só com Deus.

E ao imenso e possível oceano
Ensinam estas Quinas , que aqui vês ,
Que o mar com fim será grego ou romano:
O mar sem fim é portuguez,.
 

Com sua experiência e conselhos , Diogo Cão abriu a porta do "mar sem fim" para que , finalmente , Bartolomeu Dias
descobrisse o cabo da Boa Esperança , e Vasco da Gama, o caminho para as Índias. E na rota de ambos , sem
dúvida, o Brasil esteve mais perto , muito mais perto , do que a África . Por esta razão , pode-se dizer que Cabral ,
quando seguia para as Índias , não aportou aqui por acaso. Simplesmente , aliou uma tática  de navegação , obrigatória
para se dobrar a África , ao interesse de investigação e reconhecimento das terras que , já se sabia , existiam a oeste , e
de ambos os lados de um diplomático meridiano estabelecido com proposital imprecisão, seis anos antes : Tordesilhas.
 

Vasco da Gama , após escala nas ilhas do Cabo Verde , a noroeste da costa do Senegal , passou 97 dias sem avistar
terra até alcançar o Cabo , depois de uma grande volta e um longo afastamento que o trouxe muito perto de antecipar o
feito de Cabral . A imprecisão desse afastamento , ou seja , do avanço em longitude , é fácil de ser entendida .

A direção no mar era dada pela bússola , ou "marineta" , e , até o século XV , de forma bastante imprecisa , pois ainda
não se conhecia a declinação magnética ( variação , em graus , entre o norte geográfico ou verdadeiro e o norte
magnético ). Com o quadrante , ancestral do precioso sextante, obtinha-se , através da medição da altura meridiana do
sol , a latitude ( distancia medida , a partir do equador , em graus ) , com precisão relativa , mas a longitude ( distancia
medida a partir do meridiano de Grenwich , para leste ou oeste , cujo cálculo depende do conhecimento exato da hora,
minuto e segundo) só passou a ser calculada , de modo preciso , com o advento do cronometro  marítimo , em 1872 . O
que explica a impossibilidade , por dois séculos e meio , de se determinar a posição do famoso meridiano . Assim , a
posição ( dado mais importante que a direção em navegação oceânica) era estimada a esse tempo unicamente por
latitude.

Os navegadores de então , que guardavam a sete chaves os segredos do cálculo da latitude , em parte como forma de
manutenção da autoridade nos navios , podiam calcular em que altura se encontravam , em relação ao equador, e por
isso eram capazes de alcançar um determinado ponto geográfico conhecido: mas tinham sérias dificuldades para avaliar o
quanto estavam afastados deste ponto em graus de longitude e quando nele chegariam .

As instruções de Vasco da Gama , quanto ao roteiro das Índias que Cabral deveria fazer , deixam clara a noção que já
se tinha do regime "circular" de ventos do Atlântico ao mencionar a grande "volta ao mar" que deveria ser seguida até o
cbo da Boa Esperança. No Atlântico Sul , a este grande desvio ( imposto pelos alísios de sudeste e ajudado pelas
correntes sul-equatorial e do Brasil) chamou-se "volta do Brasil" , ou o "grão rodeio" que Camões descreveu em Os
Lusíadas.

Verdadeiras avenidas de mão única foram traçadas pelos mares nos séculos XVI e XVII por esses barcos que dependiam
de ventos e correntes . As embarcações que , a partir da latitude de Natal , no verão ( ou Salvador, no inverno) ,
descessem a costa brasileira , só retornariam a Portugal passando próximo à África e contornando o anticiclone do
Atlântico Sul; e as naus que aportassem acima de Natal já sob a influencia da fortíssima corrente das Guianas ,
voltariam subindo pelo Caribe até se livrarem da imponência dos alísios de nordeste , chegando a Portugal pelo Norte
dos Açores , no curso da corrente do Golfo.

O triângulo dos escravos , entre Europa , África e América Central ; a rota do tabaco , açúcar , rum e algodão ; o
caminho das especiarias e tantas ligações econômicas entre continentes estiveram sempre associados aos avanços na arte
de navegar e seguiram na direção de invisíveis  , mas claros caminhos , até que barcos mais modernos pudessem , enfim ,
subir na contramão dos oceanos.

O mesmo pode-se dizer de navegadores em tempos mais remotos , como os vikings , que cinco séculos antes de
Colombo alcançaram a América , indo pela Groenlândia e corrente do Labrador e voltando  pela corrente do Golfo ,
a partir da Terra Nova. Ou , muito antes, os fenícios que, na expansão de suas rotas de comércio em barcos delicados
mas marinheiros , contornaram a África pelo norte até o golfo da Guiné, e , pelo sul , até a costa desértica ocidental . E
, neste caso , o único caminho para o retorno   ---    a rota que eu ( Amyr Klink ) perseguia naquele momento   ---   seria
a chave para explicar os seus discutidos vestígios em terras sul-americanas.
 
 

Extraído do livro  Cem dias entre o céu e mar.  de Amyr Klink  -   Ed. José Olímpio
 
 

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