PRESTANDO CONTAS

           

     Por uma dessas coincidências que acontecem até mesmo no Céu, três ex-humanos - um crente, um agnóstico e um ateu, contaram mais ou menos a mesma história ao prestar contas perante o Tribunal Celeste. Resumidamente, a seguinte:

     A HISTÓRIA - Uma menina aparentando uns dez anos, acompanhada do irmãozinho mais novo, ambos muito pobres e com olhar triste, estavam numa esquina fazendo um pedido estranho e o faziam com lágrimas nos olhos. Não pediam dinheiro ou comida, pediam, apenas que as pessoas fossem à sua casa e orassem por sua mãe que estava muito doente. Apenas um ou outro passante lhes dava atenção. Ao fim do dia, uns poucos atenderam ao pedido das crianças, entre esses os que agora estavam prestando contas na Corte Celestial. A casa, muito pobre mas arrumadinha, ficava na subida de uma ladeira um pouco antes do casario de uma favela. Levados pelas crianças, cerca de sete pessoas, incluindo os três já citados, encontraram a mulher recostada numa cama muito simples, aparentando um real sofrimento. Era uma mulher trabalhadora, viúva, que a custo de muito costurar conseguiu dar a suas duas crianças uma condição de vida simples, porém digna. Talvez, pelo excesso de trabalho, tenha adoecido gravemente. Estava medicada, mas não apresentava melhoras. O apelo que as crianças decidiram fazer por conta própria se devia ao fato de a verem , havia dias, em cima da cama sem ânimo, para desespero delas. Por sugestão de um dos sete, resolveram que a prece seria feita em silêncio, porém simultaneamente, cada um pedindo pela recuperação daquela mulher conforme lhes ditasse a consciência. Assim, foi feito e todos concordaram em repetir aquele gesto por, pelo menos, mais duas vezes. Comprometeram-se, ainda, a não fazer comentários sobre o ocorrido. Deixaram a casa e se despediram das crianças fazendo votos pela recuperação de sua mãe. Emocionadas e com lágrimas nos olhos, a menina agradeceu.

     O DEPOIMENTO DO CRENTE - Desde cedo aprendi que o amor ao próximo é uma das virtudes do cristão. Até a idade adulta, praticar a caridade era, para mim, como o cumprimento de um dever aprendido. Com o tempo, me convenci de que os atos caritativos não deveriam ser praticados, compulsoriamente,  por algum tipo de obrigação doutrinária. Tais ações, para terem a marca do sentimento cristão, deveriam ser espontâneas, nascidas do coração para caracterizar a inspiração divina. Assim, quando vi aquelas crianças fazendo aquele pedido por sua mãe e, mais tarde quando a vi sobre aquele pobre leito, orei por ela  com o melhor de mim e certo de que Deus é, verdadeiramente, a síntese do Amor. Quando soube, alguns dias depois, que havia se restabelecido, alegrei-me com a pureza dos que têm fé e que ela dispensa comprovações.  Na fé,  a  razão subordina-se ao coração. Não é preciso ver Deus, basta senti-lo. E, mais ainda, estou com S. Tiago: A fé sem obras é morta.

     O RELATO DO AGNÓSTICO - Os primeiros ensinamentos religiosos me foram dados por minha mãe. Lembro-me, ainda, da forma amorosa com que ela falava sobre Jesus Cristo e de que era muito importante que eu seguisse seus ensinamentos. Cresci, portanto, sob a influência de tais lições embora não as compreendesse muito bem. Tão logo comecei a tornar-me adulto, sem desprezar os princípios básicos da fé e da caridade, passei a questionar certas afirmações da religião. Embora não tivesse conhecimentos que me levassem a negá-los, punha em dúvida coisas como a formação do universo e o surgimento do homem sobre a Terra. Perguntava-me, então : Deus criou tudo isso mas não disse como. À medida que a maturidade chegava os questionamentos aumentavam, Tempo e Espaço infinitos eram inconcebíveis para mim. Enfim, por não ter condições de negar, preferi crer, embora sempre levando essas dúvidas ao Criador. O importante em toda essa querela comigo mesmo é que ela não me tirou, até aprofundou, o sentimento de amor ao próximo que estava lá bem no princípio dos ensinamentos que recebi de minha mãe. Eis porque, ao ouvir o pedido daquelas crianças, não hesitei em atendê-las. Fui visitar-lhes a mãe, fiz minha prece junto aos demais ( por sinal poucos ) que ali compareceram e muito feliz fiquei ao saber, dias depois, que ela havia se restabelecido. Agi assim, e sempre que posso, pratico atos de solidariedade e de caridade, pois convenci-me, após tantos anos, de que as minhas dúvidas religiosas não deveriam anular os sentimentos de amor naturais à condição humana.

     O RELATO DO ATEU - Cresci sob influência política questionadora da Religião. Dessa forma, os princípios de solidariedade que me foram passados tinham como fundamento esse embasamento político. Segundo tais premissas, não importava ao homem como ele houvera surgido na face da Terra nem como o próprio planeta e o universo foram criados. Importava, isto sim, a solidariedade entre os homens. Eram princípios totalmente materialistas que não permitiam, sequer, a dúvida. Pois foi impregnado dessa forma de pensar que atendi ao apelo daquelas crianças. Mesmo revoltado com a inexistência de um atendimento social que pudesse cuidar de sua mãe, senti no íntimo que não podia negar-lhes  o que pediam. Assim, juntamente com outras poucas pessoas, fui à sua casa e, pela primeira vez, admiti ter feito uma oração ao poder invisível.   As  dúvidas   em   minha  mente começaram a aparecer quando soube que a mãe daquelas crianças estava restabelecida.

     A SENTENÇA - Após ouvidos os depoimentos, o Juiz Supremo sentenciou: Todos os três estão absolvidos de seus pecados veniais. Afinal, em seu íntimo, deixaram que prevalecesse o amor em seus corações. Na verdade, crendo, duvidando ou negando, foi mais forte o vínculo divino que os liga a Mim.

 

Voltar

 

Hosted by www.Geocities.ws

1