A vontade e a inteligência: um

 estudo sobre a opinião

 

 

Rogério Lacaz-Ruiz
[email protected]
Professor de Metodologia Científica

FZEA/USP – Campus de Pirassununga

Buscamos segurança e às vezes, esquecemos que um dos atos mais vulgares, o andar, é altamente arriscado. Um pé no ar e outro no chão. E, ao refletir sobre o andar, teremos a segurança, pois os tombos não são tão freqüentes quanto imaginávamos

 

Introdução

 Wole Soyinka foi o primeiro Nobel africano. Num artigo no The New York Times Magazine, abordou o problema dos direitos humanos. “A humanidade sempre lutou para reafirmar certos valores, valores que o indivíduo intuitivamente percebia pertencer a cada pessoa como parte de sua existência. É difícil imaginar uma era em que esses valores não eram perseguidos em espasmódicos atos de protesto contra normas que pareciam governar a sociedade mesmo em sua forma mais rudimentar. Mesmo depois de anos de conformismo, uns poucos dissidentes sempre surgiam e o impulso primeiro de suas ações sempre vinha de uma compreensão crucial do valor subjetivo do indivíduo.” (Soyinka, 1999.)
 E este valor subjetivo do que é o indivíduo, e o que é, enfim, o homem, tem gerado polarizações filosóficas ímpares. Responder a pergunta – Quem é o homem? e não – O que é o homem? acaba tendo uma transcendência sutil e decisiva.
 Como existe uma dificuldade em se buscar e descobrir a verdade sobre os conceitos universais que dizem respeito à natureza humana, facilmente reina o subjetivismo no que poderia ser o ponto de partida nos tratados de política, sociologia ou economia. O importante é definir quem é o homem, ou quem é uma pessoa. Uma vez explicitada esta questão fundamental, é possível construir alguma teoria. Na realidade, as teorias nascem no momento em que se define o ser humano.[1] O mesmo é válido para os que definem o que é o homem. Ficaremos com a primeira opção empregando neste estudo a conhecida definição de Boécio (sec.V): pessoa é uma substância individual de natureza racional. A explicação de Boécio resgataria prontamente a questão abordada por Soyinka. O indivíduo possui uma natureza racional, uma dignidade. 
 Algo semelhante ocorre em inúmeras situações na vida. Quando se explicita algo, quando uma definição é feita, a regra do jogo se estabelece. Se o conceito filosófico de Universidade[2] está claramente definido, pode-se avaliar se ela está ou não cumprindo a sua missão; se as regras de um jogo são conhecidas, as pessoas podem jogá-lo. E na vida, pessoal ou social, é fundamental saber a definição de homem e sociedade, pois onde existe o homem, coexiste a sociedade.
 Uma pessoa que possua um dom, como por exemplo, o de realizar microcirurgias da mão, e não exerce a medicina estaria deixando um talento que poderia fazer muito bem à sociedade, e a si mesmo. O mesmo pode ser dito do ser humano que não exercesse a sua individualidade. As pessoas são mais, quanto mais fazem as coisas segundo a sua natureza, ao que estão chamadas a ser.
 E é próprio da natureza humana sua participação, unicidade, autonomia, protagonismo, liberdade, responsabilidade, consciência, silêncio, provisoriedade e religião. (Höffner, 1983.) Deixar de se perguntar sobre estes pontos é, de certa forma, uma omissão. Uma pessoa que passasse a vida sem se preocupar com o que diz a sua consciência, ou não buscasse critérios para formá-la, não teria a paz de espírito; alguém que não percebesse a íntima relação entre liberdade e responsabilidade não estaria ciente do seu protagonismo.
 Quem é o homem e qual o seu papel na sociedade? Qual o papel da inteligência? Como se relacionam a inteligência e a vontade? Qual o papel da opinião dentro das possibilidades de conhecer? Como se estabelece a relação entre a vontade pessoal e a vontade social? A vontade existe? Seria apenas o fruto de uma época romântica que não mais existe? Os atos humanos são somente frutos de processos impressos em seu DNA ou também, conseqüência de um livre pensar e de um atuar livre? Ou ainda, o atuar humano deve ter como base a motivação? São perguntas que merecem reflexão, e algumas respostas podem ser formuladas a partir de alguns comentários feitos neste ensaio.
 
Comentários iniciais
 É fácil constatar que na vida, algumas pessoas são boas ou até mesmo excelentes executoras de tarefas. Outras, em um número bastante menor, administram as tarefas que os outros irão colocar em prática. Muitas vezes, é mais fácil fazer do que mandar fazer. A soma destes dois perfis, porém, é algo bastante salutar nas empresas e nos diferentes ambientes de trabalho.[3]
 A palavra de ordem nas empresas e instituições atualmente é motivação. As pessoas precisam estar motivadas para trabalhar. A motivação é extremamente importante para qualquer aprendizagem, pois, sem ela, é pouco provável que a atenção do indivíduo esteja voltada para o que deve aprender. (Marques et al., 1986). É compreensível que todos precisemos de "motivação", motivação externa, mas segundo a nossa natureza, podemos caminhar a maior parte do tempo com um motor próprio. Mesmo em relação ao tempo, uma pessoa que estivesse a maior parte do tempo sendo estimulada estaria num estado patológico. Se um grupo de alunos universitários precisasse freqüentemente de "motivação", alguém poderia julgar que, no mínimo, erraram de carreira profissional.
 Quando alguém diz: – A motivação é auxiliar às pessoas que necessitam de informações para configurar seus computadores de casa para obterem acesso à Internet significa que alguém está motivando um grupo de usuários para chegar a um nível acima do atual. E quem se deixa motivar pode atingir o referido nível desejado pelo motivador.
 Se existem dúvidas no governo de um determinado país, tais como: Para exercer as suas funções, o Estado necessita do contingente de funcionários existente? A qualidade e a motivação dos servidores são satisfatórias? Dispõe-se de uma política de recursos humanos adequada? Fica a dúvida sobre o que move de fato as pessoas?! Elas precisam sempre de "motivação" ou se existe nelas um motor próprio? Nestes casos, é possível entender a necessidade de motivação como uma carência – em alguns casos, até afetiva – porque todo ser humano precisa de atenção.
 A motivação pode ser dividida em três tipos básicos: a extrínseca, a intrínseca, e a transcendente. A motivação extrínseca é aquela que vem de fora, e está associada à matéria, à remuneração, ao ter. O segundo tipo de motivação é a intrínseca em que o eu está em primeiro lugar e a inteligência ocupa um lugar de destaque. O que move a pessoa é a sede de saber. No último tipo de motivação, a transcendente, o importante é o outro, o tu, e a vontade é a potência que atua com desejo de dar ou dar-se.[4] Na prática, conhecer esta classificação ajuda a criar valores, e buscar uma identidade. Em resumo, ninguém dá o que não tem. E paradoxalmente, o que todos têm é carência. Para suprir de certa forma esta necessidade, é preciso que outros que estejam em diferentes estados de motivação possam interagir entre si.
 O que leva as pessoas a agir parece que num primeiro momento é a vontade, que desaparece aos poucos[5]e depois ressurge na forma de motivação extrínseca. Enquanto que a primeira é algo interno, que nasce de dentro para se concretizar na ação, a segunda é proveniente de algum motivo externo, para finalizar na mesma ação. E assim, a atualização da inteligência e da vontade é substituída por bom senso e motivação. Muitas pessoas, em vez de perguntarem quem são e o que querem, procuram se apresentar, como se mostra algo numa vitrine, para simplesmente se encaixarem dentro de um contexto fora de si. A vontade leva a pessoa a agir e a corrigir seu modo de ser, enquanto que, na motivação, ela é conduzida por outros ou simplesmente pela massa.[6]
 A submissão da vontade à inteligência é o modo habitual que leva ao agir, diante de quem contempla a realidade, submete a sua vontade, de modo inteligente.
 
A inteligência e a vontade
 Duas potências do ser humano, vontade e inteligência relacionam-se com a motivação. Conhecer um pouco sobre elas pode auxiliar na compreensão do ser pessoal e social. De certa forma, a inteligência relaciona-se diretamente com a motivação intrínseca, e a vontade, com a transcendente.
 A inteligência por si só não faz nada, não leva à ação. É uma faculdade do ser humano que o capacita a discernir, diferenciar, compreender e apreender. A vontade, por sua vez, segundo o Dicionário Aurélio, é a faculdade de representar mentalmente um ato que pode ou não ser praticado em obediência a um impulso ou motivos ditados pela razão. Desta forma, percebemos que inteligência é a luz que ilumina a vontade. 
 A motivação, por outro lado, é algo considerado hodiernamente como externo ao ser pessoal. Um chefe motiva seus funcionários, um pai motiva um filho, um motiva outro, existe um motivador e um motivado. E depois de motivado, o indivíduo pode decidir por atuar ou não. Há então uma tendência em reduzir a motivação somente à sua forma extrínseca.
 À inteligência compete observar as coisas, no seu modo mais perfeito, na forma de contemplação. Quanto mais perfeita for esta contemplação, maior será a luz que levará a vontade decidir pelo bem (motivação intrínseca).
 Mas o ser humano, apesar de ser dotado de inteligência, não deixa de ter seus instintos. Pela sua natureza racional, seus instintos são inferiores aos dos seres irracionais. O animal é praticamente só instinto, o homem por sua vez, quando se deixa levar pelos instintos se torna inferior aos animais por dois motivos: por deixar de usar a razão, e utilizar algo que é secundário e rudimentar.[7]
 Quando o homem é instintivo, está deixando num segundo plano a inteligência, e atua pela vontade debilmente iluminada. Nestes casos, a sustentação do agir e do falar está fundamentada numa opinião, que é a forma mais rudimentar de conhecer.
 Outra forma de abordar o tema é que a opinião é segregada pela vontade; não vem do conhecimento mas de um apetite. O mecanismo da opinião pode ser descrito como uma interposição da vontade entre a inteligência e o objeto. A justa proporção com o objeto fica prejudicada, só podendo existir quando a inteligência está em livre confronto com o objeto, isto é, na contemplação. As conseqüências deste modo de agir levam o homem a imaginar que sua dignidade está no subjetivismo que leva a reduzir as realidades a umas poucas opiniões.
 O atuar humano guiado pela vontade parcamente iluminada é impulsivo, e seu conhecimento da realidade superficial. Assim podemos exemplificar o caso da Grécia Antiga, quando a peste assolou Atenas. Péricles que governava a Cidade Estado, estava por resolver o destino de Sócrates. Péricles morreu acometido da peste, e os cidadãos, diante do impasse, culpam Sócrates pelas desgraças. Os atenienses resolvem manter a sentença de morte para Sócrates e a hegemonia na Grécia, aceitando o desafio dos espartanos para guerrear na Sicília. Mesmo em desvantagem numérica, não negociam as propostas de paz vindas da Esparta. O destino é conhecido, a derrota de Atenas. Quando se atua impulsivamente, a luz que ilumina a vontade é a opinião. E mesmo que exista uma busca do bem, este modo de atuar incorre mais freqüentemente em erros que acertos.
 O campo das opiniões é para os gregos antigos o conjunto de conhecimentos políticos e sociais. Nos demais campos, o homem precisa buscar fundamentos mais seguros para se realizar como ser humano. No campo social, existe este espaço para a discussão de idéias, inclusive para que possamos descansar desta realidade digna e finita que é cada um de nós.[8] Reduzir todo tipo de conhecimento à opinião, e desfazer aquilo que é próprio da natureza do homem e da sociedade. Outro fato decorrente é que no que é certo não se opina, e todos precisamos de certezas para viver. O estado de dúvida e incerteza tende a ser temporário. 
 
A má vontade 
 Muitos comerciais de televisão mostram pessoas abatidas, sem vontade, que, após a ingestão do medicamento anunciado, são outras, transformam se em pessoas dispostas e com vontade para realizar algo. E esta relação entre um estímulo externo e a mudança de atitude leva a confundir uma doença com ausência de vontade. E isto se relaciona de certa forma com a motivação; só que, neste caso, o agente não é pessoal, mas farmacológico.
 Na prática, o homem vive a máxima Quando o corpo está bem, a alma baila, mas não pode esquecer que tem uma vontade própria, que se manifesta na determinação pessoal. Diante das dificuldades, tem uma capacidade de reação individual, que não se reduz somente à ausência de algumas substâncias químicas ou a um desequilíbrio metabólico.
 Na situação em que se está sem vontade para assistir a uma fita de vídeo, ou não se quer ir à escola, ou fazer um relatório, é possível verificar algo em comum. Existe uma má vontade, em que as tendências e sentimentos não estão bem orientados. Aparentemente, não há nada que mova a pessoa a agir[9]O ter vontade ou não, nestes casos, parece reforçar a existência da liberdade no ser humano. E dizer que não se tem vontade justifica a liberdade sem questionar as conseqüências. Há de certa forma um abuso da liberdade, tanto do ponto de vista teórico como do prático.
 Parece que hoje, os métodos de diagnóstico estão bastante sofisticados. Pode-se saber com precisão, pela instrumentação da física médica, se um grupo de células está diferenciando-se (câncer) ou se os níveis de uma enzima ou hormônio estão fora do padrão. Mas, se a vontade está doente, ainda não descobriram todas as alterações bioquímicas e celulares correspondentes. Enquanto isso, alguns dizem que a vontade está esquecida; a vontade desapareceu. Mas o que é a vontade?
 A vontade é o apetite racional, a tendência ao bem conhecido pela inteligência. O exercício do agir humano consiste na harmonia entre estas duas potências. A inteligência apreende, conhece, distingue, escolhe e serve de luz; às vezes, de forma que chega a “cegar a vista” e, em outras vezes, como uma luz no “fim do túnel”. A vontade, por sua vez, move o ser humano na busca desta luz. E o persegue, pois reconhece-se sob o aspecto de bondade (sub specie boni).
 E nesta época em que a quantidade de conhecimentos que temos disponível é imensamente maior do que a capacidade que temos de assimilar e hierarquizar, quando há velocidade nos fatos que nos são apresentados, a opção é – no caso de um noticiário televisivo – de ou acompanhar a linearidade das notícias ou parar para aprofundar em uma das notícias e perder o noticiário. Se não se está atento, a inteligência vai-se debilitando, e com ela, a vontade. Pela velocidade imposta aos telespectadores, a inteligência não consegue acom-panhar os fatos dentro das suas potencialidades. O mesmo ocorre nos jogos que empregam a técnica da chamada realidade virtual. Os especialistas dizem que as pessoas, depois de jogar uma partida de algum jogo virtual, demoram de 15 a 20 minutos para retornarem ao estado normal. Do ponto de vista social, as pessoas podem ser divididas em duas sociedades com velocidades distintas. A con-seqüência é uma sociedade dualista, em que os “excluídos são uma multidão”.[10] 
 No caso em que se segue somente a linearidade das notícias e dos fatos que nos são apresentados em grande velocidade, reinam a superficialidade, o subjetivismo, os pré-conceitos. E os fatos apresentados pelos meios de comunicação, principalmente o televisivo, não permitem que as pessoas não tenham mais que uma mera opinião sobre a realidade. É cada vez mais comum que a maioria das pessoas se sinta à vontade em emitir uma opinião sobre tudo e todos. É a conseqüência, é o efeito da causa, é o que diz o provérbio: Colheu o que plantou...
 Se a inteligência tem dificuldade em apreender a realidade das coisas, ou o faz de forma fragmentária será como uma luz que atrairá pouco a vontade. Se o bem que representam algumas coisas não é conhecido em profundidade, dificilmente elas moverão as vontades; ou as moverão para outro lugar. Já não pode ser uma vontade que receba o qualificativo de própria. 
 Descobrir a verdade ou o bem é uma tarefa que leva tempo, dedicação e desprendimento. É uma tarefa própria da inteligência, que ao contemplar a realidade, procura as suas manifestações. Felizes são aqueles que sabem as verdades das coisas, que puderam saboreá-las. Mas se neste processo de apreensão do conhecimento ou de contemplação das coisas, no lugar da inteligência, interpõe-se a vontade na forma de sentimento ou tendência, surge uma forma imperfeita de conhecimento: a opinião.
 E o que é a opinião? É a forma mais tênue e primitiva de conhecimento. Os filósofos gregos da Antigüidade diziam que dentre os diferentes níveis de conhecimento, a doxa (opinião) estava situada entre a certeza e a ignorância. As outras formas ou níveis de conhecimento são aqueles alcançados pela fé (dogma); pela evidência (axioma); pelos métodos científicos que levam à certeza (espistemé). O Estagirita valoriza a opinião como conhecimento provável. Nem tudo pode ser conhecido, no entanto, é opinável. E a opinião provém do que tem mais cultura. 
 Mas o que é então opinável? Aquilo que não é dogmático, axiomático ou científico; e neste campo, os humanistas incluem o conhecimento político e social.
 Porém, a ampliação do conceito de opinável veio com o racionalismo de Bacon, Descartes, Spinoza e Kant, por reduzir o conhecimento somente ao que é científico. (Sanabria-Martín, 1993.)
 E a expressão “na minha opinião”, que é uma forma polida de uma pessoa culta, que refletiu exaustivamente sobre algo, de dizer sem ofender aos demais, torna-se nos meios populares, uma força[11]Se alguém não sabe ao certo algo pode ter, ao menos, uma opinião, pois o que é certo não se opina.
 
Cultivar a vontade
 Uma pessoa, para agradar a outra, procura fazer a sua vontade. Também se pode verificar esta atitude, quando alguém diz: – Fique à vontade, ou – Sinta-se à vontade, isto é, faça a sua vontade. Nestes casos, a pessoa é senhora da sua vontade, e pode dispor dela, para o bem de outras, por querer o seu bem.[12] E isto está de acordo com Pieper, quando afirma que o “amor é um tipo de querer, uma forma de vontade”. Uma pessoa, por amar a outra, é capaz de fazer a vontade da pessoa amada. Como ama – um amor que carece de adjetivos – é capaz de con-fundir os amores e vontades, sem que deixe de ter tanto a vontade própria como o amor pelo outro.
 No relacionamento humano, não existe postura mais repugnante que a hipocrisia. O ditado “Obras é que são amores e não palavras doces” resume esta idéia. Um pai que desse tudo ao filho, do ponto de vista material, mas não lhe desse carinho, estaria caminhando por estas sendas. O verdadeiro relacionamento entre as pessoas está baseado na vontade, na identificação de vontades, no ceder às vontades.
 Para isto tende a vida nas empresas, na sociedade, a uma ampliação dos valores da família. Uma identificação de vontades com quem exerce a autoridade. E nestes casos, as relações que se estabelecem são o seguimento da vontade de um, ou resistência a ela. Em grau máximo, pode-se dizer que há oposição.
 O homem é o único ser que pode fazer as coisas contra a sua vontade. E o faz de modo consciente. 
 Todas estas idéias reforçam o conceito de que o homem possui uma vontade e esta vontade lhe pertence segundo a sua natureza.
 Ao observar a ordem de uma oficina, uma biblioteca, uma casa, da natureza, o ser humano descobre progressivamente as leis que estão implícitas, e a vontade de quem as ordenou. Sábio é aquele que, ao buscar as respostas da origem desta ordem, encontra-as, e se submete a elas com a sua inteligência e sua vontade.
 A vontade humana carrega consigo um adjetivo ou qualificação importante. Ela é livre, e por ser livre, pode optar corretamente, exercendo assim a liberdade. Caso contrário, ao optar pelo erro, nega a ordem e harmonia própria dos seres e das coisas.
 “O homem moderno escuta mais à vontade aqueles que dão testemunho do que aqueles que ensinam. Ou quando escuta aqueles que ensinam é porque dão testemunho.” (Paulo VI, Evangelii Nuntiandi, 41). Os homens procuram sempre imitar os outros, quando encontram neles valores. E atuam deste modo, porque têm vontade. Só quem reconhece a sua vontade pode por algum motivo querer que ela esteja submetida a algo que é grande e nobre. No coração de seu projeto de vida, La Salle situa esta finalidade como a Opção fundamental, aquela que dá unidade a todo o seu ser, a todas as suas responsabilidades, mesmo sua santificação e salvação pessoal: Cumprir a obra de Deus, considerar-se um instrumento que somente age pela vontade do Artífice. Desta forma, entende-se a entrega da vontade nas pessoas que olham para o Criador, e que buscam uma identificação de vontades.[13]
 Diz um provérbio chinês: cuidado com o que pede, pois poderá ser atendido. É preciso educar a nossa vontade, e ajudar os outros a descobrirem que possuem uma vontade pessoal. Atualmente somos demasiadamente educados na inteligência, em apreender conhecimentos, e pouco, na vontade, que nos leva a agir prudentemente, isto é, com vontade própria. Esquecemo-nos da vontade, e nos esquecemos de que a inteligência sozinha não faz nada.
 No filme “Adoráveis mulheres”, em que Susan Sarandon representa o papel de uma mãe de quatro filhas que vivem com a tia sob o mesmo teto, a filha mais velha começa a se apaixonar por um professor que mora na casa vizinha. Quando este namoro é o comentário das conversas de cozinha, uma das filhas pergunta a opinião da avó. Esta responde: - O que eu penso não interessa. Isto é, sua opinião é apenas uma opinião; e também uma chamada para que a neta pense seriamente no assunto, antes de buscar uma resposta de ocasião. Neste sentido, entende-se com maior profundidade o provérbio: Gosta dele, case com ele.
 
Considerações finais
 Refletir sobre quem somos, mesmo que seja em alguns aspectos, é uma forma de resgatar a nossa individualidade. Desta forma, a da lembrança; é possível sermos protagonistas dos nossos atos e verificar que os outros também o são dos seus. 
 A redução da vontade a uma falha bioquímica ou a sua substituição pela motivação são duas formas de desviar a questão da dignidade humana e, particularmente, a do seu protagonismo.
 Apesar de serem diferentes as leis individuais das sociais, o indivíduo, ciente do que lhe é próprio, pode decidir pelo que lhe é próprio; pois estas leis não são antagônicas.
 No âmbito acadêmico, particularmente na relação professor-aluno, é importante resgatar os conceitos de vontade, inteligência e motivação, como forma segura para o desenvolvimento das partes, no que diz respeito às competências.
 


 

Índice
 

Referências Bibliográficas

Antoine, C.Prefácio. In: Michel BaravelFredy Kunz. São Paulo : Edições Loyola. 1992. p.7.

Höffner, J.Christliche Gessellschaftslehre. Germany : Verlag Butzon & Becker. 1983.

Carrasco, J.B.; Baignol, J.B.La motivación. In:______ Técnicas y recursos pára motivar a los alumnos. 4ed. Madrid : Rialp. 1998, p.28-54.

Jolivet, R.A atividade voluntária. In:______. Curso de Filosofia. 11ed. Rio de Janeiro : Agir. 1972, p.208-209.

Ludwig, A.O irmão provincial no serviço da autoridade. Ir. Anselmo, fsc Tradução e adaptação: Ir. Afonso Ludwig, [on line] no url fschttp://www.abel.com.br/familia.htm em 22 de Junho de 1999.

Marina, J.A.El misterio de la voluntad perdida. Barcelona : Anagrama. 1997, p.19.

Marques, C.P.C., Mattos, M. I., Taille, Y.Computador e ensino. Uma aplicação à língua portuguesa. São Paulo : Ática, 1986. 96 p. 

Pieper, J.O que é o amor. In: Luiz Jean LauandInterfaces: estudos e traduções. São Paulo : Mandruvá. 1997, p.76-77.

Sanabria-Martín, F.Opinón publica. GER XVII. Madrid : Rialp. 1993, p.313-317.

Soyinka, W.O pior pesadelo dos ditadores. OESP, 11/7/99, p.D7, 1999.



[1] Em alguma fase da vida, as pessoas se perguntam – ainda que nem sempre da mesma forma – Quem sou eu? De onde venho? e Para onde vou? Quantas correntes filosóficas modernas separaram o pensamento da vida real. As conseqüências de se usar a lógica para conhecer a realidade podem ser uma espécie de espiral autista do pensamento que não conduz à verdade, mas apenas a certezas que se justificam umas às outras.

[2] Universidade é a união de professores e alunos para uma causa comum: a busca da verdade para satisfação intelectual e serviço da humanidade. Quando, por exemplo, uma sala de aula tem um número excessivo de alunos, não existe mais a relação professor-aluno. Neste caso, pouco adianta discutir qualidade de ensino, a não ser dentro da filosofia das large class education (i.e. sala de aulas com mais de cem alunos). 

[3] Nas salas de aula, quando existe a relação professor-aluno, é fácil verificar o perfil do aluno, bem como suas potencialidades. No diálogo, é possível aconselhar no preenchimento de uma lacuna ou sugerir no crescimento de algum ponto em que já existe um dom.

[4] . cf. Carrasco & Baignol, 1998

[5] “Não sei se antes de Freud havia complexos de Édipo, mas estou seguro de que depois de Freud existem muitos. Com a vontade pode estar ocorrendo o mesmo, e acaba sendo real o que hoje meramente se suponha: sua inexistência. Seria mais um caso de profecias que se cumprem pelo fato de enunciá-las. (Marina, 1997)

[6] Jolivet, ao abordar as doenças da vontade, diz que: Uma vontade sã e forte exige que, na deliberação, fiquemos senhores de nós mesmos, que sejamos capazes de tomar um partido e de executar o que resolvêramos. A falta de reflexão, a falta de decisão, a falta de energia na execução constituem deficiências da vontade. Quando essas deficiências se acentuam, tornam-se verdadeiras doenças, que os psicólogos chamam de abulias ou ausência de vontade. Podemos, por isso, distinguir uma patologia da deliberação, uma patologia da decisão, uma patologia da execução.

[7] Cf. em outro ensaio de nossa co-autoria: Animalização do Homem: uma Visão Ontológica do Ser Individual e do Ser Social. In:http://www.hottopos.com/videtur4/animalo.htm

[8] Nós, os homens, não conseguimos conversar muito tempo sobre um mesmo assunto. Quando a conversa começa a ficar muito ”tensa”, mudamos de assunto, ou “saímos pela tangente”. À semelhança do arqueiro com seu arco e flecha, que não consegue ficar com a corda sempre retesada, nós não suportamos, por exemplo, ficar mais de duas horas assistindo a uma aula teórica, ou falando sobre o sentido da vida. Precisamos de um tempo, de um intervalo, para descansar e falar sobre futebol, ou comentar alguma notícia do jornal.

[9] Para muitos casos, o cansaço e o estresse são as causas desta má vontade. E o melhor remédio é o descanso. Oito horas de sono – ou mais – , um passeio, a conversa com pessoas amigas ajudam a restabelecer o estado normal. Às vezes, um tratamento com especialistas faz-se necessário.

[10] Cf. Antoine no prefácio do livro em entrevista do jornalista Michel Baravel com Fredy Kunz. Neste caso, ele faz referência às sociedades desenvolvidas e subdesenvolvidas, em que a velocidade é o fator de exclusão. Algo semelhante ocorre no diálogo. Uma pessoa que fala muito rápido tem grande chance de não ser compreendida, excluindo assim o diálogo. Assim sendo, o pragmático exclui o filósofo; um homem pode não enxergar a dignidade de um indivíduo ou de toda uma sociedade.

[11] É a força da opinião publica. E o fato de ampliar o campo do opinável deixou os conceitos aristotélicos e todas as outras formas de certeza num plano inferior. 

[12] “...amar, em qualquer caso, denota aprovação. Amar algo ou amar alguém sempre significa afirmar: “Que bom que isto existe!” ou “Que bom, que maravilha que você está no mundo!”...: estas, obviamente não são afirmações neutras ou inócuas. Não, não se trata de modo algum de meras declarações verbais; elas têm um sentido de expressão de uma vontade.” (O grifo é nosso. Cf. Pieper, 1997.)

[13]cf. Ludwig, 1999
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