Importância do humanismo e do

permanente no novo milênio[1]

 
 

Rogério Lacaz-Ruiz 
Cintia Kogeyama 
[email protected] 
Acadêmica de Zootecnia FZEA/USP 


 
 

O que é visível é passageiro 
O que é invisível permanece 
Faz-se o mal por não fazer o bem. 

Introdução 

Peter Drucker diz que o verdadeiro comunicador é o receptor. Desta forma, o homem, que é social, é, ao seu tempo, comunicador e receptor; e precisa estar atento ao que fala e ouve, como fala e como ouve.

A seletividade no ouvir e no falar deste ser humano que fala e escuta pode ser constatada no relacionamento diário. No final de uma reunião, alguns ainda são capazes de discutir um assunto, pois cada um escutou algo diferente do outro, apesar de o comunicador ter sido o mesmo, no mesmo local e na mesma hora! 

Ninguém dá o que não tem. Mas, muitas vezes dá-se algo que não foi trabalhado do ponto de vista intelectual. Um exemplo para este fato vem dos meios de comunicação. É freqüente repetir ou escutar notícias da televisão, do rádio, ou do jornal. Mas se as escutamos seletivamente, à semelhança da brincadeira infantil do telefone sem fio, todos estão rindo do último receptor, do primeiro ao penúltimo comunicador. E aí está o perigo. O homem tem a capacidade de trabalhar as idéias, analisar os fatos, mas, pela pressa, acaba dando “o que não tem”. Vive correndo, e parece não querer ter tempo para pensar, refletir, trabalhar as coisas que ouve; e como ouve (seletivamente), fala indistintamente.

O homem corre. E sente vontade de correr até mesmo quando está por exemplo numa aula que acabou de começar, ou num laboratório em que passará todo o dia. Quer correr, não sabe bem para onde nem por quê. E este correr representa um gasto de tempo, energia, atenção; e quem não sabe para onde vai, não vai a lugar nenhum. Esta vontade de correr imediata e irrefletida é, por um lado um sinal de algum problema de direcionamento de vida. Aonde se quer chegar com tanta pressa?! 

Por outro lado, o andar para os objetivos dentro de um ideal é alegre e prazeroso, mesmo que custe. Assim, o importante é saber quem somos, e aonde queremos chegar, qual o nosso lugar. O resto é conseqüência ou complicação. E por conseqüência entende-se o efeito decorrente do ideal, em todas as ações, bem como tudo o que supõe este caminho. Dois provérbios resumem esta idéia: Quem entra na chuva é para se molhar e Ajoelhou, tem que rezar. Mas este andar dentro de um ideal é também, de certa forma, complicação. Os caminhos da vida não são sempre retilíneos como se imaginam, e as circunstâncias deste ideal acabam por complicar a vida. Deste modo, pode-se observar – ainda que de forma às vezes jocosa – o comentário de dois amigos sobre um terceiro que acabou de casar: - é, ele se complicou! O ideal de uma família supõe uma complicação, que na prática se manifesta tanto no amor dos pais entre si, como pelos filhos. E estes pais são capazes de se complicar com terceiros, para manifestar este amor. É uma “desculpa” elegante aos amigos para não ir tomar cerveja todos os dias, para estar com a esposa e os filhos, e no caso da mulher pode-se dizer o mesmo, quanto a participação ou não num bingo com as amigas.

Mas ter um ideal não basta. A atualização, a inventividade, e até mesmo o aprofundamento nas idéias são algo importante. Não é possível crescer num ideal verdadeiro, munido de preconceitos ou “engessado” nas idéias.

Os conceitos pré-concebidos nem sempre são os melhores; em geral, são muitas vezes pré-conceitos. E quem já sabe, não tem nada a aprender, e o escutar muitas vezes se torna árduo, cansativo e inútil. Não leva a mudanças, tão próprias do ser humano, de crescer e ser mais humano. E aquilo que era uma opinião acaba transformando-se num dogma.

No artigo anterior, já discutimos a opinião? E lembrávamos que é a forma mais tênue de conhecimento; que o âmbito do opinável inclui o conhecimento político e social, o significado da expressão “na minha opinião”, o fato de que no que é certo não se opina etc.

Mas, na realidade, o homem, que é um ser que esquece[2], esquece justamente a “arte de viver” e a “sabedoria de vida”. Atropelado muitas vezes pelos afazeres que transitam em alta velocidade nos ambientes profissionais, sociais ou familiares, parece não querer ouvir nada sobre humanidades, filosofia, ou qualquer coisa do gênero. 

É curioso que justamente aquelas “ciências que se chamavam humanas, e que tinham por função original ampliar e transmitir esse saber-viver”[3] são apresentadas nos nossos dias como algo velho, empoeirado, pesado, embrulhado num papel pardo, cheio de mofo e traças, e que pode provocar alergia. E este é mais um dos pré-conceitos atuais do homem que corre, trabalha, espera, e sonha ganhar a vida num segundo, e é capaz de gastar anos com sonhos fantasiosos aguardando este segundo que virá... Virá?! 

Talvez as filosofias modernas tenham criado um modelo distorcido e complicado do que é o homem. E a conseqüência está patente: uma mistura de reducionismos e expectativas fora das potencialidades humanas.

Os sonhos e as frustrações 

Sonhos... desejos... quem é que nunca teve expectativa nas coisas e nas pessoas?! Qual é a graça de viver sem realizar estes sonhos? A vida perde completamente o sentido, se não existe um sonho, um objetivo a ser almejado. E esta expectativa de certa forma ocorre em relação a cada um consigo mesmo, e com aquelas pessoas ou coisas que nos cercam.

A luta é árdua para a conquista dos sonhos, e quando, finalmente este se torna real, percebe-se que o sonho era uma ilusão, e o fato gerou não a felicidade, mas provocou uma decepção, uma sensação de que todo o esforço foi à toa. A pergunta que vem à cabeça é: - E agora? E agora é preciso parar e pensar. O que se quer é viver e ser feliz; e assim se é feliz, através da realização de sonhos. E esta sensação de felicidade está intimamente associada ao sucesso; principalmente àquele que está por vir. Mas será que alguns sonhos não trazem uma falsa felicidade? Um sonho fantasioso não existe na vida real, e, em função da falsa expectativa, acaba-se tendo “pesadelos”, e até desistindo de sonhar.

Uma idéia presente nos conselhos recebidos é a de que uma pessoa com sucesso é uma pessoa feliz. Se assim fosse, só seria feliz quem tivesse sucesso. Apesar de sucesso e felicidade serem palavras sinônimas, Aristóteles nos lembra que a felicidade constitui o verdadeiro sentido da vida; e que a felicidade é a atividade da inteligência que tem por objetivo o conhecimento da verdade.[4] E será verdade que o homem só é feliz nesta forma deformada apresentada nas histórias que são contadas na televisão e em tantos livros?! 

A televisão, por exemplo, mostra-nos que as pessoas com sucesso, fama, riqueza são felizes. Serão realmente? Será que as pessoas que sonham com a realização destes caprichos vão se sentir felizes? Em que mundo vivem, que não é o nosso?! É difícil acreditar neste tipo de felicidade baseada no dinheiro, na fama e no sucesso. A verdadeira felicidade está presente naqueles momentos mágicos, sutis, imperceptíveis, quando estamos fazendo coisas para ser o que somos chamados a ser. Ou mesmo no dia-a-dia cansativo, frustrante e interminável, podem surgir momentos de felicidade. Aquele sonho almejadotorna-se real, quando se trabalha sabendo por exemplo da provisoriedade[5] das coisas e do próprio ato de ser humano, e quem é o ser humano. (Höffner, 1983)

A alegria e a dor na televisão 

Além da “felicidade” que se apresenta na televisão, é possível assistir aos drops de dores e alegrias das pessoas. E tudo, em alta velocidade, e de modo mais ou menos dramático.

A televisão aparece muitas vezes como uma fonte de “modelos” explícitos de vida e implícitos de fantasias. E cada um se apega ao seu modelo, e cada um constrói o seu protótipo humano e o diviniza. Mas não há tempo para refletir, tudo é muito rápido, e esta velocidade está implícita no processo de ver televisão.

É curioso notar que nos jornais televisivos ou se acompanha a linearidade das notícias, ou se reflete sobre algo que foi dito, e se perde o noticiário. O mesmo ocorre nas novelas e em alguns filmes.

Os editores e redatores sabem da força da opinião pública e também que deve haver um equilíbrio de alegria e dor na programação do dia. Mas a quantidade de notícias sempre é maior do que o tempo que deveria ser dedicado a cada matéria. E as pessoas acabam ficando sem tempo para refletir sobre as coisas que vêem ou escutam. Fica somente o sonho dos modelos. E nós não somos os outros, somos nós mesmos.

Alguém que passasse algum tempo sem assistir a noticiários, e apenas ouvisse as notícias dos amigos que estão acompanhando o jornal, perceberia prontamente que há apreensão apenas parcial, superficial e incompleta do que ocorre no mundo. Esta superficialidade acaba sendo o aceitável, o socialmente aceito. Até mesmo os sentimentos de dor e alegria acabam sendo substituídos por um sentimento que não influi positivamente no comportamento humano. A somatória destas atitudes, se não se nota e não se reage, produz indivíduos indiferentes, anestesiados aos problemas reais, inclusive aos daqueles que vivem ao nosso lado.

  

O sucesso e o fracasso 

O sucesso é perseguido pelo homem e seu antônimo, o fracasso, é considerado um “câncer”. O sucesso é o final feliz de uma história perfeita, ou quase perfeita. "Quase", pois o sucesso sofre a maquiagem imposta pela pressa em se anunciar a vitória de algo ou de alguém, ao se excluir o esforço. A “mágica” do sucesso raramente é anunciada, e não existem Misters M[6] contando como fizeram para chegar a este ou àquele objetivo.

Mas o sucesso existe, e o fracasso pode ser comparado ao diabo: ele também existe, mas não se pode falar que existe. Se você não o conhece, não sabe como lidar com ele, quando aparece. 

As pessoas gostam de procurar a verdade, mas não gostam de encontrá-la. Não querem encontrar o insucesso, tantas vezes real e presente. Nunca conheci quem tivesse levado porrada. / Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo. /E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil, /Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita, /Indesculpavelmente sujo /, (...).[7] Todos gostam de contar suas vitórias e quase nunca, as derrotas. O sucesso é o ideal apregoado pelos educadores modernos e o fracasso é para os derrotados, os perdedores, para os outros. Mas sabemos que a vida real não é só isso. Arre, estou farto de semideuses!/ Onde é que há gente no mundo?[8] Onde está alguém que ensine que ainda existe o certo e o errado, que o fracasso existe não só para os outros? Quem pode falar que errou, que fracassou, que é humano?!

Richard Saul Wurman – arquiteto da informação – pode ser uma dessas pessoas que responde em parte as perguntas. “Durante a maior parte da minha vida profissional eu não fui bem sucedido. Eu não conseguia juntar dinheiro. Passei minha vida de fracasso em fracasso. Em 1959, Wurman formou-se (foi o primeiro aluno da classe) nas Escola de Arquitetura da Universidade da Pensilvânia, na época a melhor do país. Eu era um garoto de ouro, tinha tudo para dar certo na vida. Wurman abriu uma firma de arquitetura com dois sócios e, durante 13 anos, ela deu errado. Eu me vi sem idéia do que fazer. Não era um fracasso trivial. Afinal, 13 anos de luta não é pouca coisa. De lá para cá, vivi vários outros fracassos. A maioria das pessoas vive dizendo “sim, sei, sei”. O dia todo – de manhã, em casa, nos almoços de trabalho, no jantar, à noite, ou em voz alta, falando com elas mesmas. Fazem de conta que entenderam uma referência a um nome, a um fato. Elas dizem “sei, sei” aos amigos, aos professores, ao chefe, aos colegas, quando se comenta qualquer coisa – um filme, um livro, um artigo de revista, uma máquina, um hardware, um software. Elas dizem “sei, sei” a todo mundo, porque lhe ensinaram, quando eram crianças, que não é bom ficar com cara de burro, que não é bom dizer “não sei”, não é bom fazer perguntas. ... Uma das maiores razões pelas quais somos tão confusos são as escolas deste país. Nossa experiência educacional consiste em três grandes mentiras. Número 1: é melhor dizer “sei” do que dizer “não sei”. Mentira número 2: é melhor responder a uma pergunta do que formular uma pergunta. Mentira número 3: é melhor adorar o ideal do sucesso do que compreender a natureza do fracasso. Essas três mentiras semearam confusão na nossa sociedade, e é ao superá-las – uma por vez, ou duas, ou três – que você vai conseguir fazer algum trabalho criativo.”[9]

Esta realidade está presente, tanto nas situações descritas por Wurman, bem como de forma acentuada nas salas de aula superpovoadas das Universidades brasileiras. Os alunos pensam que o sucesso está nas notas, e não no conhecimento. Não querem conhecer o insucesso, e para tanto, usam de meios que justifiquem o fim do sucesso. Não querem conhecer a rotina do estudo, pois rotina é para quem fracassou na vida.

As rotinas 

O único ponto em que se pode atuar é no dever, cada um no próprio dever. E é aí onde se pergunta e responde individualmente: quem sou eu? Como se cumpre o dever, assim é cada um! Somos o que fazemos, e as coisas podem ser carregadas nas costas ou no coração. E os dias são preenchidos com atividades muitas vezes parecidas, repetitivas, é quando surge a rotina. Esta rotina pode e deve ser pensada, pois ela está fora de cada um, mas, ao mesmo, tempo tem um sujeito.

A rotina não é fazer as coisas de sempre, mas fazer as coisas como sempre; o ir vivendo e se arrastando na linguagem popular. E este tipo de rotina facilmente penetra na vida das pessoas. Muitas vezes se fazem sempre as mesmas coisas, e acaba-se habituando-se a fazer o mal feito. Uma coisa é a limitação, outra, o desleixo mais ou menos consciente, que arranca as raízes dos ideais. Neste processo, perde-se aos poucos a paciência – este amor ou bom humor para suportar o que é ruim ou desagradável – , a sinceridade, e tantas outras atitudes que favorecem a convivência. E quando se perde o bom humor, vem a tristeza. “Kophweleya”, wunnuwa nikuma – Aquele que diz “Ando aborrecido” é capaz de perpetrar um grave delito.[10]

A rotina boa é a que leva a pessoa a crescer sempre, mesmo nas quedas, mas também nos acertos. É a atitude comparada à do atleta, que sempre está treinando para aperfeiçoar. Este tipo de rotina pode ser chamada também de fidelidade. O amor com que se faz cada coisa é que transforma os atos em boa rotina. E como há amor, há capacidade de renovação, iniciativa, capacidade de experimentar coisas novas em busca de estímulos positivos e diferentes. E este tipo de rotina aplica-se não só na vida profissional, mas na vida familiar e social. Enfim, é o amor que o faz perguntar: estou fazendo agora o que deveria fazer? Isto é muito forte, e produz de verdade uma alegria nova no dia-a-dia.

O real e o imaginário 

A imaginação possibilita aos poetas, aos cientistas, à dona de casa, ao escritor terem idéias geniais. Mas a imaginação é como um cavalo forte e fogoso. Se não se a leva com as rédeas curtas, ela nos leva para onde ela quer. Leva-nos a viajar nas aulas, nos laboratórios, nos escritórios, nos quartos de trabalho, e a perder o tempo com sonhos que nunca serão realidade. O mundo real é este, e não outro. As pessoas com quem convivemos são reais, os príncipes e princesas pertencem aos contos infantis. São imaginários! Tirar o que há de imaginário dos pensamentos não é o mesmo que tirar o encanto de viver, mas sim excluir a falsa expectativa, que leva muitos a sofrerem desnecessariamente e, algumas vezes, a se internarem numa clínica de psiquiatria.

Às vezes é difícil deixar de imaginar que outros tempos e lugares são melhores que o presente. E não bastasse este tipo de pensamento, ainda se pensa no passado e no futuro. Em geral, gasta-se mais tempo pensando no passado. Pensa-se no passado, ou para lembrar os louros ou para se lamentar do que não foi feito. Das coisas erradas se arrepende, pede-se perdão e esquece-se facilmente; mas a dor verdadeira é a das omissões; do que poderia ter sido feito. O futuro também consome parte da atenção, o futuro, que nem sequer é possível saber se chegará. E se sofre por antecipação. E o presente, que é real, o que torna cada um os verdadeiros protagonistas dos atos, fica no plano do esquecimento. 

Cada pessoa pode viver o aqui e agora, com entusiasmo. Mas, para isso é importante ser a pessoa certa no lugar certo. Esta idéia, que se transformou em refrão no campo dos recursos humanos, tem uma verdade profunda, que implica conhecer-se melhor. Quem se conhece sofre menos, pois não cria falsas expectativas, e sabe onde deve estar, e como estar. 

Certa vez, um filósofo perguntou a três homens que talhavam blocos de pedra. Perguntou a todos o que estavam fazendo. Um disse, irritado: - Não estás vendo que estou quuebrando pedras?! O segundo respondeu que trabalhava para sustentar a família. O último disse apenas: - Estou construindo uma catedral. 

“A vida é bela” 

"A Vida é Bela", de Roberto Benigni, foi o ganhador do Oscar de melhor filme estrangeiro em 1999. O menino Giosué vive com seu pai Guido num campo de concentração até o final da guerra e da vida do pai. Sua mãe também está lá, mas em outro pavilhão. Guido é o exemplo vivo de uma pessoa inventiva e enamorada; o amor é inventivo. Transforma esta prisão num grande jogo em que tudo o que se faz é pontuado como numa gincana, e todos estão divididos em equipes. E assim, de forma lúdica e leve, educa o filho – pontuando positivamente as virtudes e negativamente as proibições inerentes às circunstâncias, bem como os defeitos. – Protege desta forma, o pequeno Giosué dos traumas psíquicos e da morte, em todos os sentidos. Chega a correr risco de morte, usando os alto-falantes do presídio para que ele e o filho falem com a esposa e mãe. No fim do filme, Giosué deixa escapar uma frase quase imperceptível para quem já se levantava da poltrona: - Esta é a minha vida

Pode ser que a vida de cada um seja este campo de concentração. A comparação do mundo a um campo de concentração não é nada agradável, mas a verdade é que muitos vivem como se estivessem num lugar assim. Não fisicamente, mas sim mentalmente; e se inventa este mundo, e se curte viver assim. Nestes casos, a lição do filme pode-se ampliar a partir do aspecto histórico, para a visão de como o homem reage às situações estressantes e entediantes do seu cotidiano. As circunstâncias de cada um, de certa forma, são o local das nossas realizações, mas também representam uma resistência ao nosso desejo de felicidade. Sim, é neste mundo onde são realizados os objetivos e ideais, é nesta sociedade que as coisas se concretizam. Mas. às vezes, desejar-se-ia que elas não existissem como são, para que tudo fosse mais fácil. Um exemplo simples pode ajudar a entender esta idéia. Alguém que imagine não brigar, vivendo sozinho. Ora, quando um não quer, dois não brigam diz o ditado, e isto implica a existência do outro e não a ausência. E querer não brigar com o outro não se resolve excluindo este outro, que é um circunstante real.[11] A verdadeira solução se dá quando em uma das partes existe o desejo real de não brigar.

As atitudes de Guido são um exemplo! O que ele faz assemelha-se a um martírio de amor, pela esposa e pelo filho. O bom humor e o amor são ingredientes necessários para transformar qualquer coisa em ouro! A vida, em algo realmente digno de ser vivido. E nestes casos, em que existe este esforço para conquistar o novo humanismo, aparece como que uma segunda natureza, cheia de energia para fazer o bem, para amar de verdade.

Quantos, em melhores condições que as do campo de concentração, ainda não aprenderam o que é a alegre aventura de viver?! Quantos se imaginam num campo de concentração, inventado mentalmente, e não conseguem ver que a vida é bela!?

A importância da loucura 

Quem é o louco, senão aquele que se apaixona de verdade por algo, e leva esta idéia até as últimas conseqüências?! Os loucos puseram seus nomes na história; George Eastman, da Kodak, Thomas Edson, o inventor da lâmpada, e tantos outros... Loucos foram os santos enquanto viveram nesta terra! Enamorados de Deus, fizeram muito pelos homens. Resumindo esta idéia, pode-se dizer com Fernando Pessoa: “Loucos são os sábios, loucos são os gênios, loucos são os santos.” Mas há também a loucura patológica.

“Sim, são loucos por fugirem à normalidade, ao que é comum, ao que a maioria faz, a mediocridade. Mas a loucura da sabedoria, da genialidade e da santidade é uma loucura que liberta, uma loucura escolhida, enquanto que a loucura da doença mental escraviza, aprisiona, destrói a capacidade de escolha. O descuido do mesmo termo para realidades tão diferentes, quase opostas, é perigoso e, por vezes, altamente deletério, quando feito de forma leviana.”[12]

Quantos loucos estão por aí, e se perde a chance de aprender da sua loucura?! E quanto de loucura há em cada um, aprisionada pelo medo de fugir à normalidade?! Assim, muitos nascem originais e terminam como uma cópia do que é normal

Mas o adiar sine die do começo deste treino com atos concretos, e no mundo real – não no imaginário – só é capaz de deixar a todos mais velhos. “Quando eu ficar mais velho, farei isto ou aquilo...”. E nestes casos, não contam somente a idade e o tempo, senão, os velhos seriam todos sábios! São e serão os jovens – e os que quiserem ser – que viverão este novo humanismo, assim que o decidirem, muitas vezes durante a vida.

De certa forma, esta loucura tem muito a ver com o entusiasmo. Para os gregos, enthousiasmós, estar entusiasmado significava estar sob inspiração divina. Se a colheita do vizinho era boa, diziam que a deusa Ceres estava com ele, ele estava entusiasmado. E alguém que consegue ver um motivo pelo qual seguir adiante, quando todos já desanimaram, o primeiro é tido por louco! De certa forma, os outros estão como mortos, pois perderam a alma. Desanimaram talvez antes do tempo, e, ao longo do tempo, repetem como a raposa da fábula de La Fontaine, que as uvas estavam verdes!

Chesterton para estes casos, tem uma lição: a de se entusiasmar com as coisas, como se sempre fosse a primeira vez. Olhar para o mundo e para as pessoas com o encanto da primeira vez realmente entusiasma!

Considerações finais 

 Como se fosse a primeira vez, pode-se dizer novamente com Chesterton. No início de Orthodoxy, este pensador inglês fala do modo de ver as coisas que nos são familiares, como se estivéssemos olhando-as pela primeira vez.[13] 
Aqueles que se atenham ao novo humanismo poderão constatar que o homem está então voltando às realidades do próprio homem; do ser humano. Do seu axiotropismo – o homem é atraído por valores –; a ciência dos próprios limites e dos outros[14]; a sua capacidade de contemplação e de encontro.[15]

O homem, cansado das filosofias de ocasião, sejam elas ditas modernas ou esotéricas, deseja um Criador como criatura, e até mesmo como um filho que busca seu Pai. E as exigências deste Criador são para um ser humano que quer se realizar individualmente e em sociedade segundo e seguindo um plano. E, por este motivo, é capaz de tolerar, de fazer o bem sem olhar a quem

Ao viver a individualidade plenamente, foge do egoísmo que tudo destrói; pois sabe que nasce original, mas não quer terminar como uma cópia. Dotado de capacidade de fazer o bem, o homem está ciente de que deve ser forte para gastar as energias a atualizar o bem. Ciente da sua provisoriedade, é preciso seguir a máxima: faça o bem enquanto é tempo. Uma vida sincera reconhece a necessidade de perdoar e de pedir o perdão. A maturidade está em reconhecer os limites e aceitá-los, repudiando qualquer tipo de máscara. 

O homem tem uma sede insaciável de sentir-se útil, e isto é uma outra forma de dizer que ele se realiza, é feliz, principalmente quando serve. Popularmente se diz Ele serve para alguma coisa ou Ele não serve para nada!

Enfim, o novo humanismo já pode ser uma realidade, desde que se saiba que na vida pessoal e em sociedade a relação verdadeira do encontro entre os homens tem como limite inferior a justiça, e não tem limites superiores; e isto é o amor. Um amor que respeita o timing de cada um, pois realmente é assim: cada um é cada um...



Índice  

Referências Bibliográficas 

Chesterton G.K. Orthodoxy. Fort Collins : Ignatius Press. 1995, 168 p.

Giles, T. R. Dicionário de filosofia. São Paulo : EPU, p.61.

Höffner, J.Christliche Gessellschaftslehre. Germany: Verlag Butzon & Becker, 1983. p.186.

Lauand, L.J.Antropology and Education: Two Speeches – Memory & Education/Proverbs and the Sense of Concrete. In:______ Selected Lectures & Papers at Foreign Universities. Mirandum Libro 4. São Paulo : Mandruvá. 1999. p.9-16.

Lino, J.N. Provérbios e virtudes. São Paulo : Quadrante. 1999. p.3.

Rosa, M.A.O encontro de Prometeu e Sísifo – Algumas considerações sobre a loucura. Mirandum v.2, n.4 (suplemento), p.73-78, 1998.

Wurman, R.S. O homem que ficou rico com a própria ignorância. Revista Exame, n.643, p.119-121, 1997. 

 

[1] Palestra proferida no Cepta/Ibama/Ministério do Meio Ambiente - Pirassununga no dia 27 de Janeiro de 2000. 
[2] Lauand (1999) Anthropology and Education. p.9.
[3] Lino (1999) Provérbios e virtudes. p.3
[4] cf. Giles (1993)
[5] Provisoriedade - O homem sabe que sua vida é limitada. Não tem culpa de existir e é um ser condenado à morte. Por grandes e úteis que sejam, todos os avanços da técnica e da ciência soam quase como piada diante da morte. (Höffner, 1983)
[6] Mister M é um mágico que resolveu desvendar, em programas de televisão de grande audiência, todos os segredos dos mágicos.
[7] Fernando Pessoa – Poema em linha reta.In: Poesias de Álvaro Campos.
[8] Idem
[9] Wurman, 1997.
[10] Este provérbio macua pode ser assim explicado: a tristeza é um grande mal. Uma pessoa que anda chateada e aborrecida, e se lhe perguntam como está responde laconicamente que está chateado com a vida, em breve, chegará a notícia de que se enforcou... . Por um cabelinho se pega o fogo ao linho. Por este motivo, é importante educar na alegria, ensinando que temos uma dignidade, e não criando uma falsa expectativa para as coisas. Das frustrações vem a tristeza, e com ela, a morte.
[11] É como diz o provérbio: Matou o cão por causa das pulgas.
[12] Moacyr Alexandro Rosa (1998); neste artigo, o autor ainda comenta o caso de um louco que é portador de duas loucuras “é um louco em dobro”. “Tem a loucura da doença (da qual se vem tratando e ajudando outros a se tratarem), e a loucura da sabedoria, com a qual nos ajuda a desvendar o mistério de sua própria existência.” Os que convivemcom este tipo de loucura e tratam dela descobrem um pouco além, de quem é de verdade o ser humano. Outros aspectos da loucura podem ser encontrados na íntegra do artigo em http://www.hottopos.com.
[13] "How can we contrive to be at once astonished at the world and yet at home in it?" No URL http://www.chesterton.org/acs/bib.htm Disponível [on line]em 25 de Janeiro de 2000.
[14] Todas as coisas são limitadas; inclusive a liberdade, vontade, inteligência, etc. .
[15] “Hay como un consenso en todo el mundo para decir lo siguiente: el ser humano – usted y yo – es un ser de encuentro. Vive como persona, se desarrolla, se perfecciona, creando encuentros.” Alfonso López Quintás "La Formación Adecuada a la Configuración de un Nuevo Humanismo" foi o título da Conferência na FEUSP em 26-11-99 – Também disponível na íntegra no URL http://www.hottopos.com.br/prov/ [on line] em 10 de Fevereiro de 2000.
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