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CONFLITOS RELACIONAIS E INTELIGÊNCIA RELACIONAL

Maria da Penha Nery - 19/05/2003

Psicóloga-Psicodramatista   (CRP-01:3501)

 

O bem estar nas relações e as crises relacionais são vividos cotidianamente. Nesse texto, falaremos sobre a pergunta: o que aconteceu para eu estar nesse conflito relacional?

Primeiramente, comentaremos o que é o processo relacional. As relações humanas acontecem devido à constante articulação do mundo interno das pessoas x mundo externo. O mundo interno é composto das marcas afetivas, da imaginação, das capacidades cognitivas e criativas. O mundo interno gera as transferências, ou seja, as trocas mentais e comportamentais entre as pessoas. Esse processo pode causar um curto circuito passado/presente, ou seja, podemos reagir às situações não de acordo com o que acontece no momento, mas de acordo com o que ela desperta de nossa história de vida. Neste curto circuito, emoções aprendidas no passado podem interferir numa relação atual, perturbando-a ou recriando-a.

Além das transferências, vivemos nas relações o processo de aprendizagem emocional, que sedimenta estratégias de enfrentamento de situações que causam tensões, angústia e ansiedade. Algumas estratégias se tornam mecanismos de defesa, tais como: projeção (quando eu não percebo ou não assumo um sentimento ou comportamento, aponto o outro como possuidor desse sentimento ou comportamento. Por exemplo, digo que é ele quem tem raiva, não sabe ficar bem, não gosta de crítica, sendo que, na verdade, eu passo por esses sentimentos...); negação (quando não consigo admitir uma realidade, nego-a ou a considero em sua oposição. Por exemplo, digo que o outro é verdadeiro - sendo que ele usurpou - ou digo que o outro viajou... – mas, na verdade, ele faleceu).

Nossas relações sofrem interferência destes mecanismos, pois eles causam diversos tipos de conflitos. Um tipo de conflito comum é: quando as emoções são perturbadoras, a autenticidade tende a ficar comprometida, ou seja as pessoas geralmente não demonstrar que precisam de ajuda, que erram, que sentem raiva, pois podem ter medo de perder, de serem rejeitadas ou de encontrar alguém que seja melhor que elas...

A comunicação humana tem como pressupostos básicos as capacidades de falar e ouvir (algumas maneiras de falar e de ouvir, quando estamos imbuídos em sentimentos ou percepções perturbadores, impedem o contato adequado com o outro).

Na comunicação estão presentes as capacidades de dar e receber afeto, que muitas vezes nos gera ansiedade, porque, por exemplo, aprendemos que é feio pedir ou dar carinho.

Portanto, a comunicação é um processo pertinente à complementação de papéis sociais, que formam os vínculos sociais. Assim, o vínculo maternal/paternal é o encontro dos papéis mãe, pai-filho, o vínculo docente/discente, é o encontro de papéis professor/aluno.

Os diversos tipos de comunicação humana (verbal, não verbal, espacial) permitem as articulações do mundo interno de uma pessoa com a da outra. Essas articulações produzem transferências podem acarretar as complementações patológicas dos papéis, geradoras de conflitos muito angustiantes.

Além do que já expomos, as várias causas das complementações patológicas de papéis podem ser assim exemplificadas: Uma pessoa pode ter desenvolvido em sua história de vida a fase relacional mais diferenciada, ou seja ter bom contato consigo, amadurecimento mental e emocional, mas o outro pode estar numa fase simbiotizada, indiferenciada. Outros exemplos: A pessoa pode ter um encontro fracassado com o outro, ou seja, ter comportamentos, sentimentos e atitudes que reforçam no outro as suas dificuldades e ele também pode reforçar as dificuldades relacionais dela. Pode ocorrer alianças com partes patológicas de um e de outro, por exemplo: se me exponho, vão me rejeitar, pois sou ridículo! – então, o outro me rejeita, quando me expresso, e assim, a relação se torna angustiante. Ainda exemplificamos com: ele tem dificuldade de falar e não fala, eu o critico; ele tem tendência à submissão, sou autoritária; se tenho medo de realizar o meu jeito, ele impõe o dele; se ele tem medo de dirigir, ridicularizo-o no papel de motorista; se eu tenho baixa auto-estima, tendo a reconhecer que ele sabe tudo, eu nada e ele se porta como o sabedor; quero que alguém saia do alcoolismo, mas lhe dou um abridor de bebidas de presente; sou tímida e racional e encontro um paquera tímido e racional; tenho expetativas elevadas e o outro tenta desempenhar os papéis que espero dele e se anula; não desempenho adequadamente papéis de uma situação (por exemplo: professor/aluno) e perturbo o rendimento de todos; quando perco as funções dos papéis sociais pertinentes a um contrato social, como o de patrão/empregado, e passo a exercer outras funções que tornam o vínculo improdutivo; quando faço jogos ambivalentes de papéis no mesmo contexto: sou ao mesmo tempo amante-carente-agressivo-rejeito, porque ao mesmo tempo quero amar, mas tenho medo de ser rejeitado...

Esses são alguns exemplos de distúrbios relacionais, que ocorrem momentaneamente ou que perduram gerando conflitos muito angustiantes.

Algumas complementações patológicas de papéis também derivam de jogos de poder entre as pessoas num vínculo, que são destrutivos e desrespeitosos; e ainda há a possibilidade dos projetos dramáticos (ou objetivos relacionais) divergentes, quando, por exemplo, quero ser apenas amiga de um paquera, mas ele continua esperando que entremos num namoro.

Portanto, nosso mundo interno (nossa capacidade de amar, nossa forma de interpretar as situações, nossos potenciais criativos) fundamentam as redes sociométricas, ou seja, os tipos de vínculos que estabelecemos, as nossas posições no grupo e de nossa maneira de comunicar.

A inteligência emocional é a capacidade de dominarmos nossas emoções, de as expressarmos adequadamente e de nos valer delas no sentido da construção das relações. A Inteligência relacional é a possibilidade das pessoas envolvidas num vínculo de administrar os conflitos criativamente, usufruindo dos aprendizados deles advindos. Essas inteligências são continuamente desenvolvidas na vida. Porém, as marcas afetivas relacionadas ao desenvolvimento infantil são as bases da maturidade emocional e relacional ou de seus prejuízos.

Por meio da inteligência emocional detectamos nossas emoções, conseguimos elaborá-las mentalmente e expressá-las adequadamente no meio ambiente. Trata-se de uma condição sine qua non para o desenvolvimento da inteligência relacional. A inteligência relacional é o resultado da co-criação, ou seja, é o efeito de um encontro no qual as pessoas envolvidas num vínculo conseguem estimular seus potenciais criativos e se beneficiarem psíquica e socialmente.

O desenvolvimento da inteligência emocional e o aprimoramento da inteligência relacional são fundamentais na era da sociedade do espetáculo, na qual perdemos nossa essência, pois quem nos constrói é a mídia.

A dedicação cotidiana ao auto-conhecimento e à maneira como nos relacionamos favorecem as saídas da armadilha de nos perdermos, de entrarmos em complementações patológicas de papéis ou em processos comunicacionais perturbadores. Porém, o processo psicoterapêutico pode, em determinados momentos de nossa vida, ser o recurso mais indicado para retomarmos nosso equilíbrio existencial.

Apontamos alguns fenômenos relacionais que podem prejudicar as relações e causar sérios danos psíquicos às pessoas. Quanto mais os conhecemos, mais os dominamos e nos aperfeiçoamos.

 

Em breve, abordaremos novos assuntos sobre auto-conhecimento e relações humanas.

 

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