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AUTO-ESTIMA E RELAÇÕES AMOROSAS

Maria da Penha Nery - 02/04/2003

Psicóloga-Psicodramatista (CRP-01:3501)

O que mais queremos da vida? Naqueles momentos em que podemos parar e pensar em como vivemos, nós vamos respondendo a esta pergunta. Neste momento, vou apontar uma das expectativas mais presentes em meu consultório: a maioria das pessoas querem auto-estima e boas relações afetivas.

Observei em minha prática profissional que auto-estima e relações afetivas são fatores que estabelecem mútua dependência entre si.

Uma relação afetiva construtiva tem como pré-requisito a auto-estima. Quando respeitamos nosso jeito de ser, nossa individualidade, nossos sentimentos e desenvolvemos o amor-próprio, estamos a caminho do outro, dignificando-o e respeitando as diferenças.

A nossa infância é a pedra molar de nosso jeito de amar. Em nossa infância, vivemos a aprendizagem emocional, aprendemos as emoções nas diversas situações e relações e, a partir daí, diferenciamos a afetividade, experimentamos primariamente o amor e o ódio, os ciúmes, os medos, as rejeições, as alegrias. No jogo de aceitação/rejeição, vivido em todos nossos grupos familiares e sociais, internalizamos experiências relacionadas à carga afetiva do amor (esta carga, neste texto, conjuga várias atitudes e demonstrações de afetividade, tais como atenção, respeito, carinho, aconchego, cuidado, oportunidade para a construção do universo infantil, proteção). Algumas dessas experiências prevalecem em nossa dinâmica psíquica e influencia nossa capacidade de amar. Vejamos as quatro vivências básicas do amor em nossas primeiras relações:

  1. ter tido amor do outro, o que nos favorece a aprendizagem do amor-próprio e pelo outro. Este ambiente social nos possibilita nos conhecermos, nos respeitarmos, lutarmos pelos nossos direitos, vivermos as frustrações com relativa serenidade e expressarmos com assertivadade nossa agressividade.
  2. ter tido amor condicional do outro, ou seja, convivências carregadas de "se você for assim, eu o admiro..." etc, neste caso aprendemos o falso amor-próprio, não conseguimos ter um contato mais autêntico com nossos sentimentos e desejos e teremos sérias dificuldades em dar e receber afeto. Por exemplo, quando vivemos a idéia de que se formos bons, obedientes, não termos defeitos, não sermos frágeis, não errarmos, se formos competentes, bonitos, apenas assim, poderemos ter o afeto do outro, estamos sofrendo da ausência da possibilidade de vivermos nós mesmos e de usufruir de nossos potenciais.
  3. ter tido desamor: esta experiência constante nos faz aprender um amor-próprio inexistente e a ter um amor pelo outro inexistente ou com dependência patológica afetiva. Por exemplo: os danos físicos causados à criança, dentre eles, bater nela com violência, para descarregar sentimentos ou sem justificativa sensata; maltratá-la; abusar dela sexualmente e os danos psíquicos: críticá-la, ameaçá-la, rejeitá-la no seu jeito de ser, frustrá-la permanentemente, desampará-la etc... prejudicam o desenvolvimento da afetividade de qualquer pessoa.
  4. Ter tido amor/desamor (experiências ambivalentes constantes). Nessas situações, a aprendizagem emocional do amor-próprio fica compometido e do amor pelo outro fica carregado de conflitos severamente angustiantes. Por exemplo: pegar a criança no colo e falar com o outro, atender seus pedidos com tristeza, dar uma norma de advertência e logo em seguida retirá-la.

As três últimas experiências bloqueiam nossas potencialidades criativas, a maturidade de nossa afetividade e, por isso incita a agressividade. A agressividade pode ser expressa de diversas maneiras, dentre elas, em relação a nós mesmos (e, com isso vivemos, por exemplo a depressão ou vínculos pouco satisfatórios); agressão ao outro (vivemos, então, complexo de superioridade e vínculos sem compromissos) e a indiferença em relação à agressividade (experimentamos, por exemplo, confusão mental, vínculos alienados).

Estas maneiras de viver a agressividade nos fazem experimentar uma identidade destrutiva ou negativa, tais como: "sou incapaz", "a vida não vale a pena", " sou errado", "sou inútil", " ninguém gosta de mim", "Não vou conseguir." A assimilação de estigmas: "é bom dar sempre", "Sofro pra ser feliz um dia", "sendo o melhor serei amado", " me perceberão, se der conta de tudo", " virão me buscar se ficar só". Ou o oposto destas assertivas, como forma de compensar o desamor...

Estas experiências psicológicas são reforçadas nas relações afetivas, pois trazem algum sentido existencial, mesmo que destrutivo. Podemos ter, assim, a negação ao prazer com a alienação de vivências de satisfação ou o narcisismo patológico, em que se busca o prazer extremado, sem visão de conseqüências para si e para o outro.

Em nossa cultura somos treinados para a árdua tarefa de sermos amados sempre ou por todos. A rejeição se torna um dos monstros mais temíveis, que nos faz desenvolver várias estratégias para ter o outro, tais como: anular nossa expressividade, ser carrasco ou arrogante e irônico.

Alguns benefícios que o amor-próprio produz são: a conquista de nosso espaço social, a atualização de nossas potencialidades criativas e a não necessidade de ter o outro para preencher o nosso vazio existencial.

Para o desenvolvimento de nossa auto-estima, o dia-a-dia vivido com muita atenção ao nosso jeito de ser e de nos relacionar nos ajuda. É preciso refletir constantemente: como está meu auto-conhecimento? Como vivo a auto-estima? Como me relacionei com as pessoas? Que sentimentos vivi que me favoreceram ou que atrapalharam as relações? Consigo me imaginar no lugar das pessoas e perceber o que elas pensam de mim? Qual a minha responsabilidade nos conflitos que vivo?

Nós perdemos a dedicação contínua a nós e às relações nesta era do fast tudo e da virtualidade. É preciso resgatarmos a essência humana do contato, do respeito, da aprendizagem nas relações humanas em geral. Para isso, muitas vezes o processo de psicoterapia individual ou em grupo nos ajudará, quando quisermos esta ajuda ou quando dela sentirmos necessidade.

É importante sempre termos em mente que relacionar é investir em si... Quanto mais nos admiramos, nos propiciamos prazeres, desenvolvemos a ética pessoal, mais conseguimos ter relacionamentos construtivos.

É preciso rever o que é realmente o amor, e aprender a amar o amor. Uma características do amor é a superação de intransigências, a convivência aprazível diante das diferenças e das escolhas múltiplas da parceria, é verdadeiramente fazer ao próximo o que quer que ele faça a nós.

Quando amamos, vivemos a validação existencial que legitima o viver satisfatório...

Portanto, auto-estima e relações afetivas, sejam elas amorosas ou não, são interdependentes. O desenvolvimento da auto-confiança, do auto-respeito são fundamentais para confiarmos no outro e o respeitarmos.

 

Em nossos próximos textos, continuamos a falar sobre as questões do auto-conhecimento e das relações humanas.

 

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